Gralhas acertadas…

ciente

do Lat. sciente
adj. 2 gén.,
que tem conhecimento de alguma coisa;
que tem ciência;
conhecedor;
sabedor;
informado;
inteirado;
sábio;
erudito;
cônscio.

Mala vazia com pão

Acabava de ser atendida. A velhota arrumava os papéis que a funcionária dos correios lhe havia dado.
“Ainda lha roubam”, disse eu. Que não deixasse a mala abandonada no banco que estava a meu lado. Era perigoso.
Voltou-se e sorriu.
A cobrir a cabeça um lenço, estranhamente colorido para quem tem aquela provecta idade, ainda deixava ver os óculos desanimados no nariz.
“Não tem nada, está vazia, menino…”, desculpou-se perante a minha preocupação, enquanto me mostrava o íntimo da mala.
Lá dentro apenas um pão embrulhado em saco de plástico transparente. Um arrepio de vergonha, pela intimidade exposta, correu-me de alto a baixo.
Apenas uma mala vazia com pão.
E ninguém lhe roubaria o pão.
As cartas que necessitava enviar roubaram-me a mais conjecturas e vergonhas, enquanto a velhota saía.
De regresso ao Museu, parei por instantes na banca de um vendedor ambulante de livros usados, no Príncipe Real.
Desliga-me o cérebro, como costumo dizer, e dá-me prazer o caçar livros.
“O senhor desculpe?”. Olhei para o lado mas não era a mim que se dirigia.
A mesma velhota do correio.
“O senhor desculpe, mas sabe a que horas vem o seu colega?”, insistia com o vendedor ambulante.
” Não sei, minha senhora. Não sei nem quero saber!”, respondeu ele de forma seca, deixando perceber que não nutria pelos seus colegas de transacção bibliográfica uma especial simpatia.
“O senhor desculpe, mas sabe a que horas vem o seu colega? É que eu trouxe um bocado de pão para um cãozinho que ele tem.”

Imagem – Elliott Erwitt/Magnum Photos

Parabéns para uma tetrápode muito especial – Jennifer A. Clack!

A paleontóloga Jennifer A. Clack recebeu, da Academia de Ciências norte-americana, o prémio Daniel Giraud Elliot Medal.
Este prémio distingue trabalhos relevantes no âmbito da Zoologia e Paleontologia, e foi concedido a Clack pela suas publicações e estudos do aparecimento dos primeiros tetrápodes e sua evolução morfológica, por outra palavras, o aparecimento dos primeiros animais com patas.
Para saber um pouco mais da importância seu trabalho:
Patas para que vos quero!”, PATAS E GENES” mas sobretudo pelo seu livro “Gaining Ground: The Origin and Early Evolution of Tetrapods”. Ver também o vídeo sobre o seu trabalho aqui.
Fico muito contente com o prémio para uma colega paleontóloga que contribuiu para conhecermos melhor o passado da Terra e, em última análise, nos conhecermos melhor.

Referências:
Clack, J.A. 2002. Gaining Ground: The Origin and Early Evolution of Tetrapods. Bloomington: Indiana Univ. Press.

Cure Hunter – visualizador de doenças e terapias

Um site onde se podem analisar as relações entre diversas doenças e patologias, princípios activos para as combater bem com as cadeias de relação entre aqueles factores e diversas terapias.
Em termos de visualização está excelente e permite “gastar” muito tempo explorações no mundo das doenças, num ambiente flexível, dinâmico e visualmente apelativo.
Cliquem numa das “drogas” ou patologias para observarem as novas cadeias de relações criadas.
Eu comecei com a gripe…

http://www.curehunter.com/swf/ChNetGraph.swf?keywordIds=D007251

Visual Medical Dictionary

Lâminas, Insectos e F1

ILUSTRACAO_LV_INSECTOS_LAMINAS_F1 (Large)(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 24/01/2008)
A formação paleontológica desperta frequentemente as questões que abordo.
Não foi o caso desta vez.
Estava eu em frente ao espelho, a preparar-me para a árdua e sisífica tarefa que pesa na vida de qualquer homem, o barbear, quando olhando existencialmente para as lâminas de corte me ocorreu o seguinte: “Mas estes tipos não param de aumentar o número de lâminas? Não haverá limite?”
Um flash da infância passou-me diante dos olhos – carros de F1 com seis rodas. Daí aos insectos foi um instantinho.
E agora, que faço eu com estes temas, pensei?
Ok, a Internet está cá para isso, pelo menos para as lâminas e F1, daí que comece antes com os conhecimentos da “casa”.
As seis patas de qualquer insecto (sim, as aranhas com as suas oito patas, não são insectos) são o resultado da sua história evolutiva.

Mas e seis patas resultam?
O caminhar de um qualquer elemento dos Hexapoda (literalmente 6 pés) envolve o levantar das duas patas extremas de um dos lados e a do meio do lado oposto, sendo este movimento completado com o baixar posterior para “empurrar” o animal; ao mesmo tempo, as outras três patas funcionam como um tripé de apoio. O ciclo completa-se com o movimento idêntico do outro lado. Por outras palavras, o andar de um insecto resume-se a apoio sequencial e alternado de “tripés”.

Manter o equilíbrio é fundamental em qualquer animal em movimento. E quanto mais pequeno mais difícil. Parece paradoxal que um animal pequeno tenha mais dificuldade em se equilibrar do que um grande, mas se pensarmos que equilibramos mais facilmente um pau grande do que um pequeno na ponta de um dedo, talvez entendamos melhor.

Assim, uma pata pequena será mais difícil de equilibrar que uma grande sendo o “modelo tripé” ideal para os insectos. O registo dos primeiros insectos data de há cerca de 390 milhões de anos, e parecem descender de artrópodes com muitas pernas em que se verificou posteriormente uma redução até às típicas seis, podendo aquele modelo de locomoção ter condicionado o seu sucesso evolutivo.

Ao contrário dos insectos, que apresentam condicionamentos evolutivos, as lâminas de barbear parecem ter outras limitações. Na minha breve história de vida, tenho assistido a um aumento no número de lâminas. Primeiro era uma lâmina, depois passaram a duas, três e agora já existem modelos com cinco bocados de metal capazes de nos cortarem as carótidas!
Mas para quê?
Marketing, dirão uns. Optimização do processo, dirão outros. A verdade é que desde 1971 (excelente ano, diga-se de passagem), quando a Gillete lançou o seu primeiro modelo com duas lâminas, o mercado destes utensílios tem assistido a uma corrida no número de lâminas.

Similarmente aos insectos, que possuem seis estruturas locomotoras, existiu uma fase na história da F1 em que os veículos apresentaram igual número de rodas. Nos anos 70 do século passado, várias equipas desenvolveram modelos experimentais com seis pneus. O mais conhecido e único que entrou em competição, o Tyrrell P34, foi seguido pelos March 2-4-0, Williams FW08B e o Ferrari 312T6, embora nenhum destes tenha alguma vez competido numa prova oficial. A história do P34 conta-se de forma breve: o engenheiro responsável, em 1976, tentou reduzir o atrito com o ar por intermédio da diminuição do tamanho das rodas dianteiras; parecia simples, mas o facto é que o carro perdeu estabilidade, tendo este facto sido resolvido pelo adicionar de mais um par de rodas…
O facto é que esta “revolução” não foi muito bem sucedida, caso contrário tinha-se generalizado. A “selecção natural” do desporto automóvel extinguiu os carros de seis rodas, tivessem eles dois pares de rodas na dianteira ou na traseira, porque não eram viáveis ante os de quatro.
E onde estabilizará o número de lâminas?

Referências:
Gaunt, M. W. and Miles, M. A. 2002. An Insect Molecular Clock Dates the Origin of the Insects and Accords with Palaeontological and Biogeographic Landmarks. Molecular Biology and Evolution 19:748-761.
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Gillette_Company
http://www.f1nutter.co.uk/tech/6wheels.php

Imagens:
Ilustração inicial para este post de Luís Veloso – Intertoon.
IStockPhoto
e daqui

Fósseis, animais e outros que tais…

A não perder a Palestra do paleontólogo Carlos Marques da Silva do Dep. de Geologia da Faculdade de Ciências da UL, hoje, dia 24 de Janeiro, pelas 21h30 (vá lá, as novelas não são nada comparadas com este folhetim evolutivo…), na Galeria Matos Ferreira (bom programa antes de irem beber um copo ao Bairro Alto), na R. Luz Soriano, 14 e 18, à calçada do Combro.

Integrada no ciclo “Do Grão ao Planeta”, a palestra intitula-se “Gravado na Pedra: Registo Fóssil e Evolução”

“Quando se fala de evolução a primeira coisa que nos vem à mente é: progresso!

No dia a dia, quando se usa o termo evolução, ele é quase sempre empregue como sinónimo de melhoria. E quando se fala de “evolução biológica”, uma vez mais, por arrastamento, a ideia dominante, é que se está a falar de “progresso biológico” ao longo do tempo. Pois se os mamíferos (entenda-se: nós!) ainda cá estão e os dinossáurios se extinguiram… devemos ser melhor que eles. É a “Evolução”!

Contudo, evolução não significa progresso, nem semanticamente, nem biologicamente. Evolução é mudança! É transformação! É, parafraseando Camões, mudarem-se os tempos e mudarem-se as vontades; mudar-se o ser e mudar-se a confiança; pois todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.

A “Evolução biológica”, por outro lado, não é “apenas” uma teoria, é um facto! Os grupos biológicos variam, modificam-se ao longo do tempo, e isso pode ser constatado inequivocamente. Esse facto está bem patente no mundo em que vivemos, quer no mundo vivo, biológico, quer no seu registo fossilizado, geológico. A “Teoria da Evolução”, por seu turno, é a construção mental que procura explicar os factos evolutivos e que, fazendo-o, permite formular um grande número de previsões sobre a evolução biológica. São coisas distintas, ainda que intimamente interligadas.

A palestra “Escrito na Pedra” abordará a Evolução Biológica e a Teoria da Evolução Biológica e, com base em exemplos paleontológicos, retirados do registo fóssil, abordará conceitos evolutivos básicos, evidências concretas e, espera-se, desmistificará mitos e desfará equívocos da Evolução.”

Imagens – Carlos Marques da Silva

No casamento, quem cala…rebenta!

Em discussões conjugais diz o povo que não devemos meter a colher.
Sábias palavras?
Tem dias.
O que o comum dos mortais não afirma é que se formos nós a estar no meio da discussão não devemos calar o descontentamento ou raiva. Caso contrário, vivemos menos tempo do que o nosso parceiro.

Investigadores da Universidade do Michigan estudaram durante 17 anos, 192 casais agrupados quatro categorias: casais em que ambos os cônjuges expressam a sua raiva; casais em que apenas o marido ou a mulher manifestam o seu descontentamento; casais em que ambos remoem a sua insatisfação.

Os cientistas da Escola de Saúde Pública da Universidade do Michigan (ESP) focaram a sua análise em casais de Tecumseh no Michigan e constataram que no grupo em que ambos calam a sua raiva, quando injustamente atacados pelo parceiro, a taxa de mortalidade precoce é o dobro (13 mortes em 26 casais, 50%) da dos outros grupos de casais (41 mortes em 166 casais, 24%).
Por outras palavras, “rebentam”!
Nos casais em que ambos remoem (14% do total), 27% desses viram o seu cônjuge morrer durante este estudo e em 23% desses casais, ambos os parceiros morreram durante aquele período.
Estes números são confrontados com os dos outros três grupos em conjunto, em que apenas 19% ficaram viúvos e 6% dos casais desapareceram.

Gostava, particularmente, de conhecer as taxas de mortalidade dos casais em que ambos falam e os dos casais em apenas fala um dos cônjuges.
E também a taxa diferencial de mortalidade quando são os homens a remoer ou são as mulheres.

Seria interessante.

P.S. – as análises estatísticas, segundo os press releases, estão ajustadas para idade, se fumam ou não, peso, pressão arterial, existência de problemas brônquicos bem como nível de risco respiratório e cardiovascular.

Referências:
EurekAlert
(falta-me a ordem dos autores bem como a referência bibliográfica completa). 2008. Marital Pair Anger Coping Types May Act as an Entity to Affect Mortality: Preliminary Findings from a Prospective Study (Tecumseh, Michigan, 1971-88). Journal of Family Communication.
Imagens: Magnum Photos

Locais de perdição

Quando encontrei o artigo do The Guardian, comecei a salivar.
Se há coisa que me faz perder e ao meu tempo são livrarias.
E aqui estão seleccionadas dez livrarias de todo o mundo, que pelas suas características podem levar qualquer bibliófilo a salivar.
Apenas conheço duas, a Lello no Porto e El Ateneo em Buenos Aires (foto)
Este site tem uma belíssima vista 360º da Lello…

As horas passadas na Strand’s junto a Union Square, quando saía do AMNH, valiam mais do que qualquer SPA…tinha sido uma das eleitas se fosse eu que tivesse feito a lista…

Outro local de perdição de que não me esqueço é de uma na Ilha de Mull, na Escócia. Conduzia eu do lado errado, numa estrada onde apenas cabia um veículo, quando vi o que me pareceu um Pub. Decidi parar para tomar um café que me aquecesse. Ao entrar, dei com aquilo que era um misto de Pub, mercearia e…livraria!
O resultado foi estar a tomar uma enorme chávena de café, enquanto “caçava” livros mas também conversas sobre os vegetais que se vendiam ou de como naquele ano estava mais frio…

Artigo do The Guardian

Ornitorrinco via os dinos passar

Quando escrevi “Chernes e ornitorrincos”, este estudo ainda não tinha vindo a público.
Paleontólogos do Museu de Vitória, Austrália, descobriram fósseis de ornitorrinco muito mais velhos do que até agora se sabia. Estes materiais paleontológicos datam do Cretácico inferior, Aptiano, entre os 112 e os 125 milhões de anos, e “puxam” a história evolutiva deste mamífero ainda mais para o passado da Terra.

Embora não sejam idênticos ao modernos ornitorrincos, Ornithorhynchus anatinus, as características anatómicas observadas (através de tomografia computadorizada) nas mandíbulas fossilizadas permitiram identificá-las como pertencentes à mesma família – Ornithorhynchidae.
Ao contrário dos actuais ornitorrincos que têm uma estrutura semelhante a bico, os seus antepassados possuíam dentes.

Os ornitorrincos viram os dinossauros a passar…

O artigo é hoje publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.

Imagem: daqui

Mangas e evolução

Achei este post interessante (mais as imagens que o texto…), não só em termos artísticos mas sobretudo ao nível dos conceitos de biologia evolutiva inerentes – já o havia abordado alguns em A Evolução escondida nos Cartoons.

Alguns dos traços básicos da ilustração manga (ou mangá) podem ser caracterizados como conduzindo a uma infantilização da anatomia e proporções dos seres humanos adultos, ou seja, verifica-se o retomar de características físicas juvenis – olhos grandes, crânio arredondado/ovóide e proporcionalmente muito maior que nos adultos.

Este fenómeno evolutivo de retomar características físicas juvenis ancestrais num organismo adulto denomina-se pedomorfose.
Exemplos extremos de “pedormorfose” em manga são o Chibi, que significa, em japonês, “pessoa pequena” ou “criança pequena”, tendo o seu significado sido expandido graças à utilização em manga e anime. Neste tipo particular de ilustrações, as formas humanas são infantilizadas de um modo radical.
Verifiquei na prática o efeito que um animal com características físicas juvenis quando publiquei este post – não imaginam a quantidade de pedidos de informação sobre o “animal tão fofinho” – Cercartetus nanus – que recebi!
P.S.- um das alterações pedomórficas não observadas nos desenhos manga é o carácter alongado do pescoço, que nos bebés é muito reduzido.

Imagens – do post