Geologia e Paleontologia Urbana – livros

CAPA GUIA LAGOS (Large)Ao fim de alguns anos são agora publicados três livros bilingues, português e inglês, que escrevi em parceria relativos à Geologia e Paleontologia Urbana de três cidades portuguesas, mais concretamente do Algarve – Faro, Lagos e Tavira.

Como sou o autor, parece-me mais adequado transcrever o que foi escrito sobre estes livros em dois jornais.
Entrevista na rádio nacional Antena1 pode ser escutada aqui.

“Um projeto pioneiro, inovador e original» é como Luís Rodrigues, diretor do Centro de Ciência Viva de Lagos (CCVL), define os novos Guias de Geologia e Paleontologia Urbana que, no conjunto, propõem mais de uma centena de descobertas em três cidades algarvias. O primeiro, dedicado a Lagos, vai ser lançado sexta-feira, 29 de janeiro.

Ciência, história e património juntam-se para uma proposta simples – descobrir diferentes tipos de rocha em Geologia e ambiente urbano, admirando o seu enquadramento e contexto específicos. «A geologia e paleontologia urbana explicam a história das rochas que constroem os nossos equipamentos. A ideia é visitar locais nas cidades, olhando para aquilo que os constrói, os materiais com diferentes origens, percursos e idades. Muitas destas rochas têm vestígios visíveis de seres vivos com milhões de anos», explica Luís Rodrigues, mentor dos novos guias.

A ideia surgiu em 2013, quando coordenava em simultâneo os Centros de Ciência Viva de Faro, Tavira e Lagos. O objetivo era criar um produto (guias) e atividade (visitas), que pudessem de alguma forma unir os três centros algarvios.

GUIA AMOSTRA 1 (Large)«Todas as semanas fazia algo que me dava imenso prazer. Circulava pelas cidades à procura de diferentes rochas. É uma maneira diferente de olhar para as coisas. Isso é também um dos principais objetivos destes guias, ou seja, desafiar as pessoas a modificar um pouco a maneira como olham para as rochas e verem tudo o que normalmente lhes passa despercebido», explica.
Os três primeiros Guias de Geologia e Paleontologia Urbana são dedicados às cidades de Lagos, Faro e Tavira. Os percursos sugerem pontos de interesse variados, desde cafés, muralhas, igrejas, praças, monumentos e conventos, até cemitérios, entre outros.

GUIA AMOSTRA 3 (Large) (2)«Embora existam publicações de caráter científico, este é um projeto pioneiro a nível nacional em termos de livros destinados ao grande público». É uma forma de despertar o interesse e aproximar os residentes, escolas e o turismo da geologia e paleontologia.

Além disso, «provam que o Algarve tem muito mais do que sol e praia para oferecer. Enriquecem ainda mais a oferta turística e cultural no Algarve», sublinha.”

«A nossa missão nos Centros de Ciência Viva é promover a ciência e tecnologia, mas estas não estão isoladas de tudo o resto. A arte, a história, o património estão também aqui presentes.
Desenvolvemos uma estratégia que permitiu integrar várias áreas do conhecimento».

GUIA AMOSTRA 5Participaram ainda na concepção dos Guias Rita Manteigas, historiadora e autora responsável pelos textos de complemento histórico, e Margarida Agostinho, professora de Biologia e Geologia e Ciências naturais, em Lagos.

O cemitério da Igreja do Carmo, em Tavira, é um dos pontos de paragem que mais encantou Rodrigues. «Gosto muito desta história. Neste cemitério existe a campa de um soldado. Com o tempo, a erosão fez aparecer amonites. Aos meus olhos, acabam por ser dois seres vivos que lá estão sepultados. Um humano e um outro ser com mais de 100 milhões de anos. Há ali uma partilha entre seres de diferentes espécies e diferentes tempos, e tem, para mim, um simbolismo quase poético», revela.

GUIA AMOSTRA 6Outro exemplo é o tampo do balcão de um café. «Entrei apenas para pedir um café. No entanto, comecei a olhar para esta rocha incrível que era o tampo do balcão, com mega cristais e auréolas verdes enormes. Vim a descobrir que é um impressionante granito finlandês. A rocha mais antiga do nosso percurso em Tavira. Os donos não tinham noção. Disseram-me que achavam-no bonito e o tinham aproveitado de um outro café».

Excerto do Jornal Barlavento

Margarida-Agostinho-e-Luis-Azevedo-Rodrigues_Centro-Ciencia-Viva-de-Lagos-1-1250x596Quem entra numa igreja para a visitar, olha para as pedras dos arcos, pórticos e colunas, mas apenas para apreciar o estilo e a mestria de quem as esculpiu. Mas agora há um guia que quer pôr os visitantes a olhar de outra forma para as pedras, que até contam histórias bem mais antigas que o próprio monumento.

Se já teve a sorte de apanhar aberta e visitar a Igreja de São Sebastião, em Lagos, certamente nunca reparou nos fósseis com 150 milhões de anos que existem na rocha em que é feita a pia batismal. E quem fotografa o D. Sebastião, na baixa da cidade, talvez nunca tenha olhado bem para as quatro diferentes rochas que foram usadas pelo escultor João Cutileiro para fazer a estátua do rei menino.

GUIA AMOSTRA 4 (Large)Amanhã , no âmbito dos festejos do feriado municipal de Lagos e do sétimo aniversário do Centro Ciência Viva da cidade, este CCV vai lançar o «Guia de Geologia e Paleontologia Urbana de Lagos», da autoria de Luís Azevedo Rodrigues e Margarida Agostinho, que pretende, precisamente, dar a conhecer as rochas e os fósseis que fazem parte de igrejas, monumentos e outros edifícios e equipamentos urbanos.

Este é o primeiro de uma série de três guias a ser editados em 2016, sobre as três cidades algarvias com Centros Ciência VivaFaro, Lagos e Tavira. Os de Faro e Tavira, segundo revelou Luís Azevedo Rodrigues ao Sul Informação, deverão ser lançados durante o próximo mês de Fevereiro.

Luis-Azevedo-Rodrigues_Centro-Ciencia-Viva-de-Lagos-1-1250x596 (1)O diretor do CCV de Lagos, ele próprio doutorado em Paleontologia, conta que a ideia de fazer estes guias surgiu quando era coordenador dos três Centros Ciência Viva existentes no Algarve, numa «tentativa de coordenar a sua intervenção e de os unir num projeto comum». A ideia, explica em entrevista ao nosso jornal, «foi criar um roteiro usado pelos CCV para divulgar a cidade, mas sob o ponto de vista geológico e paleontológico».

GUIA AMOSTRA 2 (Large)«O que queríamos é que as pessoas fossem, por exemplo, visitar uma igreja ou as muralhas e olhassem também para os materiais geológicos que constroem esses monumentos. Essas rochas têm uma história, uma cronologia, por vezes têm fósseis, outras vezes vieram de muito longe para serem usadas neste ou naquele edifício, fizeram um longo caminho para cá chegar».”

Excerto do jornal Sul Informação

 

Imagens: do jornal Barlavento e dos Guias de Geologia e Paleontologia Urbana de Lagos, de Faro e de Tavira.

GUIA AMOSTRA 7GUIA AMOSTRA 8Referências:
Rodrigues, L.A. and Agostinho, M. (2016) Tavira – Guia de Geologia e Paleontologia Urbana – Urban Geology and Paleontology Guide. Lagos Ciência Viva Science Centre Editions, 120pp. ISBN 978-989-99519-0-7.
Rodrigues, L.A. and Agostinho, M. (2016) Lagos – Guia de Geologia e Paleontologia Urbana – Urban Geology and Paleontology Guide. Lagos Ciência Viva Science Centre Editions, 124pp. ISBN 978-989-99519-2-1.
Rodrigues, L.A. and Agostinho, M. (2016) Faro – Guia de Geologia e Paleontologia Urbana Urban Geology and Paleontology Guide. Lagos Ciência Viva Science Centre Editions, 114pp. ISBN 978-989-99519-1-4.

Falhas

Descubra as falhas:

a) geológicas;
b) no ordenamento do território.
DSC_1615 (Large)
Imagem: Luís Azevedo Rodrigues (Abril 2013)

Local: Praia da Salema, Vila do Bispo.

Darwin e o leite

a3a5163e3a54b8db90074c456115b7af_hEsta terça-feira, dia 12 de Novembro, Charles Darwin faria 204 anos.

Escrever sobre um dos mais importantes homens de Ciência é tão difícil como tentar desvendar a morte de Kennedy: todas as perspectivas e ângulos foram já explorados.

O tema com que lembrarei Darwin faz parte do nosso dia-a-dia: o leite. De tão familiar, nunca parámos para pensar que o seu aparecimento poderia ser visto sob a perspectiva da Biologia Evolutiva.

Como surgiu o leite?

Seria óbvio justificar o aparecimento do leite como estando ligado apenas à alimentação das crias durante a evolução dos mamíferos. Mas os percursos evolutivos nem sempre são os mais lineares.

O leite inclui lisozima, enzima com propriedades anti-bacterianas, e, assim, uma das possibilidades evolutivas para o seu aparecimento é que este fosse um antibiótico natural para os ovos dos antepassados dos mamíferos. Estes seres utilizavam essa secreção para manterem um ambiente incubador desinfectado e húmido, hipótese evolutiva actualmente mais consensual – aumentar as possibilidades de sobrevivência das crias é um trunfo essencial do jogo da Evolução.

Ao longo da história evolutiva dos mamíferos, e seus antepassados, a função higiénica do leite parece ter sido ultrapassada pela nutritiva. Darwin lamentava que o registo fóssil não apresentasse as evidências directas da lactação, mas estudos posteriores dar-lhe-iam razão.

A enorme variabilidade composicional do leite dos vários mamíferos actuais revela ainda diferentes percursos evolutivos, quer ao nível das estratégias de reprodução, quer ao nível das diferentes adaptações ambientais. Entre as espécies actuais de mamíferos a composição varia, por exemplo, entre a quase inexistência de gordura no leite dalgumas espécies de cangurus e os 60%  de gordura no das focas.

As primeiras glândulas mamárias?

Darwin referiu que as glândulas secretoras das bolsas incubadoras de alguns peixes poderiam ser as estruturas primitivas das glândulas mamárias. Antes de gozarem com a ideia pensem nas bolsas com que os cavalos-marinhos macho incubam as crias… Hoje sabemos que as glândulas mamárias evoluíram a partir de glân


Afinal, porque bebem leite os mamíferos?
dulas da pele, mais concretamente glândulas pilosas. Estas glândulas produzem secreções e estiveram na génese do leite primitivo. Darwin já havia referido a glândula mamária do ornitorrinco como forma intermédia do percurso evolutivo das glândulas mamárias – o ornitorrinco alimenta as suas crias a partir de glândulas produtoras de leite, embora estas sejam desprovidas de mamilos.

Permitir aos mamíferos uma maior independência perante as condições ambientais necessárias à sua reprodução terá sido o impulso evolutivo que conduziu ao aparecimento do leite enquanto substância nutritiva das crias.

Os antepassados dos mamíferos eram hipoteticamente endotérmicos e de pequeno tamanho. Assim, os seus ovos teriam que ter um tamanho reduzido, o que implicaria que as crias se tivessem de desenvolver mais após a eclosão, necessitando então de uma fonte de alimento como o leite.

Estas hipóteses são atestadas pelo registo fóssil de cinodontes, grupo de animais extintos e antepassados dos mamíferos de há cerca de 200 milhões de anos, que apresentavam tamanho reduzido e ovos pequenos, bem como estruturas anatómicas reveladoras de lactação – ossos epipúbicos e um tipo especial de dentição.

Beber leite em adulto?

À medida que os bebés crescem vão perdendo a capacidade de produzirem a enzima que degrada a lactose – o açúcar do leite. Existem populações mais intolerantes à lactose e outras que desenvolveram a capacidade de continuar a produzir aquela enzima ao longo da vida – cerca de 90% dos suecos e dinamarqueses, por exemplo. Esta mudança biológica é explicada em termos evolutivos, pela mutação no gene ligado à tolerância à lactose. Há cerca de 7000 anos, mutações da tolerância à lactose surgiram de forma independente em três populações africanas e, curioso, este processo biológico ocorreu na mesma altura do início da domesticação de gado bovino, parecendo assim ter havido um processo de convergência evolutiva entre cultura e genes.

Brindemos então à saúde de Darwin com um shot de leite!

Embora seja avesso ao culto da personalidade e me interessem mais as ideias, quero partilhar o fascínio que sinto por este homem do século XIX que influenciou o modo como nos vemos e vemos a Natureza de que fazemos parte.

Parabéns!

(texto publicado no P3)

Referências:

1 The Mammary Gland and Its Origin During Synapsid Evolution (PDF gratuito)
2 The origin and evolution of lactation (PDF gratuito)

Imagens:

A   daqui
B   Traduzida e adaptada de 2
C   daqui

Devaneios evolutivos…

394952_530625956958420_24964258_nEsta imagem/post, retirado e mais do que partilhado pela página de Facebook “I fucking love science” é uma excepção às suas excelentes e divertidas imagens-mensagem.

E porquê?

1  “You are the result of 3.8 billion years of evolutionary success”
O aparente topo evolutivo ocupado pelo ser humano, de alguma forma reflectido no texto desta imagem, não é verdadeiro, já que a nossa espécie é um acaso da História Evolutiva da vida na Terra.
Ao contrário do que está implícito, a Evolução da vida não tem o ser humano como o pináculo evolutivo, o seu porto de chegada, o seu mais perfeito representante, o final do caminho da vida sobre a Terra, isto apesar da nossa existência actual ser fruto de um sem número de sucessos intermédios.
Seremos tão pináculo evolutivo da História da Terra como outros seres vivos actuais – representantes no presente de várias linhagens de seres vivos que singraram ao longo do tempo.
2 Outra mensagem que poderá induzir em erro, e subjacente neste texto, é que a Evolução é sinónimo de um cada vez maior aperfeiçoamento e complexidade dos organismos, sendo o representante deste conceito nesta imagem/texto o ser humano.
Isto não é de todo verdade.
Embora existam casos de incremento de complexidade, a Evolução conduz* também a redução de complexidade biológica, à diminuição de estruturas, entre outras alterações morfológicas e/ou fisiológicas.
Evolução biológica não é sinónimo de maior complexidade – pode ou não sê-lo.

3 Ainda outra mensagem subjacente é a de cariz moral/comportamental. Devemos actuar em função do sucesso obtido pelos nossos antepassados, sejam eles mais ou menos distantes.
O que não me agrada nesta mensagem é a mistura entre sucesso evolutivo e a matrizes de comportamento moral/ético. Isto talvez possa justificar parte do sucesso evolutivo recente dos nossos antepassados, mas não justifica a esmagadora maioria do tempo geológico.
O singrar de um organismo e o sucesso de um código de conduta, embora possam estar interligados, são questões distintas, sendo perigoso generalizá-los.
Se nos focarmos no comportamento humano e na diversidade de valores éticos e morais existentes, então estaremos de certeza a misturar alhos com bugalhos quando afirmamos que nos deveremos comportar em função do sucesso biológico de um passado tão longínquo como o de há centenas ou milhares de milhões de anos.

Apenas alguns devaneios evolutivos…já há muito debatidos e analisados por outros muito melhores do que eu.

* a utilização deste vocábulo é exagerada, sendo aqui utilizada por simplificação na leitura.

O Panda Catalão

É uma típica imagem chinesa aquela que agora vem da Catalunha – o panda.

Reconstituição de Kretzoiarctos beatrix ; fonte – SINC

Quase todas as crianças reconhecem este animal e uma parte delas sabe que este mamífero vive actualmente na China. Talvez a maioria dos adultos desconhecerá é que o mais antigo panda gigante viveu há cerca de 11 milhões anos na península ibérica.
Os vestígios fossilizados de um antepassado do panda gigante foram encontrados numa jazida fossilífera de Saragoça, designada Nombrevilla 2.

O Kretzoiarctos beatrix passa a ser o mais antigo representante da subfamília Ailuropodinae, grupo a que pertencem as formas extintas e as formas actuais do panda gigante, tendo os sedimentos onde foi encontrado  a idade de 11.6 milhões de anos.

Restos encontrados de Kretzoiarctos beatrix; fonte – de [1]

Até esta descoberta, o mais antigo antepassado procedia do Miocénico chinês, com uma idades que variavam entre os 7 e os 8 milhões de anos. A descoberta das mandíbulas e dentes fossilizadas, levada a cabo por paleontólogos do Instituto Catalão de Paleontologia, faz recuar assim o retrato da evolução do panda gigante em três milhões de anos, ampliando igualmente a imagem da distribuição geográfica passada deste mais do que emblemático animal actual

O panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) constitui há muito motivo de debate científico pois de há muito que se discute a sua origem e a sua relação na família Ursoidea, sendo este posicionamento apoiado por dados moleculares que o remetem como grupo-irmão do ursos.
Esta nova espécie fóssil, o Kretzoiarctos beatrix [1], para além de representar o mais antigo antepassado do panda gigante, constitui também o mais antigo vestígio de um ursídeo na península ibérica.

Sobre a possibilidade deste antepassado ter coloração branca e preta típica dos seus descendentes, os paleontólogos não confirmam dado não haver material fossilizado que o permita inferir [2].

Distribuição actual e do passado recente do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca); fonte – WWF

Os paleontólogos que estudaram este material referem ainda que na origem da extinção deste animal terão estados alterações ambientais com impacto direto nos ambientes em que este panda viveria – as florestas densas e húmidas terão sido substituídas por ambiente mais abertos e secos [2].

Há 11 milhões de anos, tal como hoje, o clima a condicionar de sobremaneira a existência das espécies…ainda assim, viva a panda catalão, viva!

(artigo publicado no jornal Sul Informação)

ResearchBlogging.orgReferências:

[1] Abella J, Alba DM, Robles JM, Valenciano A, Rotgers C, Carmona R, Montoya P, & Morales J (2012). Kretzoiarctos gen. nov., the Oldest Member of the Giant Panda Clade. PloS one, 7 (11) PMID: 23155439
[2] http://www.livescience.com/24788-oldest-panda-fossils.html

 

Imagens:
A – reconstituição de Kretzoiarctos beatrix ; daqui – SINC
B – restos encontrados de Kretzoiarctos beatrix; de [1]
C – distribuição actual e do passado recente do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca); daqui – WWF

(PUBLICADO NO JORNAL SUL INFORMAÇÃO)

Geologia e Paleontologia Urbanas (vídeo)

Por estas e por outras é que tenho andado a escrever tão pouco…

(Não complicar) Ciência

Um exemplo de simplicidade na divulgação de ciência: pequenas coisas; bons exemplos.

Não é preciso complicar.
E sim, sou suspeito. É de um colega paleontólogo…

Do Museu ao Convento – passeio comentado

«Do Museu ao Convento» | Passeio comentado

Venha fazer uma visita ao Património Histórico de Tavira, (re)visto pelos olhos de uma Historiadora de Arte e de um Paleontólogo |  21 de Janeiro, 15h

Cartaz do passeio comentado "Do Museu Ao Convento" uma parceria entre o Centro Ciência Viva de Tavira e o Museu Municipal de Tavira.

Dinossauros e as Aves

ResearchBlogging.orgContinuação de Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos (2)
Desde a descoberta, em 1861, do Archaeopteryx lithographica, animal que apresentava características comuns às aves e aos répteis, os paleontólogos percorreram uma verdadeira cruzada científica para provar que as aves descendiam dos dinossauros. O Archaeopteryx apresentava verdadeiras asas e penas, o que o classificava como ave, mas, simultaneamente, podia-se observar que as suas asas apresentavam garras e o seu bico tinha uma série de dentes.
A partir de meados da década de 80 do século passado, várias descobertas têm completado o traArchaeopteryx (Large).jpgjecto de parentesco entre aves e dinossauros. A maioria dessas descobertas foi feita em jazidas chinesas, mas não só. Contudo, antes de apresentar estas novas “contratações” é importante referir que tanto o Archaeopteryx, como a maioria dos exemplares chineses, procedem de um tipo especial de jazida designada, a partir do alemão, de Konservat-Lagerstatten.
Estas jazidas, pelas suas características geológicas, apresentam a propriedade de preservar em detalhe estruturas frágeis como, por exemplo, asas de insecto, pêlos de mamíferos e, importante para se perceber a evolução das aves, também as penas e os seus ossos frágeis. Se o Archaeopteryx procedia de um Konservat-Lagerstatten da Baviera alemã, a maioria das preciosidades paleontológicas que foram descobertas apenas a partir de 1984, são oriundas das jazidas de Liaoning, no nordeste da China [8].
500px-Archiesizeall1.svg.pngOs paleontólogos de vertebrados costumam afirmar, em jeito de brincadeira, que podemos esperar quase tudo de Liaoning. A inveja salutar subjacente a este comentário não minimiza, contudo, a realidade científica excepcional que os achados de Liaoning representam, tendo estes servido para comprovar quase todas as etapas evolutivas dos dinossauros para as aves, numa realidade científica sem precedentes.

Confuciusornis
, Changchengornis, Eoconfuciusornis ou Sinornis são algumas das espécies de aves primitivas que foram descobertas nas jazidas chinesas, podendo as morfologias corporais das aves actuais ser observadas nestes exemplares fósseis.
Para além das penas, outras características anatómicas, como um bico córneo, banal nas aves da actualidade, pode ser observada pela primeira vez no grupo de aves primitivas a que pertencem Confuciusornis ou Eoconfuciusornis, espécies que viveram num intervalo temporal que se estendeu entre os 120 e os 131 milhões de anos.
A presença de penas assimétricas, características de um voo activo, já pode ser observada nalgumas aves primitivas de Liaoning.
Confuciusornis sanctus and Eoconfuciusornis (Large).jpg
Apesar da enorme diversidade de aves primitivas provenientes da China, outros países têm contribuído para esta saga de conhecimento da transição evolutiva dinossauros-aves. Na jazida de Las Hoyas, em Cuenca, Espanha, foram descobertos os vestígios que permitiram classificar outra ave primitiva – Iberomesornis romerali [9].
Esta espécie contribuiu para a compreensão dos mecanismos de voo das primeiras aves, já que é uma ave que apresenta o que se designa por fúrcula, estrutura óssea que permite que os membros anteriores das aves executem os movimentos de voo semelhantes aos das aves modernas. Iberomesornis apresentava também as vértebras caudais distais fundidas, tal como as aves modernas.
Mas outros exemplares de aves primitivas foram descobertos e descritos pela equipa de paleontólogos da Universidad Autónoma de Madrid, como Concornis lacustris e Eoalulavis hoyasi.
Recentemente, Las Hoyas revelou outra das etapas evolutivas, desta vez não das aves, mas ainda dos dinossauros não-avianos, com a apresentação de Concavenator corcovatus, o mais antigo dinossauro com evidências de penas na sua anatomia [10].
Se os exemplos de aves primitivas apresentados e respectiva sequência de características anatómicas próximas às modernas atestam parte do percurso evolutivo destes animais, também é possível verificar nos dinossauros ditos não-avianos algumas particularidades anatómicas comuns à linhagem aviana, das quais saliento a presença de penas em várias espécies de dinossauros.
A maioria dos não-especialistas apontaria a presença de penas como condição suficiente para a classificação de um animal como ave, já que esta estrutura não é encontrada actualmente em mais nenhum grupo zoológico. Contudo, o registo fóssil de penas em grupos de dinossauros não-avianos tem vindo a crescer, quer na quantidade de dinossauros descritos, quer na sua antiguidade.
Dinossauros como Sinosauropteryx, Shuvuuia, Beipiaosaurus, Caudipteryx, Sinornithosaurus ou Microraptor apresentavam penas, de diversos tipos e em zonas corporais distintas.
Microraptor, dinossauro datado de há 128 milhões de anos, revelava penas não só nos membros anteriores, mas também nos membros posteriores, avançando alguns paleontólogos que este dinossauro poderia ter apresentado um padrão de voo planado semelhante ao observado em alguns mamíferos planadores actuais.
No próximo post abordarei o aparecimento do voo e das penas.
Para já um vídeo sobre o Archaeopteryx que apesar de algumas pequenas imprecisões serve para introduzir este importante exemplar da história evolutiva das Aves aos mais novos

Referências:
[8] Hou, L. & Liu, Z. 1984. A new fossil bird from Lower Cretaceous of Gansu and early evolution of birds. Scientific Sinica (Series B) 27(12): 1296-1302.
[9] Sanz, J., Bonapartet, J., & Lacasa, A. (1988). Unusual Early Cretaceous birds from Spain Nature, 331 (6155), 433-435 DOI: 10.1038/331433a0
[10] Ortega F, Escaso F, & Sanz JL (2010). A bizarre, humped Carcharodontosauria (Theropoda) from the lower cretaceous of Spain. Nature, 467 (7312), 203-6 PMID: 20829793
Imagens:
1Archaeopteryx lithographica a) vista lateral do esqueleto; b, c) crâneo em vista lateral; d) mandíbula inferior direita com dentes; e) penas.
Imagem compósita adaptada de figura 9.2. de Benton, M. J. (2004) Vertebrate Palaeontology, 3rd Edition ISBN: 978-0-632-05637-8 e de figura 10.5 de Fastovsky, D. E. and Weishampel, D. B. (2009) Dinosaurs: A Concise Natural History. Cambridge University Press ISBN 978-0-521-71902-5.
2– os vários exemplares de Archaeopteryx comparados com o ser humano. Daqui.
3– a) Esqueleto de Confuciusornis sanctus, reconstituição (canto inferior esquerdo) e detalhe de pena caudal (canto superior direito). Imagem compósita adaptada de Chiappe et al. 1999. b) Crâneo e mandíbula de Eoconfuciusornis zhengi. Imagem de Zhang et al. 2008.

Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos (2)

ResearchBlogging.org
(Continuação)
fig3_a (Large).jpgPara além do cada vez maior número de espécies que todos os anos são descritas e publicadas, existem áreas da Paleontologia de dinossauros que não lidam directamente com a classificação e descrição de novas espécies. Esse grupo de conhecimentos resulta, por vezes, de campos do conhecimento directamente relacionados com o ser humano, como a Medicina, e envolvem cientistas que nunca antes imaginaram poder investigar restos fossilizados.
O enorme fascínio que a maioria das pessoas tem pelos dinossauros, bem como o facto de sermos animais essencialmente visuais, originaram que uma das áreas científicas que tivesse nos últimos anos uma grande aplicação na Paleontologia fosse a Imagiologia.
Recriar, reconstituir e simular quase todos os aspectos do corpo destes animais parece ser a grande “moda” entre os dinossaurólogos. A cada vez maior difusão e o cada vez menor custo dos equipamentos que permitem virtualizar e analisar com maior detalhe os restos fossilizados têm contribuído para esta tendência científica.
fig3_b (Large).jpgUm conjunto de técnicas de análise de resistência de materiais, inicialmente utilizadas na engenharia e genericamente denominadas Análise de Elementos Finitos, tem sido aplicada em fósseis de dinossauro.
Os trabalhos de Emily Rayfield [3], têm permitido, por exemplo, conhecer que áreas da mandíbula do Allosaurus estariam sujeitas a maiores tensões quando este carnívoro atacasse uma presa. Esse conhecimento sobre as forças associadas a uma mordidela permitem que os paleontólogos infiram padrões de comportamento de ataque, contribuindo, por exemplo, para que o modo de vida destes animais seja melhor compreendido.
Uma outra área em que a imagem tridimensional dos fósseis tem sido utilizada é a da reconstituição de áreas de tecido que não ficaram preservadas. Zonas do cérebro ou do ouvido interno dos dinossauros têm sido profusamente analisadas pela equipa de Larry Witmer [5].

Este investigador tem utilizado a ressonância magnética como metodologia de visualização e posterior análise funcional, procurando, por comparação e analogia com grupos de animais actuais e filogeneticamente próximos, reconstituir áreas do sistema nervoso destes animais. Incógnitas como o tamanho e funções cerebrais de vários dinossauros, ou mesmo a sua capacidade olfactiva, a postura do crâneo ou mesmo a capacidade de equilíbrio, têm sido estudadas pela equipa deste investigador da Universidade do Ohio. Todas as informações neurológicas, até há poucos anos absolutamente inacessíveis sem as técnicas imagiológicas descritas, contribuem para a diversificação do conhecimento sobre os dinossauros, bem como para a inferência de padrões de comportamento nestes animais até aqui desconhecidos.
Sendo a capacidade de se movimentar um dos factores de sucesso evolutivo da maioria dos animais, compreender a locomoção é fundamental para se perceber como é que os dinossauros ocuparam a maioria dos ecossistemas terrestres durante centenas de milhões de anos.
thailand2006-mocap-elephant1.jpgA verdadeira capacidade física de músculos e tendões é uma das questões biológicas que tem sido explorada pelo Laboratório de Locomoção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária de Londres. Para além da compreensão do modo como os animais actuais se movimentam, John Hutchison e a sua equipa têm liderado estudos de locomoção em vários grupos de dinossauros [6]. A reconstituição e simulação da anatomia locomotora destes animais têm sofrido um estudo aprofundado por parte desta equipa, contribuindo para, por exemplo, se especular se o T. rex teria ou não a capacidade de corrida que os filmes de Steven Spielberg vulgarizaram.
Segundo estes autores, parece que a corrida do grande dinossauro terá sido bastante ampliada por Hollywood [7].
Para além das novas tecnologias ao serviço de uma ciência que lida com seres com milhões de anos, têm sido igualmente importantes as novas descobertas de fósseis de uma das linhas evolutivas dos dinossauros: as aves.
Falaremos disso no próximo post.
Referências:
[3] Rayfield, E. (2004). Cranial mechanics and feeding in Tyrannosaurus rex Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 271 (1547), 1451-1459 DOI: 10.1098/rspb.2004.2755
Rayfield, E. (2007). Finite Element Analysis and Understanding the Biomechanics and Evolution of Living and Fossil Organisms Annual Review of Earth and Planetary Sciences, 35 (1), 541-576 DOI: 10.1146/annurev.earth.35.031306.140104
[5] Witmer, L.M, Ridgely R.C, Dufeau, D.L & Semones, M.C. 2008. Using CT to peer into the past: 3D visualization of the brain and ear regions of birds, crocodiles, and nonavian dinosaurs. pp. 67-88. In Anatomical imaging: towards a new morphology Endo, H. & Frey. R. (eds.). Tokyo, Japan:Springer.
[6] Hutchinson JR, & Gatesy SM (2006). Dinosaur locomotion: beyond the bones. Nature, 440 (7082), 292-4 PMID: 16541062
[7] Hutchinson, J.R. & Garcia M. 2002. Tyrannosaurus was not a fast runner. Nature 415: 1018-1021.
Imagens (numeração continuada do post anterior):
Figura 3) Representações do esqueleto craneal e estruturas cerebrais de vários exemplares de Amniota – dados obtidos a partir tomografia axial computadorizada (TAC). Imagem do Laboratório de Larry Witmer, Universidade do Ohio.
Figura 4) Modelo tridimensional de Análise de Elementos Finitos de Allosaurus. Adaptado [3].
Figura 5) Elefante asiático utilizado em trabalho laboratorial de locomoção. Imagem adaptada de Structure and Motion Laboratory, Royal Veterinary College.