3º setor, Profissão Biólogo
Pedro de Sá – sócio e membro do departamento florestal da ONG Iniciativa Verde
Atuo no terceiro setor em uma Organização Não-governamental chamada Iniciativa Verde. (www.iniciativaverde.org.br). No terceiro setor, aquele que compreende as ONGs e OSCIPs há muitas oportunidades de atuação para o biólogo. A ONG onde trabalho foi fundada por dois engenheiros, um biólogo e um designer. Atualmente somos 10 funcionários sendo que desses, quatro são biólogos. Dois trabalham na área florestal e dois na área de mudanças climáticas/inventário de emissões de gases de efeito estufa.
Cotidianamente tenho a exigência de uma formação solida principalmente em áreas como botânica e ecologia vegetal/florestal. É necessário também conhecer e entender a importância das florestas como provedores de serviços ambientais. Ter noções de direito ambiental é necessário também. Fora esta parte mais teórica/acadêmica eu tive que estudar e desenvolver um lado de gestor de projetos com o qual não tive contato na universidade. Essa parte de gestão não se encerra no acompanhamento físico-financeiro do projeto, pois exige também uma adequação de discurso inerente a um trabalho onde, em uma ponta você capta recurso com empresas e órgãos públicos e reporta resultados para estes, e na outra ponta você executa o projeto, com agricultores rurais, comunidades tradicionais, associações e ONGs locais, órgão ambientais e outros. Outra habilidade necessária é a criatividade para propor projetos inovadores. Este é sem dúvida um requisito básico para trazer projetos para a instituição.
Meu cargo é de coordenador florestal. Eu sou responsável por prospectar parceiros interessados em trabalhar com a Iniciativa Verde em projetos de restauração florestal. Parte do meu tempo então eu passo prospectando parceiros que queiram restaurar suas áreas de preservação permanente (APPs) ou que possuam projetos de restauração de APPs e necessitem de apoio financeiro e/ou técnico para realizar os projetos. Outra parte do tempo eu passo executando os projetos seja em campo durante os plantios e manutenções das florestas ou em escritório na confecção de relatórios e reportando os resultados para os nossos financiadores. Também despendo tempo escrevendo novos projetos e dando respaldo à equipe que busca novos financiadores.
Teoricamente minha carga horária é de 30 horas semanais, mas eu acabo sempre trabalhando mais que isso. Assim eu divido meu tempo em três semanas trabalhadas na iniciativa verde cumprindo 40 horas semanais e na semana restante dedico meu tempo a uma pequena empresa de consultoria na área ambiental que abri há um ano e em cursos complementando a minha formação.
O ambiente de trabalho é muito bom. A equipe é muito diversificada, tanto entre as formações específicas dos membros do grupo, quanto dentro das formações e nas experiências pretéritas (muitos se “fizeram” no serviço público outros em empresas, na acadêmica ou propriamente no terceiro setor) o que faz com que seja um aprendizado constante. É fato que isso exige muito de você e da equipe, pois nem todo mundo está acostumado a “falar” a mesma língua, mas eu considero o resultado final disso muito bom.
O fato de ser escutado pela diretoria nas decisões cotidianas da instituição também melhora o ambiente e faz você se sentir parte da instituição, o que é ótimo. Possuímos uma sede bem aconchegante em local central, com boa estrutura de serviços e de fácil acesso, o que torna o nosso cotidiano muito mais fácil na capital paulista.
Como eu disse anteriormente eu tive que aprender muito, e ainda tenho muito a aprender, sobre gestão de projetos e como fazer o aspecto técnico e gerencial caminharem conjuntamente. Além disse eu tive que correr atrás de várias coisas que não tive contato na universidade, ou se tive foi muito a “En passant” como o direito ambiental, sociologia e principalmente a discussão do papel do biólogo na sociedade. Eu creio que esses assuntos deveriam ser obrigatórios em todos os cursos de biologia. Mas o principal extra, e que eu carrego no meu dia a dia, foi aprender a adequar o discurso técnico e acadêmico a uma linguagem acessível e compreensível a um pequeno agricultor do interior do estado ao técnico ambiental de uma pequena cidade do Brasil e por aí vai.
Eu gostava muito das disciplinas ligadas às ciências naturais: Zoologia, Botânica e Ecologia, na graduação. Como eu passo boa parte do meu tempo no campo vendo plantas, bichos padrões e processos ecológicos não tem como não lembrar das disciplinas citadas acima.
Após me formar eu comecei a trabalhar com estudo do meio. Eu creio que essa etapa profissional foi fundamental pra praticar e entender a importância da adequação de discurso que falei acima. Um belo dia eu prestei um concurso para trabalhar com recuperação de áreas degradadas e fiquei por pouco de ser chamado. No tempo entre ser ou não ser chamado eu comecei a estudar sobre o assunto e vi que aquilo ia me completar naquele momento. Então eu comecei a dar as caras no meio, participar de congressos encontros e reuniões. Depois comecei a fazer um estágio na ESALQ com adequação ambiental de propriedades rurais, durante o estágio eu comecei a trabalhar como colaborador de uma ONG em Piracicaba, o Instituto Ambiente em Foco e foi ai que eu vi que queria trabalhar no terceiro setor. Fiquei um ano e meio no Ambiente em Foco e em janeiro de 2010 recebi o convite da Iniciativa Verde para integrar o Departamento Florestal. Em janeiro desse ano eu recebi um convite da diretoria para me tornar associado da instituição e hoje além de técnico sou um associado.
São duas principais coisas que me motivam: a primeira delas e plantar árvores. Segundo, e não menos importante, é saber que esse trabalho está causando um impacto positivo na vida de pessoas que vivem a quilômetros de distância e que podem ser elas que plantam a alface que eu vou comer hoje no almoço ou que ordenharam o leite que eu bebi hoje de manhã.
Existe certo preconceito com o terceiro setor no Brasil por conta dos escândalos de corrupção envolvendo ONGs. É justificável? Sim, mas também é necessário separar o joio do trigo. Outra dificuldade não é só restrita ao terceiro setor, mas à área ambiental como um todo. A área ambiental não é uma atividade fim e sim uma atividade meio. É um meio para se conseguir uma licença, é um meio de se melhorar a imagem coorporativa. Enfim são poucas as empresas/instituições dispostas a investir realmente em meio ambiente. Tudo isso torna árdua a captação de recursos para realização de projetos.
Eu acho que não serve só para a minha carreira, mas para todas. É fundamental, além de ser um profissional com uma formação sólida, se colocar no meio, através da participação de eventos, seminários e simpósios e uma vez nele não desistir quando os obstáculos aparecerem. Pode ter certeza que serão vários e de diferentes naturezas. Mas o principal mesmo é ir atrás do conhecimento e das ferramentas que a universidade não te ofereceu e isso só se faz vivendo. No meu caso ler Manoel de Barros é tão importante quanto fazer um curso de direito ambiental.