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Imagem: daqui

O telefonema do poeta para o desempregado

O telefone não parava de tocar.
Sempre a mesma coisa, podia estar desempregado mas tinha mais que fazer que pegar naquilo.
Aquilo trazia-lhe notícias que não queria ouvir, graças que não eram as suas, ou apenas um cumprir de serviço do lado de lá da linha
Ou talvez não fosse isso, talvez não querer ouvir gente, ainda por cima gente com trabalho, trabalho que ele não tinha.
Pelo menos igual aos outros.
Tocava, continua a tocar, o telefone.
Quem quererá falar; e para cá.
Tinha que continuar a escrever. Decidira-o quando, há dois anos, o mandaram para casa.
Senhor Engenheiro, haviam tentado ser o mais corretos que sabiam, sendo a convocatória feita apenas pelo desempenho laboral, Senhor Engenheiro, a verdade é que deve encarar isto como uma oportunidade.
Sim, uma oportunidade. Como aquela que falta a quem lhe liga neste momento, sente.
Se calhar ainda querem explicar melhor porque o mandaram para casa. Ou o que fez com a oportunidade que lhe deram. Mas tem mais que fazer, tem que escrever. Agarrar a oportunidade.
Escrever para provar que podia fazer algo, ele que havia sido mandado para casa porque não tinham algo que ele pudesse fazer.
Porra para o telefone, que não se cala.
A escrita com horários, a fuga surgida da liberdade perdida de quem não tem trabalho.
O telefone chamava-o, tal como as linhas que escreveu.
Não lhes pôde fugir.
Ainda bem.
Foi atender.

P.S.- pela manhã, ao café como deve ser, uma história daquelas que inspiram e fazem apertar a garganta, daquelas que fazem ainda ter esperança em que há sempre que andar para frente, pôr ordem nas palavras, nas palavras que faltam em dias de excesso de números.
Ainda que não conheça a história feita nesses dois anos, fica a história do telefonema que se atrasou dois anos.

Imagens: do jornal Público de 19 de Outubro de 2011. As minhas desculpas pela má qualidade das imagens:

Enganar o Tempo…e Einstein.

Foi do que me lembrei quando vi esta montra.

Ciência Pop

(Este é o primeiro texto da colaboração com o jornal “Sul Informação”, novo diário da região sul. O texto foi publicado aqui)

 A palavra dinossauro é vastamente utilizada no discurso informal, e quase sempre com sentido pejorativo. Basta apenas um pouco de observação para identificar outros conceitos científicos presentes na cultura popular.

A Teoria da Relatividade Geral, bem como as recentes novas quanto à velocidade da luz ter sido ultrapassada pelos neutrinos, fascinam-nos a todos. As implicações de algo conseguir ultrapassar a velocidade da luz são enormes em termos de imaginário: a capacidade de fintar a barreira do tempo, viajarmos através dele como se fosse uma auto-estrada, torna-nos aparentemente livres.

Filmes como “Regresso ao Futuro” ou mesmo “A Guerra das Estrelas”, materializam essa alteração do real, libertando o ser humano das amarras do Tempo. O ultrapassar das leis da Física contribui assim para que as condicionantes sociais, económicas e até éticas, possam ser ultrapassadas tudo assente na capacidade de se viajar mais rápido que a luz. O ultrapassar dessa fronteira faz-nos não só donos do tempo, mas oferece-nos igualmente a possibilidade de recriarmos o nosso presente – aquilo que fizermos na viagem ao passado obviamente influirá no presente. Quantos de nós não desejámos alguma vez modificamos algo no nosso passado?

“Para baixo todos os Santos ajudam”, diz o povo. Este dito popular não revela o carácter altruísta dos objectos da Hagiologia, antes é uma conhecida redundância de que a Gravidade existe, existiu e existirá, originando que o esforço envolvido em subir seja completamente distinto do de descer. O Mito de Sísifo não existiria se a força gravítica não se exercesse sobre este filho de Éolo. Sísifo, condenado a empurrar uma pedra encosta acima, vê-la-ia regressar à base, sobre a acção da gravidade, vez após vez, numa condenação eterna.

A mitologia revela-nos que a astúcia de Sísifo, que enganou a Morte por duas vezes, não foi capaz de vencer a Física. Que me desculpem Albert Camus, bem como todos aqueles que cuidam a condição humana como sendo desprovidas de sentido: não é a labuta diária que empurra a pedra pela encosta baixo, antes é a Gravidade a ser mais forte que Sísifo.

Ser verdadeiro não implica qualquer indicação da matéria física de que somos feitos. Ainda assim, a cultura popular associa a Física e a Ética. “A verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima”, sempre ouvimos dizer. As distintas densidades (a massa a dividir pelo seu volume) da água e do azeite, que originam a sua imiscibilidade, são remetidas para uma moral de comportamento: azeite e verdade são duas realidades que acabarão por flutuar: o azeite, pela sua menor densidade relativamente à água; a verdade, sabe-se lá por que caminhos, espero que venha sempre à tona dos dias e dos acontecimentos.

Esta correcta sabedoria é mais acertada na sua componente física uma vez que na vertente moral a sua eficácia revela graves lacunas. Pelo menos no que vou observando nos dias que correm.

Outros exemplos existem da relação sabedoria popular vs. Ciência, mas a tarde está soalheira…

Referência:

Van Riper, A. B. 2002. Science in Popular Culture: A Reference Guide. Greenwood Press. ISBN 0-313-31822-0.

Imagens: daqui e daqui

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Imagem – Luís Azevedo Rodrigues

Coscuvilhar Histórias Com Milhões de Anos – NEI2011 CCV de Lagos

Coscuvilhar Histórias Com Milhões de Anos – NEI2011 CCV de Lagos

O registo vídeo da conversa que tive no passado dia 23 de Setembro, durante a Noite Europeia dos Cientistas 2011, no Centro Ciência Viva de Lagos.