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O trabalho científico, para o público em geral, é feito no recato de laboratórios e gabinetes. Um trabalho rotineiro, de pequenas ou grandes práticas, em ambientes idênticos, dia após dia.

No caso da Paleontologia de Vertebrados esses procedimentos podem ser iguais ao de qualquer investigador ou mesmo de qualquer profissional.

Mas também podem ser totalmente distintos.

Uma das componentes de um paleontólogo de vertebrados (mas não só) envolve a recolha de amostras dos animais que estudamos (ossos, na maioria das vezes, mas também dentes, pele, são analisadas pegadas, entre outros vestígios fossilizados).

A prospecção e recolha dos fósseis implica que o paleontólogo se tenha que deslocar às jazidas rochosas onde previamente já foram descobertos vestígios ou novas jazidas que, pelas características rochosas (litologia, idade, etc.), apresentem boas possibilidades de se mostrarem produtivas.

Em termos práticos os paleontólogos têm que ir para o campo!

Esse é uma dos elementos que a maioria dos paleontólogos mais aprecia e anima.

Para além do potencial profissional que pode implicar (novas espécies ou melhor e maior quantidade de material fossilizado) existe um lado inerente à sua actividade, e partilhado por outros cientistas das Ciências Naturais, que os enriquecem como pessoas.

Falo do contacto implícito com a Natureza.

Apesar de todas a contrariedades inerentes – por vezes estamos sem contactar a família várias semanas, sem nada de parecido sequer com um chuveiro, frios nocturnos e canícula insuportável diurna, comidas nem sempre com os standards gastronómicos… – existem experiências inolvidáveis.

Apenas alguns exemplos.

No segundo ano que estive na província de Neuquén, na Patagónia argentina, cheguei ao acampamento, a cerca de 150 km da povoação mais próxima, durante a noite (o diário da expedição foi já publicado n’O Primeiro de Janeiro).

Cerca das três da manhã e por motivos fisiológicos tive que deixar a tenda. Mal saí fui “assaltado” pela enormidade do céu estrelado que ao mesmo tempo me atraía e assustava. O céu parecia abarcar tudo, provocando quase uma sensação física de tão intenso e grande. Senti-me de uma pequenez extrema… Só pela vista deste céu a terrível viagem já havia valido a pena.

Durante o tempo que permaneci na Patagónia fui diversas vezes “atacado” pela beleza da paisagem, ao mesmo tempo inóspita e terrivelmente atraente; o nunca acabar da planície, o percebermos que somos tão pequenos…

Aliado a este lado atraente, que a maioria das pessoas facilmente entende e deseja, existe um outro – a camaradagem. Como referi, as condições de trabalho e de vida em expedições paleontológicas são as mais básicas que se pode imaginar. Apesar disso, surgem relações humanas de camaradagem e amizade que, noutros enquadramentos mais sofisticados, dificilmente poderiam nascer.

Em especial à noite, à volta de uma fogueira readquirem-se hábitos ancestrais esquecidos -contam-se histórias em grupo, fazem-se silêncios enquanto crepita o fogo, esquecem-se hierarquias académicas, ouvem-se pequenos desabafos pessoais.

Quis apenas relembrar e celebrar um dos aspectos envolvidos no processo científico da Paleontologia – o trabalho de campo.

Não vem nos relatórios nem nas publicações científicas. Não existem tratados nem compêndios que o analisem e sistematizem. Apesar de tudo isso tenho constatado que é das coisas que colocam um sorriso sincero na cara de cada paleontólogo – “Vais para o campo?”

Esquecem-se labutas diárias de obtenção de fundos, de preenchimento de formalidades burocráticas, da falta de perspectivas profissionais de futuro.

E vai-se…

P.S.:Este texto é um agradecimento pelo outro lado do trabalho científico a que me dedico.

E que, tendo a sorte de o ter, o gostaria de partilhar.

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 5/3/2007)

Imagens – Luís Azevedo Rodrigues

Filosofia Monty

Primeiro, apressou-me os jantares para os ver na 2.
Depois, serviu-me de desbloqueador de conversa em inúmeros países e situações – excepto com alguns…cool Jeff, no problem!
Ainda me deixou triste porque não o imaginava deprimido.
Finalmente há uns tempos descobri-o a fazer pela Filosofia o que muitos não fizeram…com algumas excepções, como o Desidério Murcho.

John Cleese talks about Life and Philosophy

Alguns exemplos deliciosos do que pode ser a Filosofia e lidos por Cleese.
A partir de The Society for Philosophers in America.

Living the ideal of a scientific life

Philosophy bakes no bread, so what is it good for?

…e duas das minhas favoritas:

Why are we afraid to die?

Is it more important in life to get what we want or to like what we get?

O resto das mensagens pode ser ouvida aqui.

E ainda podem vê-lo, no seu blog e num registo menos sério, em

The Scientist at Work

Delivered to you from a laboratory deep in the heart of Northamptonshire, England, a short lecture on God.

Falsificações naturais

Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.

Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu de forma convergente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?
A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!

A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor.
Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes.
Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações.
É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)

Imagens – daqui, daqui e daqui
(a primeira não me recordo…)

Quanta Vida por descobrir

Nova formiga, formiga velha.
Cega e com uma longa história evolutiva.

Martialis heureka

Referência – Rabeling, Christian; Brown, Jeremy M. & Verhaagh, Manfred (200809-15). “Newly discovered sister lineage sheds light on early ant evolution“. Proceedings of the National Academy of Sciences. doi:10.1073/pnas.0806187105.

Imagem- daqui

Porto-Lisboa em 4600 milhões de anos

Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.

Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos.

Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.

Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).
A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).

A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).

Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (700 MA).

Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros depois. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).

A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a apenas 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a 1 metro surge a agricultura.

Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!

Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)

Imagens – daqui

Avulsas…

Desde o retomar das pernas em baleias – aqui e por mim abordado aqui e aqui, até às primeiras pegadas de Velociraptor (?) na Europa, é o possível nesta altura do “campeonato”…

Imagem – pinguim-de-Magalhães, Luís Azevedo Rodrigues, província de Chubut, patagónia argentina, 2004.

Obrigado…

…a todos os que votaram no Ciência Ao Natural, o que lhe permitiu ser semi-finalista no Super Blog Awards.

Cancro da mama e da pele

Post dedicado à C. e ao M.
Três anúncios, duas campanhas, mas as mesmas realidades geradoras.
O cancro da mama e o cancro da pele.

Campanhas – Ford Cares: Warriors in Pink; Danish Cancer Society
Referências – nos vídeos ou aqui

So what?

“Clitoral variation says nothing about female orgasm”

D. J. Hosken, Department of Biosciences, University of Exeter
Evolution & Development
, 2008 Jul-Aug;10(4):393-5

A verdade é que nem sequer tive acesso ao abstract mas que o título é apelativo, é...

Vida de Engenheiro

…engenheiros amigos, não se chateiem!

Imagem – Neil (Graph Jam)