A visita de um fantasma
Eram 8 horas da manhã e meu visitante chegou precisamente no horário, não que eu fosse esperar algo diferente, afinal era um britânico. Ele chegou com um cabelo imaculadamente branco e a barba, igualmente alva, muito cheia e bem aparada, uma aparência que lembrava Sigmund Freud. Minha missão naquela manhã era ciceroneá-lo na visita ao campus, mas queria especificamente mostrar-lhe o laboratório de informática.
Apesar de seus 73 anos e de exalar um forte cheiro de cigarro, meu convidado me seguia a passos rápidos pelos corredores do campus. Perguntei-lhe o que gostaria de ver e ele logo pediu para ir até a biblioteca. Folheou os exemplares mais recentes da Nature e da Science com curiosidade, de vez em quando se atinha um pouco a examinar um artigo sobre métodos moleculares e evolução, sempre olhando muito de perto através das lentes redondas de seus óculos, sua visão era muito ruim. Mostrei-lhe os artigos que apresentaram a clonagem da ovelha Dolly e o sequenciamento do genoma humano, seu queixo caiu e logo em seguida abriu um sorriso. Levei-o a um laboratório de biologia molecular, mostrei-lhe o sequenciador e o PCR. Ele corria os dedos por sobre os aparelhos, depois fomos a uma sala onde um colega mostrou o último gel de eletroforese que havia corrido sob a iluminação UV intensa. Meu convidado estava extasiado, embora tenha ficado visivelmente intrigado com a cor morena da pele de meu colega. Ele era um eugenista confesso, apesar de ter trabalhado em companhia de indianos ainda tinha imbuída em sua mente a superioridade dos caucasianos.
Quando tive chance apontei para uma sala no corredor e o fiz entrar. Ali havia uma dezena de computadores e lhe perguntei se sabia o que era. Ele respondeu perguntando se era um computador, sua genialidade de raciocínio era assombrosa. Liguei a máquina e comecei a apresentá-la ao convidado maravilhado. Mostrei-lhe a internet, até entrei na página da Wikipedia sobre ele. Mas o que mais queria era apresentar-lhe as planilhas de cálculo, abri o programa de estatística que mais usávamos no laboratório, importei uma tabela de dados e dei o comando para rodar uma análise de variância. Em menos de um segundo a tela ficou preenchida com os números resultantes e os olhos de meu convidado faiscaram de prazer. Ele disse que não acreditava que ainda utilizássemos aquilo. Respondi que usávamos, mas que muita coisa nova e interessante havia surgido desde então para outras finalidades. Assim, mostrei-lhe uma análise de componentes principais, um dendrograma, depois fui aos métodos de aleatorização de resultados como o Monte Carlo. A cada estatística que eu apresentava dava uma idéia dos conceitos matemáticos envolvidos, mas minha ingenuidade era humilhada por uma enxurrada de perguntas para as quais eu não tinha a mais vaga idéia de resposta. Mesmo assim o fantasma foi tolerante comigo, o que não combinava com a visão arrogante que me haviam passado dele, que costumava chamar de óbvias idéias que ninguém além dele conseguia compreender.
A mente de meu convidado maquinava em silêncio enquanto ele se espantava com a capacidade de cálculos velozes do computador, mesmo sendo tão pequeno. Fiz questão de mostrar-lhe um Mac Book que havia na sala e processava sua análise de variância igualmente rápido. Passamos a manhã e também a tarde juntos, eu fui seu guia pelas novidades da biologia e estatística desde a década de 60. Ao final da tarde meu convidado me agradeceu muito, mas disse que precisava voltar para sua fazenda e que Ruth o estava esperando para jantar. Ele se retirou da mesma forma que entrou pela manhã, mas sabia que o fantasma continuaria presente em meu trabalho, assim como no de muitos cientistas.