Trocado por Miúdos
Ultimamente apenas tenho escrito neste blog para relatar o que vou fazendo ou projectos em que participo(ei).
Hoje não vou fugir à regra embora as saudades de divagar por temas científicos me ande a assolar há muito.
Não será bem assolar; esta vontade de escrever antes é uma síndrome de abstinência mas de efeitos muito lentos.
Não mói, não me impede de ter um dia aparentemente normal, os amigos e a família continuam a reconhecer-me (ou evitar-me, conforme os casos…), é quase uma sensação física e já o havia contado aqui.
Agora que gastei 2 minutos a escrever como gosto, ou seja, como se teclasse, posso fazer um bocadito de auto-promoção descarada.
O livro Trocado por Miúdos, publicado pela Porto Editora, resultou de uma compilação de perguntas feitas por crianças em idade escolar, sobre (quase) todos os assuntos.
Feita a selecção das perguntas, a Porto Editora lançou as bombas a conhecidos especialistas portugueses da Ciência, Economia, Política, Religião, Filosofia, enfim, de quase todas as áreas.
E também em enviaram a mim, ilustre desconhecido.
As perguntas que as mentes da Porto Editora me enviaram foram:
-Dizem que evoluímos dos macacos. É verdade?
-Porque é que se diz que os humanos há bastantes anos eram parecidos com macacos?
-Na História dizem que viemos dos macacos, ou seja, evoluímos. Porque é que os macacos já não evoluem?
De início, fiquei contente por a Porto Editora se ter lembrado de mim que embora tenha investigado em temas evolutivos e particular gosto pela divulgação científica da Evolução, sou sobretudo um paleontólogo de dinossauros com experiência em comunicação de ciência.
Depois, assustei-me com as perguntas que embora sejam habituais nesta e noutras faixas etárias, requerem sempre particular atenção na resposta.
Finalmente decidi não responder a uma, como sugerido pela editora inicialmente, mas às três e convidar uma bióloga com quem nunca havia trabalhado mas com quem já havia discutido temas de divulgação em Evolução várias vezes – a Alexandra Sá Pinto do CIBIO.
Pelo meio ainda houve direito a que me lembrasse de uma figura que o meu colega Matthew Bonnan me havia mostrado e divulgado relações de parentesco em Evolução e que lhe pedisse a amabilidade de a adaptar para este livro.
E foi assim, que a minha participação no livro Trocado Por Miúdos aconteceu.
Por atenção aos outros autores e, sobretudo, pela ajuda que este livro dará à Aldeias de Crianças SOS Portugal, comprem o livro.
Nota: nenhum dos autores recebeu qualquer remuneração ou pagamento pela escrita ou venda do livro.
Devaneios evolutivos…
Esta imagem/post, retirado e mais do que partilhado pela página de Facebook “I fucking love science” é uma excepção às suas excelentes e divertidas imagens-mensagem.
E porquê?
1 “You are the result of 3.8 billion years of evolutionary success”
O aparente topo evolutivo ocupado pelo ser humano, de alguma forma reflectido no texto desta imagem, não é verdadeiro, já que a nossa espécie é um acaso da História Evolutiva da vida na Terra.
Ao contrário do que está implícito, a Evolução da vida não tem o ser humano como o pináculo evolutivo, o seu porto de chegada, o seu mais perfeito representante, o final do caminho da vida sobre a Terra, isto apesar da nossa existência actual ser fruto de um sem número de sucessos intermédios.
Seremos tão pináculo evolutivo da História da Terra como outros seres vivos actuais – representantes no presente de várias linhagens de seres vivos que singraram ao longo do tempo.
2 Outra mensagem que poderá induzir em erro, e subjacente neste texto, é que a Evolução é sinónimo de um cada vez maior aperfeiçoamento e complexidade dos organismos, sendo o representante deste conceito nesta imagem/texto o ser humano.
Isto não é de todo verdade.
Embora existam casos de incremento de complexidade, a Evolução conduz* também a redução de complexidade biológica, à diminuição de estruturas, entre outras alterações morfológicas e/ou fisiológicas.
Evolução biológica não é sinónimo de maior complexidade – pode ou não sê-lo.
3 Ainda outra mensagem subjacente é a de cariz moral/comportamental. Devemos actuar em função do sucesso obtido pelos nossos antepassados, sejam eles mais ou menos distantes.
O que não me agrada nesta mensagem é a mistura entre sucesso evolutivo e a matrizes de comportamento moral/ético. Isto talvez possa justificar parte do sucesso evolutivo recente dos nossos antepassados, mas não justifica a esmagadora maioria do tempo geológico.
O singrar de um organismo e o sucesso de um código de conduta, embora possam estar interligados, são questões distintas, sendo perigoso generalizá-los.
Se nos focarmos no comportamento humano e na diversidade de valores éticos e morais existentes, então estaremos de certeza a misturar alhos com bugalhos quando afirmamos que nos deveremos comportar em função do sucesso biológico de um passado tão longínquo como o de há centenas ou milhares de milhões de anos.
Apenas alguns devaneios evolutivos…já há muito debatidos e analisados por outros muito melhores do que eu.
* a utilização deste vocábulo é exagerada, sendo aqui utilizada por simplificação na leitura.
Os Cães do Estado
O risco parece ser o tempero principal do prato que nos servem nos dias em que nos assam.
As elites governativas apelam a que cada um de nós largue o gatinhar seguro e se atire, sem medos, para a iniciativa própria.
Arriscar e aguentar, dizem eles, que o Estado já fez o que devia e todos devemos largar o consolo a que nos habituámos por direito.
Devemos arriscar mais, fugindo da segurança que o Estado nos deveria proporcionar.
A história evolutiva dos cães apresenta, como explicações para o seu aparecimento, duas alternativas. A mais comummente aceite é a de que os seus ancestrais lobos foram seleccionados artificialmente pelo Homem e, assim, adquiriram as características comportamentais, primeiro, e físicas, depois, que interessam e agradam ao ser humano.
Uma segunda alternativa, defendida por Raymond Coppinger [1] envolve, para além da selecção artificial dos nossos antepassados de alguns lobos, a selecção natural. Em resumo, os lobos, como outros animais, apresentam graus distintos do que se designa por “distância de fuga”, ou seja, a distância mínima que um animal está disposto aceitar à aproximação de um ser humano, ou outro perigo, antes de iniciar a fuga. Intuitivamente compreendemos este conceito de “distância de fuga”, tanto mais que já todos vimos, pelo menos na televisão, que diferentes animais apresentam “distâncias de fuga” distintas e, mesmo dentro da mesma espécie, esta distância variará de indivíduo para indivíduo. Se não acreditam, experimentem alimentar pombos ou gaivotas…
A “distância de fuga” está relacionada com a sobrevivência do animal, seja por permitir que obtenha alimento fácil arriscando mais, seja por poder ser ferido ou morto caso se aproxime do eventual perigo que está entre ele e o alimento.
O autor referido apresenta como motivo para a domesticação do lobo e consequente aparecimento do cão que a distância de fuga dos lobos que circundavam os acampamentos humanos primitivos se terá reduzido. Por outras palavras, alguns lobos arriscavam mais e seriam esses que despertaram o espírito de domesticação dos nossos antepassados. No surgimento do cão parece ter estado um aumento do espírito de risco ou a diminuição da distância de fuga por parte de alguns lobos.
Ora o risco e empreendedorismo, bandeiras que se devem aplicar à Banca mais do que a nenhum outro sector da economia, parecem ter ficado na gaveta.
Verdadeiros lobos, os bancos arvoram-se, historicamente, como bastiões do risco e da independência face à protecção.
Mas o que verifica recentemente é que o espírito protector e paternalista parece ter assolado as mentes de quem nos governa. Só uma mãozinha, que eles são pequeninos, justificam. Era mesmo só o que lhes faltava, este naco de carne dado à boca, que os bancos de pedigree não singram sem esta ajuda, carpem os que mandam no Estado.
Do que me ensina a evolução dos lobos e dos cães resta-me adivinhar que os bancos, protegidos e esquecidos do risco, saltem para ao colo dos seus donos.
E para quê?
Há que tomar conta dos rebanhos, especulo.
Há que fazer companhia financeira, quando dela precisarem os futuros ex-governantes.
E quem melhor para estas tarefas?
Estes novos cães do estado, amansados e alimentados à mão.
Pena é que quem manda se esqueça que por vezes os cães mordem a mão de quem os alimenta.
E estes, ao contrário dos cães de quatro patas, já deram provas de que o farão.
Mais tarde, ou mais cedo.
E a nós, o que nos resta?
Voltar à selva, que o canil do Estado, que todos pagámos, já está ocupado.
Referências:
[1] Dawkins, R. 2009. O Espectáculo da Vida – A Prova da Evolução. Páginas: 430. Casa das Letras. ISBN: 9789724619354 – páginas consultadas 75-78.
“Estado injecta 1 100 milhões de euros na recapitalização do Banif” jornal i 31 de Dezembro de 2012
“Injecções de dinheiro no BPN ascendem a 8,5 mil milhões” jornal DN 25 de Outubro de 2011
Imagens:
Vittore Carpaccio “Two Venetian Ladies” (1510)
Beatas no Ninho
Embora o título possa parecer um pouco reles, o teor deste texto é tudo menos provocador.
Bem, talvez o seja para alguns seres vivos.
As beatas de que falamos são as pontas dos cigarros depois de fumados ou, em português do Brasil, as bitucas ou guimbas de cigarro.
Mas porquê falar da terminologia de um produto tão nocivo à saúde e, pior, misturá-lo com ninhos?
É que por vezes a natureza dá voltas por onde menos se espera. Neste caso, verificou-se que algumas aves da cidade do México utilizam as beatas de cigarros na construção dos seus ninhos.
O comportamento foi observado e avaliado por investigadores da Universidad Nacional Autónoma de México, que utilizaram um procedimento experimental para comprovarem a influência das guimbas de cigarro sobre parasitas que atacam as crias de aves.
Os cientistas verificaram que ninhos com pontas de cigarros fumados apresentavam menos parasitas externos do que aqueles construídos com pontas de cigarros não fumados.
Bem, nada de especial, escarnecerão os mais radicais, acrescentando que o tabaco é tão mau que nem os parasitas o aguentam.
Os investigadores verificaram que as aves que utilizam as beatas nos seus ninhos, pardais (Passer domesticus) e a espécie de tentilhão Carpodacus mexicanus, o poderão fazer como recurso a um insecticida natural, já que as pontas dos cigarros preservam quantidades de nicotina e outras substâncias químicas.
Um amigo meu inglês já me havia descrito que infusões frias de beatas de cigarros quando vertidas nos vasos de plantas ornamentais as tornam mais saudáveis. Ou assim diz ele.
Estes investigadores não descartaram a hipótese de que as aves utilizem as beatas como um revestimento térmico para os ninhos, uma vez que estas têm celulose. Tão pouco afastam que as vantagens de as aves utilizarem a nicotina como desparasitante sejam anuladas pelos efeitos tóxicos dos químicos tabágicos.
Ainda que não totalmente esclarecidos, os autores propõem duas hipóteses para o comportamento das aves: as substâncias químicas presentes nas pontas de cigarro poderão estimular o sistema imunitário das crias e, assim, favorecer as suas hipóteses de sobrevivência. A segunda hipótese aponta para que os químicos presentes nas bitucas de cigarros possam ter um papel mais directo, evidente e já referido: as beatas seriam um insecticida natural, que desinfectaria os ninhos de parasitas externos.
Esquecendo as infusões de nicotina e desejando que as hipóteses levantadas sejam testadas, o que as aves urbanas parecem ter descoberto é a reutilização do arsenal químico dos cigarros a favor das suas crias.
Ao contrário do que escreveu Tchekov, estas aves mexicanas descobriram os benefícios do tabaco.
Aparentemente.
Suárez-Rodríguez M, López-Rull I, & Macías Garcia C (2012). Incorporation of cigarette butts into nests reduces nest ectoparasite load in urban birds: new ingredients for an old recipe? Biology letters, 9 (1) PMID: 23221874
Imagens:
1 – daqui
2 – de Vitor Argaez – daqui
3 – daqui
O Panda Catalão
É uma típica imagem chinesa aquela que agora vem da Catalunha – o panda.
Quase todas as crianças reconhecem este animal e uma parte delas sabe que este mamífero vive actualmente na China. Talvez a maioria dos adultos desconhecerá é que o mais antigo panda gigante viveu há cerca de 11 milhões anos na península ibérica.
Os vestígios fossilizados de um antepassado do panda gigante foram encontrados numa jazida fossilífera de Saragoça, designada Nombrevilla 2.
O Kretzoiarctos beatrix passa a ser o mais antigo representante da subfamília Ailuropodinae, grupo a que pertencem as formas extintas e as formas actuais do panda gigante, tendo os sedimentos onde foi encontrado a idade de 11.6 milhões de anos.
Até esta descoberta, o mais antigo antepassado procedia do Miocénico chinês, com uma idades que variavam entre os 7 e os 8 milhões de anos. A descoberta das mandíbulas e dentes fossilizadas, levada a cabo por paleontólogos do Instituto Catalão de Paleontologia, faz recuar assim o retrato da evolução do panda gigante em três milhões de anos, ampliando igualmente a imagem da distribuição geográfica passada deste mais do que emblemático animal actualO panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) constitui há muito motivo de debate científico pois de há muito que se discute a sua origem e a sua relação na família Ursoidea, sendo este posicionamento apoiado por dados moleculares que o remetem como grupo-irmão do ursos.
Esta nova espécie fóssil, o Kretzoiarctos beatrix [1], para além de representar o mais antigo antepassado do panda gigante, constitui também o mais antigo vestígio de um ursídeo na península ibérica.
Sobre a possibilidade deste antepassado ter coloração branca e preta típica dos seus descendentes, os paleontólogos não confirmam dado não haver material fossilizado que o permita inferir [2].
Os paleontólogos que estudaram este material referem ainda que na origem da extinção deste animal terão estados alterações ambientais com impacto direto nos ambientes em que este panda viveria – as florestas densas e húmidas terão sido substituídas por ambiente mais abertos e secos [2].
Há 11 milhões de anos, tal como hoje, o clima a condicionar de sobremaneira a existência das espécies…ainda assim, viva a panda catalão, viva!
(artigo publicado no jornal Sul Informação)
[1] Abella J, Alba DM, Robles JM, Valenciano A, Rotgers C, Carmona R, Montoya P, & Morales J (2012). Kretzoiarctos gen. nov., the Oldest Member of the Giant Panda Clade. PloS one, 7 (11) PMID: 23155439
[2] http://www.livescience.com/24788-oldest-panda-fossils.html
Imagens:
A – reconstituição de Kretzoiarctos beatrix ; daqui – SINC
B – restos encontrados de Kretzoiarctos beatrix; de [1]
C – distribuição actual e do passado recente do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca); daqui – WWF
Mãe é Mãe e com o ADN do Filho
A mãe compreende até o que os filhos não dizem.
(máxima hassídica)
A ligação entre mãe e filho é forte. Dizê-lo é banal, redundante, superando esse vínculo quase todas as relações afectivas ou biológicas.
Publicada há menos de uma semana, uma investigação científica revelou que o ADN dos filhos por vezes invade as células cerebrais das suas mães. Este fenómeno biológico há muito que é conhecido por ocorrer em vários órgãos, no fígado por exemplo, mas nunca havia sido quantificado em células cerebrais.
Os resultados apresentados na revista PloS One (1) apontaram a presença de material genético masculino nos cérebros das respectivas mães. O ADN circulou dos filhos varões para o corpo materno, num fenómeno denominado microquimerismo fetal.
59 cérebros foram autopsiados neste estudo, revelando que 37 das mães (63%) possuíam um gene específico do filho. As mães “contaminadas” com ADN da descendência apresentavam também poucas evidências de doenças neurológicas como o Alzheimer. Para um dos autores deste estudo, William Burlingham, não existe ainda uma explicação para esta correlação entre a presença de ADN do filho e a ausências de alterações neurológicas (2).
Como foi identificado o ADN dos filhos no cérebro das progenitoras?
O método mais prático de identificação do ADN estranho à mãe envolveu localizar o gene DYS14 do cromossoma Y, uma vez que apenas os homens possuem este cromossoma, facilitando assim a descoberta de material genético que não seja da progenitora. Este método não descarta a hipótese de que ADN feminino tenha o mesmo tipo de migração para o cérebro das mães, apenas facilita para já a identificação de ADN de origem masculina.
Microquimerismo fetal
O microquimerismo fetal é o fenómeno biológico pelo qual há transferência de material genético (ADN) entre dois indivíduos, sendo anteriormente conhecida a transferência entre a mãe e o feto ou mesmo entre irmãos gémeos durante a gestação. Conhecidas igualmente eram as trocas de material genético entre irmãos não gémeos já que existe em circulação, no corpo da mãe, ADN de um irmão mais velho e que, eventualmente, passará para o irmão mais novo.
A longevidade desse ADN estranho no corpo da mãe pode mesmo atingir os 27 anos após a gravidez (3). A difusão de ADN entre indivíduos está associada ao desenvolvimento de algumas doenças auto-imunes como o lúpus eritematoso sistémico ou doenças reumáticas.
Os resultados agora publicados deste tipo de microquimerismo fetal não deixam de serem surpreendentes mas lançam sobretudo muitas questões biológicas, como por exemplo:
Qual o papel do ADN do filho no cérebro das mãe?
Qual a relação entre a presença daquele ADN em diferentes quantidades em zonas distintas do cérebro materno?
Qual a interpretação para a correlação positiva entre a quantidade de ADN filial e a menor probabilidade de a mãe desenvolver Alzheimer?
Para além destas questões biológicas, não deixo de me impressionar também pelo valor emotivo deste fenómeno. À carga afectiva que liga a mãe e o filho acresce agora uma ligação que se estende às células cerebrais, fonte de todas as emoções e pensamentos.
Mãe é mãe. E mais o é com o ADN dos filhos.
REFERÊNCIAS:
(1) Chan WFN, Gurnot C, Montine TJ, Sonnen JA, Guthrie KA, et al. (2012) Male Microchimerism in the Human Female Brain. PLoS ONE 7(9): e45592. doi:10.1371/journal.pone.0045592
(2) http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/32678/title/Swapping-DNA-in-the-Womb/
IMAGEM: “Petrograd Madonna”, de Kuzma Petrov-Vodkin (1878-1939)
As Maravilhas de S.J. Gould
As sete escolhas do paleontólogo e biólogo evolutivo Stephen Jay Gould para as Maravilhas do Mundo.
Não deixam de ser surpreendentes as escolhas de tão óbvias – óbvias para biólogos e paleontólogos, penso eu…
Perfeitamente justificadas e descritas por um grande cientista, historiador da Ciência e, sobretudo, uma mente brilhante, que tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Um vídeo a ver e ouvir até ao fim…
E quais seriam as vossas escolhas de maravilhas da História Natural?
(primeira parte do vídeo)
(segunda parte do vídeo)
Imagem: daqui
Disparidade e Biodiversidade em Dinossauros
Este texto foi escrito na sequência do contacto do jornalista Marco Túlio Pires da revista brasileira Veja, que pretendia um comentário meu ao artigo da Nature Communications “Dinosaur morphological diversity and the end-Cretaceous extinction”. (ver Abstract abaixo)
Este foi o texto que enviei e que foi parcialmente citado no artigo publicado na revista Veja on-line.
A questão fundamental que este artigo encerra é:
a) qual o estado ecológico de Dinosauria, ou seja, a sua biodiversidade, aquando da queda do meteorito há 65 milhões de anos, ou seja, estariam já as espécies de dinossauros do final do Cretácico em declínio no momento da queda do meteorito, tendo este apenas acelerado a sua extinção?
A questão não é nova, tendo sido analisada por muitos paleontólogos nas últimas décadas.
Este artigo é relevante pois analisa uma quantidade grande de grupos de dinossauros, aplicando uma série de metodologias de medição da disparidade morfológica que, para os autores deste estudo, é sinónimo de biodiversidade.
A metodologia utilizada por estes investigadores assenta na medição da variabilidade de formas anatómicas destes animais – disparidade morfológica, como indicador da biodiversidade de determinado grupo.
Neste perspectiva este estudo é inovador, deduzindo que alguns grupos de dinossauros estariam em melhor estado ecológico do que outros nos últimos 12 milhões de anos do Cretácico.
Assim, dinossauros carnívoros e herbívoros de porte pequeno a médio, como paquicefalossauros e anquilossauros, mantiveram a sua disparidade morfológica (biodiversidade) durante o final do Cretácico.
Pelo contrário, os autores do artigo verificaram que os grandes herbívoros como os hadrossaurídeos e ceratopsídeos estavam em declínio ao nível da sua disparidade morfológica nos últimos 12 milhões de anos do Mesozóico.
Há ainda o caso dos saurópodes, os maiores dinossauros, quadrúpedes e de cauda e pescoços compridos, que apresentam um aumento da sua biodiversidade antes mesmo da queda do meteorito. Os saurópodes pareciam estar destinados a um futuro brilhante não fosse a queda do meteorito…
A minha tese de doutoramento (Universidad Autónoma de Madrid, 2009) quantificou a disparidade morfológica dos ossos das patas de Sauropodomorpha, e outros grupos como terópodes, aves, pterossauros e morcegos, revelou que o aumento de tamanho neste grupo coincidia com um aumento na disparidade morfológica das patas destes animais.
Por outras palavras, quanto maiores forem os saurópodes, maior a disparidade morfológica do esqueleto apendicular destes animais.
Tenho utilizado a quantificação da disparidade morfológica, no caso dos ossos das patas, mas com objectivos distintos deste estudo. O meu interesse é perceber, por exemplo, porque é que e como é que alguns dinossauros mudaram o seu modo de locomoção de bípedes para quadrúpedes.
Apesar de importante, o artigo de Brusatte et al. não responde a algumas questões fundamentais, tais como:
– estavam os dinossauros em declínio no momento da queda do meteorito? Uns estavam, outros não, e outros nem por isso.
-qual o motivo da extinção diferencial no final do Cretácico, ou seja, porque o impacto do meteorito originou a extinção de umas espécies (por exemplo dinossauros e outros animais terrestres, mas também amonites, belemnites e outra fauna aquática) e não originou a extinção de outras (como mamíferos, aves, entre outras)?
– quais os resultados deste tipo de análise com aumento da amostra e com fauna de outros locais? Manter-se-iam os resultados? Os dados analisados são sobretudo, mas não exclusivamente, de formas norte-americanas embora também existam de outras áreas geográficas.
Em resumo: este artigo é importante porque quantifica a biodiversidade dos dinossauros do final do Cretácico, embora o seja mais por apontar um caminho para o futuro da investigação paleobiológica em dinossauros que é o da quantificação da disparidade morfológica como indicador da biodiversidade (neste caso a paleodiversidade).
A Extinção do final do Cretácico
Neste momento a teoria mais aceite para explicar a extinção dos dinossauros não-avianos (e de muitas outras espécies) é a queda de um objecto extra-terrestre.
Apesar de não conseguir explicar a extinção diferencial que se verificou no final do Cretácico, ou seja, por que é que umas espécies se extinguiram e outras não, a teoria do extinção por impacto, apresentada na década de 80 do século passado, está muito bem comprovada.
Como?
Sabe-se que o metal irídio é um metal de muito baixas concentrações na Terra. O que Walter Alvarez e colegas detetaram foi concentrações muito superiores ao normal em sedimentos do final do Cretácico.
O que significa isto?
Que um objeto, como um meteoro, que apresentam concentrações de irídio muito superiores às da Terra deveria ter chocado com o nosso planeta.
As provas deste choque, ou seja, as concentrações anómalas de irídio foram encontradas em vários pontos da Terra permitindo comprovar aquela impacto.
Outras provas da queda, como a cratera de impacto, demoraram mais tempo a serem encontradas. Um dos possíveis locais de queda e que sempre foi apontado foi a península do Iucatão, no México (Chicxulub). O que é certo é que 65 milhões de anos de erosão alteraram a forma inicial da cratera, tornando mais difícil a sua identificação.
Recentemente, alguns autores responsabilizaram a queda do asteróide Baptistina como a origem da mega-extinção que ocorreu há 65 milhões de anos, no final do Cretácico. Este ano, estudos da NASA descartaram esta hipótese uma vez que parte da fragmentação de Baptistina atingiu a Terra mais cedo, ou seja, há 80 milhões de anos.
Entre a comunidade científica existem outras teorias para justificar a extinção, embora menos aceites que a da queda de um objecto extra-terrestre. Alguns cientistas, apontam a ocorrência de actividade vulcânica de grande intensidade e que ao libertarem milhões de toneladas de gases poderão ter contribuído para o desaparecimento em massa de seres vivos. Esta hipótese não exclui a da queda de um meteorito e, provavelmente, a explicação da extinção do final do Cretácico será terá apenas uma causa mas a combinação de vários motivos – queda de meteorito, vulcanismo e outras.
Abstract do artigo de Brusatte et al.
“The extinction of non-avian dinosaurs 65 million years ago is a perpetual topic of fascination, and lasting debate has focused on whether dinosaur biodiversity was in decline before end-Cretaceous volcanism and bolide impact. Here we calculate the morphological disparity (anatomical variability) exhibited by seven major dinosaur subgroups during the latest Cretaceous, at both global and regional scales. Our results demonstrate both geographic and clade-specific heterogeneity. Large-bodied bulk-feeding herbivores (ceratopsids and hadrosauroids) and some North American taxa declined in disparity during the final two stages of the Cretaceous, whereas carnivorous dinosaurs, mid-sized herbivores, and some Asian taxa did not. Late Cretaceous dinosaur evolution, therefore, was complex: there was no universal biodiversity trend and the intensively studied North American record may reveal primarily local patterns. At least some dinosaur groups, however, did endure long-term declines in morphological variability before their extinction.”
Referências:
Stephen L. Brusatte, Richard J. Butler, Albert Prieto-Márquez & Mark A. Norell. 2012. Dinosaur morphological diversity and the end-Cretaceous extinction. Nature Communications 3, Article number: 80 doi:10.1038/ncomms1815.
Rodrigues, L.A. Sauropodomorpha (Dinosauria, Saurischia) appendicular skeleton disparity: theoretical morphology and Compositional Data Analysis. Universidad Autónoma de Madrid, Madrid – Spain, Supervised by Professor Angela Delgado Buscalioni and Co-supervised by Professor Jeffrey A. Wilson, University of Michigan, Ann Arbor. December 2009. ISBN 978-84-693-3839-1.
Imagens:
De Brusatte et al 2012 e de Rodrigues, L.A. 2009
A Formiga e a Europa
(Publicado no jornal Barlavento, 28 de Julho de 2011)
Os tempos mudaram.
O que se dizia de Esquerda e viu o país afundar, afastou-se.
Por cá e, verdade seja dita, um pouco por toda a Europa, os sinais da crise económica e de valores são cada vez mais ensurdecedores.
A Europa afunda-se?
Talvez. Porque é cada um por si e, pensamos nós erradamente, a Comissão Europeia por todos.
Falta-nos um verdadeiro esforço conjunto, uma causa que nos cimente, que nos una.
A solução para o dilúvio existencial e económico que se aproxima passa por aprendermos não com os gurus da Economia, os visionários da Tecnologia ou outros quaisquer bruxos, mas com… uma formiga, mais concretamente a Solenopsis invicta.
Apesar do seu nome comum ser formiga-de-fogo, há muito que um comportamento deste animal na água desperta a curiosidade dos biólogos. Originária da América do Sul, embora esteja distribuída um pouco por todo o mundo, esta formiga reage a inundações formando pequenas jangadas cujos constituintes são as próprias formigas.
Um estudo recente da Universidade de Geórgia Tech revelou que, de uma forma absurdamente simples, as formigas da espécie Solenopsis invicta em momentos de inundação conseguem sobreviver graças à sua união.
Se individualmente as formigas apresentam uma capacidade hidrofóbica razoável, sendo capazes de flutuar, essa capacidade é muito maior se se unirem.
Nos momentos em que as águas tudo invadem, e esses momentos são frequentes nas florestas tropicais, as formigas unem-se literalmente às suas companheiras, cravando as suas mandíbulas e exercendo forças 400 vezes superiores ao seu peso corporal, formando assim uma verdadeira jangada.
Esta jangada, revela o estudo, é uma massa viscosa e elástica formada por “moléculas” que são as próprias formigas. A estrutura flutua graças à sua capacidade para repelir as moléculas da água, muito maior quando as formigas-de-fogo se unem às suas irmãs.
Desta forma, a sobrevivência deste animal passa pelo colectivo e não pelo individual. Este comportamento foi quantificado e modelado pelos investigadores, que foram assim capazes de comprovar as vantagens evolutivas das jangadas de formigas-de-fogo.
O modo invejável como a Solenopsis invicta faz frente aos dilúvios poderá servir para a velha Europa e para Portugal.
Tudo o que recentemente se passou de momento não interessa.
O que agora interessa é não nos afundarmos mais ainda com a inundação não prevista, não tratada, enfim… não cuidada.
O que a Europa desconhece ou não quer ver é que a salvação individual passa pela salvação colectiva.
Que abdicar de alguma parte do grupo, ou de um país, não é a solução, antes o apressar do fim.
Somos apenas quando fazemos parte, quando o somos em grupo, apesar e com a nossa individualidade, seja da pessoa, seja do país.
Sozinhos aguentamos, até cairmos por fim.
Em grupo venceremos.
Referência – Mlot, N., Tovey, C., & Hu, D. (2011). Fire ants self-assemble into waterproof rafts to survive floods Proceedings of the National Academy of Sciences, 108 (19), 7669-7673 DOI: 10.1073/pnas.1016658108
Imagem: adaptada do artigo. Esquerda – o carácter moderadamente hidrofóbico de um indivíduo de Solenopsis invicta. Direita – a jangada submersa pelos investigadores revelando bolsa de ar.
Vídeo – material suplementar do artigo.
Dinossauros e as Aves
Continuação de Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos (2)
Desde a descoberta, em 1861, do Archaeopteryx lithographica, animal que apresentava características comuns às aves e aos répteis, os paleontólogos percorreram uma verdadeira cruzada científica para provar que as aves descendiam dos dinossauros. O Archaeopteryx apresentava verdadeiras asas e penas, o que o classificava como ave, mas, simultaneamente, podia-se observar que as suas asas apresentavam garras e o seu bico tinha uma série de dentes.
A partir de meados da década de 80 do século passado, várias descobertas têm completado o trajecto de parentesco entre aves e dinossauros. A maioria dessas descobertas foi feita em jazidas chinesas, mas não só. Contudo, antes de apresentar estas novas “contratações” é importante referir que tanto o Archaeopteryx, como a maioria dos exemplares chineses, procedem de um tipo especial de jazida designada, a partir do alemão, de Konservat-Lagerstatten.
Estas jazidas, pelas suas características geológicas, apresentam a propriedade de preservar em detalhe estruturas frágeis como, por exemplo, asas de insecto, pêlos de mamíferos e, importante para se perceber a evolução das aves, também as penas e os seus ossos frágeis. Se o Archaeopteryx procedia de um Konservat-Lagerstatten da Baviera alemã, a maioria das preciosidades paleontológicas que foram descobertas apenas a partir de 1984, são oriundas das jazidas de Liaoning, no nordeste da China [8].
Os paleontólogos de vertebrados costumam afirmar, em jeito de brincadeira, que podemos esperar quase tudo de Liaoning. A inveja salutar subjacente a este comentário não minimiza, contudo, a realidade científica excepcional que os achados de Liaoning representam, tendo estes servido para comprovar quase todas as etapas evolutivas dos dinossauros para as aves, numa realidade científica sem precedentes.
Confuciusornis, Changchengornis, Eoconfuciusornis ou Sinornis são algumas das espécies de aves primitivas que foram descobertas nas jazidas chinesas, podendo as morfologias corporais das aves actuais ser observadas nestes exemplares fósseis.
Para além das penas, outras características anatómicas, como um bico córneo, banal nas aves da actualidade, pode ser observada pela primeira vez no grupo de aves primitivas a que pertencem Confuciusornis ou Eoconfuciusornis, espécies que viveram num intervalo temporal que se estendeu entre os 120 e os 131 milhões de anos.
A presença de penas assimétricas, características de um voo activo, já pode ser observada nalgumas aves primitivas de Liaoning.
Apesar da enorme diversidade de aves primitivas provenientes da China, outros países têm contribuído para esta saga de conhecimento da transição evolutiva dinossauros-aves. Na jazida de Las Hoyas, em Cuenca, Espanha, foram descobertos os vestígios que permitiram classificar outra ave primitiva – Iberomesornis romerali [9].
Esta espécie contribuiu para a compreensão dos mecanismos de voo das primeiras aves, já que é uma ave que apresenta o que se designa por fúrcula, estrutura óssea que permite que os membros anteriores das aves executem os movimentos de voo semelhantes aos das aves modernas. Iberomesornis apresentava também as vértebras caudais distais fundidas, tal como as aves modernas.
Mas outros exemplares de aves primitivas foram descobertos e descritos pela equipa de paleontólogos da Universidad Autónoma de Madrid, como Concornis lacustris e Eoalulavis hoyasi.
Recentemente, Las Hoyas revelou outra das etapas evolutivas, desta vez não das aves, mas ainda dos dinossauros não-avianos, com a apresentação de Concavenator corcovatus, o mais antigo dinossauro com evidências de penas na sua anatomia [10].
Se os exemplos de aves primitivas apresentados e respectiva sequência de características anatómicas próximas às modernas atestam parte do percurso evolutivo destes animais, também é possível verificar nos dinossauros ditos não-avianos algumas particularidades anatómicas comuns à linhagem aviana, das quais saliento a presença de penas em várias espécies de dinossauros.
A maioria dos não-especialistas apontaria a presença de penas como condição suficiente para a classificação de um animal como ave, já que esta estrutura não é encontrada actualmente em mais nenhum grupo zoológico. Contudo, o registo fóssil de penas em grupos de dinossauros não-avianos tem vindo a crescer, quer na quantidade de dinossauros descritos, quer na sua antiguidade.
Dinossauros como Sinosauropteryx, Shuvuuia, Beipiaosaurus, Caudipteryx, Sinornithosaurus ou Microraptor apresentavam penas, de diversos tipos e em zonas corporais distintas.
Microraptor, dinossauro datado de há 128 milhões de anos, revelava penas não só nos membros anteriores, mas também nos membros posteriores, avançando alguns paleontólogos que este dinossauro poderia ter apresentado um padrão de voo planado semelhante ao observado em alguns mamíferos planadores actuais.
No próximo post abordarei o aparecimento do voo e das penas.
Para já um vídeo sobre o Archaeopteryx que apesar de algumas pequenas imprecisões serve para introduzir este importante exemplar da história evolutiva das Aves aos mais novos
Referências:
[8] Hou, L. & Liu, Z. 1984. A new fossil bird from Lower Cretaceous of Gansu and early evolution of birds. Scientific Sinica (Series B) 27(12): 1296-1302.
[9] Sanz, J., Bonapartet, J., & Lacasa, A. (1988). Unusual Early Cretaceous birds from Spain Nature, 331 (6155), 433-435 DOI: 10.1038/331433a0
[10] Ortega F, Escaso F, & Sanz JL (2010). A bizarre, humped Carcharodontosauria (Theropoda) from the lower cretaceous of Spain. Nature, 467 (7312), 203-6 PMID: 20829793
Imagens:
1– Archaeopteryx lithographica a) vista lateral do esqueleto; b, c) crâneo em vista lateral; d) mandíbula inferior direita com dentes; e) penas.
Imagem compósita adaptada de figura 9.2. de Benton, M. J. (2004) Vertebrate Palaeontology, 3rd Edition ISBN: 978-0-632-05637-8 e de figura 10.5 de Fastovsky, D. E. and Weishampel, D. B. (2009) Dinosaurs: A Concise Natural History. Cambridge University Press ISBN 978-0-521-71902-5.
2– os vários exemplares de Archaeopteryx comparados com o ser humano. Daqui.
3– a) Esqueleto de Confuciusornis sanctus, reconstituição (canto inferior esquerdo) e detalhe de pena caudal (canto superior direito). Imagem compósita adaptada de Chiappe et al. 1999. b) Crâneo e mandíbula de Eoconfuciusornis zhengi. Imagem de Zhang et al. 2008.