Émilie du Châtelet

(1706 – 1749)

Por Mitieli Seixas da Silva 

Professora adjunta do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria – Lattes

PDF – Émilie du Châtelet

Émilie du Châtelet nasceu Gabrielle Émilie le Tonnelier de Breteuil no dia 17 de dezembro de 1706 em Paris. Émilie viveu a primeira metade do século das Luzes, conheceu e contribuiu para a aurora do Iluminismo francês. É possível encontrar referências à sua pessoa como Marquesa du Châtelet, título adquirido a partir de seu casamento com o nobre Marquês Florent-Claude du Châtelet-Lomont, ou simplesmente como Madame ou Marquesa du Châtelet. É importante destacar que seu nome pode aparecer nos arquivos como “Chastelet”, com a grafia anterior à reforma ortográfica do século XVIII na qual o “s” é substituído pelo acento circunflexo. Émilie du Châtelet morreu tragicamente com 43 anos no dia 10 de setembro de 1749 em Lunéville, na corte do monarca deposto da Polônia, Rei Stanislas Leszczynski, pai da rainha da França, por consequência de complicações decorrentes no parto de sua quarta filha.  

Madame de Chatelet-Lomont (1706-41), de Maurice Quentin de La Tour

Há alguma controvérsia acerca do tipo de educação recebida pela menina Gabrielle Émilie. Na idade adulta ela lia latim, italiano, inglês e flamengo, era exímia em matemática e geometria, além de ser uma das poucas pessoas na Europa que dominava o cálculo integral (Zinsser, 2007, p. 229). Que estranha conjunção de fatores pode ter permitido a uma filha da nobreza francesa adquirir todas essas habilidades? Até a sua mais nova biografia, escrita por Judith P. Zinsser em 2007, duas hipóteses estavam colocadas: ou bem Émilie teve um mentor intelectual na infância, ou bem ela frequentou um convento. Não há nenhuma evidência para sustentar o primeiro cenário. Por outro lado, há indícios de que, em algum momento, ela tenha frequentado uma casa religiosa. Ainda assim, não é possível afirmar que essa situação tenha perdurado por muito tempo de modo a permitir atribuir sua ampla formação à educação religiosa.  

A insuficiência de elementos para provar quaisquer das possibilidades acima leva a biógrafa a sugerir uma “nova hipótese”: a de que a educação de Émilie tenha simplesmente seguido alguns dos esforços dispensados para educar o filho mais novo do casal Tonnelier de Breteuil. Elisabeth-Théodore, desde o nascimento destinado a seguir uma carreira clerical, foi o único filho educado em casa. A um futuro clérigo era comum reservar uma educação baseada nas humanidades, nas letras, na matemática e na filosofia – exatamente as habilidades apresentadas pela jovem Émilie. Se somarmos essa possibilidade ao acesso livre à biblioteca de seu pai, a qual estava fornida tanto com autores romanos (Virgílio, Cícero, Lucrécio, Horácio), quanto com as novelas de Paul Scarron, as fábulas de La Fontaine, as obras de Racine e Pierre Corneille, entre outros autores clássicos, podemos ter alguma luz acerca do modo como sua mente curiosa foi desenvolvida. 

Se a infância foi marcada pelo estudo, a juventude de Émilie seguiu o curso esperado para uma nobre: quando tinha 18 anos seu casamento foi arranjado por seu pai e seu futuro sogro com o Marquês Florent-Claude du Châtelet-Lomont, um coronel do regimento real já na casa dos trinta anos, que gozava os privilégios de descender de uma das mais antigas linhagens de nobres da região de Lorraine. Dessa união, nasceram três filhos: Gabrielle-Pauline (1726), Florent-Louis (1727) e Victor-Esprit (1733). Seu último filho com o Marquês du Châtelet, contudo, morreu ainda bebê. Sabe-se que os anos que passaram entre o seu casamento e a morte de seu terceiro filho foram anos dedicados à família e, nas suas próprias palavras, “às coisas frívolas” vividas na corte: ao teatro, à ópera e ao jogo.  

 

Obra: temas e conceitos 

O ano de 1733 marca uma importante reviravolta na vida de Émilie, pois ocorrem seu reencontro com Voltaire e sua decisão de dedicar-se novamente ao estudo da natureza, sob a tutela do acadêmico Pierre-Louis Moreau de Maupertuis. Com o mestre, e em seguida com o pupilo Alexis-Claude Clairaut, ela dedicou-se a estudar os fundamentos da filosofia natural: a geometria, a matemática e o cálculo integral. O trabalho árduo nos fundamentos da ciência mostrou-se particularmente útil quando, circa 1736, Émilie começa a interessar-se mais entusiasticamente pelo sistema de mundo newtoniano. Ora, defender esse sistema de mundo significava, entre outros desafios, nem sempre científicos, confrontar a mecânica universal cartesiana, amplamente aceita na França de Du Châtelet.  

Seu reencontro com Voltaire em 1733 é marcado pela mútua admiração. É verdade que eles mantiveram um relacionamento romântico nos primeiros anos de sua amizade. Contudo, é certamente errado reduzir a espécie de cooperação estabelecida entre os dois a este tipo de relacionamento. Por conta do constante perigo enfrentado por Voltaire na Paris de 1735, devido à publicação de suas Cartas Filosóficas em 1734, Madame du Châtelet decide abandonar sua vida “mundana” e ir viver com Voltaire no Château de Cirey, um castelo modesto no campo, de propriedade, e com a anuência, de seu marido. Os anos em Cirey foram de intenso florescimento intelectual e científico para a marquesa e seu entourage, composto por intelectuais, cientistas, damas, nobres, poetas e filósofos. Neste local, Émilie e Voltaire montaram uma biblioteca e um laboratório onde ela escreveu suas Institutions de physique e ele seus Elementos da Filosofia de Newton. A amizade, a admiração e o intercâmbio intelectual com Voltaire duraram até sua morte em 1749. Felizmente, as cartas (não todas) e os escritos de ambos filósofos, recuperados, funcionam como testemunho dessa colaboração.  

A marquesa foi uma mulher do seu tempo e, como tal, era ciente de seu valor. Em uma carta ao Rei Frederico da Prússia, encontramos um registro dessa autoconsciência: 

Eu sou minha própria pessoa e sou a única responsável por mim mesma e por tudo o que sou, o que digo e o que faço. Podem existir metafísicos e filósofos cujo conhecimento seja maior do que o meu. Ocorre que eu ainda não os encontrei. Mas, mesmo eles, são apenas fracos seres humanos com falhas, e quando conto meus talentos, eu penso que posso dizer que não sou inferior a nenhum deles. (Du Châtelet apud Hagengruber2012,1, p. 2, tradução minha) 

 

A tentativa de reconstruir o cânone da história da filosofia a partir da contribuição das filósofas esbarra em inúmeras dificuldades. Dentre elas, contamos dificuldades em localizar os textos, atribuir-lhes autoria e legitimar formas narrativas não convencionais. A obra da Marquesa du Châtelet não é imune a esses obstáculos. Em primeiro lugar, alguns de seus textos foram publicados anonimamente (por exemplo, Dissertação sobre a natureza e a propagação do fogo), outros publicados apenas postumamente (a tradução e o comentário ao Principia do Newton) e outros sequer foram devidamente localizados. Os arquivos Voltaire em São Petersburgo podem trazer novos textos de sua autoria (Hagengruber, 2012,1). Em segundo lugar, como estamos tratando da obra de uma filósofa e cientista cujo trabalho acontecia em e a partir de uma rede de colaboração intelectual, nem sempre é evidente separar o que é o resultado de uma simples fonte de inspiração e o que pode ter sido, de fato, escrito em conjunto. Daí que alguns textos atribuídos a Voltaire, como os Elementos da filosofia de Newton, podem ter a pena da marquesa. De fato, de Sobre a liberdade já sabemos que foi escrito por Du Châtelet. Por fim, Du Châtelet manteve intensa atividade intelectual, documentada através de cartas, poemas e dedicatórias, com um amplo conjunto de personalidades. Além de Voltaire, encontramos cartas trocadas com os mestres Maupertuis, Clairaut e König, com os nobres Duque de Richelieu, Rei Stanislau Leszczynski e o Rei Frederico da Prússia, além de condes, damas e outros acadêmicos. Há registros de todas essas relações. Nessa abundante correspondência, encontramos reflexões sobre o amor, a vida e a morte, sobre a importância da educação das mulheres e, sobretudo, sobre suas descobertas filosóficas e científicas. Por tudo isso, reconhecemos a amplitude de seus interesses, a potência de sua obra e, vai sem dizer, sua relevância filosófica. 

É na metade da década de 1730 que Émilie du Châtelet volta seus olhos para a popularização da filosofia de Newton na França e é nesta época também que podemos localizar seus primeiros escritos filosóficos e científicos. Em 1737, a marquesa submete anonimamente um texto para concorrer ao prêmio da Academia Real de Ciências da França. Sua Dissertação sobre a natureza e a propagação do fogo não vence o prêmio principal, mas é um dos cinco ensaios publicados. Este é o texto que, uma década mais tarde, será comentado por Kant em seu ensaio, também de estreia, Pensamento sobre o verdadeiro valor das forças vivas. Em 1738, o Journal des Sçavans aceita sua resenha do Elementos da filosofia de Newton e uma primeira versão não autorizada e incompleta de seu livro Institutions de Physique aparece em Amsterdam. É provável que Émilie du Châtelet tenha finalizado sua tradução (com modificações importantes) da Fábula das Abelhas de Bernard de Mandeville ainda em 1738 (Gottmann, 2012).  Além disso, data de 1739 o ensaio Sobre a ótica, embora esse manuscrito tenha sido considerado perdido por alguns séculos até ser encontrado nos arquivos da Universidade de Basel em 2006 (Nagel, 2012; Gessell, 2019).  

A aparição de Institutions de physique em 1740 simboliza o ingresso de Émilie du Châtelet no circuito filosófico “das grandes questões”. Esse texto é, por excelência, um tratado sobre os fundamentos da física, o que significava, à sua época, um tratado em filosofia natural. Ele contém, portanto, a exposição e discussão de temas como os princípios do conhecimento humano, a existência de Deus, os elementos da matéria, a natureza dos corpos e de seu movimento. Para discuti-los, são apresentados os conceitos de força, gravitação e atração, bem como são apresentadas e discutidas as teorias de Descartes, Leibniz e Newton. O tratado é, sem dúvida, uma tentativa de popularizar a filosofia de Isaac Newton para o público europeu, em especial, para o público francês. Mas ele é mais do que isso: ao passo em que apresenta a filosofia de Newton, Du Châtelet esforça-se por fornecer-lhe fundamentos filosóficos a partir da filosofia de Leibniz.  

Como testemunha o Prefácio do editor na primeira edição do tratado, o livro estava pronto para publicação em setembro de 1738. Contudo, a pedido da própria autora, o editor teve que cancelar sua impressão. O contato com a filosofia de Leibniz ocorrera através de manuscritos enviados a Voltaire pelo Rei Frederico da Prússia, por volta de 1736 (Iltis, 1977), mas é a partir da estada de Samuel König em Cirey no ano de 1739 que Émilie se vê convicta da filosofia leibniziana. Samuel König foi instruído por Johann Bernoulli em Basel e em 1735 pelo discípulo de Leibniz em Marburg, o famoso filósofo Christian Wolff. A inscrição do princípio de razão suficiente de Leibniz no programa de tornar compreensíveis as ideias de Newton é vista pela historiografia como representando a coroação de seu projeto filosófico deste período: para além de ensinar seu filho lições sobre física, o propósito declarado no Prefácio da obra, Émilie du Châtelet estaria realizando uma tarefa próxima àquela que Descartes havia empreendido um século antes, a saber, a de fundamentar a ciência na metafísica (ver: Iltis, 1977; Hagengruber, 2012,1; Detflesen, 2014). Desse modo, se o propósito de Du Châtelet é, ao menos em parte, equivalente àquele de Descartes, ela compreendia que à explicação dos fenômenos físicos deveria ser acrescentada a elucidação de seu fundamento.  

Assim, o encontro com a filosofia de Leibniz e sua adoção do princípio de razão suficiente representam não apenas a rejeição da mecânica celeste cartesiana, mas, em particular, a rejeição da metafísica cartesiana como fundamento da física (para uma visão diferente ver Detlefsen, 2014). A propósito do papel do princípio de razão suficiente, encontramos:  

As ideias do Sr. Leibniz em metafísica são ainda pouco conhecidas na França, mas elas certamente merecem ser [melhor conhecidas]. Apesar das descobertas desse grande homem, não há dúvida de que restam ainda muitas coisas obscuras em [sua] metafísica; mas, parece-me que com o princípio de razão suficiente, ele forneceu uma bússola capaz de nos guiar através da areia movediça dessa ciência. (Zinsser, 2009, p. 123, tradução minha) 

O impacto de seu Instituitions pode ser medido pelo fato de que em 1741 o secretário da Academia Real de Ciências da França, Jean-Jacques Dortous de Mairan, lhe dedica uma carta resposta. Du Châtelet havia criticado sua posição sobre as forças vivas e, nesta carta, o acadêmico resolve abertamente defender-se. A disputa torna-se pública e rende uma réplica da marquesa. Nesse mesmo ano, Instituitions é publicado em Amsterdam e Londres, e notícias sobre seu livro aparecem em jornais de Florença e Bruxelas. Em 1742 é publicada uma segunda edição revisada e ampliada e sua fama alcança a Alemanha. No ano seguinte, sua obra é traduzida para o alemão e para o italiano. Em 1744, uma nova edição de seu primeiro escrito é publicada em Paris, a qual será comentada na dissertação inaugural de Immanuel Kant dois anos mais tarde, mesmo ano em que Madame du Châtelet é eleita para a Accademia delle Scienze diBologna.  

Já gozando de certa fama, Émilie decide empreender o seu trabalho mais ambicioso: a tradução e o comentário do Philosophiae naturalis principia mathematica de Isaac Newton. Trata-se, até nossos dias, da única tradução completa dos Principia em francês. Émilie termina a tradução em 1745 em Paris, ocupando-se da revisão e do comentário até seus últimos dias de vida. Em uma carta de 13 de abril de 1747 ao matemático franciscano François Jacquier, Émilie escreve: “Eu continuo muito ocupada com o meu Newton. Ele está na prensa. Estou revisando as provas, o que é muito chato, e trabalhando no comentário, o que é muito difícil.” (Zinsser, 2009, p. 254, tradução e grifo meu). Cerca de um ano mais tarde, na corte do Rei Stanislas em Lunéville, Émilie apaixona-se por Saint-Lambert, amor que lhe renderá uma gravidez tardia. Em Paris, já grávida e impondo-se uma rotina de muitas horas de trabalho diário (como descrito na carta a Saint-Lambert de 21 de maio de 1749), Émilie é assistida por Clairaut, a fim de terminar as seções de matemática de seu comentário. Por esse motivo, é somente cerca de três meses antes da data prevista para o parto que Madame du Châtelet cumpre a vontade de seu marido (e de seus amigos mais próximos) e viaja para a corte do Rei Stanislas em Lunéville a fim de preparar-se para o parto de sua quarta filha. Nessa época, como encontramos registrado em uma carta a Madame de Boufflers (3 de abril de 1749, Zinsser, 2009, p. 258), Émilie temia por sua vida e por não conseguir finalizar “o seu Newton”, pois sabia do perigo que seu parto representava. Como sabemos, a história pessoal não termina com um final feliz, pois Madame du Châtelet, de fato, vem a falecer no dia 10 de setembro de 1749 de uma embolia pulmonar, seis dias após dar à luz. Contudo, o “seu Newton” foi finalizado e permanece até hoje como um desafio para todos e todas que querem compreender a história da revolução científica na modernidade. 

A tradução do Principia para a língua francesa tem valor histórico e científico evidente. Mas, o que torna o Newton de Châtelet uma obra que merece ser estudada filosoficamente?  

Para compreender esse ponto, a entrada “Filosofia de Newton ou Newtonismo” da Enciclopédia de Diderot e D’Alembert pode nos ajudar. A Enciclopédia foi um empreendimento monumental levado a cabo graças ao esforço de Denis Diderot e Jean le Rond d’Alembert, compreendendo um total de 35 volumes nos quais se pretendia reunir todo o conhecimento humano. Na entrada citada acima, D’Alembert descreve algumas maneiras pelas quais a expressão filosofia newtoniana pode ser entendida e conclui que na Enciclopédia trata-se de considerá-la na medida em que “o novo sistema que ele [Newton] fundou sobre esses [novos] princípios, e as novas explicações dos fenômenos por ele deduzidas” contribuem para a filosofia (Diderot & D’Alembert, 2015, p. 75). Na sequência, D’Alembert cita algumas obras que tentaram tornar a filosofia de Newton mais acessível e, dentre estas, enumera “o comentário que nos foi deixado pela senhora marquesa du Châtelet, com uma tradução da obra” (Idem, p. 76). Note-se que o Newton de Du Châtelet é citado, em primeiro lugar, pelo valor de seu Comentário e não apenas por ser uma tradução do texto em francês. Ora, se os enciclopedistas dizem que irão tratar a expressão “filosofia de Newton” como sinônimo das contribuições deste cientista para a filosofia na medida em que ele funda um novo sistema a partir de certos princípios, então, podemos ler a contribuição para a filosofia do Comentário de Du Châtelet como uma tentativa de justificar o método que permite a Newton “fundar um novo sistema do mundo a partir de certos princípios”. E como ocorreria essa justificação? Em primeiro lugar, pelo delineamento dos fundamentos desse método. Em segundo lugar, com o próprio sistema de mundo sendo colocado à prova para resolver problemas científicos

A estrutura do Comentário de Émilie du Châtelet parece seguir exatamente esse plano. A primeira parte é dedicada a uma Exposição sumarizada do sistema do mundo, contendo uma Introdução aos avanços científicos em astronomia até Newton, bem como uma exposição do modo através do qual a teoria de Newton explica fenômenos como o movimento dos astros, o avanço e recuo das marés, a órbita dos cometas, o achatamento da Terra nos polos etc. Nessa primeira parte, ao mesmo tempo em que vemos ser descrita, por exemplo, a história dos avanços científicos em astronomia, encontramos as ideias de Du Châtelet acerca da sobrevivência de hipóteses no progresso científico, do papel da matemática e dos primeiros princípios no estabelecimento de algo como ciência, do que conta como verdade etc. (Du Châtelet, 1759. Para uma visão geral consultar o Índice no Tomo II). Por isso, podemos afirmar encontrar em seu Comentário, uma epistemologia ou um discurso sobre o método científico. Além dessa primeira parte dedicada ao público leigo, não versado em matemática, Du Châtelet oferece ainda uma seção intitulada Solução Analítica, na qual enfrenta problemas derivados da teoria newtoniana utilizando uma das técnicas mais sofisticadas da matemática de sua época, a saber, o cálculo integral (Zinsser, 2009; Hermann, 2008). Nessa segunda parte, a filósofa complementa a seu modo a teoria de Newton a partir de demonstrações matemáticas.  

Comentário engendra muitas perguntas filosoficamente relevantes:  

  1. i) Quais são as características dométodo científicopara a filósofa?  
  2. ii) Adécada que separa aInstitutions do Comentário produz mudança em sua concepção de ciência, em especial, no que concerne ao que serve de fundamento para a ciência?  

iii) Por que a marquesa compreende ser necessário oferecer uma prova analítica aos problemas suscitados pelo sistema de mundo newtoniano? Que tipo de papel uma prova como essa pode ter na ciência experimental? 

Após a prematura morte de Émilie, sua última obra ficou por algum tempo esquecida e só foi publicada em 1759, sob a aprovação de Clairaut. Tiveram o mesmo destino os seus Discurso sobre a felicidade (onde figuram reflexões sobre a condição feminina), Sobre a liberdade (primeiramente atribuído a Voltaire), a tradução da Fábula das Abelhas, seu Comentário sobre a Bíblia e quem sabe quantos outros escritos. Em 1778, Voltaire se muda para a Rússia, leva consigo sua biblioteca e, com ela, os escritos de Émilie du Châtelet. Hoje, apenas um estudo sistemático nesses arquivos, bem como nos arquivos de outros filósofos que participavam de seu círculo intelectual, pode garantir uma visão completa de sua obra. Du Châtelet não foi apenas uma tradutora, matemática e cientista, mas, como testemunham seus trabalhos e registros epistolares, uma filósofa. Como espero ter mostrado, seus escritos em filosofia natural despontam como promissores. Por tudo isso, Émilie du Châtelet merece ser estudada pela filosofia. Resta-nos fazer-lhe justiça. 

 

Obras, literatura secundária e outros materiais 

Obras de Émilie du Châtelet 

Algumas obras de Émilie du Châtelet disponíveis online: 

Dissertation sur la nature et la propagation du feu (1752) 

Fac-símile disponível online no Google Books: https://books.google.com.br/books?id=LSQ4TjYQqBIC&hl=pt-BR&pg=PP9#v=onepage&q&f=false  

Institutions de Physique (1740) 

Fac-símile disponível online no site da Gallica (Biblioteca online da Biblioteca Nacional da França): https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k75646k 

Fac-símile disponível online no site Women in Sciencehttp://womeninscience.history.msu.edu/Object/C-46-1/institutions-de-physique-1740–/ 

Institutions physiques (1742)  

Fac-símile disponível online no Google Books: https://books.google.com.br/books?id=Ero1AAAAcAAJ&hl=pt-BR&pg=PP11#v=onepage&q&f=false 

Essai sur l’Optique (Descoberto em 2006) 

Transcrição por equipe do Project Vox: http://projectvox.org/du-chatelet-1706-1749/texts/essai-sur-l%27optique 

Tradução de Bryce Gessel (2019). Project Vox. Durham, NC: Duke University Libraries: http://projectvox.org/wp-content/uploads/2019/04/DuChatelet_Essay-on-Optics.pdf 

Discours sur le bonheur (1779) 

Fac-símile disponível online no site da Gallica:  

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k64858651 

Tradução e comentário dos Princípios de Isaac Newton (1759) 

Fac-símile disponível online no site da Gallica:  

Tomo I: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1040149v 

Tomo II: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1040150h   

Fac-símile disponível online no site Women in Science:  

Tomo I: 

 http://womeninscience.history.msu.edu/Object/C-46-E/principes-mathematiques-de-le-philosophie-naturelle-book-1–/ 

Tomo II: 

http://womeninscience.history.msu.edu/Object/C-46-F/principes-mathematiques-de-le-philosophie-naturelle-book-2–/  

Doutes sur les Religions Révélées Adressées à Voltaire (1792) 

Fac-símile disponível online no site da Gallica: 

 https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k399843  

Seleção e tradução de obras de Émilie du Châtelet para o inglês: 

Du Châtelet, É. (2019). Reason, Illusion and Passion. Philosophical Works. Tradução de Kirk Watson. (Kindle Edition) 

Zinsser, J. (Ed.) (2009) Émilie Du Châtelet: Selected Philosophical and Scientific Writings. Tradução de Isabelle Bour e Judith Zinsser. Chicago: University of Chicago Press.  

Ainda não há tradução das obras de Émilie du Châtelet para o português. 

Literatura secundária sugerida: 

Arianrhod, R. (2012) Seduced by Logic: Émilie du Châtelet, Mary Somerville and the Newtonian Revolution. New York, NY: Oxford University Press. 

Bodanis, D. (2009). Passionate Minds: Émilie du Châtelet, Voltaire, and the Great Love Affair of the Enlightenment. [versão Kindle] 

Brading, K. (2019). Émilie du Châtelet and the Foundations of Physical Science. Routledge Focus. New York and London: Routledge. 

Detlefsen, K. (2018 Winter Edition). “Émilie du Châtelet”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Zalta, E. N. (ed.). Recuperado de:  https://plato.stanford.edu/archives/win2018/entries/emilie-du-chatelet/  

______ (2019). Du Châtelet and Descartes on the Roles of Hypothesis and Metaphysics in Natural Philosophy. In O’Neill, E. Lascano, M. P. (Ed.) Feminist History of Philosophy: The Recovery and Evaluation of Women’s Philosophical Thought. Springer. [E-book Kindle] 

Diderot, D., D’Alembert, J. R. (2015). Enciclopedia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios. Tradução de Pedro Paulo Pimenta e Maria das Graças de Souza. Vol. 3. São Paulo: Editora Unesp. 

Gottmann, F. (2012). Du Châtelet, Voltaire, and the Transformation of Mandeville’s Fable. History of European Ideas 38, No.2: 218-232. 

Hagengruber, R. (Ed.) (2012). Emilie Du Châtelet between Leibniz and Newton. New York: Springer. 

______ (2012,1) Émilie du Châtelet between Leibniz and Newton: The Transformation of Metaphysics. In Hagengruber, R (Ed.) Emilie Du Châtelet between Leibniz and Newton. (pp. 1-60) New York: Springer. 

______ (2019). Emilie du Châtelet und die deutsche AufklärungWiesbaden: Springer VS. 

Herman, C. (2008) La traduction et les commentaires des Principia de Newton par Émilie du Châtelet, Bibnum.  Recuperado de: http://journals.openedition.org/bibnum/722 

Hutton, S. (2012) Between Newton and Leibniz: Émilie du Châtelet and Samuel Clarke. In Hagengruber, R (Ed.) Emilie Du Châtelet between Leibniz and Newton. (pp. 77-96) New York: Springer 

______ (2004) Émilie du Châtelet’s Institutions de physique as a document in the history of French Newtonianism. Studies in history and philosophy of science 35: 515-531. 

Iltis, C. (1977). Madame du Châtelet’s Metaphysics and Mechanics. Studies in history and philosophy of science 8, no. 1:29–48. 

Jorati, J. (2019). Du Châtelet on Freedom, Self-Motion, and Moral Necessity. Journal of the History of Philosophy 57, No. 2:255-280. 

Locqueneux, R. (1995). Les Institutions de physique de Madame du Châtelet ou d’un traité de paix entre Descartes, Leibniz et Newton. Revue du Nord 77, no. 312: 859-892. DOI: https://doi.org/10.3406/rnord.1995.5053 

Lu-Adler, H. (2018) Between Du Châtelet’s Leibniz Exegesis and Kant’s Early Philosophy: A Study of Their Responses to the vis viva Controversy. Logical Analysis & History of Philosophy 21: 177-194. 

Terrall, M. (1995). Emilie du Châtelet and the gendering of science. History of Science 33, no. 3:283–310 

Voltaire (2015). Elementos da Filosofia de Newton. Tradução de Maria das Graças de Souza. 2 ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp.  

Zinsser, J. P. (2014) Émilie du and the Enlightenment’s Querelle des femmes. In Smith, H. L. (Ed.), Challenging Orthodoxiersthe Social and Cultural Worlds of Early Modern Women (pp. 123-146)Burlington, VT: Ashgate Publishing Limited.  

______ (2006). Emilie du Châtelet: Daring Genius of the Enlightenment. New York: Penguin Books.  

______ (2001) Translating Newton’s Principia: The Marquise Du Châtelet’s Revisions and Additions for a French Audience. Notes & Records of The Royal Society 55: 227-245. DOI: 10.1098/rsnr.2001.0140 

______ (1998) Émilie du Châtelet: genius, gender, and intellectual authority. In Smith, H. L. (Ed.), Women writers and the early modern British political tradition (pp. 168-190)Cambridge: Cambridge University Press.  

Waithe, M. E. (1991) A History of Women Philosophers, 1600-1900. Vol. III. Springer Science+Business Media, BV. 

Winter, U. (2012). From Translation to Philosophical Discourse – Émilie du Châtelet’s Commentaries on Newton and Leibniz. In Hagengruber, R. (Ed.) (2012). Emilie Du Châtelet between Leibniz and Newton. (pp. 173-206) New York: Springer. 

Para uma bibliografia completa, consultar:  

Rodrigues, A. (2012). Émilie du Châtelet, a bibliography. In Hagengruber, R. (Ed.) (2012). Emilie Du Châtelet between Leibniz and Newton. (pp. 207-246) New York: Springer. 

 

Outras fontes: 

Archives Émilie du Châtelet:  

https://c18.net/edc/aedc_pages.php?nom=bib_1  

Project VOX, entrada “Émilie du Châtelet”:  

http://projectvox.org/du-chatelet-1706-1749/ 

Women in Science:  

http://womeninscience.history.msu.edu/Biography/C-4A-0/marquise-du-chtelet/  

Projeto “Du Châtelet’s Foundations of Physics” no site History of Women Philosophers and Scientists:  

https://historyofwomenphilosophers.org/project/du-chatelets-foundations-of-physics/ 

Edição colaborativa e crítica online da Enciclopédia de Diderot e D’Alembert: http://enccre.academie-sciences.fr/encyclopedie/  

Entrada “Newtonismo”:  

http://enccre.academie-sciences.fr/encyclopedie/article/v11-495-0/  

“The Voltaire Library” no site da Biblioteca Nacional da Rússia: http://nlr.ru/voltaire?l=eng 

“La Bibliothèque de Voltaire” sitiado na Biblioteca Nacional da França, disponível na Gallica:  

https://gallica.bnf.fr/dossiers/html/dossiers/Voltaire/ 

Informações sobre o Château de Cirey:  

https://www.chateaudecirey.com/  

https://www.visitvoltaire.com/people_in_emilie_life.htm#eighthlink