Sornas e viagens espaciais

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 01/11/2007)
Apesar de muito desejada, a hibernação não passa de um desejo inatingível pelos humanos. Já demos por nós, várias vezes e em alturas de maior cansaço, a cobiçar dormir por vários dias. Desligar e apenas descansar. Passar pelas brasas de forma longa e continuada.
Mas a hibernação é muito mais do que um simples dormir.
Pode definir-se como um estado em que o animal tem uma substancial redução quer na temperatura corporal quer nos gastos energéticos bem como na taxa cardíaca. A redução térmica verificada em animais que hibernam pode atingir mínimos de 5ºC – temperatura semelhante ao interior de um frigorífico, na zona dos vegetais.
A redução de gastos energéticos nos animais que hibernam pode atingir o 1% do habitual embora o mais habitual sejam reduções energéticas para níveis dos 10-20% do normal.
Era tão bom poder, da mesma forma, entrar em “hibernação” de despesas …
Os animais que utilizam esta estratégia fisiológica fazem-no com diversos objectivos: sobreviver em locais que apresentem Invernos com temperaturas muito baixas e/ou em alturas do ano em que a disponibilidade de alimentos seja baixa.
Previamente à hibernação verifica-se grande consumo alimentar pois os animais pretendem acumular gordura com vista à época de carestia que se avizinha.
Mais uma vez o paralelismo para a sociedade humana poderia ser estabelecido…

Um estudo, a ser publicado em Novembro, refere que um marsupial é capaz de hibernar mais de um ano; concretamente foram 367 dias em letargia fisiológica.

O Cercartetus nanus alimenta-se de néctar e insectos sendo arborícola, i.e., habita nas árvores, de zonas quentes e húmidas do sudoeste australiano. Ao contrário da maioria de outros mamíferos que hibernam para fazer face a baixas temperaturas, o Cercartetus fá-lo quando a carência alimentar surge pelas imprevisíveis condições climatéricas australianas. Este animal apresenta uma enorme capacidade de armazenamento alimentar, sob a forma de gordura, que lhe proporciona, em qualquer altura do ano, entrar em torpor fisiológico.

Contrapondo-se aos registados 367 dias do Cercartetus já tinha sido observado um período de 342 dias em Zapus princeps, um roedor norte-americano.

Poderá questionar-se o leitor sobre o interesse prático destes recordes de inércia…
Para além do conhecimento da diversidade de estratégias no mundo animal, o estudo dos mecanismos fisiológicos utilizados por estes animais poderá contribuir para que viagens espaciais muito longas (até Marte, por exemplo) sejam feitas pelos astronautas em condições parecidas. A redução da actividade fisiológica possibilitará que a viagem seja feita de maneira mais confortável bem como, factor fundamental em viagens espaciais, reduzir as reservas de alimentos, água e oxigénio necessárias a tão longa viagem.
Para ajudar neste processo investigadores da Universidade da Carolina do Norte descobriram dois genes responsáveis pela regulação, em esquilos, de como os organismos usam as reservas energéticas. Estes genes, apesar de envolvidos noutros processos, estão também presentes nos seres humanos.

Referências:
Andrews, M. T., Squire, T. L., Bowen, C. M. & Rollins, M. B. 1998. Low-temperature carbon utilization is regulated by novel gene activity in the heart of a hibernating mammal. Proc. Natl. Acad. Sci. USA Vol. 95, pp. 8392–8397.
Geiser, F. Yearlong hibernation in a marsupial mammal. 2007. Naturwissenschaften 94:941–944
Geiser, F. 2004. Metabolic rate and body temperature Reduction during hibernation and daily torpor. Annu. Rev. Physiol..66:239-274.

Imagens: primeira imagem Cercartetus nanus – essa e as outras – links nas fotos

Um excelente projecto!
“The World Digital Library will make available on the Internet, free of charge and in multilingual format, significant primary materials from cultures around the world, including manuscripts, maps, rare books, musical scores, recordings, films, prints, photographs, archi­tectural drawings, and other significant cultural materials. The objectives of the World Digital Library are to promote international and inter-cultural understanding and awareness, provide resources to educators, expand non-English and non-Western content on the Internet, and to contribute to scholarly research.”

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=kh5BP9wecPE]
“The prototype functions in Arabic, Chinese, English, French, Russian, and Spanish, the six official languages of the United Nations, as well as in Portuguese. It features search and browse by place, time, topic, and contributing institution. “

E Portugal e a língua portuguesa?
Ou seremos remetidos ao esquecimento, varridos da nova “Biblioteca da Alexandria”?
Espero que não.

Descubras as diferenças

“(…)
Moses went walking with the staff of wood. Yeah, yeah, yeah, yeah
Newton got beaned by the apple good. Yeah, yeah, yeah, yeah
Egypt was troubled by the horrible asp. Yeah, yeah, yeah, yeah
Mister Charles Darwin had the gall to ask. Yeah, yeah, yeah, yeah
(…)”
R.E.M. – “Man on the Moon” (Berry/Buck/Mills/Stipe)

Quanta vida por descobrir…

Nova espécie descrita por equipa do Museu Nacional de História Natural.
Parabéns, caros colegas!

Referência Chondrostoma olisiponensis Gante, Santos & Alves, 2007. Zootaxa, 1616: 23–35.
Notícia
Ilustração – Pedro Fernandes

Chernes e ornitorrincos

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/10/2007)


“A prova de que Deus tem sentido de humor é o ornitorrinco”
, Woody Allen

A atribuição de características humanas a seres vivos ou a elementos naturais – antropomorfismo – é recorrente na literatura, pintura ou na linguagem do dia-a-dia. O inverso – zoomorfismo – que é designar ou conceder singularidades animais a pessoas ou instituições humanas, é frequente na vida política portuguesa. O mais recente caso compara a situação do maior partido da posição ao ornitorrinco – Ornithorhynchus anatinus.

Pacheco Pereira, no seu livro “O Paradoxo do Ornitorrinco – textos sobre o PSD” deve, e digo deve pois não li o livro, discorrer sobre o aparente caos em que o PSD parece estar mergulhado.

Mas quais os motivos pelos quais o ornitorrinco exerce um fascínio tão grande?

Apesar de mamífero, as fêmeas ornitorrinco colocam ovos sendo as crias posteriormente alimentadas com o leite materno. Este animal apresenta ainda a mandíbula semelhante a um bico de pato, morfologia ímpar entre os mamíferos, morfologia que está na justificação etimológica do seu nome científico Ornithorhynchus – focinho de ave.
É esta amálgama de particularidades reptilianas, avianas e mamiferóides que contribuem para que este monotrémato – grupo de mamíferos primitivos a que pertence o ornitorrinco – desempenhe um papel quase mitológico no imaginário colectivo.
Num dos capítulos de “A Feira dos Dinossáurios” do paleontólogo e historiador da Ciência Stephen Jay Gould, é feita a resenha histórica de como os naturalistas dos sécs. XVIII e XIX observavam o ornitorrinco. Primitivo, ineficiente e imperfeito foram alguns dos adjectivos utilizados então para descrever o mamífero australiano. A Natureza, para aqueles cientistas, deveria apresentar divisões claras e inequívocas na sua diversidade de formas. Estas divisões seriam o resultado da sabedoria divina.
A miscelânea morfológica do ornitorrinco originava, assim, acesos debates não só biológicos mas também teológicos.

Os monotrématos (como o ornitorrinco) divergiram evolutivamente das linhagens de mamíferos marsupiais (como o canguru) e placentários (como o ser humano) há mais de 100 milhões de anos. Assim, sempre se pensou que estariam desprovidos da fase REM do sono (nos humanos a fase do sono em que se sonha) pois esta seria uma característica moderna. Um estudo de 1998 veio desmentir aquela suposição – o ornitorrinco apresenta sono REM. A quem interessar…

O aparente paradoxo, seja político, morfológico ou outro, materializado na forma do ornitorrinco, assenta na errada premissa evolutiva de que os organismos não devem apresentar fusão de características – um animal não deveria colocar ovos e alimentar as suas crias com leite produzido por glândulas mamárias, entre outras.
Gould contrapõe que é precisamente essa amálgama de especificidades que teriam concedido ao ornitorrinco vantagens evolutivas.
Um outro caso de zoomorfismo político envolveu, no passado recente, um conhecido político português e o poema de Alexandre O’Neill:

Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…

Adivinhem quem é…

Imagens (fontes) – links nas imagens

Impossibilidades…

Ou como a tese ainda vai oferecendo uns momentos de paz e sorrisos…

Em termos da Biologia do Desenvolvimento, vertebrados com seis apêndices são uma impossibilidade.
O que nos pode levar a pensar que ou os Anjos são artrópodes ou então não existem.

Inspiração Erwin, D. 2007. Disparity: morphological pattern and developmental context. Palaeontology, Vol. 50, Part 1, pp. 57–73

Foto – Luís Azevedo Rodrigues, Berlim, 2006

Centésimo post…ou melhor centésimo primeiro porque nem reparei que o anterior era o centésimo de forma que este é o da comemoração ou lá o que é…

Dedicado ao(s) “ingrediente(s)” que fazem a minha vida menos perfeita…

P.S. – não sei como agradecer ao Gary Larson estes, entre outros, momentos de catarse.

Quanta vida por descobrir…

Foi agora descrita uma nova espécie de ave – Formicivora grantsaui ou de nome comum a papa-formigas-do-Sincorá.

Referência:
A new species of Formicivora antwren from the Chapada Diamantina, eastern Brazil (Aves: Passeriformes: Thamnophilidae)” by Luiz Pedreira Gonzaga, Andre M. P. Carvalhaes & Dante R. C. Buzzetti. Zootaxa 1473:25-44 (2007)

Pena, mas podia ter sido pior…

Apesar de termos a mesma actividade profissional, e ter apreciado o esforço, não me parece que tenha sido uma boa prestação na defesa da Evolução, aquela que foi feita pelo paleontólogo Octávio Mateus, ontem na RTP2 .
Agradeci, interiormente, não terem convidado para um debate conjunto, o Jónatas Machado.
O paleontólogo teria sido cilindrado, ainda que coberto de razão.
Mas porque não convidaram outras pessoas, que tão bem defendem a Evolução, como a Palmira F. da Silva, do De Rerum Natura, ou, menos do meu agrado porque mais radical mas retoricamente irrepreensível, o Ludwig Kripahl?
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=UC0dR8de868]
Mas também me habituei a debates mais esclarecidos, pode ser isso…
Aqui um debate mais esclarecido, com Palmira F. da Silva e José Manuel Pureza, concretamente sobre o lugar que Deus terá no séc. XXI.

Opção ou como já foi a segunda figura do Estado

Fui chamado à atenção da resolução Conselho da Europa “The dangers of creationism in education (Doc. 11375)”, a qual teve o seguinte resultado, em que destaco os deputados portugueses:
João Bosco Mota Amaral votou contra;
-Maria Manuela Melo e Ana Catarina Mendonça votaram a favor.

Caro Senhor ex-Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral,
Não me revejo de todo na sua posição.
Apesar de ter sido a segunda figura do estado português de 2002 a 2005, sinto vergonha pelo sentido de voto na referida resolução do Conselho da Europa.
Mais vergonha sinto por um português ter integrado as “fileiras” criacionistas – espero que de forma involuntária.