Roza Egipcíaca

Roza Maria Egipcíaca da Vera Cruz

(1719 – 1771)

 

por Beatriz Santos Lopes, 

estudante de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Lattes

e Ulysses Pinheiro,  professor titular

 do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Lattes

Roza Egipcíaca – PDF

 

Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, denúncia de Maria Thereza de Jesus contra Francisco Gonçalves Lopes e Roza Maria Egipcíaca, Documento 14316, fl. 56v.

Roza Maria Egipcíaca da Vera Cruz, em uma adaptação para o português contemporâneo, ou Roza Maria Egyciaca da Vera Crus, na grafia que ela usava em sua assinatura (há outras variantes de seu nome ao longo do processo; neste verbete, usaremos a forma híbrida Roza Egipcíaca), foi uma mulher escravizada e alforriada, sacerdotisa e autora mística nascida na África e trazida ao Brasil proveniente da Costa da Mina, de onde veio uma grande parcela das pessoas escravizadas para as Américas. Ela viveu entre 1719 e 1771 e passou a maior parte de sua existência na colônia brasileira, morrendo nos cárceres da Inquisição de Lisboa, acusada de cumplicidade em embustes, bruxaria e feitiçaria. Além de redigir o que talvez tenha sido o primeiro livro escrito por uma mulher no Brasil, hoje perdido, Roza Egipcíaca foi uma importante líder espiritual na sociedade colonial setecentista, fundando e dirigindo — oficiosamente — o Recolhimento do Parto, uma instituição ligada à Igreja de Nossa Senhora do Parto, no Rio de Janeiro, destinada a acolher mulheres — sobretudo ex-prostitutas e desvalidas — que quisessem seguir o caminho monástico. Embora o fundador oficial do Recolhimento seja o frei Agostinho de São José, foi de Roza Egipcíaca a iniciativa de criar essa instituição (cf. Processo 9065, fl. 17r), o que é sem dúvida um feito extraordinário para uma mulher que tinha sido até há pouco tempo uma pessoa escravizada. Nem o prédio do Recolhimento nem a Igreja a ele associada continuam de pé hoje em dia, mas eles ocupavam um lugar central na capital, bem perto do Convento de Santo Antônio — esse sim resistiu ao tempo —, no lugar que é atualmente nomeado de Largo da Carioca.

Os feitos e o pensamento de Roza Egipcíaca nos foram legados pelo processo da Inquisição a que foi submetida, contendo um total de seis depoimentos da ré — de onde as informações biográficas aqui expostas foram retiradas. Foram anexados a estes depoimentos, como de praxe, outros documentos: manuscritos doutrinais compostos por ela (escritos de próprio punho ou ditados), sua correspondência, testemunhos e denúncias de pessoas que com ela conviveram e, finalmente, depoimentos de seu principal guia espiritual, o padre português Francisco Gonçalves Lopes — também acusado no mesmo processo inquisitorial.

A exposição do pensamento de Roza Egipcíaca é uma tarefa extremamente complexa, uma vez que sua obra é um arquivo que mal foi aberto. Os processos da Inquisição nos quais encontramos todas as informações a seu respeito foram descobertos pelo antropólogo Luiz Mott na seção destinada aos Documentos do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição de Lisboa) do Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Portugal. Mott publicou, em 1993, um livro baseado nos dados aí colhidos (Mott 1993; 2023). Desde então, o projeto Post Scriptum. Arquivo Digital de Escrita Quotidiana em Portugal e Espanha na Época Moderna fez uma transcrição completa de suas cartas (ver item 2 da bibliografia primária abaixo), mas todos os depoimentos prestados à Inquisição e os demais documentos anexados aos processos encontram-se na forma manuscrita, exigindo um esforço considerável de paleografia (ver item 1 da bibliografia primária abaixo). Sob esse aspecto, o livro de Mott, por não fornecer as referências das passagens dos processos que ele cita ou parafraseia, é de utilidade bastante limitada. Diante do estado ainda incipiente do estabelecimento dos originais, o que resulta na impossibilidade de uma exposição geral de seu pensamento, optamos, neste verbete, por desvelar dois momentos desse amplo território ainda mal mapeado. Em primeiro lugar, tratar-se-á de apresentar o que é talvez o principal tema de seu pensamento, a doutrina dos Sagrados Corações, cujas fontes principais são seus depoimentos à Inquisição e os documentos que ela ditou. Em segundo lugar, será exposta uma dimensão ao mesmo tempo conceitual e pragmática de seus escritos, encontrada nas cartas — a figura da maternidade espiritual, tema que só pode ser compreendido se questões metodológicas relativas à epistolografia de mulheres filósofas, tão importantes na reescrita do cânone, forem levadas em consideração.

 

Vida

 

A vida de Roza Egipcíaca foi tão repleta de aventuras, reviravoltas, vitórias e derrotas dramáticas que pode quase nos levar a colocar em segundo plano seu pensamento. Contra essa tentação, por um lado, deve-se admitir que vida e obra são particularmente indiscerníveis em seu caso, mas, por outro lado, não se pode eclipsar suas ideias sob o relato dos fatos que compuseram sua existência excepcional. Seu caso, no entanto, impõe um desafio metodológico suplementar, pois deve-se levar em conta que boa parte de sua doutrina foi exposta sob a forma oral, nos autos de um processo, e que essa exposição foi mediada justamente por aqueles que se encarregaram de julgá-la, o corpo eclesiástico da Inquisição. Por razões óbvias, esses últimos não assinalavam quais dos depoimentos por eles registrados tinham sido obtidos sob tortura.

Roza Egipcíaca não deu muitas informações sobre sua terra natal, da qual não deveria ter muitas lembranças, já que foi raptada da África ainda muito nova. Sabemos que era de nação courá (ou courana), natural da Costa de Uidá (ou Ajudá), atual Benin (cf. Processo 9065, fl. 3r), e que, após sobreviver aos desafios da travessia oceânica, chegou ao Rio de Janeiro em 1725, tendo então, segundo afirma em um depoimento, seis anos de idade. Na capital da colônia, foi comprada e lhe foi imposto o cognome de Roza — por questões protocolares relacionadas à compra e venda de escravos, eles eram obrigados a trocar de nome, sendo então batizados pela religião católica. Oito anos depois, em 1733, quando tinha 14 anos, seu proprietário, José de Souza de Azevedo, que a havia violentado e maltratado durante o tempo em que foi seu senhor, a revendeu a Anna Garcês de Moraes, de Minas Gerais, moradora na região do Inficionado, ao norte da cidade de Mariana. Como era comum entre mulheres escravizadas naquela área habitada por trabalhadores das minas, passou a se prostituir. Por volta dos 29 anos, em 1748, começou a sofrer de uma série de convulsões, acompanhadas por visões; buscando uma cura, submeteu-se a exorcismos constantes, realizados por padres da região, especialmente pelo padre Francisco Gonçalves Lopes — que não demorou para tornar-se seu confessor e aliado.

Nessa mesma época, atormentada pelo espírito que se identificou algumas vezes como Lúcifer, foi interrogada pelo vigário da comarca do Rio das Mortes, sendo encaminhada em seguida ao bispo da região, que a mandou prender. Ao cair nas mãos da justiça secular, foi açoitada publicamente por ordem do Juiz de Fora da cidade de Mariana. Algum tempo depois, conseguiu comprar sua alforria, dando em troca de sua liberdade um escravo adquirido com as esmolas recolhidas pelo padre Lopes e por Pedro Rodrigues Arvellos, um amigo que mais tarde seria um de seus denunciantes à Inquisição. Uma vez livre, dirigiu-se então, juntamente com o primeiro, para a capital da colônia, a cidade do Rio de Janeiro, aí chegando em 1752. Foi durante essa viagem que, como informa no depoimento prestado à Inquisição lisboeta, ouviu uma voz que lhe ordenou que aprendesse a ler e a escrever para que pudesse compor um livro. Já estabelecida no Rio de Janeiro, enquanto comungava em uma igreja no ano de 1756, ouviu “no interior” uma voz transmitindo-lhe uma vez mais a mesma ordem. Seu novo confessor na cidade, frei Agostinho de São José, a aconselhou a obedecer a essa instrução, tornando-se ele mesmo seu mestre na alfabetização, processo que durou um ano e meio (cf. Processo 9065, fl. 16r; ver também, no mesmo processo, fl. 8v). A voz lhe dá até mesmo, nessa ocasião, o título da futura obra: Sagrada teologia do amor de Deus da luz brilhante das almas peregrinas (Processo 9065, fl. 16r) — no depoimento dado no Rio de Janeiro, o título do livro é mais curto: Sagrada teologia do amor divino (cf. Processo 9065, fl. 73r). Foi também uma voz, que ela identifica com a do Cristo crucificado, que, em outro momento, a batizou com seu nome autoral; de fato, às vésperas da viagem para a capital, ela recebe o seguinte batismo, pronunciado, segundo ela afirma, pelo próprio Filho de Deus: “Roza Maria Egypciaca da Vera Crus é teu nome, segue-me” (Processo 9065, fl. 14 r). Notemos que seu nome engloba, como um de seus componentes, o nome de Santa Maria Egipcíaca (c.344-c.421), conhecida por ter vivido como prostituta durante sua estada na cidade de Alexandria.

No depoimento prestado à comissão instaurada pelo bispado do Rio de Janeiro, motivada por uma denúncia de heresia que vai culminar no processo da Inquisição, ela informou que, uma vez completo, o livro tinha mais de meia resma de papel (ou seja, cerca de 250 páginas manuscritas), “explicando a doutrina cristã e dando avisos para a salvação do homem e outras coisas mais que lhe não lembra, porém o especial assunto era a vinda daqueles corações de Jesus, Maria, José, Santa Ana e São Joaquim, e tudo quanto escrevia lhe dizia uma voz no entendimento”. Acrescentou ainda que “algumas vezes lhe sucedeu escrever estando sem sentidos, como fora de si” (Processo 9065, fl. 69v; fl. 73r-73v). Embora haja poucas informações sobre a estrutura e o conteúdo do livro de Roza Egipcíaca, as passagens em que ele é mencionado, nos depoimentos aos representantes da Inquisição no Rio de Janeiro e à corte inquisicional em Lisboa, são consistentes entre si. Ainda que breves, as referências ao livro são importantes, pois Roza Egipcíaca o menciona espontaneamente nessas duas vezes, sempre associando-o à voz “em seu entendimento” e dando-lhe o mesmo título (com pequenas variantes).

O livro foi conservado durante algum tempo por seu novo confessor e guia espiritual no Rio de Janeiro, frei Agostinho, que, mais tarde, o queimou (cf. Processo 9065, fl. 73v). Não é preciso assinalar como o destino final do que é possivelmente o primeiro livro escrito por uma mulher no Brasil é significativo, pois ele foi destruído por um homem branco pertencente à estrutura eclesiástica — antecipando-se, assim, à Inquisição. Mesmo que tenha sido provavelmente movido pelo impulso de proteger Roza Egipcíaca da acusação de heresia, destruindo as evidências contra ela, tal gesto de seu novo confessor e guia espiritual inscreve-se de modo exemplar nos procedimentos gerais destinados ao silenciamento das mulheres negras na colônia.

Não fora essa, aliás, a primeira vez que a Igreja católica destruiu seus textos. Em 1762, Jozeph Pereira, amigo e correspondente dos réus, morador do Rio das Mortes e dono de minas e escravos na região, indica, em um depoimento escrito dirigido ao Tribunal do Santo Ofício, que soube, através de sua troca epistolar com Roza Egipcíaca e com o padre Lopes, que o Recolhimento do Parto passara por uma crise no tempo da doença que acometeu frei Agostinho, no ano de 1758. Um religioso do Convento de Santo Antônio, aproveitando-se da ausência do protetor de Roza Egipcíaca, promoveu uma intervenção na instituição, afastando-a do seu comando e proibindo-a de habitar no prédio. O interventor examinou “o modo de viver e os exercícios das Recolhidas” (Processo 2091, fl. 119r) e determinou que os escritos de Roza Egipcíaca fossem todos queimados. Assim que foi restabelecida sua posição no Recolhimento, ela passou a reescrever “as mesmas matérias que se haviam queimado” (idem, ibidem).

Roza Egipcíaca pode então voltar a sua rotina na cidade: o périplo pelas missas e devoções nas igrejas, a educação mística das Recolhidas (composta de várias cerimônias religiosas oficiadas por ela e de exercícios espirituais severos), a composição de versos a serem distribuídos entre os devotos, e de seus escritos místicos, dotados de um caráter esotérico. Perto de sua denúncia, alarmou parte do Rio de Janeiro com suas previsões apocalípticas, segundo as quais os rios e mares transbordariam e aniquilariam as Minas Gerais e a capital da colônia, como castigo pelo abandono das virtudes cristãs tanto por parte de seus moradores quanto dos habitantes da metrópole europeia. Como parte dessa profecia, estava estabelecido que o Recolhimento do Parto seria o único lugar a ser poupado pelo dilúvio que destruiria a cidade: ele se transformaria em uma espécie de Arca da Redenção que levaria Roza Egipcíaca e suas discípulas ao encontro de dom Sebastião de Portugal. Um matrimônio místico realizado no oceano Atlântico daria início a uma humanidade regenerada (Processo 2901, fl. 131r, 132r 138r.).

Após o primeiro depoimento prestado aos representantes da Inquisição no Rio de Janeiro, em 1762, ela e seu primeiro confessor e guia espiritual, o padre Lopes, foram embarcados para Lisboa, em 1763, onde permaneceram presos no Paço dos Estaus; Roza Egipcíaca tinha então 44 anos (cf. Processo 9065, fl. 3r). Enquanto o padre Lopes foi condenado, degredado e, alguns anos depois, perdoado, tendo seu processo percorrido de forma completa todo o longo percurso burocrático próprio da Inquisição, o processo de Roza Egipcíaca permaneceu inconcluso. Ela morreu na prisão em 1771 — seu corpo foi encontrado já sem vida na cozinha dos Estaus, seis anos após seu último depoimento. Ela tinha por volta de 52 anos (cf. Documento 18078 anexado ao processo da Inquisição).

Obra: temas e conceitos

Como assinalamos acima, optamos, neste verbete, por expor apenas dois tópicos do pensamento de Roza Egipcíaca, esperando estimular a/os pesquisadora/es a se voltar para a vastidão dos documentos ainda a serem mapeados e comentados. Os dois temas escolhidos por nós foram a doutrina dos Sagrados Corações e a figura da maternidade espiritual.

 

  1. “Como um incêndio em meu peito”: A querela do puro amor

 

Uma das doutrinas teológicas mais importantes de Roza Egipcíaca, e aquela na qual sua contribuição original foi talvez mais visível, articula-se em torno das visões dos Sagrados Corações de Jesus e de sua santa família. Nos processos da Inquisição, ela afirma que teve a primeira visão já adulta, ainda quando habitava Minas Gerais (cf. Processo 9065, fl. 65 r), sendo, em seguida, reportados vários outros episódios da mesma natureza. A doutrina do Sagrado Coração, de origem medieval, faz parte da lenta construção de uma certa ideia de subjetividade que se tornará central a partir de fins do século XVII, na qual a noção de vida interior passa a adquirir o sentido que lhe damos hoje. Essa concepção de interioridade mediada pela figura do Coração de Jesus encontra na Vida de Santa Margarida Maria Alacoque, monja da Visitação de Paray-le-Monial, seu momento fundador na modernidade. A partir de 1675, quando teve uma visão de Jesus com o peito aberto e o dedo apontando seu coração (seguida de outros transportes místicos), seu diretor espiritual, o padre de la Colombière, ordenou-lhe que escrevesse as experiências envolvendo a aparição do Coração do Cristo, atividade a que se dedica até sua morte, em 1690. Esse conjunto autobiográfico de textos será rapidamente disseminado pela Europa e pela América — e a rapidez de sua disseminação indica que ele articulava conceitualmente uma ideia já bastante difundida na época, embora faltasse-lhe até então justamente uma síntese unificadora. No interior da Igreja católica, foram principalmente os jesuítas e os franciscanos que adotaram a nova expressão teológica do Sagrado Coração de Jesus. Lembremos que o confessor e guia espiritual de Roza Egipcíaca no Rio de Janeiro, frei Agostinho, era franciscano.

Com suas visões, Roza Egipcíaca insere-se nessa tradição, especialmente na medida em que ela se manifesta na querela em torno do puro amor a Deus, formulada sobretudo por mulheres místicas cristãs no contexto da Contrarreforma (por exemplo, Madame Guyon, Santa Teresa d’Ávila e a própria Santa Margarida Maria Alacoque). A essa lista de mulheres vêm se juntar ao debate muitos filósofos e teólogos, como São João da Cruz, Fénelon, Bossuet e Leibniz. Segundo algumas doutrinas teológicas do século XVII a respeito da querela do puro amor, a experiência mística de união com Deus, pensada como modelo ideal da relação das pessoas em geral com a Pessoa divina era tomada como uma forma de amor totalmente desinteressado — a tal ponto que, no limite, o amor se confundiria com a indiferença em relação à própria salvação pessoal e com o aniquilamento da individualidade diante da majestade de Deus. Esse movimento místico foi caracterizado por muitos, dentre eles Leibniz, como uma forma radical de entusiasmo quietista, sendo muitas vezes censurado pelo próprio Vaticano. No caso dos poderes teológico-políticos da colônia, pode-se perceber claramente de que forma esse indiferentismo radical ameaçava anular o reconhecimento devido a suas instituições locais.

A doutrina dos Sagrados Corações está muitas vezes, como ocorre no pensamento de Roza Egipcíaca, ligada intimamente à exaltação do puro amor a Deus. Como ocorre com grande parte da cultura contrarreformista, a expressão dessa doutrina exprime-se através de uma forte presença de elementos visuais — e, no caso dos Sagrados Corações, de elementos barrocos fortemente impregnados por uma representação carnal da divindade, aproximando-se mesmo de um caráter monstruoso, no qual um coração sangrando destacado do resto do corpo toma o lugar do próprio Deus. De fato, para a experiência mística do século XVII, o retorno reflexivo a si enfatiza o nada interior por seu contraste com o espetáculo visual barroco da manifestação exterior da glória de Deus — notemos que o movimento do Sagrado Coração tem uma forte inspiração no Evangelho de João. É assim que, em uma carta ao padre Croiset escrita um ano antes de sua morte, Santa Margarida descreve da seguinte forma uma de suas visões: “Eu vi o divino Coração como em um trono de chamas, mais brilhante que o sol e transparente como cristal” (apud Morgan, 2008, p. 9).

As visões místicas de Roza Egipcíaca também associavam o papel que o esplendor visual da divindade desempenhava na aniquilação de sua própria individualidade, abrindo seu interior para a consciência absoluta do Nada. Uma de suas visões mais complexas, ocorrida no ano de 1754, é assim transcrita pelo secretário da Mesa de Consciência:

viu o nicho em que estava Nossa Senhora coberto como com espelho, mas muito luzido e claro, trêmulo assim como de águas cristalinas quando nelas reverbera o sol, e, no meio disto, viu três corações, um cercado com uma coisa verde como coroa de espinhos e, em cima, uma chama como que lançava fogo, no meio da qual estava uma cruz pequena; e do lado direito deste coração estava outro, atravessado com uma espada, que o passava de parte a parte, e, ao lado esquerdo, outro também traspassado com uma flor, e todos estes corações eram de cor sanguínea e se moviam juntos com a mesma ordem dentro daquele cristal onde estiveram. (Processo 9065, fl. 71)

A essas visões correspondia um movimento interior de aniquilamento; assim, em uma carta a Maria Thereza de Jesus, datada de 13 de março de 1759, Roza Egipcíaca resume da seguinte forma o cerne da doutrina do Recolhimento: tratava-se de ensinar as internas “a humilhar-se aos pés de todas as criaturas [….] porque nesta virtude é que consiste a verdadeira vida espiritual, no conhecimento próprio de quem Deus é e de quem é a criatura. Deus, tudo, a criatura, nada” (Processo 14316, fl. 57r-v). Essa junção imediata entre a maior elevação e a maior humilhação, típica tanto da teologia paulina quanto da franciscana e da jesuítica, mostra que o amor puro a Deus consiste na conquista de uma consciência aguda da indiferença radical em relação a todas as coisas, inclusive — e talvez principalmente — a si mesma. Até o prazer envolvido na entrega mística a Deus não se distingue de um “esquecimento estático de si”, levando o sujeito “na direção de uma subjetividade sem desejo”, nas palavras do filósofo belga Paul Moyaert (2000, p. 272). Como escreve Teresa d’Ávila: “A sede é tão insuportável e severa que não existe nenhuma água que possa saciá-la. E ela não quer saciá-la […]” (Teresa d’Ávila, 1588, Capítulo 11, § 5). Da mesma forma, Roza Egipcíaca, em seu percurso místico, entroniza o próprio vazio do seu ser como objeto de contemplação devocional — no século XX Simone Weil, entre outras, repetirá em parte esse mesmo movimento em que a autorreflexão conduz à “descriação” (Weil, 2020; Nogueira, 2019).

A essa nulificação, vivida como experiência própria da interioridade, vem se somar, de maneira paradoxal, o movimento inverso: Roza Egipcíaca deixa de ser o receptáculo passivo das visões e profecias para passar a fazer parte de seu conteúdo, assumindo o centro de suas narrativas escatológicas. De fato, a partir de um certo momento, Roza Egipcíaca relata ter visões que incluem a presença simultânea de seis Sagrados Corações (Processo do Rio, fl. 71v). À voz que, no seu entendimento, lhe nomeava os corações, ela perguntou, em uma dessas ocasiões, a quem pertencia o sexto, já que os outros cinco pertenciam a Jesus, Maria, José, Ana e Joaquim — ao que a voz lhe disse que se “não importasse o saber de quem era, porque podia ser ou do Papa, ou de El Rei, ou do seu confessor Frei Agostinho, ou dela depoente” (Processo do Rio, fl. 71v-72r). Deve-se notar como Roza Egipcíaca se inclui entre três outras possibilidades de identificação com o sexto coração, todas elas homens representantes do poder teológico-político.

Esse signo visual peculiar é associado a uma prática ritual da qual só temos fontes indiretas: nas acusações feitas por residentes do Recolhimento à Inquisição, foi relatado que Roza Egipcíaca entrava em transe com músicas percussivas diante do altar, ocasiões em que frequentemente repetia a frase “Eu sou Deus”. Também é dito por outros depoentes, o que é confirmado por alguns de seus próprios depoimentos e cartas, que Roza Egipcíaca alegava ter ido mais de uma vez ao Inferno, ser a intercessora privilegiada para resgatar as almas pecadoras do Purgatório, ter morrido e voltado à vida e ser a esposa e a mãe de Deus (ver, por exemplo, Processo 9065, fl. 95r-96v). Uma tal autoposição salvífica parece contrastar com a dimensão contemplativa que Roza Egipcíaca partilha com as outras místicas aqui mencionadas.

A conciliação entre essas duas tendências é mediada, no caso de Roza Egipcíaca, pelo caráter situado de seu pensamento no contexto colonial. De um modo mais geral, entre os adeptos da tendência contemplativa da qual ela também faz parte, o desejo de nada desejar coincide com a contemplação do puro ser de Deus, como ocorre, por exemplo, com as santas místicas do século XVII ou com Weil. De modo similar, mas indo um (grande) passo além, a identificação de Roza Egipcíaca, relatada por ela mesma, como sendo o próprio Deus, longe de indicar uma espécie de delírio de grandeza é, na verdade, a chave da inversão mística pela qual o máximo de impotência transforma-se imediatamente no máximo de potência. Em particular, a inversão dos signos masculinos do poder imperial e eclesiástico anunciada pela sua inclusão na lista dos candidatos a ocupar o objeto significado pelo sexto coração é uma peculiaridade de seu pensamento que deve ser compreendida a partir de sua condição de escravizada liberta. Ao assumir a posição de escrava do Senhor Deus, Roza Egipcíaca penetra no interior do sistema teológico-político da colônia para questioná-lo por dentro, podendo então enunciar, entre outras coisas, suas previsões apocalípticas. Se ela dizia ser Deus, é na medida mesma em que, reduzindo a nada o seu próprio ser, nada além de Deus resta como ser — e, se ela pode dizer “eu” e atribuir-se uma existência, esse seu ser só pode ser estranho a si mesma, isto é, só pode ser o próprio ser de Deus. O sexto coração simboliza, assim, a completa separação de si, ou uma visão de si mesma como um outro. O Deus que se manifesta aí, porém, é o Deus do Antigo Testamento, o que dizimou a humanidade salvando Noé e sua Arca. Nesse sentido, o espetáculo visual barroco mostra a plenitude do ser absoluto contemplando-se a si mesmo ao punir a humanidade pecaminosa. Nesse estado de êxtase, Roza Egipcíaca era a escravizada que fora promovida a juiz do mundo e a sua nova Eva. Em suas próprias palavras diante do tribunal da Inquisição, durante o tempo em que se encontrava arrebatada por essa exaltação mística, ela sentia “como um incêndio em seu peito” (Processo 9065, fl. 76v).

Esse movimento pendular do pensamento de Roza Egipcíaca, cindido entre duas tendências contrárias, terá um desdobramento na próxima seção deste verbete, agora no contexto de sua troca epistolar.

 

  1. Autossantificação epistolar

 

O conjunto epistolar referente a Roza Egipcíaca a que temos acesso está disponível através da “Denúncia de Maria Thereza de Jesus contra Francisco Gonçalves Lopes e Roza Maria Egiciaca” (ver abaixo o item 4 da bibliografia primária). Maria Thereza de Jesus, esposa de Pedro Rodrigues Arvellos, amigo e posteriormente filho espiritual e compadre de Roza Egipcíaca, entregou para a Inquisição um total de 56 cartas: 25 cartas de Roza Egipcíaca para a família Arvellos, em um período que vai de 1752 até 1762; 23 cartas do padre Francisco Gonçalves Lopes para Pedro Rodrigues Arvellos; e 8 cartas das filhas do casal, sendo 4 cartas de Faustina Maria do Coração de Santa Anna e 4 cartas de Maria Jacinta dos Anjos, quando estavam morando no Recolhimento do Parto sob os cuidados de Roza Egipcíaca. Além dessas, ainda existem outras duas cartas de Roza Egipcíaca anexadas no Processo 9065, uma para o padre Francisco Gonçalves Lopes e uma para Maria Thereza de Jesus, ambas sem datação.

O conteúdo das cartas enviadas por Roza Egipcíaca pode ser resumido em orações e petições, fazendo uso das palavras empregadas por ela em uma de suas missivas (cf. Processo 14316, fl. 55r). De fato, ao longo do corpo das cartas, há uma série de orações para a família Arvellos e outros de seus conhecidos, algumas profecias — seguidas de conselhos e pedidos de certas práticas religiosas estipuladas pela autora para evitar ou fortificar suas profecias — e pedidos espirituais e materiais — na sua maioria, esmolas para a melhoria de altares de santos.

Na leitura do conjunto da correspondência, é possível constatar uma série de transformações textuais que paulatinamente afetam as saudações, as despedidas e as formas de tratamento dirigidas por Roza Egipcíaca ao casal Pedro Rodrigues Arvellos e Maria Thereza de Jesus. Um exemplo notável é a escolha dos termos usados pela autora na despedida de suas cartas, que deixa de assinar como escrava (Processo 14316, fl. 15v, 35r, 41v, 43v, 45v, 47v, 48v, 55r, 62v, 65v, 69v) e passa a usar o termo mãe (Processo 14316, fl. 5v, 15v, 32v, 33v, 52v, 57v, 64v, 67v). De fato, do dia 28 de setembro de 1758 em diante, Roza Egipcíaca torna-se mãe à medida que o reconhecimento de suas filhas no Recolhimento do Parto passa a ser intensificado; essa e outras mudanças podem ser enxergadas também como o reflexo direto de transições progressivas em seu estilo literário e retórico — e o estilo, pode-se supor, está intimamente ligado ao significado das doutrinas que são formuladas em seu registro.

A mudança das figuras, ambas usadas no cristianismo, de serva a mãe, aparece pela primeira vez na carta para Pedro Rodrigues Arvellos, em 23 de janeiro de 1758, quando ela se refere a suas filhas: “Consagrando-se ela filha minha de todo o coração, é certíssimo ser filhas deles [Sagrados Corações]. Não só ela, mas de todas que com verdade disserem, sem desprezo nem escárnio: ‘Eu sou filha de Roza’.” (Processo 14316, fl. 68v). Posteriormente, na missiva enviada a Maria Thereza de Jesus, em 27 de setembro de 1758, Roza Egipcíaca agradece sua carta de alforria: “Sobretudo, agradeço a VMs muito e muito o mandar-me a carta da minha liberdade. Não porque eu queira ser liberta, porque sempre me conto no número dos meus parceiros e quero que VMs também me conte.” (Processo 14316, fl. 42r). Após esse evento, ela passa a se despedir como mãe nas demais correspondências destinadas ao casal Arvellos (cf. Processo 14316, fl. 13r-15v) e a tratá-los como filhos e compadre-comadre. Há, pois, um progressivo afastamento do lugar de serva depois da posse da carta de alforria, dando lugar para a função de “mãe e mestra”, como era chamada por suas filhas. As relações entre maternidade, liberdade e poder estão aí entrelaçadas. Percebemos que, de serva do Menino Jesus da Porciúncula (cf. Processo 14316, fl. 54r) (esse topônimo, pertencente ao vocabulário franciscano, designa o lugar da morte de São Francisco de Assis e do nascimento do franciscanismo), Roza Egipcíaca passa a ocupar uma função análoga à de Maria, abençoando seus filhos a partir de sua autoridade matriarcal e prometendo a proteção e o amor dos Sagrados Corações para todos os que aceitassem a chamar de mãe. Como a narração do que ocorria no Recolhimento do Parto é visivelmente cautelosa nos interrogatórios da Inquisição, é a partir da correspondência que podemos observar sua relação com seus filhos espirituais em um cenário mais íntimo. O ethos dessa comunidade singular — e sobretudo feminina — encontra nas cartas sua imagem mais fidedigna.

Conhecemos parte dos eventos que aconteciam no Recolhimento do Parto graças às descrições que aparecem em segundo plano na comunicação de Roza Egipcíaca e de duas de suas seguidoras, Faustina Maria do Coração de Santa Anna e Maria Jacinta dos Anjos, com os Arvellos. Algumas passagens revelam experiências místicas (Processo 14316, fl. 104v), lutas contra demônios (Processo 14316, fl. 43v) e diversas vezes são relatados objetos e alimentos que eram doados e comprados com o dinheiro recebido pelo casal e por terceiros. As cartas de suas seguidoras comprovam a santificação e adoração expostas nas narrações da mãe e mestra, que passa a se comportar dessa forma não só na sua rotina no Rio de Janeiro, mas igualmente em sua escrita. Sua maternidade deixa de ser uma função dirigida exclusivamente a suas seguidoras e passa a atingir todas as outras pessoas que entram em contato com sua palavra escrita ou falada. Faustina Maria do Coração de Santa Anna afirma: “Maria Santíssima se apelida mãe da divina justiça, que já não é mãe de misericórdia. E só Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz é mãe compassiva de todos os filhos de Adão” (Processo 14316, fl. 9v).

Assim, em uma carta de Maria Jacinta dos Anjos, a aceitação da maternidade de Roza Egipcíaca por meio de sua irmã, Faustina Maria do Coração de Santa Ana, é declarada como um parto: “E, também, dando-lhe os parabéns do bom parto e feliz sucesso que teve minha mãe e mestra com a sua nova convertida, que é a irmã Faustina” (Processo 14316, fl. 103r). Lembremos que Nossa Senhora do Parto, a cuja igreja está associado o Recolhimento, é invocada pelas mulheres durante sua gravidez ou na hora de dar a criança à luz. Esse processo de transição e gestação está presente na correspondência e também está conectado aos Sagrados Corações: a maternidade de Roza Egipcíaca é mais um traço na genealogia que envolve Jesus, seus pais Maria e José, seus avós maternos Joaquim e Ana, podendo retroceder até os pais de Ana, por meio de Santa Emerenciana e São Estolano, e avançar por meio de seus filhos espirituais, formando uma comunidade espiritual divina e terrena. A multiplicação dos Corações sob a forma de uma família divina é algo que não está presente em Santa Margarida Alacoque, embora os nomes dos pais e avós de Jesus apareçam em seus desenhos.

Como vimos acima, a própria Roza Egipcíaca se viu por vezes representada a si mesma por um dos Corações. Esse movimento de autossantificação iniciou-se quando ela passou a se relacionar mais intimamente com os santos, em uma configuração familiar na qual todo poder a que ela tinha acesso servia para ser partilhado com suas filhas e filhos. Essa ascensão santificadora não é dada postumamente, como lemos em algumas hagiografias, mas em vida, sendo, além do mais, autoatribuída. Os frutos dessa relação espiritual também eram recebidos em vida. Muitas filhas pareciam obter a posse de uma das figuras dos seus Sagrados Corações no momento em que aceitavam a conversão aos dogmas de Roza Egipcíaca: assim, lemos na correspondência que algumas de suas filhas são nomeadas como Faustina Maria do Coração de Santa Ana (cf. Processo 14316, fl. 8r), Maria Roza do Coração de São José, Ana do Santíssimo Coração de Jesus, Ana do Santíssimo Coração de Maria, etc. (cf. Processo 14316, fl. 52v). É, pois, através da mediação da maternidade que Roza Egipcíaca passa a ser adorada e cultuada por suas seguidoras internadas no Recolhimento e pelos demais discípulos espirituais, como o casal Arvellos. Esse percurso pode ser observado, no interior da correspondência, tanto no vínculo que ela propôs para os Arvellos quanto nos relatos de suas seguidoras e filhas, os quais comprovam que, por meio de sua própria palavra, falada e escrita, Roza Egipcíaca enunciava seus poderes como sendo passíveis de serem concretizados apenas naqueles que aceitavam fazer parte de sua genealogia espiritual.

As cartas, que foram trocadas de forma tão afetiva por tantos anos e que se tornaram instrumentos de violência durante o processo inquisicional, são, portanto, o principal registro no qual podemos vislumbrar outra representação de Roza Egipcíaca, enquanto mãe e mestra, especialmente presente em suas várias profecias apocalípticas. Segundo essas últimas, como também já mencionamos anteriormente, um apocalipse destruiria o solo colonial do Rio de Janeiro e de Minas Gerais:

 

Esse dilúvio há de vir dar o mar derrubando todos esses montes e unir-se com esse mar salgado que vês defronte do palácio e que todos os mais rios se hão de soltar e o mar há de sair fora de seus limites ficando toda a cidade dentro das suas entranhas. [….] O encoberto está para se descobrir. (Processo 9065, fl. 84. r)

 

Ora, ao se apresentar, no interior da própria profecia, como mediadora da salvação, a maternidade religiosa de Roza Egipcíaca constituiu uma reversão dos fundamentos patriarcais do profetismo português, o qual, na constituição de sua identidade imperial, sempre foi povoado por profecias masculinas, tais como as de Antônio Vieira e as que versam sobre d. Sebastião. Essa reversão de gênero se dá, pois, tanto no aspecto da autoria, que é reivindicada por uma mulher negra e ex-escravizada, quanto no conteúdo da narrativa profética, que não tem mais como protagonista do mito da refundação um homem. Embora o Cristo e d. Sebastião sejam personagens míticos das profecias de Roza Egipcíaca, é ela quem realiza a mediação salvífica entre os habitantes da colônia e esse estado da humanidade regenerada, constituindo assim um verdadeiro matriarcado. Ao centrar sua pregação e suas profecias em torno da maternidade espiritual, ela fornece as bases para uma reconfiguração político-metafísica da identidade dos oprimidos em solo colonial, na medida em que os valores associados às categorias predominantes de gênero, de raça e de classe social são literalmente revirados em direção às diferenças minoritárias. É uma representante dessas minorias que reivindicava o comando espiritual de sua comunidade.

Para ilustrar o modo como a maternidade insere-se em seu pensamento, encerramos este verbete com o trecho de uma carta enviada por Roza Egipcíaca para Pedro Rodrigues Arvellos, missiva em que a autora se proclama como mãe do destinatário, explica de que forma recebeu o dom de sua maternidade e afirma que esse chamado veio, não de sua vontade, mas de Jesus Cristo — de quem, notemos, ela afirma ter obtido diretamente essa graça, no contexto de um diálogo presencial:

[Jesus Cristo] me promete que, pelos merecimentos de suas santíssimas chagas, que o há de Ele tomar por filho seu. E perguntando-lhe eu se antes disso todos não eram seus filhos, respondeu-me que sim, mas que pecados que exercitavam nos corações ficavam longe desta graça e desmerecedores de sua amizade. E que aqueles que, contritos e arrependidos, sem fingimento, me procurassem a mim por mãe, que prometia fazê-los bem aventurados na glória do seu coração. E, desde esta hora que me fez esta promessa para cá, é tal o fervor e impulso que sente o meu coração e desejo ardente de ir por esse mundo todo que me tomassem por mãe. E contritos e arrependidos viessem comigo, que eu lhes prometia da parte do mesmo Deus fazer com eles uma eterna [a]liança do amor de Jesus, Maria, José, Joaquim e Ana, para assim todos lhe formarmos uma coroa de glória acidental, unida aos seus sacratíssimos merecimentos, toda matizada com o infinito preço do seu precioso sangue, para que oferecido nas mãos da Virgem sacratíssima e ela oferecendo-a ao seu amantíssimo filho e ele oferecendo-a ao eterno pai por nós. Mas, como isto não posso fazer, fica-me só o desejo que lhe ofereço todas as horas por mim e por todos. (Processo 14316, fl. 13r)

 

Referências Bibliográficas

Obras:

Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Documentos do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa. Processos 2901, 9065, 18078, 14316. Recuperado de:

https://digitarq.arquivos.pt/results?t=PROCESSO+DE+ROZA+MARIA+EGIPC%C3%8DACA

 

Apresentamos a seguir a lista dos documentos disponíveis neste endereço eletrônico:

1- Processo 2901 de Francisco Gonçalves Lopes e Roza Egipcíaca

Código de referência: PT/TT/TSO-IL/028/02901

Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 200 fl.

2- Processo 9065 de Roza Maria Egipcíaca

Código de referência: PT/TT/TSO-IL/028/09065

Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 130 fl.

3- Documento 18078, Minuta da certidão da fé de notários e auto de falecimento da ré Roza Maria Egipcíaca

Código de referência: PT/TT/TSO-IL/028/18078

Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 2 fl.

4- Documento 14316, denúncia de Maria Thereza de Jesus contra Francisco Gonçalves Lopes e Roza Maria Egipcíaca (encontramos aí a correspondência de Roza Egipcíaca) 

Código de referência: PT/TT/TSO-IL/028/CX1587/14316

Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 106 fl.

 

A transcrição das cartas encontra-se em:

Post Scriptum (CLUL (Ed.). 2014. P.S. Post Scriptum. Arquivo Digital de Escrita Quotidiana em Portugal e Espanha na Época Moderna. [2014]. Recuperado de:

http://teitok.clul.ul.pt/postscriptum/en/index.php?action=cdd&pid=RME1

 

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