Fernanda Poletto – O futuro do doutorado
Apesar da foto já ter alguns anos ela permanece com a mesma cara
Fernanda Poletto é formada em Farmácia Industrial pela UFRGS, com mestrado em Ciências Farmacêuticas pela mesma universidade, onde desenvolveu partículas poliméricas capazes de liberar fármacos com velocidade controlada. Depois do mestrado, participou de um projeto FINEP na área de nanobiotecnologia, em parceria com a iniciativa privada, por 2 anos. Após o fim desse projeto, iniciou seu dotourado em química, também na UFRGS, e desde então vem estudando tanto aspectos da organização supramolecular de nanopartículas poliméricas quanto seu potencial de aplicação biológica como carreadores de fármacos para doenças negligenciadas. Atualmente, está no último ano de doutorado com financiamentos da CAPES (1º ano) e CNPq (daí em diante).
1)O que levou você a procurar a carreira científica? Como isto resultou no ingresso num programa de doutorado?
As pessoas que seguem a carreira acadêmica costumam responder a esse tipo de pergunta com o argumento de que sempre foram muito curiosas sobre como as coisas funcionam e que sempre se interessaram por assuntos científicos; muitas sonhavam em ser cientistas desde a infância. Comigo foi um pouco diferente. No colégio, sempre tive predileção pela área de humanas. História, literatura e línguas me fascinavam. Sempre tinha opinião para tudo e meu jeito preferido de expressá-la era escrevendo (talvez o blog de divulgação de ciência que mantenho seja em parte impulsionado por essa predileção de juventude). Esse interesse pela condição humana e seu contexto social, somado a um senso mais prático, acabou influenciando na minha escolha por um curso universitário na área de saúde. Durante o curso de farmácia, fiz um longo estágio em hospital, onde aprendi muito. Nesse mesmo período, cursei as disciplinas que compõem o ciclo básico do curso, e foram essas disciplinas que lentamente despertaram meu interesse pela construção de novos conhecimentos científicos. Foi apenas na graduação que entendi o quanto a química, a bioquímica, a fisiologia, etc podem ser absurdamente fascinantes. Quando ingressei no ciclo profissionalizante do curso, já tinha claro que meu caminho era a ciência, pois queria muito fazer parte daquilo, contribuir com meu “tijolinho”. Troquei o estágio no hospital pela iniciação científica. Fiz a iniciação científica e o mestrado na área de tecnologia farmacêutica, que é bem aplicada. Minha fome de conhecimento mais fundamental, que atingiu seu ápice no mestrado, acabou me levando ao doutorado em química. Foi uma escolha muito feliz, pois encontrei o que estava procurando. Foi também (e continua sendo) uma grande lição de humildade, porque precisei aprender muitas coisas praticamente do zero. Mas é essa saída da zona de conforto que nos faz crescer, não é?
2)Quais os seus planos para sua carreira depois da titulação? Até o momento essa expectativa tem se cumprido?
Meus planos envolvem um pós-doutorado onde eu possa continuar investigando sistemas nanoestruturados poliméricos aplicados à terapêutica, meu foco principal de estudo. E, subsequentemente, uma carreira de docência e pesquisa em universidade na mesma linha. Embora esteja no meu último ano de doutorado, ainda é cedo para fazer uma avaliação completa de todo o caminho percorrido, mas posso dizer que até agora o saldo é positivo: trabalho num assunto que me encanta e que me desafia, tenho acesso a recursos compatíveis com os melhores grupos de pesquisa do mundo, tenho feito excelentes contatos, participado de congressos importantes na área de ciência de materiais e vejo um país em franco crescimento científico. É melhor ser cientista hoje no Brasil que há dez, quinze, vinte anos. E será melhor ainda para a geração posterior à minha. Há quem diga que sou excessivamente otimista. Não acho. É uma questão de conhecer nosso passado, perceber as mudanças, reconhecer o quanto evoluímos e ter olhos para as oportunidades.
3)Em linhas gerais, como é sua rotina de trabalho no doutorado?
Vou confessar que não tenho muita rotina. Às vezes, passo dias inteiros na frente do computador tratando dados e escrevendo. Em outros momentos, posso ficar até 14h, 16h no laboratório envolvida com experimentos. Nesse último ano, tem sido freqüente trabalhar inclusive à noite e nos finais de semana. Costumo brincar que pensar dói. Tentar entender algo que nem você nem ninguém tenham entendido antes não é trivial. E no fundo, esse é meu trabalho. Demanda tempo, esforço, dedicação. Minha força motriz é meu interesse, minha curiosidade. Escrevi sobre isso, há quase 1 ano, no Bala mágica.
4)Quais os problemas que a pós-graduação no Brasil tem encarado?
Temos um problema em comum com muitos outros países, que é o famoso “publish or perish”. Há uma pressão muito forte para que se publique em quantidade, o que não necessariamente está correlacionado à boa ciência. No que se refere a problemas nacionais, especificamente, é preciso apontar a excessiva burocracia que rege o gerenciamento das universidades brasileiras, em especial as públicas. Além disso, ainda há certo conservadorismo de alguns grupos quanto às fontes de captação de recursos para pesquisa. Acredito que esse aspecto esteja mudando, com a valorização da inovação pela iniciativa privada. O acesso a recursos financeiros, em especial no caso das ciências duras, impacta no tipo de pesquisa realizado e certamente se refletirá no perfil do aluno formado. Outro ponto importante é o inglês praticamente ausente na rotina dos alunos de pós-graduação no Brasil. A língua da ciência inegavelmente é o inglês. Uma mudança nesse sentido seria fundamental, como aulas ministradas em inglês, por exemplo. Isso não tem nada a ver com desvalorizar o português. Tem a ver com valorizar a comunicação acadêmica. Certamente, teríamos
mais colegas de outros países fazendo pós-graduação aqui, o que geraria uma troca de conhecimento e cultura muito enriquecedora e aumentaria a visibilidade da pós-graduação brasileira no mundo.
5)Que conselhos você daria a alguém considerando agora ingressar na carreira acadêmica?
Diria para esse alguém pensar num assunto que é capaz de interessa-lo por horas e horas num dia, e que seja capaz de se imaginar mantendo esse interesse ao longo de muitos anos. Esse é o primeiro passo, e talvez um dos mais importantes. A rotina acadêmica é árdua, e a frustração é um sentimento muito presente. Saber lidar com essa frustração e ser resiliente é pré-requisito para não desistir. Como comentei acima, entender algo novo não é trivial. Ainda não terminei minha tese, mas já tenho uma frase que é forte candidata a epígrafe: “I’ve failed over and over and over again in my life and that is why I succeed.” (Michael Jordan – sim, o jogador de basquete). Para que se possa falhar e aprender, para então acertar, é preciso estar em ambiente propício, que crie oportunidades e permita liberdade de pensamento. Informar-se sobre o grupo de pesquisa de interesse é fundamental antes de tentar uma vaga, e grupos bem-estabelecidos em suas áreas sempre devem ter preferência. Se for possível, acho altamente recomendável fazer alguns meses de “estágio” no lugar antes de ocupar a vaga definitivamente. Nesse período é possível perceber se há afinidade com o orientador, se a rotina do laboratório é compatível com as expectativas criadas e se o assunto escolhido realmente é de interesse a ponto de merecer anos de dedicação.