“Falsificações” Naturais


Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.
Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu convergentemente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?
A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!
A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor. Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de uma maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes. Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações. É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)