Brasil ameaçado – Bagre cavernícola

Ituglanis bambui, um bagre cavernícola ameaçado. (Imagem: Bichuette & Trajano, 2004)

Ituglanis bambui, um bagre cavernícola ameaçado. (Imagem: Bichuette & Trajano, 2004)

Meu primeiro trabalho científico foi com o grupo de biologia cavernícola da USP, eu participei de uma expedição a Terra Ronca, em Goiás, de onde vem o brasileiro ameaçado dessa semana. As descobridoras desse bagre cavernícola foram Eleonora Trajano e Maria Elina Bichuette, com as quais eu trabalhava nesse período. Elas descreveram Ituglanis bambui a partir de animais coletados na virada do século em riachos subterrâneos da caverna Angélica. Ituglanis bambui tem coloração ainda um pouco amarronzada e olhos reduzidos, mas presentes, o que sugere que ele não esteja vivendo em cavernas há muitas gerações já que olhos e pigmentação são perdidos em peixes totalmente adaptados às cavernas. Ele não tem forte hábito de entocar-se e nada solitariamente à meia água em busca de alimentos que localiza com seus barbilhões. O principal risco que essa espécie corre é ter uma população pequena e ter alto grau de endemismo em cavernas de solos calcários. Como o calcário é usado industrialmente em condições que variam do clareamento do papel até a produção de creme dental, economizar pasta de dente e usar aquelas folhas de papel reciclado e não clareado já é uma boa medida para cuidar desses bagres.

Brasil Ameaçado- Peixe canivete (Characidium vestigipinne)

Characidium vestigipinne, tão raro que a única foto que encontrei foi de um exemplar de museu (imagem: B. Callegari/projeto-saci.com)

Este peixe canivete é outra dessas espécies recentemente descritas (2000, apenas 15 anos atrás) e que já constam de listas de espécies ameaçadas. O problema é novamente a distribuição muito restrita da espécie a um arroio na Bacia do Alto Rio Uruguai. Esses arroios cortam propriedades rurais pecuaristas e acabam sendo represados para servir de bebedouro para o gado ou são pisoteados pelos animais, o que resulta em mudança do leito e da transparência da água. Canivetes são peixes de fundo que dependem muito das características do leito do rio e capturam itens alimentares que enxergam descendo o rio com a correnteza. Tanto o pisoteio quanto o represamento tornam esses arroios inabitáveis para os peixes canivete. Uma dúvida comum diz respeito à condição verdadeira desses animais como uma espécie. Entre o gênero Characidium existem várias espécies pertencentes a um complexo afim a Characidium zebra. Se considerássemos todos esses animais como pertencentes apenas à espécie C. zebra, não haveria ameaça nenhuma de extinção, já que muitas dessas espécies são bastante numerosas. No entanto, considerar cada espécie separadamente deixa algumas delas em maus lençóis. No caso de C. vestigipinne o que a diferencia das demais espécies é a segunda nadadeira dorsal vestigial e a presença de alguns caracteres dimórficos, diferentes entre machos e fêmeas. Seria isso suficiente para considerá-la uma espécie à parte? Os especialistas consideram que sim. Na dúvida, não custa proteger essa população isolada no Rio Grande do Sul. Uma forma de fazê-lo é impedir que o gado se aproximasse de rios.