O Velho e o Dino

O VELHO E O DINO

Durante mais de meia hora este septuagenário, em pé e sem nunca afastar os olhos da TV, mirou e remirou os dinossauros.

Sozinho, que para concentração a companhia é demais.

Vá-se lá saber por que mirava.
Ou talvez não.

 

Imagem: Luís Azevedo Rodrigues

O mais antigo dinossauro?

Imagine que descobria fotos antigas e que estas eram de um antepassado seu.

O que pensaria?

Iria procurar semelhanças na fisionomia entre si e a fotografia, seguramente.
Não foram fotos mas fósseis que permitem agora apresentar à grande família dos dinossauros o seu mais antigo familiar (ou muito próximo disso).
O Nyasasaurus parringtoni [1] foi escavado em 1930, no que é hoje a Tanzânia, tendo sido estudado na década de 50, tendo nessa altura permanecido como material inconclusivo. Recentemente uma equipa de paleontólogos americanos e ingleses retomou o estudo deste material e verificou a sua importância. O Nyasasaurus, em homenagem ao lago Niassa, também chamado Malawi, tinha um tamanho de 2 a 3 metros e pesava entre 20 a 60 kgs (parâmetros estimados). Este animal viveu no Triásico médio, há aproximadamente 235 milhões de anos, o que faz dele o mais antigo dinossauro que se conhece.

Dinossauro?

Úmero de Nyasasaurus e estrutura microscópica de secção deste osso (Nesbitt et al. 2012)

A análise morfológica e filogenética dos vestígios de Nyasasaurus (úmero e várias vértebras) permitiram apontar para que este animal seja o mais antigo dinossauro que se conhece ou um representante primitivo de um grupo-irmão dos dinossauros.
A anatomia dos ossos encontrados permitiu identificar a presença de características únicas dos dinossauros, nomeadamente a presença de uma crista deltopeitoral alongada no úmero* [2], zona do osso do membro anterior (braço) onde se inseriam músculos, bem como outras particularidades anatómicas na cintura pélvica.
Para além destas evidências exteriores, a análise microscópica aos tecidos ósseos também permitiu descobrir que este animal apresentava padrões rápidos de crescimento ósseo, típico também dos dinossauros.
Apesar destas evidências, muitas das características anatómicas presentes nos dinossauros, a equipa de paleontólogos que o descreveu ainda não está totalmente segura de posicionar o Nyasasaurus como um verdadeiro dinossauro ou, em alternativa, como pertencendo a um grupo irmão dos dinossauros.

Úmeros de vários sauropodomorfos com algumas estruturas anatómicas destacadas (Rodrigues 2009). Comparar com úmero de Nyasasaurus.

O aparecimento dos dinossauros

Para além de ser mais um elemento para a história da vida na Terra, o Nyasasaurus aumenta o conhecimento do aparecimento e diversificação do grupo de animais de enorme importância ecológica no Mesozóico – os dinossauros. Este animal faz recuar em 15 milhões de anos o surgimento dos dinossauros, caso se verifique ser o Nyasasaurus um verdadeiro dinossauro, como tudo leva a apontar.
Nos últimos anos os paleontólogos que se dedicam aos estudos dos dinossauros têm investido muito quer na prospecção, quer no estudo e descrição de vestígios de vertebrados no Triásico. Este período da história da Terra assistiu ao conjunto de fenómenos biológicos que terá levado à diversificação e proliferação do grupo Dinosauria, grupo que viria a proliferar nos milhões de anos que se seguiram.
Há assim uma enorme vontade científica em descobrir e perceber a origem dos dinossauros.

 

Triásico, Tanzânia e Portugal

Além desta tendência de escavação em sedimentos do Triásico, também se tem verificado uma outra vertente da investigação em dinossauros: começar a olhar para as coleções de fósseis escavados no século passado. Há assim uma re-escavação dos sedimentos, sendo que desta vez a prospeção é feita nas caves e depósitos dos Museus de História Natural.
De referir que foram alemães, em particular Werner Janensch, que efetuaram diversas campanhas de escavação na Tanzânia logo a partir de 1909** do século passado. Não é este o caso já que o Nyasasaurus foi escavado por Francis Rex Parrington, paleontólogo inglês da Universidade de Oxford.

Em Portugal existem vários locais com rochas sedimentares de idade triásica sendo os potencialmente mais interessantes, do ponto de vista paleontológico de vertebrados, os localizados no Algarve, num conjunto de sedimentos de ambiente continental que se designam genericamente de Grés de Silves.
Mas do Triásico falaremos um destes dias.
Agora é o momento de comemorar a chegada de um parente antigo dos dinossauros…ou próximo deles.

* compare-se o úmero de Nyasasaurus com os vários úmeros de saurópodes [2] e as respetivas cristas deltopeitorais.

** algum do material procedente da Tanzânia está nas coleções do Museu de História Natural de Londres e no Museu de História Natural de Berlim.

A segunda parte desta história (link) descreve o que se passou com material fóssil da Tanzânia e que era…radioativo.

Referências:

[1] Nesbitt SJ, Barrett PM, Werning S, Sidor CA, Charig AJ. 2012 The oldest dinosaur? A Middle Triassic dinosauriform from Tanzania. Biol Lett 9: 20120949. http://dx.doi.org/10.1098/rsbl.2012.0949

[2] Rodrigues, L.A. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis. Ph.D. Thesis. Universidad Autónoma de Madrid, Madrid – Spain, Supervised by Professor Angela Delgado Buscalioni and Co-supervised by Professor Jeffrey A. Wilson, University of Michigan, Ann Arbor. December 2009. ISBN 978-84-693-3839-1.

Imagens:

A – Natural History Museum, London/Mark Witton / SL.

B – Natural History Museum / SL

C – Rodrigues 2009

(PUBLICADO NO JORNAL SUL INFORMAÇÃO)

Dinossauros com prazo de validade

“Podemos ressuscitar dinossauros a partir do ADN, como fazem no Jurassic Park”.

É uma das perguntas mais populares nas minhas palestras. Procuro sempre responder que, em termos teóricos, eventualmente seria possível fazê-lo num futuro mais ou menos próximo.

Boa!, vislumbro nos olhos das pessoas.

Museu de Dinossauros de Lufeng (China)

O olhar de alegria das pessoas que escuta a primeira parte da minha resposta desaparece num ápice quando acrescento que o principal problema reside na capacidade de resistência do ADN.

Ou seja, o ADN tem um prazo de validade, de resistência às alterações, e que a sua preservação, durante milhões de anos, é muito diminuta, acrescento.

O ADN após a morte do organismo é rapidamente atacado por nucleases (enzimas) que superam o trabalho reparador de outras enzimas. Este ataque origina a quebra das ligações entre os nucleótidos que constituem as cadeias de ADN. Ainda que as condições de preservação sejam excepcionais, como baixas temperaturas, dessecação rápida ou que as células sejam preservadas em altas concentrações salina, o ADN sofre para além do ataque das nucleases outros males: radiação, oxidação ou hidrólise (1). Todos estes factores originam que as propriedades do ADN de animais ou plantas muito antigos não sejam preservadas.

Mas a minha resposta à pergunta “É possível ressuscitar um dinossauro através do ADN fossilizado?” tem agora uma nova actualização: calculou-se o prazo de validade para que o ADN mantenha as suas características intactas* e este prazo é de…6.8 milhões de anos (2).

Museu de Dinossauros de Zigong (China)

É esta a janela de tempo estabelecida por Mike Bunce, da Universidade de Murdoch (Austrália) e colegas, nos quais se incluem Paula F. Campos, da Universidade de Coimbra e Museu de História Natural de Copenhaga.

Analisando uma amostra de ADN mitocondrial de 158 fragmentos de osso da Moa (ave extinta australiana) os investigadores determinaram que o máximo temporal para a preservação do ADN é de 6.8 milhões de anos.

Apesar de este prazo ser inferido a partir de modelos matemáticos e estar condicionado por condições físicas específicas, não deixa de ser um tecto temporal máximo que impede muitas especulações.

O prazo de validade, passe a expressão dos lacticínios, revelado por esta recente investigação desmoraliza a hipótese de que o ADN dos dinossauros não-avianos estivesse em condições, quando a técnica o permitisse, para reconstituir esses animais do passado.

Autor digitalizando esqueleto apendicular de Omeisaurus – Museu de Dinossauros de Zigong (China)

Enquanto recuperamos da desilusão de alguma vez podermos ver vivo um dinossauro não-aviano, porque não conhecer melhor os descendentes dos dinossauros, numa palestra sobre as Aves em Lagos, ou mesmo reviver a vida dos dinossauros desaparecidos, como na exposição “T. rex quando as galinhas tinham dentes”, a partir da próxima 2ª feira no Pavilhão do Conhecimento?

 

Referências:

(1) Nicholls H (2005) Ancient DNA Comes of Age. PLoS Biol 3(2): e56. doi:10.1371/journal.pbio.0030056

(2) The half-life of DNA in bone: measuring decay kinetics in 158 dated fossils.

Proc Biol Sci. 2012 Oct 10.

 

Imagens: Luís Azevedo Rodrigues

Disparidade e Biodiversidade em Dinossauros

Este texto foi escrito na sequência do contacto do jornalista Marco Túlio Pires da revista brasileira Veja, que pretendia um comentário meu ao artigo da Nature Communications “Dinosaur morphological diversity and the end-Cretaceous extinction”. (ver Abstract abaixo)
Este foi o texto que enviei e que foi parcialmente citado no artigo publicado na revista Veja on-line.

A questão fundamental que este artigo encerra é:
a) qual o estado ecológico de Dinosauria, ou seja, a sua biodiversidade, aquando da queda do meteorito há 65 milhões de anos, ou seja, estariam já as espécies de dinossauros do final do Cretácico em declínio no momento da queda do meteorito, tendo este apenas acelerado a sua extinção?
A questão não é nova, tendo sido analisada por muitos paleontólogos nas últimas décadas.
Este artigo é relevante pois analisa uma quantidade grande de grupos de dinossauros, aplicando uma série de metodologias de medição da disparidade morfológica que, para os autores deste estudo, é sinónimo de biodiversidade.
A metodologia utilizada por estes investigadores assenta na medição da variabilidade de formas anatómicas destes animais – disparidade morfológica, como indicador da biodiversidade de determinado grupo.

Neste perspectiva este estudo é inovador, deduzindo que alguns grupos de dinossauros estariam em melhor estado ecológico do que outros nos últimos 12 milhões de anos do Cretácico.
Assim, dinossauros carnívoros e herbívoros de porte pequeno a médio, como paquicefalossauros e anquilossauros, mantiveram a sua disparidade morfológica (biodiversidade) durante o final do Cretácico.
Pelo contrário, os autores do artigo verificaram que os grandes herbívoros como os hadrossaurídeos e ceratopsídeos estavam em declínio ao nível da sua disparidade morfológica nos últimos 12 milhões de anos do Mesozóico.
Há ainda o caso dos saurópodes, os maiores dinossauros, quadrúpedes e de cauda e pescoços compridos, que apresentam um aumento da sua biodiversidade antes mesmo da queda do meteorito. Os saurópodes pareciam estar destinados a um futuro brilhante não fosse a queda do meteorito…

A minha tese de doutoramento (Universidad Autónoma de Madrid, 2009) quantificou a disparidade morfológica dos ossos das patas de Sauropodomorpha, e outros grupos como terópodes, aves, pterossauros e morcegos, revelou que o aumento de tamanho neste grupo coincidia com um aumento na disparidade morfológica das patas destes animais.
Por outras palavras, quanto maiores forem os saurópodes, maior a disparidade morfológica do esqueleto apendicular destes animais.

Tenho utilizado a quantificação da disparidade morfológica, no caso dos ossos das patas, mas com objectivos distintos deste estudo. O meu interesse é perceber, por exemplo, porque é que e como é que alguns dinossauros mudaram o seu modo de locomoção de bípedes para quadrúpedes.

 

Apesar de importante, o artigo de Brusatte et al. não responde a algumas questões fundamentais, tais como:
– estavam os dinossauros em declínio no momento da queda do meteorito? Uns estavam, outros não, e outros nem por isso.
-qual o motivo da extinção diferencial no final do Cretácico, ou seja, porque o impacto do meteorito originou a extinção de umas espécies (por exemplo dinossauros e outros animais terrestres, mas também amonites, belemnites e outra fauna aquática) e não originou a extinção de outras (como mamíferos, aves, entre outras)?
– quais os resultados deste tipo de análise com aumento da amostra e com fauna de outros locais? Manter-se-iam os resultados? Os dados analisados são sobretudo, mas não exclusivamente, de formas norte-americanas embora também existam de outras áreas geográficas.

Em resumo: este artigo é importante porque quantifica a biodiversidade dos dinossauros do final do Cretácico, embora o seja mais por apontar um caminho para o futuro da investigação paleobiológica em dinossauros que é o da quantificação da disparidade morfológica como indicador da biodiversidade (neste caso a paleodiversidade).

A Extinção do final do Cretácico

Neste momento a teoria mais aceite para explicar a extinção dos dinossauros não-avianos (e de muitas outras espécies) é a queda de um objecto extra-terrestre.
Apesar de não conseguir explicar a extinção diferencial que se verificou no final do Cretácico, ou seja, por que é que umas espécies se extinguiram e outras não, a teoria do extinção por impacto, apresentada na década de 80 do século passado, está muito bem comprovada.
Como?
Sabe-se que o metal irídio é um metal de muito baixas concentrações na Terra. O que Walter Alvarez e colegas detetaram foi concentrações muito superiores ao normal em sedimentos do final do Cretácico.

O que significa isto?
Que um objeto, como um meteoro, que apresentam concentrações de irídio muito superiores às da Terra deveria ter chocado com o nosso planeta.
As provas deste choque, ou seja, as concentrações anómalas de irídio foram encontradas em vários pontos da Terra permitindo comprovar aquela impacto.
Outras provas da queda, como a cratera de impacto, demoraram mais tempo a serem encontradas. Um dos possíveis locais de queda e que sempre foi apontado foi a península do Iucatão, no México (Chicxulub). O que é certo é que 65 milhões de anos de erosão alteraram a forma inicial da cratera, tornando mais difícil a sua identificação.
Recentemente, alguns autores responsabilizaram a queda do asteróide Baptistina como a origem da mega-extinção que ocorreu há 65 milhões de anos, no final do Cretácico. Este ano, estudos da NASA descartaram esta hipótese uma vez que parte da fragmentação de Baptistina atingiu a Terra mais cedo, ou seja, há 80 milhões de anos.
Entre a comunidade científica existem outras teorias para justificar a extinção, embora menos aceites que a da queda de um objecto extra-terrestre. Alguns cientistas, apontam a ocorrência de actividade vulcânica de grande intensidade e que ao libertarem milhões de toneladas de gases poderão ter contribuído para o desaparecimento em massa de seres vivos. Esta hipótese não exclui a da queda de um meteorito e, provavelmente, a explicação da extinção do final do Cretácico será terá apenas uma causa mas a combinação de vários motivos – queda de meteorito, vulcanismo e outras.

Abstract do artigo de Brusatte et al.

“The extinction of non-avian dinosaurs 65 million years ago is a perpetual topic of fascination, and lasting debate has focused on whether dinosaur biodiversity was in decline before end-Cretaceous volcanism and bolide impact. Here we calculate the morphological disparity (anatomical variability) exhibited by seven major dinosaur subgroups during the latest Cretaceous, at both global and regional scales. Our results demonstrate both geographic and clade-specific heterogeneity. Large-bodied bulk-feeding herbivores (ceratopsids and hadrosauroids) and some North American taxa declined in disparity during the final two stages of the Cretaceous, whereas carnivorous dinosaurs, mid-sized herbivores, and some Asian taxa did not. Late Cretaceous dinosaur evolution, therefore, was complex: there was no universal biodiversity trend and the intensively studied North American record may reveal primarily local patterns. At least some dinosaur groups, however, did endure long-term declines in morphological variability before their extinction.”

Referências:

Stephen L. Brusatte, Richard J. Butler, Albert Prieto-Márquez & Mark A. Norell. 2012. Dinosaur morphological diversity and the end-Cretaceous extinction. Nature Communications 3, Article number: 80 doi:10.1038/ncomms1815.

Rodrigues, L.A. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis. Universidad Autónoma de Madrid, Madrid – Spain, Supervised by Professor Angela Delgado Buscalioni and Co-supervised by Professor Jeffrey A. Wilson, University of Michigan, Ann Arbor. December 2009. ISBN 978-84-693-3839-1.

Imagens:
De Brusatte et al 2012 e de Rodrigues, L.A. 2009

Dinossauros no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho

Não tenho tido muito tempo para escrever mas ainda arranjei algum para ir ao Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho.

É na próxima 4ª feira dia 4 de abril em Coimbra.

Apareçam que eu prometo contar mais uma história paleontológica por cada golo que o Benfica marcar…

Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos“, com o Paleontólogo Luís Azevedo Rodrigues.

RESUMO
A primeira parte desta palestra abordará sobretudo questões científicas da Paleobiologia de Dinossauros, com particular atenção às técnicas mais recentes de investigação nesta área do conhecimento.
A segunda parte lidará com o papel dos dinossauros na Cultura Pop, em campos tão distintos como o cinema, a música ou a mitologia.

Entrada Livre
Público-Alvo: Todos os interessados na matéria”

(Não complicar) Ciência

Um exemplo de simplicidade na divulgação de ciência: pequenas coisas; bons exemplos.

Não é preciso complicar.
E sim, sou suspeito. É de um colega paleontólogo…

Continua a luta Vasco

Natal Geotérmico

O bafo era quente.
Mal fora, já que provinha de um mamífero. Ao lado outro, mamífero e bafo, completava o bestial serviço. O felizardo com o ar tépido pêlos não tinha, apenas um têxtil mal engendrado lhe cobria a pele nua. Não fora o mistral dos animais, a cria não aqueceria.
Burro e vaca estavam ao serviço do filhote, mantendo-lhe caldo o corpo. Quais alergias, qual quê, o que importava era o calor para que a cria sobrevivesse.
Bafejado pela sorte sê-lo-ia, pelo menos até aos 33, mas agora era-o pelo calor.
Calor de um corpo alheio.

ResearchBlogging.orgEste mísero intróito natalício, para além dos motivos sazonais óbvios, serve de introdução a breve descrição de uma descoberta científica.
Nas vastidões argentinas a presença de vários ninhos de dinossauros saurópodes já era conhecida. Paleontólogos argentinos apontam agora para que a fonte de calor necessária à incubação dos ovos daqueles animais tenha sido…a Terra.
Os investigadores apresentaram um conjunto de provas de que alguns dinossauros teriam utilizado a energia geotérmica como incubadora dos seus ovos.
A jazida de Sanagasta ofereceu vários ovos fossilizados de dinossauro, mais de 1000, com uma idade aproximada entre os 134 e os 117 milhões de anos. Para além desta actividade biológica passada, foi possível também identificar actividade hidrotermal da mesma época. As estruturas geológicas identificadas mostraram que naquela zona e na mesma altura teria existido actividade geotérmica.
Mas foram apenas estas informações que permitiram afirmar que um grupo de dinossauros utilizou o calor da Terra para incubar os seus ovos?
Não.

Análises geoquímicas revelaram também a influência de calor externo nos sedimentos onde foram encontrados os ovos fossilizados. Complementarmente, já se conheciam na Coreia do Sul ovos morfologicamente idênticos aos agora encontrados na Argentina. Os ovos coreanos procediam também de jazidas que geologicamente apresentavam a mesma influência hidrotermal. As coincidências reduzem-se…
Parece assim que a natalidade dos dinossauros saurópodes, mais concretamente dos Neosauropoda, está associada às condições ambientais, mais concretamente condições hidrotermais.

O Menino foi bafejado pelos mamíferos, já o sabíamos.
O que o passado do planeta nos revela agora é que os bebés dinossauros precisavam (também) do bafo da Terra para nela poderem caminhar.

P.S. Santo Natal, para todas as espécies!

(texto publicado também no jornal Sul Informação)

Referência:
Fiorelli, L., Grellet-Tinner, G., Alasino, P., & Argañaraz, E. (2011). The geology and palaeoecology of the newly discovered Cretaceous neosauropod hydrothermal nesting site in Sanagasta (Los Llanos Formation), La Rioja, northwest Argentina Cretaceous Research DOI: 10.1016/j.cretres.2011.12.002

Imagens:

1 – Aspecto da jazida de Sanagasta – do artigo referido.
2 – A-C Esquema do arranjo espacial dos ovos encontrados; D-F – imagens dos ovos fossilizados encontrados. Imagem do artigo referido.

Coscuvilhar Histórias Com Milhões de Anos – NEI2011 CCV de Lagos

Coscuvilhar Histórias Com Milhões de Anos – NEI2011 CCV de Lagos

O registo vídeo da conversa que tive no passado dia 23 de Setembro, durante a Noite Europeia dos Cientistas 2011, no Centro Ciência Viva de Lagos.

Dinossauros: Velhos Mitos (2)

Gertie, the dinosaur

(texto publicado no jornal Diário de Coimbra, 20 de Setembro de 2011, integrado no projecto “Ciência na Imprensa regional – Ciência Viva”)

A primeira vez que um dinossauro fez a sua estreia no mundo do cinema ocorreu muito antes de Spielberg ter estreado Parque Jurássico, em 1993. Um dos primeiros filmes de animação tinha como principal intérprete um dinossauro, de cauda e pescoço compridos, que se chamava Gertie. Esta dinossauro saurópode desfilou nos ecrãs a preto-e-branco pela mão de Winsor McCay, em 1914, sendo esta a estreia dos dinossauros no mundo do cinema [1].

“The Valley of Gwangi” (1969) ou “When Dinosaurs Ruled the Earth” (1970), são dois exemplos em que se pode verificar tanto a sincronia existencial de homens e dinossauros, como, sobretudo, a ruptura da estabilidade social que o dinossauro vem trazer.

When DInosaurs Ruled the Earth (1970)

Se na cinematografia ocidental o dinossauro é representado de forma fiel, a cultura cinematográfica oriental, nomeadamente a japonesa, altera a anatomia do dinossauro, transformando-o numa entidade diferente. Um monstro pós-nuclear é criado e vem destruir cidades e culturas. Vários autores apontam que o monstro, Godzilla, não é mais do que um fenómeno catártico colectivo da sociedade japonesa às explosões de Hiroshima e Nagasaki. A morfologia do dinossauro é alterada, quase como um efeito de mutação de origem nuclear.

O dinossauro desempenha assim, pelo menos no ocidente, um papel que era tradicionalmente representado pelo dragão, monstro que encarnava todo o tipo de mal nas culturas judaico-cristãs. A actualização iconográfica, com a substituição do dragão pelo dinossauro, não é consensual para a maioria dos investigadores, embora seja sem dúvida apelativa, encontrando-se facilmente inúmeros exemplos deste fenómeno.

Gojira (1954)

A influência dos dinossauros na literatura surgiu pela mão de Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. A descoberta de uma pegada de Iguanodon fossilizada, em 1909, impressionou de tal forma Conan Doyle que o inspirou na criação de um mundo fantástico, cheio de criaturas extintas e gigantescas, na América do Sul, no seu livro de 1912  “O Mundo Perdido” [2].

“O político X é um dinossauro”, já todos lemos por mais do que uma vez. Este baptismo pejorativo, na maioria dos casos, pretende sublinhar o carácter ultrapassado e decadente do nomeado. Há, assim, a associação do termo dinossauro a todo o tipo de pessoas e realidades que há muito deveriam estar reformadas ou apenas desaparecidas. Incorpora-se a realidade da extinção biológica na dimensão humana, conotando-se o dinossauro com o arcaico e ultrapassado humano. Os dinossauros diversificaram-se e sobreviveram durante quase 200 milhões de anos, mas a sobranceria de um grupo de mamíferos que escreve há poucos milhares de anos, para além de biologicamente embaraçosa, é injusta.

O ser humano apenas caminha sobre a Terra há uma pequena fracção do tempo em que os dinossauros percorreram todos os ambientes terrestres.

Referências:

[1] Sanz, J.L. 2002. Starring T. Rex – Dinosaur Mythology and Popular Culture. 153pp. Indiana University Press.

[2] Lockley, M. 1991. Tracking Dinosaurs: A New Look at an Ancient World. 238pp. Cambridge Univ. Press, Cambridge.

Imagens:

a) Cartaz do filme de animação “Gertie, the Dinosaur” (1914), de Winsor McCay. Fonte: http://bit.ly/7ZusdN; b) Cartaz do filme “When Dinosaurs Ruled the Earth” (1970), de Val Guest. Fonte: http://bit.ly/g2785g; c) Cartaz do filme “Gojira” (1954), de Ishirō Honda. Fonte: http://bit.ly/2DjRBX

Este texto é a continuação de “Dinossauros: Velhos Mitos (1)”

Versão Impressa do texto – download do PDF aqui: