A alga e o assassinato de Mércia

É tão raro acontecer que resolvi dar mais visibilidade. Vocês viram que um biólogo pode ser o responsável pela prova mais contundente do julgamento de Mizael Bispo dos Santos? O réu, acusado de assassinar a namorada Mércia Nakashima, tinha vestígios de uma alga do gênero Chaetophora na sola do sapato. É a biologia fazendo parte da ciência forense.

A alga que sabia demais: Chaetophora sp. Fonte: eol.org

Imagine que haja na cena do crime uma alga que só ocorra ali. Encontrar vestígios dela no sapato do acusado seria uma prova de que, em algum momento ele esteve no local. Chamamos de endemismo a ocorrência de um organismo apenas numa região. Isso pode ocorrer por isolamento reprodutivo. Uma alga como a Chaetophora, restrita a ambientes de água doce e lenta, até poderia ser endêmica da represa de Nazaré Paulista, já que tanto o rio que chega ao reservatório quanto o que sai têm águas mais rápidas, mas não é esse o caso. Afinal, a represa não é antiga o suficiente para ter gerado uma especiação. Se a alga não é endêmica da represa, como ela pode ser uma prova contra Mizael?

A alga Chaetophora não é exatamente rara nas represas brasileiras, mas por crescer aderida a superfícies lisas, como outras plantas aquáticas, e ser muito suscetível à dessecação só poderia ter ido parar na sola do sapato de Mizael se ele tivesse andado dentro da água com esse sapato. Além disso, o volume de poluentes orgânicos presentes na represa (hipereutrofização) favorece a proliferação dessa alga específica justamente ali. Assim, se não é definitivo que Mizael só pode ter estado na cena do crime, ele pelo menos esteve caminhando de sapatos dentro de uma represa eutrofizada como a de Nazaré Paulista. Pode ser uma prova relativamente fraca isoladamente, mas acompanhada de outras tantas a biologia presta seu papel na justiça, assim como em tantas outras faces da vida.