Etologia de alcova – Sexo violento
O sexo pode parecer um momento de conjunção, de partilha de objetivos, mas nós etólogos sabemos o quanto o comportamento sexual é conflituoso. O conflito sexual é a manifestação das diferenças de interesses entre machos e fêmeas na hora do sexo. Esse conflito pode tomar as mais diversas formas, mas hoje vamos falar sobre como a violência pode estar envolvida no conflito sexual.
Uma forma do conflito sexual agir sobre o comportamento reprodutivo é através da força física. Nesse caso, um dos sexos usará de força para conseguir o que deseja no relacionamento. A situação que imediatamente vem à mente é o estupro, ou sexo coercivo, do qual já tratei num outro momento. No entanto, existem outros casos em que a força pode ser usada para conseguir o que se quer. Começarei com o caso de uma fêmea que usa a força contra o macho. Fêmeas, como já falamos, se beneficiam de machos que dão atenção total aos seus filhotes, enquanto machos se beneficiam de acasalar com mais fêmeas. No besouro coveiro, a fêmea coage seu parceiro a não sair por aí galinhando e deixar toda a carniça que ele conseguiu como alimento apenas para os filhotes dela. Cada vez que o macho sobe num poleiro para liberar feromônio de atração de parceira a fêmea agarra a base do poleiro (em geral uma folha de capim) e sacode até derrubar lá do alto o besouro galanteador.
Mas a violência vai muito além. Quem nunca viu os simpáticos corações formados por libélulas durante a cópula? Por mais romântico que pareça, o que está acontecendo ali está mais para sexo selvagem. Quando um macho encontra uma fêmea, ele voa por trás dela e a agarra pelo tórax com as pernas. Nesse momento ele pode mordê-la também. A libélula macho tem um apêndice em forma de alicate na ponta do abdômen que ele usa para agarrar a fêmea. Assim, o macho pode passar algum tempo voando à frente com a fêmea presa pela cabeça à ponta do seu abdômen. É uma boa forma de cansá-la para resistir menos à cópula. Em seguida o macho pousará e agarrará a ponta do abdômen da fêmea, onde está a abertura genital dela, e a torcerá até o começo do seu abdômen, onde está o pênis. É aí que se forma o romântico coraçãozinho. Vários outros machos têm pedaços do corpo especializados em segurar a fêmea de jeito, como as antenas dos percevejos conhecidos bizarramente no Brasil como aranhas d’água.
Outro percevejo bem kinky passa a vida na cama (nas nossas camas, quero dizer), é o campeão do título “penetração mais violenta”. Esses bichos têm um pênis em forma de espada que o macho finca no abdômen da fêmea em qualquer lugar, não precisa de uma abertura genital. Ali ele jorra seu esperma que, com sorte, encontrará um óvulo entre os órgãos internos da parceira. Obviamente, a punhalada peniana tem alto custo para a saúde da fêmea que, apesar de tudo, em geral sobrevive.
Falamos acima de como agarrar sua parceira. Este é um problema ainda maior em animais sem braços ou pernas e com fecundação interna, como as serpentes. Os hemipênis das serpentes são cobertos de espinhos córneos afiados que literalmente ancoram o macho dentro da fêmea, mas é provável que essas ornamentações no pênis dos machos tenham outra função além de prender a fêmea. Em insetos como os gorgulhos, esses besourinhos que dão em potes de grãos armazenados, o trato genital da fêmea termina uma cópula todo ferido por dentro devido às pontas que o macho tem no pênis. Machucada, a fêmea dificilmente conseguirá acasalar de novo tão cedo, garantindo a paternidade do macho que a feriu.
Agora que esse texto já está longo o suficiente, me ocorreu que falei de casos em que a violência não é muito bem-vinda. O sexo violento traz prejuízos para um parceiro, mas beneficia o outro: definindo o conflito sexual. No entanto, existem casos em que a violência é parte do que um parceiro busca no outro. Falaremos disso na alcova mês que vem.