Na Patagónia – VIII (CONCLUSÃO)
Hoje vai ser o nosso último jantar no campo. Fizemos uma refeição especial, com vinho e uma aguardente típica da região. Comemos num misto de alegria triste já que sabemos que vamos deixar o campo mas que também nos fazem falta a família e um banho decente!
O caminho foi feito de forma lenta já que os dois todo-o-terreno e o Unimog iam muito carregados com o material da escavação. Ao fim de duas horas de caminho parámos onde dois trilhos se cruzavam. A gente de Zapala tinha que se separar. Antes disso, a habitual foto de família. Foram feitas as despedidas, da maneira típica patagónica unicamente com beijos, não muito triste porque nos íamos todos reunir dentro de duas semanas em Plaza Huincul, nas Jornadas Argentinas de Paleontologia.
Ainda assim em cada escavação há sempre um desconforto na despedida que é gerado pelas muitas horas de convívio e trabalho conjuntos.
Quando entrámos novamente no asfalto, tudo me parecia novo. Olhava para as placas de trânsito como se nunca as houvesse visto. A cidade que me havia parecido tão simples e deserta transbordava de coisas novas, recentemente esquecidas. E tantas pessoas!
Só uma coisa permanecia igual…
O céu era enorme!
Na Patagónia – VII (continua)
Começo a sentir-me isolado. Não pelo carácter desértico e estéril da paisagem patagónica – a vastidão da paisagem desenvolve em mim um distender da imaginação onde a solidão não teme espaço -, mas pelo hábito de estar sempre contactável pelo telemóvel, aqui sem a mínima cobertura.
No entanto, nestas enormes extensões de chão, um outro produto da tecnologia é absolutamente necessário – o GPS. As grandes distâncias e o carácter monótono da paisagem exigem que se utilize este instrumento tecnológico para se referenciarem e localizarem zonas fossíliferas.
Era isto que pensávamos Alberto, Xavier e eu quando nos dirigíamos onde, no dia anterior, Xavier havia descoberto vestígios de saurópodes. Não tendo tido tempo para proceder a uma avaliação cuidada e necessitando de uma opinião mais especializada, Xavier pediu-nos que regressássemos ao local.
Uma tarefa pouco fácil. Embora a área de prospecção se encontre numa das raras elevações, continua a ser muito difícil reconhecer e localizar o mesmo sítio de um dia para o outro. Referências visuais facilmente identificáveis aqui são escassas. Apesar do sentido de orientação apurado dos paleontólogos, o GPS é indispensável. Mas hoje o aparelho parecia não dar com o sítio. O resultado foi uma tarde a subir e a descer barrancos muito idênticos, variando somente as cores das rochas. Cansados e quase desistindo, Xavier fez mais um esforço para defender a sua “honra”. Eu fiquei a fumar um cigarro na base de mais um barranco desfrutando da paisagem. Do alto de mais de 60m, chamavam-me “Es aqui portugues!!“. Esqueço a referência patriótica e o possível novo engano e começo a subir. Fazia calor e o cansaço acumulado pesava. Quando cheguei não visualizei imediatamente o que Xavier me queria mostrar. Recuperei o fôlego e então sim, pude observar melhor. A princípio só se via uma pequena porção a aparecer mas depois de uma pequena limpeza pude verificar que, sim eram ossos fossilizados. “Que le parece a vos?”.
Xavier estás perdoado!.
“São de saurópode“, respondi. E prometem, pensei.
Essa tarde passámo-la escavando, quase junto ao topo do cerro, aquilo que já foram os ossos que permitiram a algum saurópode ter caminhado.
P.S. – segunda foto: Marina aponta para a base do cerro que temos que descer!
Na Patagónia – VI (continua)
Hoje escavei com Rafael Cocca, do Museo de Zapala e Marina Alegria, do Museo Carmen Funes. É a única mulher preparadora num ambiente quase exclusivamente masculino e foi ela que preparou os embriões de saurópodes descobertos em Auca Mahuida (informalmente chamada a partir daí Auca Mahuevo). Desenvolveu uma relação tão forte, ao longo das centenas de horas de trabalho, com os seus pequenos sáurios que inclusivamente os baptizou – Filipe, Pepe, etc. Baixa e de uma energia inesgotável fala dos seus pequenos “bebés” com um carinho enorme, como se fossem os seus animais de estimação. Apercebo-me que aqueles animais desaparecidos, pelo prazer e curiosidade científica aliados a uma imensa sensibilidade, podem ser “ressuscitados”.
Enquanto procedíamos à prospecção e escavação de alguns fósseis, contaram-me um pouco da história desta região e da fundação de Plaza Huincul. No final do séc. XIX esta era uma área que se encontrava sob forte colonização. Inicialmente eram estabelecidos fortes militares que serviam de guarda-avançada aos colonos que posteriormente se instalavam. A prévia instação militar justifica-se pela existência de indígenas Mapuche. Carmen Funes era uma mulher que acompanhava algumas dessas expedições de conquista do território patagónico. Numa delas decidiu estabelecer-se aqui e começar uma vida tendo casado com um dos militares.
O casal estabeleceu uma hospedaria e, diz a lenda, que o seu marido foi morto pelos Mapuche numa das constantes refregas.
No início do séc. XX, e devido ao desenvolvimento da extracção petrolífera, Plaza Huincul ter-se-à desenvolvido só adquirindo o carácter de Município nos anos 60 após ter expirado a concessão, pela companhia petrolífera YPF, da exploração das terras onde a cidade crescia.
Na Patagónia – V (continua)
Não houve um único dia que não tivesse acordado gelado. A amplitude térmica varia entre os 28º-30º C durante o dia e os cerca de -8ºC à noite. Estas variações contribuem igualmente para o carácter inóspito da região e para aumentar o cansaço da expedição.
Rodolfo Coria incitava o grupo dizendo que hoje lhe parecia um dia prometedor – para nós portugueses esta campanha já havia superado as expectativas. O referencial é completamente distinto entre os dois lados do atlântico – deixarmos no campo alguns fósseis em Portugal seria um pecado paleontológico.
Não sei se foi o sexto sentido paleontológico ou uma informação de campanha anterior o certo é que neste dia Coria “trouxe” à luz do dia três dentes de terópode (dinossáurio carnívoro) e uma mandíbula de crocodilo.
Nesta área (a cerca de 100 km de Plaza Huincul) foram encontrados diversos ovos de saurópodes e os primeiros com embriões preservados, alguns deles com fragmentos de pele preservada. A primeira vez que os vi e estudei não pude deixar de me sentir arrepiado com o grau de preservação dos tecidos – pareciam que tinham acabado de ser postos e a qualquer momento iriam eclodir!
Com todas estas descobertas compreende-se o grau cada vez maior de exigência nas descobertas para que mantenham estes investigadores com ânimo.
Ao fim da tarde e animados com as descobertas do dia permitimo-nos parar no topo do Cerro e admirar a vista deslumbrante que tínhamos a nossos pés. Quilómetros e quilómetros de planície de vegetação rasteira, apenas sulcados com caminhos rectilíneos abertos pelos trabalhadores das companhias petrolíferas.
(Continua)
Na Patagónia – IV (continua)
Iniciámos hoje a prospecção na vertente norte. Íamos a caminho quando fomos chamados via rádio. ” Los portugueses están por allí?”, alguém do Museo de Zapala tinha encontrado aquilo que pareciam ser pegadas de dinossáurio e pediam ajuda à única especialista presente – Vanda Santos.
Dirigimo-nos para o local, a cerca de 30 minutos de caminho. Chegados ao ponto indicado pensámos: “Mas como é que eles lá foram parar?”. Cem metros abaixo, numa vertente com uma inclinação enorme víamos os nossos companheiros que nos acenavam. Iniciámos a longa descida, fazendo lentos e demorados ziguezagues para evitarmos a queda certa. Vanda só me lembrava que nem quando esteve suspensa por cabos a estudar as pegadas do Cabo Espichel teve tanto medo …
Fomos recebidos com mate – “Nem à beira do precipício deixam de beber mate?”, na verdade serviu para nos acalmar. Iniciámos a avaliação da laje em condições novas – ambos suspensos e preocupados mais com a necessidade básica de sobrevivência do que com a importância científica da laje.
Apesar de tudo a apreciação das marcas permitiu dizer que, apesar de promissora, não valia a pena procedermos à sua deslocação até ao acampamento, dado não apresentar marcas inequívocas de grandes sáurios.
Neste dia foram descobertos mais alguns fragmentos de ossos de membros de saurópodes.
(Continua)
Na Patagónia – III (continua)
A rotina matinal, após o pequeno-almoço, consistia em efectuarmos o trajecto que nos separava da base do Serro Portezuelo no Unimog- os cerca de 5km moía-nos o corpo logo pela manhã.
Chegados, separávamo-nos em grupos de três ou quatro e procedíamos à selecção das áreas a serem “batidas”. Cada grupo ficava com um rádio walkie-talkie, que nos permitia comunicar achados importantes ou criar uma espécie de banda-da-amizade paleontológica.
Iniciávamos a caminhada diária (cerca de 10 kms) subindo e descendo imenso, sempre a olhar e a ver. Dirigíamo-nos aos afloramentos rochosos potencialmente fossilíferos e aí chegados apurávamos os “sentidos” paleontológicos.
Tal como a história das migalhas deixadas pelos meninos para não se perderem na floresta, assim foi a minha primeira descoberta. Seguindo fragmentos de osso por uma encosta acima “dei” com o meu primeiro vestígio de vida mesozóica na Patagónia – uma tíbia (osso da perna) de saurópode. Uma mescla de emoções à mistura com todo o peso de racionalidade científica invade-me.
Iniciei os trabalhos de limpeza, escavação e consolidação do material, sem “provocar” as hostes pelo rádio. Tinha encontrado o meu primeiro osso na Patagónia e logo de saurópode!
Para almoçar reuníamo-nos, normalmente, em depressões do terreno ou ribeiros secos, procurando abrigo do sol abrasador. Partilhávamos sanduíches, fruta e água e trocavam-se histórias de escavações passadas. Pude conhecer melhor Alberto Garrido, geólogo do Museo Carmen Funes. Conhecia-o de várias publicações, entre as quais algumas relativas a Auca Mahuida – jazida de ovos e embriões de saurópodes descobertas em meados dos anos 90. Tem a mesma idade que eu e já percorreu bastantes pontos do globo, fazendo cartografia geológica. Impressionou-me o relato da sua primeira saída como geólogo profissional. Em 1996 foi-lhe atribuído, e a mais dez geólogos, o trabalho de cartografar a geologia de parte da Serra de Aconcágua – a maior elevação da América do Sul. Durante a viagem para a base da serra, um dos veículos despistou-se tendo falecido metade dos geólogos. Contava-me Alberto que, de uma forma aparentemente natural, comunicaram aos familiares o sucedido, procederam às exéquias dos mortos e alguns dias depois retomaram o trabalho geológico (com metade dos especialistas). Aquela história pareceu-me absolutamente reveladora de um espírito duro e capaz de grandes sacrifícios. Trabalhar na Aconcágua é uma tarefa fisicamente desgastante (a mais de 5000 m de altitude) mas fazê-lo após a morte de vários companheiros parece-me quase humanamente insuportável. Fizeram-no, conta Alberto Garrido, como uma homenagem aos mortos e para espantar os seus medos e fantasmas. Tinha sido a primeira das suas três expedições a Aconcágua.
Pelas 17h30 chegávamos ao local onde tínhamos deixado o Unimog e enquanto esperávamos pelos mais atrasados dava-se início a “cerimónia” do Mate.
Neste dia o meu grupo encontrou mais fragmentos de ossos de dinossáurio e de tartarugas.
P.S. 3ª foto – Vista do Serro Portezuelo; 4ª foto – Xavier e Alberto Garrido tomando Mate.
Na Patagónia – II (continua)
Acordei pelas 6h30, tinha passado uma noite gelada e demorei a perceber que estava no meio da Patagónia. Saí da tenda mal os primeiros raios de luz iluminavam a paisagem, que ainda não havia visto. Dei por mim primeiro embasbacado, depois um pouco receoso – a enormidade do espaço poderia provocar agorafobia a qualquer um.
Dirigi-me ao local onde havíamos jantado. Rodolfo Coria chegou pouco tempo depois e começámos a aquecer água para o café e mate matinais. Este paleontólogo, com mais de 20 anos de experiência, contribuiu com importantes achados paleontológicos na região que estávamos prestes a explorar. Em meados dos anos 90 descobriu vértebras e alguns ossos das patas do que é considerado o maior dinossáurio alguma vez descoberto – o Argentinosaurus.
Este dinossáurio saurópode (herbívoro e quadrúpede), e com base nas proporções dos restos ósseos descobertos, mediria cerca de 40 metros de comprimento e pesaria mais de 100 toneladas.
Descobriu ainda restos fossilizados do maior dinossáurio carnívoro, Giganotosaurus (maior do que o famoso T-rex), em conjunto com Phillipe Currie do Tyrrel Museum do Canadá, e em parceria com Alberto Garrido e Luis Chiappe, revelou ao mundo as riquezas paleontológicas da jazida de Auca Mahuida. Pouco a pouco todos os elementos da expedição saíam das suas tendas.
Esta manhã parte da equipa tinha que ir desatascar o veículo que na noite anterior nos havia transportado. Para tal foi preciso recorrer aos “serviços” do Mercedes Unimog. Como iria perceber nos dias seguintes, sem esta verdadeira “mula” dos tempos modernos, a maioria das deslocações até à base do Serro teriam sido talvez impossíveis.
Nota: como quem já esteve na Argentina sabe o que é o Mate, convém explicar para quem não esteve. O mate é uma planta a partir da qual se faz a infusão de nome idêntico. Bebe-se a partir de um recipiente – calabaza – feito de uma pequeno abóbora, e sorvido por um tubo de metal chamado bombilla. Para além de funcionar como refescante e estimulante, é parte de um ritual de partilha e socialização. Os argentinos tomam-no a toda a hora, andando, por todo o lado, com um termo de água quente. Agradecer, indica que já não desejamos beber mais.
(Continua)
Na Patagónia – I (continua)
(Num momento de enorme trabalho na tese, e em que me encontro num vai-não-vai para suspender o Ciência Ao Natural, publico, em várias partes, um resumo do trabalho de campo efectuado na Patagónia argentina, em 2005. Recordei-me deste diário devido à estreia – nos EUA – do documentário Dinosaurs 3D: Giants of Patagonia. Este trabalho foi efectuado na província de Neuquén. em 2004 já havíamos estado na províncias de Chubut e Rio Negro)
“Sur o no Sur” (Sul ou não Sul) Kevin Johansen
Chegámos a Plaza Huincul depois de mais de 24 horas de viagem. A cidade, num sábado à tarde de calor, parecia deserta. Lembrava as cidades de um México cinematográfico – paradas à espera de algo que nunca acontece.
A equipa tinha-se instalado na base do Serro Portezuelo havia dois dias e enquanto esperávamos que nos viessem buscar procurámos um sítio onde comer. As horas não eram as mais adequadas – estava calor e tudo fechado.
Quando a noite já tinha caído apareceu um dos membros da equipa num Chevrolet antigo. Era Sérgio Cocca, do Museo Carmen Funes.
Partímos e após vários quilómetros de asfalto entrámos numa picada de terra onde as últimas luzes deram lugar à enormidade do céu patagónico. Procurava uma referência familiar nalguma constelação, mas tinhamos cruzado o equador!
O caminho ia-se complicando até que, num acesso apertado e cortado num dos lados por uma escarpa com cerca de 3m de altura, o veículo inclinou de tal forma que nos encolhemos uns contra os outros. Não subia. Sérgio, circunspecto até à exaustão (uma maneira muito própria de ser patagónico, como viemos depois a perceber) permanecia silencioso. Vanda e eu igualmente – o medo dá-nos por vezes para o silêncio, para não perturbar. Tentámos de novo mas não avançávamos. Parecia que escorregava. Sérgio finalmente disse algo: “Se queda!“. Pensámos: “mas fica o quê?”. No dia seguinte viríamos resgatá-lo.
Descarregámos as mochilas e começámos a caminhar. Apareceram depois, no meio da escuridão, parte do resto da equipa que pensaram ter havido um problema. Entre eles estava Rodolfo Coria, que nos convidou para esta “aventura”.
Caminhámos alguns quilómetros até que vislumbrámos luzes e o resto da equipa. Estavam numa depressão do terreno à volta de uma fogueira ainda sem jantar, à nossa espera. Levaram-nos depois às nossas “carpas” (tendas). Iria partilhar a minha com um jovem investigador do Museo de Cinco Saltos (cerca de 150 km de Plaza Huincul), Ignacio Cerda ou Nacho.
Deitei-me sem ainda ter intuído verdadeiramente onde estava…
Cerca das três da manhã, por motivos fisiológicos tive que deixar a tenda. Mal saí fui de novo “assaltado” pela enormidade do céu. Senti-me de uma pequenez extrema… Só pela vista deste céu a terrível viagem já havia valido a pena.
Agora havia que trabalhar…
(A)casos nas descobertas paleontológicas
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 20/01/2005)
A “caça” do fóssil é o mais fascinante dos desportos.
Apresenta algum perigo, suficiente para lhe dar interesse e provavelmente tanta como a caça grossa praticada por armas modernas; o perigo, no entanto, ameaça só caçador.
Apresenta incerteza, emoção e todos os sentimentos de um jogo, sem nenhum dos seus vícios.
O caçador nunca sabe o que é que vai trazer da sua jorna, talvez nada, talvez uma criatura nunca antes vista perante olhos humanos.
Requer saber, habilidade e uma certa resistência.
E os seus resultados são muito mais importantes, mais úteis e mais duradouros do que nenhum outro desporto!
O caçador de fósseis não os mata: ressuscita-os.
E o resultado desse desporto é acrescentado à soma dos prazeres humanos e aos tesouros do conhecimento da Humanidade.
George Gaylord Simpson (paleontólogo americano 1902-1984)
Uma das perguntas mais frequentes que me surgem no final das palestras sobre dinossáurios e paleontologia é a de “Como são descobertos os dinossáurios?” ou “Como é que sabem onde escavar?“.
Dependendo da faixa etária da assistência a que me dirijo a resposta mais simples e ortodoxa é normalmente a utilizada. Antes de mais os paleontólogos “procuram” nas rochas com idade e características certas. Não procuram dinossáurios em rochas muito recentes (posteriores ao Mesozóico – menos de 65 milhões de anos (MA), data para a extinção daqueles animais); também não fazem prospecção em rochas com características inapropriadas – os paleontólogos não gostam muito de rochas ígneas ou de metamórficas pois não contêm fósseis. Acrescento ainda que depois de termos a idade e características adequadas, a descoberta de um novo exemplar é um trabalho de muita paciência, metodologia e persistência.
Por último, e para animar as hostes, refiro alguns exemplos de grandes descobertas paleontológicas em que estão presente outros factores nunca referidos nas publicações científicas – o acaso, a coincidência ou mais simplesmente uma diferente forma de olhar.
Os designados Xistos de Burgess constituem as rochas das jazidas do Câmbrico médio (540 MA) do Canadá. Esta jazida é de extrema importância a nível evolutivo pois o seu registo paleontológico permitiu que se conhecessem os primórdios da diversificação dos planos corporais dos animais ocorridos no evento chamado a Explosão do Câmbrico. A preservação dos fósseis nesta jazida é tão boa que se identificam os tecidos moles dos organismos. Para uma melhor compreensão da enorme importância evolutiva desta jazida deve ler-se o excelente livro “A Vida É Bela” de Stephen Jay Gould, editado pela Gradiva.
Esta jazida foi estudada desde 1910 pelo paleontólogo americano Charles D. Walcott.
Diz a lenda que, em 1909, o cavalo de Walcott escorregou tendo feito cair um bloco. A atenção do paleontólogo foi desperta, que reconheceu imediatamente que se encontrava perante uma nova espécie – o artrópode Marella splendens.
Entre os diversos exemplares descobertos nos anos seguintes contam-se animais com formas tão exóticas como Anomalocaris, Hallucigenia e Opabinia.Uma das mais importantes descobertas do registo evolutivo dos animais, foi iniciada não de uma forma sistemática mas de uma maneira casual.
Nalguns casos não é sorte mas antes olharmos para as mesmas coisas com outro olhos.
É aceite na prática que pegadas (icnitos) e ossos de dinossáurio não são encontrados simultaneamente nas mesmas jazidas. Este facto é justificado pelas condições necessárias de fossilização (tafonómicas) aos dois tipos de registos serem diferentes. Assim, normalmente quando se prospecciona uma de ossos de dinossáurio (jazida osteológica) não se presta muita atenção aos potenciais restos icnológicos (pegadas) e vice-versa.
Phillip Currie, Curador do Royal Tyrrel Museum do Canadá, contou-me quando estive na Patagónia em trabalho de campo, que por vezes a mesma jazida pode oferecer diferentes tipos de informações. Este investigador liderou diversas expedições à Mongólia, tendo efectuado descobertas importantes ao nível de ossos de dinossáurio. Em 2001 e trabalhando na Formação Nemegt no sul do deserto do Gobi, foram identificadas diversas pegadas de dinossáurios distintos. O curioso é que, para além do próprio Currie, já outros paleontólogos e expedições tinham examinado esta área – desde a década de 50 do séc. XX várias expedições russas, polacas, americanas e canadianas – sem nunca se terem encontrado vestígios de pegadas. Depois da primeira pegada descoberta, foram imediatamente identificadas dezenas!
Dizia-me Phillip Currie que por vezes devemos esquecer as condicionantes prévias e olhar para as mesmas coisas com olhos diferentes.
Para meu desgosto quando se acabam as explicações sobre como descobrir fósseis ou dinossáurios, em particular, fico sempre com a sensação que os exemplos de aleatoriedade que dei são considerados mais como regra do que como excepção…