Estrelas Android num Táxi

il_570xN.263641096Numa era digital de pós-especialistas (ou pós-sábios), a comunicação de Ciência deve assentar mais num modelo de troca de conversa do que propriamente de homilia de registo científico, ou pelo menos algo assim diz parte do artigo abaixo que agora cito:

«The biggest challenge of the digital age for science communication is the shift from the “broadcast” model, where a network or magazine broadcasts information, to a “conversation” model, whereby someone generates information and others comment, share, and add to it. Because anyone can comment, blog, or tweet, the online conversation dilutes expert voices.»

A título de parábola, conto parte do meu dia de hoje.

Atrasado e stressado para o comboio, relembrei as horas ao taxista com a seguinte provocação:
“Sabe que está melhor tempo cá por Lisboa do que no Algarve, para onde vou às seis e meia?”

Despertado pela recordação das terras do meu filho, o condutor começou por enumerar as praias algarvias onde já tinha estado; depois as maravilhas de um “Algarve que fiquei a gostar desde a primeira vez que lá por lá parei e de que não gostava, mesmo sem nunca antes lá ter estado!”

Conversa puxa conversa e praia, pelos vistos, puxa praia, acabámos por chegar às pegadas de dinossauro da Salema. Nunca vi, nem sabia que existiam, não os dinos, as pegadas, disse-me o motorista.
Que sim, que o Ciência Viva faz por lá bastantes visitas guiadas, e não se atrase, veja lá o caminho que tenho comboio, e as pegadas são de fácil acesso, publicitava e avisava eu.
Cala-se o homem.
Já fui chato mais uma vez. Já não bastava o médico de onde tinha saído ter-me dito “Você é difícil de aturar… mas pelo menos faz-me rir!”, pensei eu para o silêncio do tipo que agarra o volante.

“Isso da Ciência Viva fez-me lembrar uma coisa”, apontando para o GPS.
Ok, satélites, já sei o que me vais contar.
“Desde que descarreguei a aplicação X para o telemóvel, não passo sem ver o céu; farto-me de ver estrelas…”, assim e assado, que as estrelas duplas não sei o quê, que quer um telescópio e mais não sei o quê das galáxias.
“Venha este sábado ao Centro de Lagos, que vai haver uma observação astronómica”, disse-lhe e o homem contentíssimo só me perguntava:
“Mas posso levar o telemóvel?”
Traga, que depois explica-nos como é que isso funciona e temos lá gente para lhe mostrar o céu até mesmo com os seus olhos, piquei-o eu em jeito de despedida.
A promessa ficou feita – que iria lá estar, pois tinha que ir buscar a filha a Lagos.
Gostava que fosse.
Se vai ou não, essa é outra história de que não sei o final.

il_570xN.263621813O que sei é que há motoristas de táxi, que com aplicações de telemóvel vêm o céu sozinhos mas que estão mortinhos com quem falar, seja de estrelas duplas, ou não sei o quê de Júpiter, de modelos de telescópio, e muito mais, se houvesse tempo e a CP esperasse por mim.
O telemóvel com aplicação prejudica a comunicação/divulgação de Ciência? Não, antes pelo contrário.
Imprescindível é que não se deixe o motorista a falar para o boneco…ou para o telemóvel, neste caso.

Porque vivo melhor quando um taxista vê e me fala de estrelas,  mesmo sendo com a ajuda de um telemóvel.
Ou não?

P.S.- tudo isto se passou, com maior ou menor verosimilhança, no dia 18 de Junho de 2014, em Lisboa, à espera de uma consulta médica e onde li o artigo que acima cito e abaixo refiro.

Referência:

Amy Luers and David Kroodsma (2014), Science Communication in the Post-Expert Digital Age, Eos, Transactions, American Geophysical Union Volume 95, Number 24, 17 June 2014. Eos, 95: 201–208. doi: 10.1002/2014EO24
PDF gratuito aqui

Imagens:
daqui e daqui

Admirável Mundo Velho

brown,rain,robots,city,ruins,illustrationO futuro não somos nós. São eles.
Eles quem?
Os robôs, não percebes.
Não avariam, não chateiam, enfim, não nada do que impede o desenvolvimento e o avanço.
Avanço e mais avanço, que ficar quieto é tudo menos bom e ser menos que bom é pior do que ser mau.
E isso não é bom.
Ser robô então é o futuro e o futuro será deles e feito por eles.
Nisso é que os japoneses são bons.
Em serem futuro.
Ou isso era no passado, que agora o futuro é dos chineses.
Ou dos robôs?
Bem, o que interessa é que eles, os robôs, fariam tudo, melhor e mais rápido e assim é que era.
Máquinas. Carros.
Isso, a fazerem carros é que eles maquinam bem.
Mas a máquina não pára, pelo menos a humana. E pensa.
E maquinou tanto e tão bem que chegou à conclusão de que se calhar era bom não ser só bom.
Como os robôs.
E devolveu esses primatas com pernas, com defeitos e pensamentos, ao lugar na fábrica.
Que defeitos e pensar é bom, melhor do que ser bom sem pensar, penso eu.
E os robôs?
Bem, esses ficam para outras coisas.
Antes é que era bom.
O depois é que o confirmou.
Apenas isto.

 

P.S. delírio sugerido pela notícia de que a Toyota vai substituir os robôs

Imagem: daqui

“Toyota já começou a substituir robots por humanos

Publicado em 20 de Abril de 2014.

Os fabricantes de automóveis há muito que abraçaram a automação e substituíram os humanos por robots. Contudo, a Toyota está a dar um passo atrás e a substituir as máquinas por pessoas em algumas fábricas no Japão.

A decisão da Toyota é uma escolha não convencional para uma empresa japonesa. O Japão tem, de longe, o maior número de robots industriais de qualquer país. Apenas é ultrapassado pela Coreia do Sul no que toca ao rácio de robots para humanos.

Esta nova estratégia da fabricante japonesa assenta em dois aspectos. Primeiramente, a Toyota quer certificar-se de que os seus trabalhadores percebem o trabalho que estão a fazer em vez de apenas fazerem chegar as peças às máquinas e não terem utilidade quando estas se avariam. Em segundo, a marca quer desenvolver maneiras de aumentar a qualidade do processo de montagem e torná-lo mais eficiente a longo prazo. A automação pressupõe que a empresa tenha muitos trabalhadores medianos e poucos artesãos e mestres.

Desde que a Toyota implementou esta estratégia em 100 fábricas, o desperdício de material na linha de produção diminuiu 10% e o processo de montagem tornou-se mais curto. Foram também registadas melhorias no processo de corte das partes e a redução dos custos relativos à montagem dos chassis.

“Não podemos simplesmente depender de máquinas que repetem a mesma tarefa vezes sem conta”, afirmou o director de projectos Mitsuru Kawai, citado pelo Quartz. “Para se ser mestre das máquinas é necessário ter o conhecimento e ferramentas para ensinar as máquinas”, assevera.”

Documentário: A História de Um Erro

A Comunicação de Ciência faz-se também pelo cinema e outras formas de expressão audiovisual.
Joana Barros, “estudou Genética Molecular no Kings College London e fez o doutoramento em Biologia Celular no Institute of Cancer Research no Reino Unido”, foi a realizadora deste documentário que aborda uma doença a partir de quem por ele é afectado. Mostra também que a expressão e divulgação de temas científicos, mas não só, pode ser assumida por quem faz Ciência.

Joana Barros esteve na organização de (A)Mostra | Filmes e Ciência, no congresso de Comunicação de Ciência SciCom 2013.

O comunicado de Imprensa da Associação Viver a Ciência sobre o documentário que espero ver, tão breve quanto possível:

SlideshowEstreia1_siteDocumentário português sobre a Paramiloidose estreia nas Curtas de Vila do Conde

A Paramiloidose, ou “doença dos pezinhos”, como é apelidada, é uma doença genética fatal particularmente prevalente em Portugal. Os sintomas aparecem normalmente por volta dos 30 anos de idade e conduzem rápida e progressivamente ao colapso motor e sensitivo do organismo e em poucos anos à morte.
A histoÌ ria de um erro (1)Cada filho de um portador de Paramiloidose tem 50% de probabilidade de herdar o erro genético do seu progenitor, e como os sintomas só aparecem na idade adulta muitos portadores já têm filhos quando ficam doentes. Encontramos hoje famílias marcadas há muitas gerações pela morte precoce dos seus familiares, mas também pacientes que, por caprichos da biologia, desconheciam a existência da doença nas suas famílias. Em qualquer um dos casos as consequências individuais e familiares de um diagnóstico positivo são avassaladoras.

A doença foi descrita pela primeira vez por Corino de Andrade, em 1952, desencadeando uma série de estudos que vieram mudar para sempre a vida dos portadores de Paramiloidose. Este documentário é um testemunho desse percurso, focado nas histórias de quem convive diariamente com a doença, não só portadores e familiares, mas também os médicos, cientistas, assistentes sociais e dirigentes associativos que dedicam as suas vidas a estes doentes.
O filme é também um veículo de conhecimento sobre a doença e sobre as importantes descobertas que permitem hoje aos seus portadores terem uma vida muito diferente da dos seus antepassados.

O filme “A história de um erro”, realizado por Joana Barros, da Associação Viver a Ciência, vai estrear no dia 7 de Julho, no Festival Curtas em Vila do Conde.
A longa metragem documental “A história de um erro”, realizada com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação para a Ciência e Tecnologia, vai ser apresentada pela primeira vez no dia 7 de Julho pelas 17h no Teatro Municipal de Vila do Conde, no âmbito do 21.º Festival de Curtas de Vila do Conde.”

Documentário “A história de um erro” (Teaser) from Associação Viver a Ciência on Vimeo.

Documentário “A história de um erro” (Teaser 2) from Associação Viver a Ciência on Vimeo.

SciCom PT 2013: algumas ideias sobre comunicação de ciência

Aqui ficam algumas notas do Congresso de Comunicação de Ciência em Portugal (SciCom PT 2013), que decorreu nos dias 27 e 28 de Maio no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa – em modo telegráfico.

Roberto Keller-Perez

1) Conheci diversas pessoas com quem interagia há muito mas que nunca havia contactado pessoalmente. A frase que mais utilizei no SciCom foi “Finalmente conhecemo-nos em pessoa, fora do Facebook/Twitter/mail!”.
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Parecendo que não, e parafraseando o José Vítor Malheiros, nada como o contacto pessoal para a comunicação ser melhor. E isto é importante em Comunicação de Ciência.

603058_532781540118721_78180035_n2) A Comunicação de Ciência deve servir para que os cientistas divulguem o seu trabalho. Mas também para que parem, pensem e meditem sobre o que andam a fazer profissionalmente. De outra forma: a divulgação de Ciência pode ser para o cientista um momento zen (ou de horror) perante o seu trabalho e as perguntas científicas que lhe estão na base. Baudouin Jurdant disse-o e concordo, embora ele não precise da minha opinião para nada.

3) A generalidade dos cientistas e comunicadores de Ciência não sabe comunicar visualmente.
Esta foi uma das ideias da sessão que moderei, Comunicação Visual na Comunicação de Ciência. Vendo a generalidade dos posters e apresentações do SciCom PT verifiquei que os comunicadores de Ciência necessitam investir mais na sua literacia visual. Esta necessidade pode ser respondida por colaborações interdisciplinares, com ilustradores de Ciência e designers de comunicação.

419994_532779290118946_971022329_nSe é verdade que nos últimos anos tem sido feito um esforço grande na formação dos comunicadores de Ciência, sobretudo fornecida por jornalistas, também é certo que a formação na componente visual tem sido minorada ou apenas negligenciada.

4) O público, em particular as crianças e os jovens, pode colaborar em projectos de divulgação através da formulação de perguntas directas aos cientistas.

378133_532780246785517_2035098939_nColocar perguntas objectivas, como se de hipóteses a testar se tratassem. Pedro Russo* disse-o e complementou que, apesar de difícil, esta abordagem é muito interessante ao nível da participação do público na Ciência.

Esta perspectiva pode gerar alguma resistência pelas dificuldades formais na sua implementação prática. Reconheço que sim mas é um dos pontos fundamentais no envolvimento do público na Ciência: permitir que façam questões científicas, por mais banais que sejam.

3928_532326933497515_547621968_n5) Apesar de estar rodeado de comunicadores de ciências, tarimbados no contacto pessoal e capacidade de resumir e comunicar, verifiquei que uma frase e um objecto conseguem intimidar a generalidade. A frase é “Tens 45 segundos para mim?” e o objecto um gravador. Compreendo que o tempo está caro, que a minha figura pode ser intimidante, especialmente quando o tento evitar, mas sempre esperei que o gravador os acalmasse. A verdade é que muitos dos colegas comunicadores de Ciência se assustam com um gravador, pelo menos ao início.

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As breves respostas de alguns dos comunicadores de Ciência que estiveram no SciCom poderão ser ouvidos no programa Ciência Viva À Conversa especial – abaixo.

Livro de resumos do SciCom PT (PDF).

Até ao SciCom PT 2014 no Porto!

Os depoimentos de alguns participantes ficaram registados em mais um programa Ciência Viva À Conversa.

*Pedro Russo apresenta neste texto “Porque é que o Público se há-de Interessar (em Ciência)?“a sua comunicação convidada e é um excelente texto sobre a Comunicação de Ciência – podem também descarregar a sua apresentação.

Imagens: Estas e outras fotos de Roberto Keller-Perez do congresso poderão ser vistas aqui.

Falhas

Descubra as falhas:

a) geológicas;
b) no ordenamento do território.
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Imagem: Luís Azevedo Rodrigues (Abril 2013)

Local: Praia da Salema, Vila do Bispo.

Carneiros, pardais e Copérnico

Sistema solar JoePlockiPelo Natal, um salto de pardal.
Em Janeiro, salto de carneiro.

A minha avó Rosa, mulher rija do Douro e de quem herdei a cor dos olhos e algum mau-feitio, contava-me este provérbio.
De memória, que de outro registo não sabia.
Sempre me socorri desta frase para explicar os dias tristes de Inverno, com longas noites e curtos dias, na esperança de que o tempo das tardes grandes finalmente chegasse.
De há uns anos para cá, o mantra da avó Rosa começou a intrigar-me: porque é que do Natal para Janeiro o crescimento dos dias é tão notório?

A avó Rosa, tenho a certeza, sabia muito da vida e de contar histórias (motivo pelo qual eu gostava de ficar em casa doente …mas isso é outro rosário), mas desconhecia a forma da órbita da Terra, bem como a inclinação do eixo do nosso planeta.

Os dias crescem e decrescem, todos nós observamos o fenómeno ao longo do ano. Mas serão essas variações uniformes, até que ponto está o provérbio da duração dos dias está correcto?

A duração dos dias está dependente sobretudo da inclinação do eixo da Terra relativamente ao seu plano de órbita. O nosso planeta não está perfeitamente verticalizado relativamente à sua órbita em torno do Sol, sendo a inclinação de aproximadamente 23.5º.
Se a avó Rosa fosse viva, dir-lhe-ia que a Terra era como um carrossel a girar em redor do Sol mas que os animais e os bancos de madeira estavam inclinados. A avó Rosa responderia apenas que o carrossel estava mal feito. Eu refilava: para além de inclinado, o girar do carrossel também não era perfeito.
crochetNesse momento agarrava-a pelo avental, porque a avó Rosa estaria já farta da minha história, e completava que a torre que costuma estar no centro do carrossel também não estaria bem no centro. Assim, as crianças que andam neste carrossel ora passam mais próximo da torre, ora se afastam dela, a cada volta que dão.
Mas que raio de carrossel mais estranho pensaria a Rosa Correia de Galafura.

E que tem isto que ver com os dias e os carneiros de Janeiro?
Esta história, que gostaria ter contado à minha avó, ilustra as duas condicionantes da variação da duração dos dias e das noites ao longo do ano.
A soma destes dois efeitos – efeito da órbita elíptica da Terra (ou ligeiramente elíptica) e a inclinação do seu eixo relativamente ao plano de órbita, são os motivos dos dias crescerem e decrescerem ao longo do ano.
Dirão os mais atentos que até agora nada de novo, tirando a avó Rosa que desconheciam.

Pois foi ela mesmo, e o dia de Copérnico, que me fizeram acabar este simples texto que perdurava na gaveta digital de textos inacabados.
A Rosa de Galafura sabia de histórias e muitas me contou.
Copérnico sabia apenas o seu lugar no Universo, o que não é nada mau.

(texto publicado no P3)

Imagens:
JOE PLOCKI/FLICKR
e
Daqui

Os meus dias já foram mais pequenos

Actualizado com artigo de 2020 em 18 de Fevereiro de 2021.

Aproveito-o agora para para ser publicado aqui e também no jornal Sul Informação).

Quando crianças os dias parecem durar e durar, havendo tempo para (quase) tudo. Há tempo de sobra para brincar, rir e fazer tudo e mais alguma coisa.
À medida que ganhamos rugas e dores nas costas, a divindade do tempo infinito encolhe e parece que o tempo já não é o que era.
Ele não chega para nada, que está cada vez mais curto, que o tempo corre mais que a gente.
Quantas vezes já escutámos “O meu dia deveria ter 25 horas” ou “Só queria mais umas horas por dia”.
As mudanças de percepção que a idade traz à duração dos dias são isso mesmo, mudanças na percepção.

Mas os dias já foram mesmo mais pequenos. Por outras palavras, a Terra já demorou menos tempo a efectuar o seu movimento de rotação.
O nosso planeta já teve dias mais pequenos do que as 24 horas a que estamos habituados.
A responsabilidade pelo aumento dos dias cabe às marés, sendo estas provocadas pela atracão gravitacional da Lua sobre o nosso planeta.

De forma breve: a atracão da Lua sobre a Terra origina acumulação de água do mar no lado que está diante dela (maré alta) e também do lado terrestre oposto*. Simultaneamente existirão locais onde essa água “faltará”, observando-se nestes locais a maré baixa.

Como o sentido da rotação da Terra é o mesmo que o da translação da Lua, mas muito mais rápido, gera-se um efeito de fricção da água do mar com os fundos oceânicos, que, aliado à inércia da própria água, abranda a rotação da Terra.
Um efeito semelhante também é exercido pela Terra sobre a Lua. Como a Terra tem muito mais massa do que o nosso satélite, o nosso planeta já conseguiu deter o seu movimento de rotação, motivo pelo qual vemos sempre a mesma face da Lua.

Não entrarei em maiores detalhes sobre a mecânica celeste deste processo, mas refiro apenas que a Terra sofre actualmente um aumento nos seus dias de cerca de 1.8 milissegundos por século – alguns autores referem 2.3 milissegundos por século.
Obrigado pela ajuda, dirão os mais necessitados de dias maiores, em tom de sarcasmo.

A estes responderei que simulações feitas por computador permitiram deduzir que os dias tinham, quando a Terra estava no seu início, apenas 6 horas. Aquilo que a maior parte de nós passa hoje a dormir era a duração de um dia inteiro há cerca de 4.5 mil milhões de anos.
Mais: a análise do ritmo do crescimento diário de corais fossilizados, por exemplo, permitiu deduzir que a duração dos dias há 400 milhões de anos era de 22 horas.

E agora, caros desejosos-de-dias-maiores, estão satisfeitos com a vossa situação actual? Dias com 24 horas?
Era muito pior há milhões de anos.
Sim, porque, ao contrário de nós à medida que envelhecemos, os dias da Terra vão ficando cada vez maiores. Literalmente.

* por motivos de simplificação para o caso que se descreve omite-se o efeito do Sol.

Referências:

Williams, George E. (2000). Geological constraints on the Precambrian history of Earth’s rotation and the Moon’s orbit. Reviews of Geophysics, 38 (1) pages 37–59.

Imagens:

1 – La Voyage dans la Lune de Georges Méliès
2 – Daqui
3 – Daqui

4 – atualização com artigo de 2020 e informação paleontológica.

5 – artigo de divulgação que resume o artigo 4.

Luís Azevedo Rodrigues 

 (Este texto foi escrito como a minha colaboração para a ação interCiência, em que eram trocados de forma anónima textos entre blogs. Este texto foi a minha “oferta” para o blog Curioso Realista, onde foi publicado originalmente.

Devaneios evolutivos…

394952_530625956958420_24964258_nEsta imagem/post, retirado e mais do que partilhado pela página de Facebook “I fucking love science” é uma excepção às suas excelentes e divertidas imagens-mensagem.

E porquê?

1  “You are the result of 3.8 billion years of evolutionary success”
O aparente topo evolutivo ocupado pelo ser humano, de alguma forma reflectido no texto desta imagem, não é verdadeiro, já que a nossa espécie é um acaso da História Evolutiva da vida na Terra.
Ao contrário do que está implícito, a Evolução da vida não tem o ser humano como o pináculo evolutivo, o seu porto de chegada, o seu mais perfeito representante, o final do caminho da vida sobre a Terra, isto apesar da nossa existência actual ser fruto de um sem número de sucessos intermédios.
Seremos tão pináculo evolutivo da História da Terra como outros seres vivos actuais – representantes no presente de várias linhagens de seres vivos que singraram ao longo do tempo.
2 Outra mensagem que poderá induzir em erro, e subjacente neste texto, é que a Evolução é sinónimo de um cada vez maior aperfeiçoamento e complexidade dos organismos, sendo o representante deste conceito nesta imagem/texto o ser humano.
Isto não é de todo verdade.
Embora existam casos de incremento de complexidade, a Evolução conduz* também a redução de complexidade biológica, à diminuição de estruturas, entre outras alterações morfológicas e/ou fisiológicas.
Evolução biológica não é sinónimo de maior complexidade – pode ou não sê-lo.

3 Ainda outra mensagem subjacente é a de cariz moral/comportamental. Devemos actuar em função do sucesso obtido pelos nossos antepassados, sejam eles mais ou menos distantes.
O que não me agrada nesta mensagem é a mistura entre sucesso evolutivo e a matrizes de comportamento moral/ético. Isto talvez possa justificar parte do sucesso evolutivo recente dos nossos antepassados, mas não justifica a esmagadora maioria do tempo geológico.
O singrar de um organismo e o sucesso de um código de conduta, embora possam estar interligados, são questões distintas, sendo perigoso generalizá-los.
Se nos focarmos no comportamento humano e na diversidade de valores éticos e morais existentes, então estaremos de certeza a misturar alhos com bugalhos quando afirmamos que nos deveremos comportar em função do sucesso biológico de um passado tão longínquo como o de há centenas ou milhares de milhões de anos.

Apenas alguns devaneios evolutivos…já há muito debatidos e analisados por outros muito melhores do que eu.

* a utilização deste vocábulo é exagerada, sendo aqui utilizada por simplificação na leitura.

Fórmula 1 ou Contas de Merceeiro?

Da leitura rápida dos jornais da manhã resultam três memórias, interligadas, ou talvez não.

Afirma primeiro Nuno Crato, em páginas do DN, que o país tem que ajustar orçamento do ministério da Educação às suas possibilidades. Do país, não dele.

Do que tenho visto, as talhadas de aprendiz de magarefe financeiro feitas na Educação impossibilitarão que algum dia se faça o que fez o engenheiro chefe da Red Bull (Fórmula 1): ter formação mais do que excelente e capacidade de resposta célere em situação de aperto.

O orçamento para a Educação, no país destes dias, apenas dará para fazer as contas como as da tabela do campeonato: duas equipas com os mesmos pontos apesar de o somatório dos resultados ser diferente.

Este orçamento para a Educação fará de nós merceeiros de contas erradas ao invés de engenheiros de Fórmula 1.

Imagens: da edição do Diário de Notícias de 27 de Novembro de 2012.

Dinossauros com prazo de validade

“Podemos ressuscitar dinossauros a partir do ADN, como fazem no Jurassic Park”.

É uma das perguntas mais populares nas minhas palestras. Procuro sempre responder que, em termos teóricos, eventualmente seria possível fazê-lo num futuro mais ou menos próximo.

Boa!, vislumbro nos olhos das pessoas.

Museu de Dinossauros de Lufeng (China)

O olhar de alegria das pessoas que escuta a primeira parte da minha resposta desaparece num ápice quando acrescento que o principal problema reside na capacidade de resistência do ADN.

Ou seja, o ADN tem um prazo de validade, de resistência às alterações, e que a sua preservação, durante milhões de anos, é muito diminuta, acrescento.

O ADN após a morte do organismo é rapidamente atacado por nucleases (enzimas) que superam o trabalho reparador de outras enzimas. Este ataque origina a quebra das ligações entre os nucleótidos que constituem as cadeias de ADN. Ainda que as condições de preservação sejam excepcionais, como baixas temperaturas, dessecação rápida ou que as células sejam preservadas em altas concentrações salina, o ADN sofre para além do ataque das nucleases outros males: radiação, oxidação ou hidrólise (1). Todos estes factores originam que as propriedades do ADN de animais ou plantas muito antigos não sejam preservadas.

Mas a minha resposta à pergunta “É possível ressuscitar um dinossauro através do ADN fossilizado?” tem agora uma nova actualização: calculou-se o prazo de validade para que o ADN mantenha as suas características intactas* e este prazo é de…6.8 milhões de anos (2).

Museu de Dinossauros de Zigong (China)

É esta a janela de tempo estabelecida por Mike Bunce, da Universidade de Murdoch (Austrália) e colegas, nos quais se incluem Paula F. Campos, da Universidade de Coimbra e Museu de História Natural de Copenhaga.

Analisando uma amostra de ADN mitocondrial de 158 fragmentos de osso da Moa (ave extinta australiana) os investigadores determinaram que o máximo temporal para a preservação do ADN é de 6.8 milhões de anos.

Apesar de este prazo ser inferido a partir de modelos matemáticos e estar condicionado por condições físicas específicas, não deixa de ser um tecto temporal máximo que impede muitas especulações.

O prazo de validade, passe a expressão dos lacticínios, revelado por esta recente investigação desmoraliza a hipótese de que o ADN dos dinossauros não-avianos estivesse em condições, quando a técnica o permitisse, para reconstituir esses animais do passado.

Autor digitalizando esqueleto apendicular de Omeisaurus – Museu de Dinossauros de Zigong (China)

Enquanto recuperamos da desilusão de alguma vez podermos ver vivo um dinossauro não-aviano, porque não conhecer melhor os descendentes dos dinossauros, numa palestra sobre as Aves em Lagos, ou mesmo reviver a vida dos dinossauros desaparecidos, como na exposição “T. rex quando as galinhas tinham dentes”, a partir da próxima 2ª feira no Pavilhão do Conhecimento?

 

Referências:

(1) Nicholls H (2005) Ancient DNA Comes of Age. PLoS Biol 3(2): e56. doi:10.1371/journal.pbio.0030056

(2) The half-life of DNA in bone: measuring decay kinetics in 158 dated fossils.

Proc Biol Sci. 2012 Oct 10.

 

Imagens: Luís Azevedo Rodrigues