A Económica e a Executiva

36460.jpgPormenores, dirão alguns.
Importantíssimo, dirão outros.
Ainda não sei que direi, tendo em conta a velocidade das transformações que se estão a dar na Europa.
O caso é o seguinte, apresentado por este vídeo de Miguel Portas, deputado no Parlamento Europeu – a partir de 1’45”, embora todo o vídeo seja muito interessante em termos de ética política.

Ou seja, por uma questão ética e de exemplo, opinião minha, os deputados europeus deveriam viajar em classe económica, deixando de lhes serem pagas viagens em classe executiva, com algumas excepções, como a idade e estado de saúde do deputado, bem como a duração.
A proposta foi recusada por uma maioria de deputados europeus, tendo havido um empate entre os deputados portugueses.
Este assunto interessou-me deveras, mais do que pelas quantias absolutas em causa, mas pela possibilidade de uma verdadeira mudança nos políticos que nos representam enquanto proto-continente institucional.
Desconheço a argumentação que terá levado estes deputados a perderem a oportunidade de exprimir a sua solidariedade perante os cidadãos que representam, materializando assim uma vontade de partilhar esforços nestes tempos de dificuldades económicas.
Há dois dias questionei no Twitter a deputada europeia Edite Estrela sobre os motivos da sua abstenção. Se a princípio me ignorou estoicamente, a verdade é que após alguma insistência, a senhora me respondeu.
Os argumentos foram pouco claros na justificação da sua abstenção mas posso transcrevê-los:
@editeestrela
“posso estar enganada, mas votei na convicção de estar a ajudar empresas nacionais:TAP e agência de viagens.”
“abstive-me porque tive dúvidas qual o melhor para o meu país. Quem ia beneficiar? Um burocrata qualquer ou a TAP?”

Parece-me que os argumentos seria o de favorecer a TAP e/ou agências de viagens já que as mesmas seriam feitas para aquelas empresas portuguesas…
E que tal alugar uma casa em Bruxelas a emigrantes portugueses? Parece-lhe bem?
@editeestrela
“as pessoas falam por falar e porque em tempos de crise a inveja cresce. É humano.”
Claro, quando se questiona algo nos tempos que correm a melhor resposta é argumentar que a pergunta é fruto da crise económica e da inveja. Claro.
@editeestrela
“votei a favor da redução orçamental, mas disso ninguém fala. As viagens são mais mediáticas, claro!”
Parafraseando a resposta de @helderlib , reduzir o orçamento sem reduzir a despesa parece-me uma má opção, mas que sei eu de economia. Talvez a proposta de redução orçamental não seja tão má mediaticamente como parece…
@editeestrela
“teria sido mais simples votar a favor ou nem votar, para não me comprometer. Votei em consciência, sem certezas.”
Desconhecia que as funções de deputado europeu possibilitassem não votar, julguei mesmo que fosse essa uma das principais funções para que haviam sido eleitos, ou seja, representar os seus eleitores. Mas que sei eu, se calhar não é para isso que serve um deputado…
Escrita de outra forma, perguntei aquilo mesmo a Edite Estrela que me respondeu:
@editeestrela
“pergunte isso aos deputados portugueses que não votaram.”
Obrigado por ter contribuído para o meu esclarecimento sobre o funcionamento do Parlamento Europeu…
@CienAoNatural
De toda a forma, agradecido pela disponibilidade em me responder. Não creio nos seus argumentos, acho-os fracos, mas agradeço-os
Apesar de reconhecer que a resposta que a seguir transcrevo possa ter sido dada sem que Edite Estrela tenha lido a minha despedida, esta argumentação final revela o que não deve haver num político: sobranceria.
@editeestrela
“olhe, meu caro, não sei quem você é mas desafio a provar que trabalha mais do que eu e que defende mais o interesse do país.”
As minhas questões não pretendiam revelar qual de nós dois tem trabalhado mais e melhor pelo país; apenas perceber os motivos pelos quais os deputados portugueses no Parlamento Europeu votaram contra, se abstiveram ou nem sequer votaram a proposta de que aqueles passem a voar em classe económica, e não em executiva como continuarão a fazer.
Concluindo, continuo a:
não perceber as motivações dos deputados neste caso;
não ter melhor ideia, nem informação, sobre o Parlamento Europeu, nem dos seus deputados;
pensar que os políticos portugueses não gostam que se lhes coloquem questões directas e objectivas;
pensar que os políticos adoptam várias estratégias de fuga às perguntas, como falar de outros assuntos, atribuir às perguntas um pendor de ataque ou motivação pessoais, invocando defesa do país e bondade da sua actuação pessoal quando estas não foram sequer questionadas;
Como ponto positivo destaco a disponibilidade de Edite Estrela em dialogar.
Mas não serve o Twitter também para isso, servir de plataforma de disseminação de mensagem política…?
Já agora parecer-me-ia interessante saber as opiniões dos outros deputados, nomeadamente os que votaram contra a proposta.
P.S. as mensagens do Twitter de Edite Estrela são públicas tendo-as eu publicado por isso, sem a necessidade de autorização da referida.
As mensagens estão neste texto por ordem cronológica na sua maioria.
Imagem: Anjur

Nojo por Inês

68095327-9bff570db374e7fd6c999a1411cf0ec5.4bceb3b6-full.jpgLeio agora que à Sr.ª Inês de Medeiros, deputada do PS, irá ser paga uma viagem semanal a Paris, em executiva. Quatro viagens por mês, brilhantemente concluo.
Aquando da sua candidatura à Assembleia da República, a dita Inês apresentou como morada oficial um endereço de Lisboa.
Assim, iremos todos pagar, com voluntário deleite, uma viagem semanal da tribuna à cidade das luzes, uma vez que aquela se deverá encontrar desocupada.
A morada de Lisboa, não a deputada.
Feliz fico por o meu Estado recompensar tanto em viagens a Paris da parlamentar como o que paga a quatro professores, ou a seis bolseiros de investigação científica, ou mesmo a quase dez trabalhadores com o salário mínimo.
Delirante continuo, por o meu país investir em viagens executivas a Paris para uma meritosa Inês de Medeiros que oficialmente reside em Lisboa, mas suspeita ter a sua família em Paris.
Os quatro professores, ou seis bolseiros de investigação científica, ou os salários mínimos, que se calem. O seu valor não é comparável à Sr.ª Medeiros, que tanto tem feito pelo bem-estar de Portugal. Tanto, que necessita purgar-se semanalmente à beira Sena dos afazeres lusitanos.
Nojo.
É o que sinto.
Pelos invejosos quatro professores, seis bolseiros de investigação científica, ou dez trabalhadores com o salário mínimo, que se roem de inveja maledicente das viagens da deputada Inês de Medeiros.
Nojo por Inês.
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P.S. – breve biografia da deputada do PS, Inês de Medeiros – do site da Assembleia da República:
“Habilitações Literárias – Frequência de Licenciatura em Literatura Portuguesa (Universidade Nova de Lisboa), Estudos Teatrais (Sorbonne Paris). Profissão – Autora”

Faça a legenda…

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…nos comentários.
P.S.- leitores não portugueses poderão seguir esta sugestão: aqui.
Imagem – daqui

Para Onde Virar Agora?

É a questão que se coloca ao “Homem Que Não Via a Esquerda”.

Imagem – Luís Azevedo Rodrigues

Rodar à Esquerda

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/11/2007)

pd3br1.2X copy“O actual governo “devia governar um bocadinho mais à esquerda”, afirmou Mário Soares. Respondeu Vitalino Canas: “O PS governa à esquerda e de acordo com as possibilidades que tem de governar à esquerda”.

Onde têm origem estas lateralidades? E porque se imiscuem conceitos políticos em histórias de evolução e biologia?
Comecemos pela primeira questão. A polaridade entre esquerda e direita surgiu no séc. XVIII durante a Revolução francesa. Esta demarcação despontou durante a fase da Monarquia Constitucional, quando os lugares da Assembleia Legislativa eram ocupados, à direita, pelos deputados da aristocracia, e à esquerda, o povo e a pequena e média burguesia.
Esta dualidade de atitudes e classes sociais, representada nessa câmara, impregnou para sempre a denominação política. Atitudes mais conservadoras e individualistas são designadas, genericamente, de direita. Posturas mais reformistas e de carácter socializante (por oposição a individualista) são consideradas de esquerda.

Mas onde entra então o tema natural da semana?

O grupo Pleuronectiformes, chamado peixes-achatados e com mais de 500 espécies, é geralmente conhecido pelos seus representantes linguado, solha e rodovalho, sofreu uma rotação do seu eixo de simetria.

Eixo de quê?
Pense, por exemplo, num ouriço-do-mar. Se o quiser dividir em duas partes iguais, pode escolher inúmeros planos de corte, desde que passem pelo centro do animal. Essa forma biológica tem simetria radial. Animais com simetria radial são essencialmente organismos que vivem fixos.
Imagine agora o leitor que é um assassino em série – imagine só!
Se nos quiser dividir em duas partes iguais só o poderá fazer de um único modo – olhos nos olhos, começa a dissecar da cabeça até à zona do “baixo-ventre”, como dizem os comentadores desportivos. Obteria, assim, duas partes iguais – pelo menos exteriormente… Animais com essa forma, e são-no a grande maioria, desde as baratas ao melhor escritor, têm simetria bilateral.

A história evolutiva dos peixes-achatados apresenta uma particularidade morfológica sui generis. Estes peixes adquiriram hábitos de caça a partir de fundos marinhos, especialmente arenosos, onde se escondem. É nesses substratos que se enterram, num comportamento de mimetismo e emboscada. Para minimizar a área exposta, deveriam colocar-se enterrados de lado, ficando, assim, só com um dos lados do animal à “coca”. Pouco prático. A selecção natural favoreceu a migração de um dos olhos para o outro lado, ou seja, o olho direito migrou para o lado esquerdo – embora existam casos em que a migração é inversa. Assim, os peixes-achatados, como a solha, já poderiam camuflar-se melhor nos fundos arenosos marinhos.

A migração do olho à esquerda conferiu a este grupo de peixes uma maior vantagem evolutiva, ante outros que tinham métodos de emboscada semelhantes. De simetria bilateral, a solha passou a simetria pseudo-bilateral. O crânio sofreu também rotação semelhante, tornando-se a solha um animal em que o lado esquerdo se tornou o “dorso” e o lado direito o “ventre”.
O curioso é que, durante a metamorfose larvar, esta apresenta uma forma simétrica, ou seja, com um olho de cada lado do corpo. Apenas durante o desenvolvimento posterior, entre o 10º e 28º dias, é que se dão as alterações que determinam a assimetria descrita – ver vídeo abaixo.

Para se adaptar a novas condições de vida, este grupo de peixes teve que “virar” à esquerda.
Terá o PSD, devido às políticas do PS, que sofrer o “Efeito Solha”, ou seja, rodar à esquerda?

REFERÊNCIAS
Schreiber, A. M. 2006. Asymmetric craniofacial remodeling and lateralized behavior in larval flatfish. The Journal of Experimental Biology. 209, 610-621.

Shankland, M., and Seaver, E.C. 2000.Evolution of the bilaterian body plan: what have we learned from annelids? Proc. Nat. Acad. Sci. USA. 97:4434-4437.

ALEX SCHREIBER LAB

IMAGENS
1 e 4 – Schreiber (2006)
2 – Ikumi Kayama
3 – Shankland & Seaver (2000)