A Formiga e a Europa

ResearchBlogging.org(Publicado no jornal Barlavento, 28 de Julho de 2011)
Os tempos mudaram.
O que se dizia de Esquerda e viu o país afundar, afastou-se.
Por cá e, verdade seja dita, um pouco por toda a Europa, os sinais da crise económica e de valores são cada vez mais ensurdecedores.
A Europa afunda-se?
Talvez. Porque é cada um por si e, pensamos nós erradamente, a Comissão Europeia por todos.
Falta-nos um verdadeiro esforço conjunto, uma causa que nos cimente, que nos una.
A solução para o dilúvio existencial e económico que se aproxima passa por aprendermos não com os gurus da Economia, os visionários da Tecnologia ou outros quaisquer bruxos, mas com… uma formiga, mais concretamente a Solenopsis invicta.

Apesar do seu nome comum ser formiga-de-fogo, há muito que um comportamento deste animal na água desperta a curiosidade dos biólogos. Originária da América do Sul, embora esteja distribuída um pouco por todo o mundo, esta formiga reage a inundações formando pequenas jangadas cujos constituintes são as próprias formigas.
Um estudo recente da Universidade de Geórgia Tech revelou que, de uma forma absurdamente simples, as formigas da espécie Solenopsis invicta em momentos de inundação conseguem sobreviver graças à sua união.
Se individualmente as formigas apresentam uma capacidade hidrofóbica razoável, sendo capazes de flutuar, essa capacidade é muito maior se se unirem.
Nos momentos em que as águas tudo invadem, e esses momentos são frequentes nas florestas tropicais, as formigas unem-se literalmente às suas companheiras, cravando as suas mandíbulas e exercendo forças 400 vezes superiores ao seu peso corporal, formando assim uma verdadeira jangada.
Esta jangada, revela o estudo, é uma massa viscosa e elástica formada por “moléculas” que são as próprias formigas. A estrutura flutua graças à sua capacidade para repelir as moléculas da água, muito maior quando as formigas-de-fogo se unem às suas irmãs.
Desta forma, a sobrevivência deste animal passa pelo colectivo e não pelo individual. Este comportamento foi quantificado e modelado pelos investigadores, que foram assim capazes de comprovar as vantagens evolutivas das jangadas de formigas-de-fogo.
O modo invejável como a Solenopsis invicta faz frente aos dilúvios poderá servir para a velha Europa e para Portugal.
Tudo o que recentemente se passou de momento não interessa.
O que agora interessa é não nos afundarmos mais ainda com a inundação não prevista, não tratada, enfim… não cuidada.
O que a Europa desconhece ou não quer ver é que a salvação individual passa pela salvação colectiva.
Que abdicar de alguma parte do grupo, ou de um país, não é a solução, antes o apressar do fim.
Somos apenas quando fazemos parte, quando o somos em grupo, apesar e com a nossa individualidade, seja da pessoa, seja do país.
Sozinhos aguentamos, até cairmos por fim.
Em grupo venceremos.

Referência Mlot, N., Tovey, C., & Hu, D. (2011). Fire ants self-assemble into waterproof rafts to survive floods Proceedings of the National Academy of Sciences, 108 (19), 7669-7673 DOI: 10.1073/pnas.1016658108
Imagem: adaptada do artigo. Esquerda – o carácter moderadamente hidrofóbico de um indivíduo de Solenopsis invicta. Direita – a jangada submersa pelos investigadores revelando bolsa de ar.
Vídeo – material suplementar do artigo.

O Défice Certo

27_mythol_.jpgA necessidade de anestesiar o meu centro de tomada de decisões fez-me, uma vez mais, ligar a TV.
Pendentes imagens de flácidos corpos jorravam da caixa.
A visão de transformação corporal que aquela exibição ordenava acordou o órgão hibernante.
A crise económica actual da Europa, ou de parte dela, mais não é do que um prolongamento do concurso televisivo às realidades geográficas e sociais que são os países europeus.
Há que emagrecer, dizem os neo-económicos.
Cortem na Saúde que vos torna países menos bonitos em termos orçamentais.
Subsídios de desemprego são maus para a vossa capacidade de encantar, há que os reduzir. Educação pública faz com que vos olhem de lado na rua.
Cortem, cortem, cortem…
O reality show do momento é este: o FMI não vos deixará viver com a dieta dos últimos seis anos
Imagem: Peter Paul Rubens, “The Drunken Silenus” (1616-1617)

A Económica e a Executiva

36460.jpgPormenores, dirão alguns.
Importantíssimo, dirão outros.
Ainda não sei que direi, tendo em conta a velocidade das transformações que se estão a dar na Europa.
O caso é o seguinte, apresentado por este vídeo de Miguel Portas, deputado no Parlamento Europeu – a partir de 1’45”, embora todo o vídeo seja muito interessante em termos de ética política.

Ou seja, por uma questão ética e de exemplo, opinião minha, os deputados europeus deveriam viajar em classe económica, deixando de lhes serem pagas viagens em classe executiva, com algumas excepções, como a idade e estado de saúde do deputado, bem como a duração.
A proposta foi recusada por uma maioria de deputados europeus, tendo havido um empate entre os deputados portugueses.
Este assunto interessou-me deveras, mais do que pelas quantias absolutas em causa, mas pela possibilidade de uma verdadeira mudança nos políticos que nos representam enquanto proto-continente institucional.
Desconheço a argumentação que terá levado estes deputados a perderem a oportunidade de exprimir a sua solidariedade perante os cidadãos que representam, materializando assim uma vontade de partilhar esforços nestes tempos de dificuldades económicas.
Há dois dias questionei no Twitter a deputada europeia Edite Estrela sobre os motivos da sua abstenção. Se a princípio me ignorou estoicamente, a verdade é que após alguma insistência, a senhora me respondeu.
Os argumentos foram pouco claros na justificação da sua abstenção mas posso transcrevê-los:
@editeestrela
“posso estar enganada, mas votei na convicção de estar a ajudar empresas nacionais:TAP e agência de viagens.”
“abstive-me porque tive dúvidas qual o melhor para o meu país. Quem ia beneficiar? Um burocrata qualquer ou a TAP?”

Parece-me que os argumentos seria o de favorecer a TAP e/ou agências de viagens já que as mesmas seriam feitas para aquelas empresas portuguesas…
E que tal alugar uma casa em Bruxelas a emigrantes portugueses? Parece-lhe bem?
@editeestrela
“as pessoas falam por falar e porque em tempos de crise a inveja cresce. É humano.”
Claro, quando se questiona algo nos tempos que correm a melhor resposta é argumentar que a pergunta é fruto da crise económica e da inveja. Claro.
@editeestrela
“votei a favor da redução orçamental, mas disso ninguém fala. As viagens são mais mediáticas, claro!”
Parafraseando a resposta de @helderlib , reduzir o orçamento sem reduzir a despesa parece-me uma má opção, mas que sei eu de economia. Talvez a proposta de redução orçamental não seja tão má mediaticamente como parece…
@editeestrela
“teria sido mais simples votar a favor ou nem votar, para não me comprometer. Votei em consciência, sem certezas.”
Desconhecia que as funções de deputado europeu possibilitassem não votar, julguei mesmo que fosse essa uma das principais funções para que haviam sido eleitos, ou seja, representar os seus eleitores. Mas que sei eu, se calhar não é para isso que serve um deputado…
Escrita de outra forma, perguntei aquilo mesmo a Edite Estrela que me respondeu:
@editeestrela
“pergunte isso aos deputados portugueses que não votaram.”
Obrigado por ter contribuído para o meu esclarecimento sobre o funcionamento do Parlamento Europeu…
@CienAoNatural
De toda a forma, agradecido pela disponibilidade em me responder. Não creio nos seus argumentos, acho-os fracos, mas agradeço-os
Apesar de reconhecer que a resposta que a seguir transcrevo possa ter sido dada sem que Edite Estrela tenha lido a minha despedida, esta argumentação final revela o que não deve haver num político: sobranceria.
@editeestrela
“olhe, meu caro, não sei quem você é mas desafio a provar que trabalha mais do que eu e que defende mais o interesse do país.”
As minhas questões não pretendiam revelar qual de nós dois tem trabalhado mais e melhor pelo país; apenas perceber os motivos pelos quais os deputados portugueses no Parlamento Europeu votaram contra, se abstiveram ou nem sequer votaram a proposta de que aqueles passem a voar em classe económica, e não em executiva como continuarão a fazer.
Concluindo, continuo a:
não perceber as motivações dos deputados neste caso;
não ter melhor ideia, nem informação, sobre o Parlamento Europeu, nem dos seus deputados;
pensar que os políticos portugueses não gostam que se lhes coloquem questões directas e objectivas;
pensar que os políticos adoptam várias estratégias de fuga às perguntas, como falar de outros assuntos, atribuir às perguntas um pendor de ataque ou motivação pessoais, invocando defesa do país e bondade da sua actuação pessoal quando estas não foram sequer questionadas;
Como ponto positivo destaco a disponibilidade de Edite Estrela em dialogar.
Mas não serve o Twitter também para isso, servir de plataforma de disseminação de mensagem política…?
Já agora parecer-me-ia interessante saber as opiniões dos outros deputados, nomeadamente os que votaram contra a proposta.
P.S. as mensagens do Twitter de Edite Estrela são públicas tendo-as eu publicado por isso, sem a necessidade de autorização da referida.
As mensagens estão neste texto por ordem cronológica na sua maioria.
Imagem: Anjur

Fortaleza Europa

Genoese_fortress_in_Sudak_by_inObrAS.jpgOs pastores que não guardavam os seus rebanhos, e os seus cães de guarda, seus dos pastores que às ovelhas mordiam apenas, estão a cair. As rezes revoltaram-se, jogando o jugo para trás.
Os pastos vazios de anos de opressão não chegam agora às rezes sem guia e, como noutros tempos, viram-se para o outro lado do Mediterrâneo, em busca de melhor sorte.
Empurrados para a tolerante Europa, dão de caras com a fortaleza.
A Fortaleza Europa.
“Tunísia, Marrocos, Egito, Bahrei e Iémen continuam num clima de instabilidade e de contestação com os contestatários, liderados pela juventude, exigem profundas reformas políticas e constitucionais e lutam pela instauração da democracia no seu país.”

Referências: Asian Dub Foundation, “Fortress Europe”, Enemy of the Enemy, 2003
Imagem: daqui

Europa Ocupada

eur66060.gifHá momentos que nos remetem para o passado, como se ele, de tão reconhecível e evidente, nos entrasse de novo pela compreensão adentro.
Tal como na década de 40 do século passado, a Europa encontra-se ocupada. No passado que relembro, um exército expansionista alargava a sua influência territorial, empurrando para as franjas da Europa, quem lhe procurava fugir. A ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial, implicou a movimentação maciça de muitos procuravam novos ares.
Portugal constituía, nos anos 40, uma porta de fuga para um novo mundo, liberto de exércitos e impedimentos, de todos os que eram perseguidos ou apanhados pelos acontecimentos bélicos.
Hoje, um novo exército ocupa os céus da Europa, vindo de norte, fechando à sua passagem os caminhos de ida e regresso de milhares de pessoas. Os pós vulcânicos, tal como antes o havia feito um outro exército, empurram muitos para a Península Ibérica.
dreameu_ani.gifAgora, por mera casualidade, Portugal encontra-se de novo na rota dos que tentam fugir, agora de uma nuvem de pó que ocupa grande parte dos países europeus, nuvem que impede as viagens aéreas.
Como há 70 anos, Portugal apenas os vê passar, gente que contorna obstáculos.
Antes, fugiam da guerra.
Hoje, apenas tentam voar, fugindo de outra nuvem.
Imagens:
daqui
e
daqui.

Opção ou como já foi a segunda figura do Estado

Fui chamado à atenção da resolução Conselho da Europa “The dangers of creationism in education (Doc. 11375)”, a qual teve o seguinte resultado, em que destaco os deputados portugueses:
João Bosco Mota Amaral votou contra;
-Maria Manuela Melo e Ana Catarina Mendonça votaram a favor.

Caro Senhor ex-Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral,
Não me revejo de todo na sua posição.
Apesar de ter sido a segunda figura do estado português de 2002 a 2005, sinto vergonha pelo sentido de voto na referida resolução do Conselho da Europa.
Mais vergonha sinto por um português ter integrado as “fileiras” criacionistas – espero que de forma involuntária.