Geologia e Paleontologia Urbana – livros

CAPA GUIA LAGOS (Large)Ao fim de alguns anos são agora publicados três livros bilingues, português e inglês, que escrevi em parceria relativos à Geologia e Paleontologia Urbana de três cidades portuguesas, mais concretamente do Algarve – Faro, Lagos e Tavira.

Como sou o autor, parece-me mais adequado transcrever o que foi escrito sobre estes livros em dois jornais.
Entrevista na rádio nacional Antena1 pode ser escutada aqui.

“Um projeto pioneiro, inovador e original» é como Luís Rodrigues, diretor do Centro de Ciência Viva de Lagos (CCVL), define os novos Guias de Geologia e Paleontologia Urbana que, no conjunto, propõem mais de uma centena de descobertas em três cidades algarvias. O primeiro, dedicado a Lagos, vai ser lançado sexta-feira, 29 de janeiro.

Ciência, história e património juntam-se para uma proposta simples – descobrir diferentes tipos de rocha em Geologia e ambiente urbano, admirando o seu enquadramento e contexto específicos. «A geologia e paleontologia urbana explicam a história das rochas que constroem os nossos equipamentos. A ideia é visitar locais nas cidades, olhando para aquilo que os constrói, os materiais com diferentes origens, percursos e idades. Muitas destas rochas têm vestígios visíveis de seres vivos com milhões de anos», explica Luís Rodrigues, mentor dos novos guias.

A ideia surgiu em 2013, quando coordenava em simultâneo os Centros de Ciência Viva de Faro, Tavira e Lagos. O objetivo era criar um produto (guias) e atividade (visitas), que pudessem de alguma forma unir os três centros algarvios.

GUIA AMOSTRA 1 (Large)«Todas as semanas fazia algo que me dava imenso prazer. Circulava pelas cidades à procura de diferentes rochas. É uma maneira diferente de olhar para as coisas. Isso é também um dos principais objetivos destes guias, ou seja, desafiar as pessoas a modificar um pouco a maneira como olham para as rochas e verem tudo o que normalmente lhes passa despercebido», explica.
Os três primeiros Guias de Geologia e Paleontologia Urbana são dedicados às cidades de Lagos, Faro e Tavira. Os percursos sugerem pontos de interesse variados, desde cafés, muralhas, igrejas, praças, monumentos e conventos, até cemitérios, entre outros.

GUIA AMOSTRA 3 (Large) (2)«Embora existam publicações de caráter científico, este é um projeto pioneiro a nível nacional em termos de livros destinados ao grande público». É uma forma de despertar o interesse e aproximar os residentes, escolas e o turismo da geologia e paleontologia.

Além disso, «provam que o Algarve tem muito mais do que sol e praia para oferecer. Enriquecem ainda mais a oferta turística e cultural no Algarve», sublinha.”

«A nossa missão nos Centros de Ciência Viva é promover a ciência e tecnologia, mas estas não estão isoladas de tudo o resto. A arte, a história, o património estão também aqui presentes.
Desenvolvemos uma estratégia que permitiu integrar várias áreas do conhecimento».

GUIA AMOSTRA 5Participaram ainda na concepção dos Guias Rita Manteigas, historiadora e autora responsável pelos textos de complemento histórico, e Margarida Agostinho, professora de Biologia e Geologia e Ciências naturais, em Lagos.

O cemitério da Igreja do Carmo, em Tavira, é um dos pontos de paragem que mais encantou Rodrigues. «Gosto muito desta história. Neste cemitério existe a campa de um soldado. Com o tempo, a erosão fez aparecer amonites. Aos meus olhos, acabam por ser dois seres vivos que lá estão sepultados. Um humano e um outro ser com mais de 100 milhões de anos. Há ali uma partilha entre seres de diferentes espécies e diferentes tempos, e tem, para mim, um simbolismo quase poético», revela.

GUIA AMOSTRA 6Outro exemplo é o tampo do balcão de um café. «Entrei apenas para pedir um café. No entanto, comecei a olhar para esta rocha incrível que era o tampo do balcão, com mega cristais e auréolas verdes enormes. Vim a descobrir que é um impressionante granito finlandês. A rocha mais antiga do nosso percurso em Tavira. Os donos não tinham noção. Disseram-me que achavam-no bonito e o tinham aproveitado de um outro café».

Excerto do Jornal Barlavento

Margarida-Agostinho-e-Luis-Azevedo-Rodrigues_Centro-Ciencia-Viva-de-Lagos-1-1250x596Quem entra numa igreja para a visitar, olha para as pedras dos arcos, pórticos e colunas, mas apenas para apreciar o estilo e a mestria de quem as esculpiu. Mas agora há um guia que quer pôr os visitantes a olhar de outra forma para as pedras, que até contam histórias bem mais antigas que o próprio monumento.

Se já teve a sorte de apanhar aberta e visitar a Igreja de São Sebastião, em Lagos, certamente nunca reparou nos fósseis com 150 milhões de anos que existem na rocha em que é feita a pia batismal. E quem fotografa o D. Sebastião, na baixa da cidade, talvez nunca tenha olhado bem para as quatro diferentes rochas que foram usadas pelo escultor João Cutileiro para fazer a estátua do rei menino.

GUIA AMOSTRA 4 (Large)Amanhã , no âmbito dos festejos do feriado municipal de Lagos e do sétimo aniversário do Centro Ciência Viva da cidade, este CCV vai lançar o «Guia de Geologia e Paleontologia Urbana de Lagos», da autoria de Luís Azevedo Rodrigues e Margarida Agostinho, que pretende, precisamente, dar a conhecer as rochas e os fósseis que fazem parte de igrejas, monumentos e outros edifícios e equipamentos urbanos.

Este é o primeiro de uma série de três guias a ser editados em 2016, sobre as três cidades algarvias com Centros Ciência VivaFaro, Lagos e Tavira. Os de Faro e Tavira, segundo revelou Luís Azevedo Rodrigues ao Sul Informação, deverão ser lançados durante o próximo mês de Fevereiro.

Luis-Azevedo-Rodrigues_Centro-Ciencia-Viva-de-Lagos-1-1250x596 (1)O diretor do CCV de Lagos, ele próprio doutorado em Paleontologia, conta que a ideia de fazer estes guias surgiu quando era coordenador dos três Centros Ciência Viva existentes no Algarve, numa «tentativa de coordenar a sua intervenção e de os unir num projeto comum». A ideia, explica em entrevista ao nosso jornal, «foi criar um roteiro usado pelos CCV para divulgar a cidade, mas sob o ponto de vista geológico e paleontológico».

GUIA AMOSTRA 2 (Large)«O que queríamos é que as pessoas fossem, por exemplo, visitar uma igreja ou as muralhas e olhassem também para os materiais geológicos que constroem esses monumentos. Essas rochas têm uma história, uma cronologia, por vezes têm fósseis, outras vezes vieram de muito longe para serem usadas neste ou naquele edifício, fizeram um longo caminho para cá chegar».”

Excerto do jornal Sul Informação

 

Imagens: do jornal Barlavento e dos Guias de Geologia e Paleontologia Urbana de Lagos, de Faro e de Tavira.

GUIA AMOSTRA 7GUIA AMOSTRA 8Referências:
Rodrigues, L.A. and Agostinho, M. (2016) Tavira – Guia de Geologia e Paleontologia Urbana – Urban Geology and Paleontology Guide. Lagos Ciência Viva Science Centre Editions, 120pp. ISBN 978-989-99519-0-7.
Rodrigues, L.A. and Agostinho, M. (2016) Lagos – Guia de Geologia e Paleontologia Urbana – Urban Geology and Paleontology Guide. Lagos Ciência Viva Science Centre Editions, 124pp. ISBN 978-989-99519-2-1.
Rodrigues, L.A. and Agostinho, M. (2016) Faro – Guia de Geologia e Paleontologia Urbana Urban Geology and Paleontology Guide. Lagos Ciência Viva Science Centre Editions, 114pp. ISBN 978-989-99519-1-4.

Únicos e Bons: Ciência Viva no Verão

cviva_verao_rede2015_banner-01Pelo país fora, são mais de 1100 atividades gratuitas onde a ciência e a tecnologia se cruzam com as tradições ou o património natural, da engenharia da visita à Ponte 25 de Abril ou à geologia das encostas do Douro.

Outras coisas haverá para legitimar o título mas agora escrevo sobre a promoção da ciência e da tecnologia feita em Portugal durante o Verão, mais concretamente da 19.ª edição do Ciência Viva no Verão (CV Verão). E o título é mais do que merecido para este programa.

PONTE 25 ABRIL (Large)Salvo erro, este é um programa único e gratuito a nível mundial, onde durante os meses de Verão, a ciência e a tecnologia são as personagens centrais de visitas e passeios, observações e caminhadas. O CV Verão, promovido pela Agência Nacional Ciência Viva, procurou sempre envolver os cientistas e as entidades que se dedicam à investigação e divulgação da ciência com o cidadão comum, particularmente neste caso o que se encontra de férias.

Parece paradoxal que, durante as férias se gaste tempo a aprender ou ver com outros olhos o mundo que nos rodeia, se façam visitas acompanhadas. Mas para além de enriquecedoras, na época chamada de tonta, esta foi e é uma ideia vencedora. Graças à visão de que proporcionar aos veraneantes formas de enriquecer a sua literacia científica e tecnológica, conhecer o património natural do seu país ou mesmo apenas olhar as estrelas, o Ciência Viva no Verão sempre foi considerado um ovo de Colombo da divulgação. Tal como outras simples ideias vencedoras, o CV Verão é reconhecido pela maioria e é dado como adquirido. Mas às vezes só valorizamos quando perdemos o que nos está próximo. Este ano, o CV Verão continua com a mesma filosofia dos anos anteriores apenas com uma diferença: é a Rede Nacional de Centros Ciência Viva a responsável pela coordenação deste programa.

Visita Ciência Viva no Verão

Visita Ciência Viva no Verão

Há momentos únicos nestes 18 anos de CV Verão, momentos que o quase meio milhão de participantes das 25 mil ações puderam vivenciar no passado. Eu não me posso esquecer de dois enquanto dinamizador de visitas às pegadas de dinossauro da Salema. O primeiro é a história do Vasco que queria ser paleontólogo, que me deixou a pensar que não devemos ser condescendentes com os mais pequenos, em especial quando estes estão decididos a seguir uma carreira científica, porque também esta é também uma das qualidades do CV Verão, promover a ciência enquanto carreira. A outra envolveu turistas alemães que me queriam obrigar a receber o dinheiro, porque achavam que este tipo de ações deveria ser paga. A verdade é que o CV Verão é um investimento mas é um investimento ganho pois dar a conhecer a ciência, a tecnologia e o património natural, é um investimento que nunca será um investimento perdido.

BANNER CIENCIA AO SULNo Algarve, os três centros Ciência Viva aqui existentes (Faro, Lagos e Tavira) organizaram 260 atividades gratuitas, dos “Astros e Sons Noturnos na Ria Formosa” onde se alia a observação dos astros com a audição da fauna da ria ou perceber o curso feito “Da Pedra calcária à cal das nossas casas”, uma descoberta da transformação do calcário em cal na Aldeia de Santa Rita ou mesmo uma visita guiada às pegadas de dinossauro da Praia Santa.

SAL GEMA (Large)Pelo país fora, são mais de 1100 atividades gratuitas onde a ciência e a tecnologia se cruzam com as tradições ou o património natural, da engenharia da visita à Ponte 25 de Abril ou à geologia das encostas do Douro.

Aproveite o Verão com Ciência no Ciência Viva no Verão em Rede 2015!

Inscrições e informações – Ciência Viva no Verão em Rede

(Artigo originalmente publicado no P3)

Dinos, satélites e briófitos | Podcast Ciência Viva À Conversa

Três conversas e quatro podcasts do Ciência Viva À Conversa.

Vanda Santos e Luis Azevedo Rodrigues em Vale Meios
– sobre a paleontologia de Dinossauros em Portugal com Vanda Santos do Museu Nacional de História Natural e da Ciência;
DSC_1353 (Large)

 

 

– sobre um grupo de alunos e um professor que vão construir e por em órbita um satélite do tamanho de uma lata. Quem vai por em órbita o satélite é a Agência Espacial Europeia. A Escola é a Secundária de Olhão.

César Garcia briófitos e líquenes

 

 

– sobre os briófitos e líquenes de Portugal e como é o trabalho do botânico César Garcia do Jardim Botânico de Lisboa/Museu Nacional de História Natural e da Ciência.

 

Imagens: Luís Quinta (primeira) – nesta foto eu e a Vanda Santos em trabalho de campo há uns anos atrás em Vale de Meios.

Luís Azevedo Rodrigues (restantes)

Os meus dias já foram mais pequenos

Actualizado com artigo de 2020 em 18 de Fevereiro de 2021.

Aproveito-o agora para para ser publicado aqui e também no jornal Sul Informação).

Quando crianças os dias parecem durar e durar, havendo tempo para (quase) tudo. Há tempo de sobra para brincar, rir e fazer tudo e mais alguma coisa.
À medida que ganhamos rugas e dores nas costas, a divindade do tempo infinito encolhe e parece que o tempo já não é o que era.
Ele não chega para nada, que está cada vez mais curto, que o tempo corre mais que a gente.
Quantas vezes já escutámos “O meu dia deveria ter 25 horas” ou “Só queria mais umas horas por dia”.
As mudanças de percepção que a idade traz à duração dos dias são isso mesmo, mudanças na percepção.

Mas os dias já foram mesmo mais pequenos. Por outras palavras, a Terra já demorou menos tempo a efectuar o seu movimento de rotação.
O nosso planeta já teve dias mais pequenos do que as 24 horas a que estamos habituados.
A responsabilidade pelo aumento dos dias cabe às marés, sendo estas provocadas pela atracão gravitacional da Lua sobre o nosso planeta.

De forma breve: a atracão da Lua sobre a Terra origina acumulação de água do mar no lado que está diante dela (maré alta) e também do lado terrestre oposto*. Simultaneamente existirão locais onde essa água “faltará”, observando-se nestes locais a maré baixa.

Como o sentido da rotação da Terra é o mesmo que o da translação da Lua, mas muito mais rápido, gera-se um efeito de fricção da água do mar com os fundos oceânicos, que, aliado à inércia da própria água, abranda a rotação da Terra.
Um efeito semelhante também é exercido pela Terra sobre a Lua. Como a Terra tem muito mais massa do que o nosso satélite, o nosso planeta já conseguiu deter o seu movimento de rotação, motivo pelo qual vemos sempre a mesma face da Lua.

Não entrarei em maiores detalhes sobre a mecânica celeste deste processo, mas refiro apenas que a Terra sofre actualmente um aumento nos seus dias de cerca de 1.8 milissegundos por século – alguns autores referem 2.3 milissegundos por século.
Obrigado pela ajuda, dirão os mais necessitados de dias maiores, em tom de sarcasmo.

A estes responderei que simulações feitas por computador permitiram deduzir que os dias tinham, quando a Terra estava no seu início, apenas 6 horas. Aquilo que a maior parte de nós passa hoje a dormir era a duração de um dia inteiro há cerca de 4.5 mil milhões de anos.
Mais: a análise do ritmo do crescimento diário de corais fossilizados, por exemplo, permitiu deduzir que a duração dos dias há 400 milhões de anos era de 22 horas.

E agora, caros desejosos-de-dias-maiores, estão satisfeitos com a vossa situação actual? Dias com 24 horas?
Era muito pior há milhões de anos.
Sim, porque, ao contrário de nós à medida que envelhecemos, os dias da Terra vão ficando cada vez maiores. Literalmente.

* por motivos de simplificação para o caso que se descreve omite-se o efeito do Sol.

Referências:

Williams, George E. (2000). Geological constraints on the Precambrian history of Earth’s rotation and the Moon’s orbit. Reviews of Geophysics, 38 (1) pages 37–59.

Imagens:

1 – La Voyage dans la Lune de Georges Méliès
2 – Daqui
3 – Daqui

4 – atualização com artigo de 2020 e informação paleontológica.

5 – artigo de divulgação que resume o artigo 4.

Luís Azevedo Rodrigues 

 (Este texto foi escrito como a minha colaboração para a ação interCiência, em que eram trocados de forma anónima textos entre blogs. Este texto foi a minha “oferta” para o blog Curioso Realista, onde foi publicado originalmente.

O Panda Catalão

É uma típica imagem chinesa aquela que agora vem da Catalunha – o panda.

Reconstituição de Kretzoiarctos beatrix ; fonte – SINC

Quase todas as crianças reconhecem este animal e uma parte delas sabe que este mamífero vive actualmente na China. Talvez a maioria dos adultos desconhecerá é que o mais antigo panda gigante viveu há cerca de 11 milhões anos na península ibérica.
Os vestígios fossilizados de um antepassado do panda gigante foram encontrados numa jazida fossilífera de Saragoça, designada Nombrevilla 2.

O Kretzoiarctos beatrix passa a ser o mais antigo representante da subfamília Ailuropodinae, grupo a que pertencem as formas extintas e as formas actuais do panda gigante, tendo os sedimentos onde foi encontrado  a idade de 11.6 milhões de anos.

Restos encontrados de Kretzoiarctos beatrix; fonte – de [1]

Até esta descoberta, o mais antigo antepassado procedia do Miocénico chinês, com uma idades que variavam entre os 7 e os 8 milhões de anos. A descoberta das mandíbulas e dentes fossilizadas, levada a cabo por paleontólogos do Instituto Catalão de Paleontologia, faz recuar assim o retrato da evolução do panda gigante em três milhões de anos, ampliando igualmente a imagem da distribuição geográfica passada deste mais do que emblemático animal actual

O panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) constitui há muito motivo de debate científico pois de há muito que se discute a sua origem e a sua relação na família Ursoidea, sendo este posicionamento apoiado por dados moleculares que o remetem como grupo-irmão do ursos.
Esta nova espécie fóssil, o Kretzoiarctos beatrix [1], para além de representar o mais antigo antepassado do panda gigante, constitui também o mais antigo vestígio de um ursídeo na península ibérica.

Sobre a possibilidade deste antepassado ter coloração branca e preta típica dos seus descendentes, os paleontólogos não confirmam dado não haver material fossilizado que o permita inferir [2].

Distribuição actual e do passado recente do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca); fonte – WWF

Os paleontólogos que estudaram este material referem ainda que na origem da extinção deste animal terão estados alterações ambientais com impacto direto nos ambientes em que este panda viveria – as florestas densas e húmidas terão sido substituídas por ambiente mais abertos e secos [2].

Há 11 milhões de anos, tal como hoje, o clima a condicionar de sobremaneira a existência das espécies…ainda assim, viva a panda catalão, viva!

(artigo publicado no jornal Sul Informação)

ResearchBlogging.orgReferências:

[1] Abella J, Alba DM, Robles JM, Valenciano A, Rotgers C, Carmona R, Montoya P, & Morales J (2012). Kretzoiarctos gen. nov., the Oldest Member of the Giant Panda Clade. PloS one, 7 (11) PMID: 23155439
[2] http://www.livescience.com/24788-oldest-panda-fossils.html

 

Imagens:
A – reconstituição de Kretzoiarctos beatrix ; daqui – SINC
B – restos encontrados de Kretzoiarctos beatrix; de [1]
C – distribuição actual e do passado recente do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca); daqui – WWF

(PUBLICADO NO JORNAL SUL INFORMAÇÃO)

Dinossauros com prazo de validade

“Podemos ressuscitar dinossauros a partir do ADN, como fazem no Jurassic Park”.

É uma das perguntas mais populares nas minhas palestras. Procuro sempre responder que, em termos teóricos, eventualmente seria possível fazê-lo num futuro mais ou menos próximo.

Boa!, vislumbro nos olhos das pessoas.

Museu de Dinossauros de Lufeng (China)

O olhar de alegria das pessoas que escuta a primeira parte da minha resposta desaparece num ápice quando acrescento que o principal problema reside na capacidade de resistência do ADN.

Ou seja, o ADN tem um prazo de validade, de resistência às alterações, e que a sua preservação, durante milhões de anos, é muito diminuta, acrescento.

O ADN após a morte do organismo é rapidamente atacado por nucleases (enzimas) que superam o trabalho reparador de outras enzimas. Este ataque origina a quebra das ligações entre os nucleótidos que constituem as cadeias de ADN. Ainda que as condições de preservação sejam excepcionais, como baixas temperaturas, dessecação rápida ou que as células sejam preservadas em altas concentrações salina, o ADN sofre para além do ataque das nucleases outros males: radiação, oxidação ou hidrólise (1). Todos estes factores originam que as propriedades do ADN de animais ou plantas muito antigos não sejam preservadas.

Mas a minha resposta à pergunta “É possível ressuscitar um dinossauro através do ADN fossilizado?” tem agora uma nova actualização: calculou-se o prazo de validade para que o ADN mantenha as suas características intactas* e este prazo é de…6.8 milhões de anos (2).

Museu de Dinossauros de Zigong (China)

É esta a janela de tempo estabelecida por Mike Bunce, da Universidade de Murdoch (Austrália) e colegas, nos quais se incluem Paula F. Campos, da Universidade de Coimbra e Museu de História Natural de Copenhaga.

Analisando uma amostra de ADN mitocondrial de 158 fragmentos de osso da Moa (ave extinta australiana) os investigadores determinaram que o máximo temporal para a preservação do ADN é de 6.8 milhões de anos.

Apesar de este prazo ser inferido a partir de modelos matemáticos e estar condicionado por condições físicas específicas, não deixa de ser um tecto temporal máximo que impede muitas especulações.

O prazo de validade, passe a expressão dos lacticínios, revelado por esta recente investigação desmoraliza a hipótese de que o ADN dos dinossauros não-avianos estivesse em condições, quando a técnica o permitisse, para reconstituir esses animais do passado.

Autor digitalizando esqueleto apendicular de Omeisaurus – Museu de Dinossauros de Zigong (China)

Enquanto recuperamos da desilusão de alguma vez podermos ver vivo um dinossauro não-aviano, porque não conhecer melhor os descendentes dos dinossauros, numa palestra sobre as Aves em Lagos, ou mesmo reviver a vida dos dinossauros desaparecidos, como na exposição “T. rex quando as galinhas tinham dentes”, a partir da próxima 2ª feira no Pavilhão do Conhecimento?

 

Referências:

(1) Nicholls H (2005) Ancient DNA Comes of Age. PLoS Biol 3(2): e56. doi:10.1371/journal.pbio.0030056

(2) The half-life of DNA in bone: measuring decay kinetics in 158 dated fossils.

Proc Biol Sci. 2012 Oct 10.

 

Imagens: Luís Azevedo Rodrigues

As Maravilhas de S.J. Gould

A Amonite e o Mamífero

Os companheiros de uma vida escolhem-se, por vezes.
Os companheiros para toda a vida, por vezes, esbarram um no outro e acabam por compartir um comum e eterno caminho de tempo e de espaço.
Acasos, dizem.
Dois seres vivos que apenas partilham um ancestral de há centenas de milhões de anos, partilham agora um descanso em conjunto.
Do mamífero, apenas se sabe o nome e a profissão – militar, dos finais do dezanove, em linguagem de historiadores.

A amonite, de tempos jurássicos, repousou sem vida em fundos marinhos. Da campa rochosa de origem marinha, os humanos deram-lhe uso para outra laje, a do mamífero militar.
Jazem juntos, agora, lá para os lados de Tavira.
O mamífero e a amonite.

P.S. várias amonites numa campa junto à Igreja do Carmo, Tavira.
Uma das várias paragens da visita de Geologia e Paleontologia urbanas “Do Museu Ao Convento”.

Imagens: Luís Azevedo Rodrigues
Tavira : guia de geologia e paleontologia urbana = urban geology and paleontology guide / coord., ed. Luís Azevedo Rodrigues ; textos Luís Azevedo Rodrigues, Margarida Agostinho, Rita Manteigas ; fot. Jorge F. Marques ; il. Carlos Marques da Silva ; trad. Isabel Abreu, Michelle Nobre Dias. – Lagos : Centro Ciência Viva de Lagos, 2016. – 165 p. : il. ; 18 cm. – Ed. bilingue em português e inglês. – ISBN 978-989-99519-0-7

Disparidade e Biodiversidade em Dinossauros

Este texto foi escrito na sequência do contacto do jornalista Marco Túlio Pires da revista brasileira Veja, que pretendia um comentário meu ao artigo da Nature Communications “Dinosaur morphological diversity and the end-Cretaceous extinction”. (ver Abstract abaixo)
Este foi o texto que enviei e que foi parcialmente citado no artigo publicado na revista Veja on-line.

A questão fundamental que este artigo encerra é:
a) qual o estado ecológico de Dinosauria, ou seja, a sua biodiversidade, aquando da queda do meteorito há 65 milhões de anos, ou seja, estariam já as espécies de dinossauros do final do Cretácico em declínio no momento da queda do meteorito, tendo este apenas acelerado a sua extinção?
A questão não é nova, tendo sido analisada por muitos paleontólogos nas últimas décadas.
Este artigo é relevante pois analisa uma quantidade grande de grupos de dinossauros, aplicando uma série de metodologias de medição da disparidade morfológica que, para os autores deste estudo, é sinónimo de biodiversidade.
A metodologia utilizada por estes investigadores assenta na medição da variabilidade de formas anatómicas destes animais – disparidade morfológica, como indicador da biodiversidade de determinado grupo.

Neste perspectiva este estudo é inovador, deduzindo que alguns grupos de dinossauros estariam em melhor estado ecológico do que outros nos últimos 12 milhões de anos do Cretácico.
Assim, dinossauros carnívoros e herbívoros de porte pequeno a médio, como paquicefalossauros e anquilossauros, mantiveram a sua disparidade morfológica (biodiversidade) durante o final do Cretácico.
Pelo contrário, os autores do artigo verificaram que os grandes herbívoros como os hadrossaurídeos e ceratopsídeos estavam em declínio ao nível da sua disparidade morfológica nos últimos 12 milhões de anos do Mesozóico.
Há ainda o caso dos saurópodes, os maiores dinossauros, quadrúpedes e de cauda e pescoços compridos, que apresentam um aumento da sua biodiversidade antes mesmo da queda do meteorito. Os saurópodes pareciam estar destinados a um futuro brilhante não fosse a queda do meteorito…

A minha tese de doutoramento (Universidad Autónoma de Madrid, 2009) quantificou a disparidade morfológica dos ossos das patas de Sauropodomorpha, e outros grupos como terópodes, aves, pterossauros e morcegos, revelou que o aumento de tamanho neste grupo coincidia com um aumento na disparidade morfológica das patas destes animais.
Por outras palavras, quanto maiores forem os saurópodes, maior a disparidade morfológica do esqueleto apendicular destes animais.

Tenho utilizado a quantificação da disparidade morfológica, no caso dos ossos das patas, mas com objectivos distintos deste estudo. O meu interesse é perceber, por exemplo, porque é que e como é que alguns dinossauros mudaram o seu modo de locomoção de bípedes para quadrúpedes.

 

Apesar de importante, o artigo de Brusatte et al. não responde a algumas questões fundamentais, tais como:
– estavam os dinossauros em declínio no momento da queda do meteorito? Uns estavam, outros não, e outros nem por isso.
-qual o motivo da extinção diferencial no final do Cretácico, ou seja, porque o impacto do meteorito originou a extinção de umas espécies (por exemplo dinossauros e outros animais terrestres, mas também amonites, belemnites e outra fauna aquática) e não originou a extinção de outras (como mamíferos, aves, entre outras)?
– quais os resultados deste tipo de análise com aumento da amostra e com fauna de outros locais? Manter-se-iam os resultados? Os dados analisados são sobretudo, mas não exclusivamente, de formas norte-americanas embora também existam de outras áreas geográficas.

Em resumo: este artigo é importante porque quantifica a biodiversidade dos dinossauros do final do Cretácico, embora o seja mais por apontar um caminho para o futuro da investigação paleobiológica em dinossauros que é o da quantificação da disparidade morfológica como indicador da biodiversidade (neste caso a paleodiversidade).

A Extinção do final do Cretácico

Neste momento a teoria mais aceite para explicar a extinção dos dinossauros não-avianos (e de muitas outras espécies) é a queda de um objecto extra-terrestre.
Apesar de não conseguir explicar a extinção diferencial que se verificou no final do Cretácico, ou seja, por que é que umas espécies se extinguiram e outras não, a teoria do extinção por impacto, apresentada na década de 80 do século passado, está muito bem comprovada.
Como?
Sabe-se que o metal irídio é um metal de muito baixas concentrações na Terra. O que Walter Alvarez e colegas detetaram foi concentrações muito superiores ao normal em sedimentos do final do Cretácico.

O que significa isto?
Que um objeto, como um meteoro, que apresentam concentrações de irídio muito superiores às da Terra deveria ter chocado com o nosso planeta.
As provas deste choque, ou seja, as concentrações anómalas de irídio foram encontradas em vários pontos da Terra permitindo comprovar aquela impacto.
Outras provas da queda, como a cratera de impacto, demoraram mais tempo a serem encontradas. Um dos possíveis locais de queda e que sempre foi apontado foi a península do Iucatão, no México (Chicxulub). O que é certo é que 65 milhões de anos de erosão alteraram a forma inicial da cratera, tornando mais difícil a sua identificação.
Recentemente, alguns autores responsabilizaram a queda do asteróide Baptistina como a origem da mega-extinção que ocorreu há 65 milhões de anos, no final do Cretácico. Este ano, estudos da NASA descartaram esta hipótese uma vez que parte da fragmentação de Baptistina atingiu a Terra mais cedo, ou seja, há 80 milhões de anos.
Entre a comunidade científica existem outras teorias para justificar a extinção, embora menos aceites que a da queda de um objecto extra-terrestre. Alguns cientistas, apontam a ocorrência de actividade vulcânica de grande intensidade e que ao libertarem milhões de toneladas de gases poderão ter contribuído para o desaparecimento em massa de seres vivos. Esta hipótese não exclui a da queda de um meteorito e, provavelmente, a explicação da extinção do final do Cretácico será terá apenas uma causa mas a combinação de vários motivos – queda de meteorito, vulcanismo e outras.

Abstract do artigo de Brusatte et al.

“The extinction of non-avian dinosaurs 65 million years ago is a perpetual topic of fascination, and lasting debate has focused on whether dinosaur biodiversity was in decline before end-Cretaceous volcanism and bolide impact. Here we calculate the morphological disparity (anatomical variability) exhibited by seven major dinosaur subgroups during the latest Cretaceous, at both global and regional scales. Our results demonstrate both geographic and clade-specific heterogeneity. Large-bodied bulk-feeding herbivores (ceratopsids and hadrosauroids) and some North American taxa declined in disparity during the final two stages of the Cretaceous, whereas carnivorous dinosaurs, mid-sized herbivores, and some Asian taxa did not. Late Cretaceous dinosaur evolution, therefore, was complex: there was no universal biodiversity trend and the intensively studied North American record may reveal primarily local patterns. At least some dinosaur groups, however, did endure long-term declines in morphological variability before their extinction.”

Referências:

Stephen L. Brusatte, Richard J. Butler, Albert Prieto-Márquez & Mark A. Norell. 2012. Dinosaur morphological diversity and the end-Cretaceous extinction. Nature Communications 3, Article number: 80 doi:10.1038/ncomms1815.

Rodrigues, L.A. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis. Universidad Autónoma de Madrid, Madrid – Spain, Supervised by Professor Angela Delgado Buscalioni and Co-supervised by Professor Jeffrey A. Wilson, University of Michigan, Ann Arbor. December 2009. ISBN 978-84-693-3839-1.

Imagens:
De Brusatte et al 2012 e de Rodrigues, L.A. 2009

Dinossauros no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho

Não tenho tido muito tempo para escrever mas ainda arranjei algum para ir ao Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho.

É na próxima 4ª feira dia 4 de abril em Coimbra.

Apareçam que eu prometo contar mais uma história paleontológica por cada golo que o Benfica marcar…

Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos“, com o Paleontólogo Luís Azevedo Rodrigues.

RESUMO
A primeira parte desta palestra abordará sobretudo questões científicas da Paleobiologia de Dinossauros, com particular atenção às técnicas mais recentes de investigação nesta área do conhecimento.
A segunda parte lidará com o papel dos dinossauros na Cultura Pop, em campos tão distintos como o cinema, a música ou a mitologia.

Entrada Livre
Público-Alvo: Todos os interessados na matéria”