As Maravilhas de S.J. Gould
As sete escolhas do paleontólogo e biólogo evolutivo Stephen Jay Gould para as Maravilhas do Mundo.
Não deixam de ser surpreendentes as escolhas de tão óbvias – óbvias para biólogos e paleontólogos, penso eu…
Perfeitamente justificadas e descritas por um grande cientista, historiador da Ciência e, sobretudo, uma mente brilhante, que tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Um vídeo a ver e ouvir até ao fim…
E quais seriam as vossas escolhas de maravilhas da História Natural?
(primeira parte do vídeo)
(segunda parte do vídeo)
Imagem: daqui
Continua a luta Vasco
Há quase três anos, numa das várias visitas que orientei às pegadas de dinossauro da Salema, tive a alegria de conhecer o Vasco.
Na altura, dediquei-lhe o post “Força, Força, Companheiro Vasco” no qual relatei o seu empenho em ser um paleontólogo – leiam o relato da sua discussão com uma enfermeira quando tinha quatro anos…
A centelha de ânimo para a Ciência estava lá e o Vasco foi para mim mais do que inspirador.
Há dias, pelo Facebook, recebi da sua mãe mais três presentes: duas imagens e notícias do Vasco.
O desejo em ser paleontólogo continua lá – vejam o rigor com que reproduz ilustrações científicas.
Estas novidades alegram o dia e fazem-me acreditar num futuro melhor, de quem aspira e luta por um sonho desde tenra idade.
Obrigado à mãe.
E, sobretudo, muito obrigado ao Vasco.
Força, Força, companheiro Vasco
“Psicólogo?”, perguntou sem levantar os olhos do papel que preenchia.
“Não. Paleontólogo”, retorquiu de forma lenta.
“Sociólogo?”, perguntou, desta vez já com os olhos na criança.
“Não”, de forma seca e decidida. “P-a-l-e-o-n-t-ó-l-o-g-o”, disse pausadamente e como se soubesse soletrar.
A ignorância percorreu a enfermeira. “Que raio era aquele tólogo que o catraio lhe insistia em atirar à cara?”, deve ter pensado.
“Então é isso que queres ser quando fores grande?”
“Sim. Ir descobrir dinossauros.”
Assim respondeu Vasco, há dois anos, à enfermeira que o tratava num hospital.
São histórias destas que por vezes se escutam quando fazemos acções de divulgação do património paleontológico português. Esta foi-me contada pela mãe, logo depois de o Vasco se me ter apresentado da seguinte forma:
“Olá. Eu sou o Vasco, tenho seis anos e quero ser paleontólogo.”
A apresentação foi feita enquanto caminhávamos com o resto do grupo numa ação gratuita do Ciência Viva no Verão pela praia da Salema. Eu e ele falámos uns minutos, sobre dinossauros e as pegadas que estávamos a ver.
Após a breve conversa, dirigi-me à mãe de Vasco e disse-lhe:
“O Vasco é um miúdo esperto e despachado mas quer ser paleontólogo. Não lhe põe juízo na cabeça?”, gracejei eu, convencido que tinha piada.
Foi então que a mãe me contou a história da enfermeira que não sabia o que era um paleontólogo, e do antigo desejo de Vasco, que ainda com 4 anos de idade já queria ser paleontólogo.
Corei de vergonha.
Já há pelo menos dois anos que o Vasco quer descobrir e estudar dinossauros.
Um terço da sua vida.
Quem sou eu para brincar com os desejos de alguém que, proporcionalmente, deseja há mais tempo que eu ser paleontólogo?
Imagem:
Caderno de campo do Vasco, 6 anos. Desenho feito logo após a visita que guiei às pegadas de dinossauro da Salema. 7 de Novembro de 2009.
Blogs, dinos e derivados…
…e para quem não ouviu a conversa que Pedro Rolo Duarte foi capaz de manter comigo, fica aqui o arquivo.
Acima de tudo diverti-me (embora não pareça) e descobri que gostamos ambos do Fernando Alves, para além de que o Pedro foi das poucas pessoas que admite que deixar de fumar custa muito.
Os Ossos do meu Ofício
Ao longo dos últimos anos parte do meu trabalho tem consistido em estudar as colecções de dinossáurios em diversos Museus de História Natural de vários países e continentes a fim de compreender a evolução daqueles animais.
Os objectos de estudo são assim ossos fossilizados que têm que ser observados, medidos, estudados, mexidos e remexidos.
Percorri uma parte substancial da China, desde Pequim às províncias de Chengdu e Yunnan. Neste última estive em Lufeng, uma pequeníssima cidade, para os standards chineses, com o objectivo de estudar os famosos exemplares do Triásico superior (há cerca de 200 milhões de anos).
As condições de trabalho não eram os habituais de forma que acabei digitalizar os exemplares em cima de uma mesa de pingue-pongue. Apesar do carácter pouco ortodoxo do equipamento, a estrutura funcionava tão bem como a melhor mesa de trabalho do Museu de História Natural de Nova Iorque!
Lá se foi a minha idealização da curiosidade científica da classe trabalhadora…
No início deste ano estive a estudar e digitalizar as colecções de dinossáurios do Museu de História Natural de Londres (MHNL).
Entre os exemplares estudados contavam-se alguns saurópodes procedentes das jazidas de Tendaguru, na actual Tanzânia. Já havia estudado parte destas colecções no Museu de História Natural de Berlim – o mais famoso representante daqueles dinossáurios é o Brachiosaurus, cujo úmero (osso que vai do obro ao cotovelo) tem mais de dois metros!
Foram os alemães nos anos 20 do séc. XX, em especial expedições lideradas por Janensch, os principais exploradores das jazidas da Tanzânia. Mas igualmente os ingleses, sensivelmente na mesma época, fizeram expedições paleontológicas naquela área.
Encontrava-me a preparar o digitalizador 3D para enfrentar um fémur de um Dicraeosaurus, na cave do Museu, quando entra a responsável (curadora) pelas colecções de répteis do museu londrino.
Para além do rotineiro discurso sobre as localizações e características do material diz-me:
“Os ossos para além de muito grandes são também radioactivos!”
Reparo agora que tinha entrado pelas colecções de contador Geiger na mão!
Esperava ver quase tudo menos um contador de radioactividade.
“Agora põe estas luvinhas para manusear o material.”
Já estava eu agarrado literalmente ao osso quando a curadora me repete “Tem que pôr as luvas!”
Calma, disse de mim para mim.
“Madam, eu fumo mais de dois maços de tabaco, não sou abstémico nem vegetariano, estive dois meses na China e em Berlim trabalhei com o mesmo tipo de ossos, vivo em Portugal e respectiva crise económica…acha que é este mísero osso em que vou trabalhar na próxima meia-hora que me vai matar?!!?”
Senti uma pequena alteração comportamental na sua habitual calma, mas nada de especial. Que nos outros museus ela não tem nada com isso mas que ali são as normas, disse-me ela.
“Então já que tenho que usar as luvas ao menos quero ver esse brinquedo do meu imaginário funcionar! Pode ser?!”
Suspiro (dela, claro).
Baixa-se, começa a medir o fémur, e tudo abaixo do nível recomendado pelos britânicos (já de si ridiculamente baixos, citando um paleontólogo amigo, “tem mais radioactividade um pacote de amendoins…”).
“Muito bem…então agora meça-me a mim!”, disse-lhe, do alto da minha chica-espertice.
A fleuma britânica viu-se neste momento pois pressenti que por dentro do seu ar esfíngico pensava:
“Mas porque raio o comité científico atribuiu uma bolsa a este tipo?”
Começa a medir-me e, das duas uma, ou estou carregadinho de radiação ou os ossos são tão radioactivos como um esquilo siberiano a comer um chupa-chups!
“Minha senhora, o meu caso está encerrado. Posso trabalhar e tirar as luvas?”
E assim fiz.
Obviamente que não critico, antes pelo contrário apoio, as medidas de segurança adoptadas no NHML.
Neste momento penso que não deveria ter tido aquela atitude mas por vezes acho que os meus ossos são mais fortes que o meu ofício.
Espero.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 26/4/2007)
Imagens: Luís Azevedo Rodrigues
Para quê estudar Dinossáurios e outros fósseis que tais?
“Tenho tanta curiosidade da Terra…traz-me coisas da Terra.”
Este trecho do livro “A Menina do Mar”, de Sophia de Mello Breyner, paradoxalmente ou não, fez-me pensar que nos tempos que correm é cada vez mais difícil explicar às pessoas o porquê e para quê serve a Paleontologia.
A Paleontologia não é uma história da vida que esteja escrita nos manuais e nos artigos científicos da especialidade; é contada antes pelos fósseis e pelos estratos rochosos. Estes, são pequenos fragmentos de uma história muito maior e complexa que necessita ser interpretada e explicada. É aqui que a Paleontologia poderá ir buscar motivos para a sua existência. Certo é que os fósseis existem por si; poder-me-ão dizer que não necessitam de mais explicações. A verdade é que eles ganham “vida” quando os colocamos no “sítio” certo, no “filme” que foi, é e (provavelmente) será a vida neste planeta. Este filme, apesar de cada vez mais completo, nunca passará de um conjunto pequeníssimo de fotogramas.
É a Paleontologia que faz a análise do “filme projectado” ao longo dos milhões de anos da história da Terra. Este “filme” da vida ora acrescentou ora fez sair de cena personagens da trama, de uma maneira acidental e imprevisível, condicionando evolutivamente a actualidade biológica.
A Paleontologia vai buscar as suas ferramentas quer à Biologia quer à Geologia. Esta ciência, ao contrário da biologia ou química, não é uma ciência experimental. Os paleontólogos raramente são capazes de testar as suas hipóteses através de experiências laboratoriais; contudo, e apesar disso, conseguem testá-las.
A descoberta de Archaeopteryx (fóssil animal do Jurássico que “representa” um dos elos de transição evolutiva entre os dinossáurios e as aves, com características anatómicas de ambos) fez ampliar a hipótese, já anteriormente proposta, da relação de parentesco entre aqueles grupos animais. Descobertas posteriores, especialmente as feitas no séc. XX, vieram acrescentar mais provas ao processo hipotético-dedutivo de testagem daquela hipótese.
As comparações feitas por Georges Cuvier no século XIX entre os Mamutes e os elefantes actuais não proporcionaram apenas evidências das extinções em massa (acontecimentos originados por causas geológicas, biológicas ou mesmo extra-terrestres que originaram o desaparecimento em grande escala de fauna e flora); originaram igualmente implicações sócio-políticas, em que revolução e substituição eram mensagens implícitas. Deste modo a história da Terra e a das nações pareciam sofrer de processos semelhantes.
Os fósseis são parte das “coisas da Terra” que nos são contadas… Dão-nos a conhecer o que não podemos experimentar pelos sentidos – o passado, o desaparecido, aquilo que foi, quando não estávamos cá.
Ao longo dos próximos artigos iremos contar pequenas histórias que a Terra nos deixou preservadas nas rochas.
(Publicado no jornal Diário de Aveiro em Agosto de 2004)
Imagem: (“A menina e o mar” ©2005-2007 renatoalvim)