O opilião aproveitador

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Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

– Ah, que horror! – A doutora, preocupada, correu para a antessala ao ouvir o grito de sua nova secretária. Desde que sua última pedira demissão, apavorada com um tubarão martelo enorme que estava deprimido pelo fim da simbiose de limpeza com uma peixinha recifal, ela decidiu contratar uma estudante de veterinária para o cargo. Pelo menos veterinários seriam mais acostumados à fauna que comparecia ao consultório. Na recepção sua secretária estava de pé sobre a cadeira, com um tamanco na mão pronta para atirá-lo. No outro canto do cômodo uma criatura cheia de longas pernas se encolhia contra a parede com os omatídeos arregalados.

pseudopucrolia

O Sr. Pseudopucrólia sobre o divã da doutora.

Foto de Glauco Machado

 

A terapeuta se colocou entre a secretária e o aracnídeo. – Calma, abaixe o tamanco. Ele é um cliente e é inofensivo. Não é uma aranha, mas um opilião. – Depois voltou-se para o bichinho sorrindo e convidou-o a entrar no consultório. Ela não imaginou que uma veterinária não teria familiaridade com animais menores.

Agora o opilião, um macho cheio de espinhos e bolotas nas pernas posteriores estava seguramente deitado no divã – O que tem a me contar, Sr. Pseudopucrolia? – Perguntou a dra.

– É a danada da culpa, doutora. Não sei mais o que fazer com ela.

– E o que te causa tanta culpa? – A doutora estava com um vestido até os joelhos e os cabelos, meio revoltos, soltos por cima dos ombros. Não havia um cliente que não a achasse linda.

– Doutora, sou um pai dedicado, protejo dos predadores meus futuros filhotes em seus ovos, mas no fundo sei que só estou me aproveitando disso. – O opilião respondeu fazendo um muxoxo de tristeza com as pedipalpos.

– E como é que você se aproveita dos seus filhotes? – A analista perguntou enquanto cruzava as pernas e reclinava o corpo para ouvi-lo melhor.

– Cuido bem dos meus ovinhos, mas é tudo uma desculpa para seduzir as mulheres. Tem um monte de fêmeas que ficam caidinhas por um bom pai e eu me aproveito disso. Desde que consegui minha primeira leva de ovos desta estação reprodutiva já acasalei com outras cinco! – Disse o aracnídeo, gabando-se.

– Entendi. É comum que as fêmeas gostem de rapazes que saibam cuidar bem dos seus filhotes, protegê-los e ajudá-los a sobreviver. Não há do que se envergonhar por ser um bom pai, você não está obrigando elas a nada.  Pode ter certeza de que, enquanto você cuida dos seus ovinhos, elas estão por aí, se alimentando, tem até muitos outros ovos mais para deixar com outros machos, se assim preferirem.

– Exatamente, doutora. Às vezes até invejo os machos sem cria, que passam o dia vadiando, sem ninguém a se preocupar além de si mesmos. Mas tenho certeza que na hora do amor é o meu ninho que estará cheio e eles estarão tristes e solitários. Sabe que tem uns caras que, tamanho o desespero, chegam a roubar os ovos de outros pais para fingir que são seus? Um verdadeiro horror! – Confidenciou o cliente.

– Pois acredito em você. Aliás, isso é mais comum do que o senhor pensa aqui no consultório. – Disse a analista.

– A senhora quer ver uma foto dos meus filhos? Olha que lindos. – O Sr. Pseudopucrolia sacou de um bolso da carteira a foto abaixo. Nada muito visualmente atraente.

 

pseudopucrolia ovos

O bom pai e seus filhinhos

Foto de Glauco Machado

 

-Hum, que gracinha. – Disse a terapeuta sem conseguir disfarçar muito bem o desinteresse.

-Você achou? Quem sabe não gostaria de passar lá em casa um dia desses para conhecê-los melhor? – O opilião estampou um sorriso sedutor nas quelíceras encarando a doutora.

A terapeuta lançou-lhe um olhar de repreensão encaminhando-se à porta. – Estamos conversados por hoje, senhor Pseudopucrolia. Passar bem!

O opilião saiu visivelmente envergonhado do consultório enquanto a doutora dava um profundo suspiro ao notar a escrivaninha da secretária vazia exceto por um bilhete onda a palavra DEMISSÃO podia ser lida à distância.

 

Nazareth, T., & Machado, G. (2010). Mating system and exclusive postzygotic paternal care in a Neotropical harvestman (Arachnida: Opiliones) Animal Behaviour, 79 (3), 547-554 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.11.026