Heleieth Saffioti

(1934 – 2010)

 

por Daniele Motta,

doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e professora da rede estadual de ensino de São Paulo – Lattes

Imagem de marxismo21.org

PDF – Heleieth Safiotti

Heleieth Iara Bongiovani Saffioti nasceu no dia quatro de janeiro de 1934 em uma família humilde em Ibirá, na região de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Sua mãe era costureira e seu pai marceneiro. Sua família morava na zona rural, onde à época não havia acesso à escola, fato que a fez, desde cedo, morar longe de seus pais para que pudesse estudar. Primeiramente foi alfabetizada em casa por suas tias professoras até ingressar na escola. Heleieth Saffioti morou com diversos familiares até concluir seus estudos na tradicional Escola Caetano de Campos, em São Paulo, onde se formou normalista.

            No ano de 1956 ingressou no curso de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) e se casou com o químico Waldemar Saffioti, de quem herdou o sobrenome. Em decorrência do trabalho de Waldemar, assim que se casou foi morar nos Estados Unidos. Na sua volta ao Brasil, um ano depois, retornou ao curso de Ciências Sociais e se formou no ano de 1960. Dois anos depois de sua formatura, Heleieth Saffioti mudou-se para a cidade de Araraquara, no interior do Estado de São Paulo, para acompanhar Waldemar na formação do curso superior de Química, que mais tarde iria se transformar na Universidade Estadual Paulista. Na mesma cidade também se consolidava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, lugar em que Heleieth Saffioti atuou por 21 anos, tendo começado a lecionar em 1962, a convite de Luis Pereira. Do seu casamento com Waldemar teve um filho, que veio a óbito precocemente, aos 17 anos de idade.

            Além de uma trajetória profissional marcada pela intensa atividade docente, sua tese de livre docência “A mulher na sociedade de classes: mito e realidade”, defendida em 1967 e publicada em livro em 1969, foi um importante marco para as Ciências Sociais no Brasil, sendo o primeiro estudo acerca das mulheres no modo de produção capitalista. Heleieth Saffioti teve toda a sua carreira marcada pelos estudos sobre as mulheres. Após a defesa de sua tese de livre docência, seu esforço teórico de apreensão da condição da mulher na sociedade capitalista a leva para a investigação da condição da mulher no mercado.

            A obra da autora pode ser dividida em dois momentos (Gonçalves, 2011): no primeiro, marcado pela investigação do trabalho feminino (final da década de 1960 até o final dos anos 1980), analisou a desvalorização das mulheres a partir de estudos empíricos e análise de dados. Entre seus textos destacam-se os estudos sobre as trabalhadoras têxteis e as empregadas domésticas: Emprego doméstico e capitalismo, 1978; Do Artesanal ao Industrial: a exploração da mulher, 1981; Mulher Brasileira: opressão e exploração, 1986. Essas obras dão continuidade à tese sobre o alijamento da mulher no mercado de trabalho da A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, 1969.

            No segundo momento, iniciado no final dos anos 1980 e que se estende até o fim de sua vida, em 2010, dedicou-se a estudar a questão da violência contra as mulheres. Sobre o tema, destacam-se as obras: O Poder do Macho, 1987; Mulher Brasileira é Assim, 1994; Violência de gênero: poder e impotência, 1995; Gênero, Patriarcado e Violência, 2004. Ao longo do seu processo de pesquisa sobre a condição feminina, ampliou o diálogo acadêmico com as teorias feministas (pós-estruturalistas e materialistas) para elucidar seus estudos sobre a violência patriarcal sofrida pelas mulheres. Heleieth Saffioti faz uma fusão entre marxismo e feminismo pois entende que “no campo das violências contra as mulheres, o marxismo colaboraria, mas não seria suficiente para dar conta da ‘complexidade do complexo’” (Castro, 2011, p. 75). Dialogou com diversas correntes das Ciências Sociais, pois entendia que, para desvendar a violência contra as mulheres, era preciso olhar para as diversas áreas do social: simbólica, política, cultural; além da esfera econômica.

            Mesmo após sua aposentadoria da Unesp de Araraquara continuou pesquisando, escrevendo/publicando e lecionando na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, cidade em que manteve residência até seu falecimento. Heleieth Saffioti é até hoje uma referência da área de estudos de gênero no Brasil e foi responsável pela criação, no ano de 1989, na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), do Grupo de Trabalho “Mulheres e Trabalho”. No ano de 1984 foi convidada a trabalhar no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), onde permaneceu por três meses.

            Heleieth Saffioti dedicou sua vida a investigar e desmistificar as relações de exploração/dominação, revelando como o capitalismo, ao enovelar as hierarquias de gênero, raça/etnia e classe, consegue aumentar ainda mais seus lucros. A socióloga foi uma incansável defensora dos direitos das mulheres e teve importante inserção no movimento feminista. Suas formulações, com grandes repercussões desde a década de 1970 (momento de grande efervescência no movimento de mulheres), fizeram com que a autora se aproximasse do movimento feminista, atuando no combate às desigualdades de gênero e a violência endêmica contra as mulheres. Destacam-se o curso de gênero e violência que deu para profissionais da segurança, a atuação em torno do Conselho da Mulher e as aulas que ministrou para o curso das Promotoras Legais Populares (PLPs). No ano de 1995, como reconhecimento de seu trabalho e de sua luta, seu nome foi indicado ao Nobel da Paz, ao lado de outras mulheres brasileiras, por integrar o projeto Mil Mulheres.

            Heleieth Saffioti faleceu em 13 de dezembro de 2010 na cidade de São Paulo, em decorrência de uma parada cardiorrespiratória. Seu legado continua na grandeza de suas obras e nas pistas que deixou indicada para que outras pesquisadoras seguissem. Todo o seu acervo pessoal, junto com a sua biblioteca, encontram-se hoje na Chácara Sapucaia, local de residência de Heleieth Saffioti e Waldemar na cidade de Araraquara que foi doado pela autora para a UNESP após o falecimento de seu marido, e hoje é um centro cultural e histórico da cidade, aberto ao público. Na cidade de Araraquara o Centro de Referência da Mulher, vinculado à prefeitura local, leva o seu nome.

            A importância de Heleieth Saffioti é imensa para a Sociologia Brasileira e para a luta feminista. Sua análise sobre as mulheres, a partir das noções de totalidade e singularidade, avançou o debate epistemológico, colocando gênero (ao lado de classe e raça) como um dos estruturadores da sociedade. Dessa forma, a autora chega a uma ideia importante, ainda pouco explorada, sobre a imbricação de gênero, raça/etnia e classe, que formam um nó frouxo. Dessa forma, ainda que seja uma autora vinculada ao marxismo, ela também contesta a ideia da primazia da classe social sobre as demais relações.

Temas e conceitos

            O grande tema de Heleieth Saffioti foi a investigação sobre as mulheres no modo de produção capitalista, refletindo sobre as desigualdades de gênero e de classe. Para falar de Heleieth Saffioti é preciso primeiro entender o seu pioneirismo nos estudos de gênero com o livro A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, publicado pela primeira vez em 1969, contando com segunda edição em 1976 e a terceira edição mais recente, em 2013. Apesar de ter ficado quatro décadas esgotado e sem uma reedição, o livro reassumiu sua singularidade e importância nos últimos anos, o que possibilitou que a autora fosse retomada por uma nova geração de estudiosas sobre a questão de gênero no Brasil.

            Seu livro foi o primeiro no Brasil a investigar a relação entre gênero e capitalismo, abrindo o campo de estudos sobre mulheres nas Ciências Sociais. A obra reflete sobre a forma como a contradição da sociedade de classes se articula com outras hierarquias sociais, focalizando sobretudo a questão de gênero, destacando-a como um dos pilares de manutenção de privilégios, hierarquias e status social. A conclusão a que chega ao final do livro é que as mulheres foram alijadas do mercado de trabalho, posição que sustenta até o fim de sua vida.

            Embora a questão de gênero tenha sempre pautado a obra de Heleieth Saffioti, o conceito de gênero (tal qual é usado hoje) ainda não havia adentrado as universidades brasileiras. A formulação do conceito de gênero que impactou a teoria social, a partir de uma formulação feminista, foi elaborada na década de 1970. No entanto, a sua ampla absorção pelas teóricas feministas no Brasil ocorreu na década de 1990.

            Mesmo que a palavra gênero não apareça em suas obras iniciais, pois ainda não havia uma difusão do conceito na teoria feminista, a autora faz uma leitura das desigualdades entre homens e mulheres de maneira relacional já em sua primeira obra, quando afirma: “o problema da mulher nas sociedades competitivas não é somente seu, mas um problema de homens e mulheres” (Saffioti, 2013, p. 513). Heleieth Saffioti dialoga com diferentes tradições da teoria feminista e quando absorve o conceito de gênero para o interior de sua teoria o faz com ressalva, tendo em vista que este foi colocado para ser uma alternativa a outros conceitos considerados problemáticos, como o patriarcado, por exemplo. É exatamente no abandono do termo patriarcado — ou na sua substituição pelo termo gênero — que Heleieth Saffioti centra sua crítica, e faz a defesa da utilização conjunta de gênero e patriarcado. Essa é a marca, a singularidade, da utilização do conceito de gênero pela autora.

            É a partir da ideia de gênero como uma forma de pensar as relações socialmente construídas entre homens e mulheres que a noção de patriarcado passou a ser questionada, acusada de ser uma maneira universal de relações de gênero, e que tratava de forma única as relações de poder entre homens e mulheres nos diferentes contextos e lugares. O patriarcado foi considerado a-histórico e insuficiente para tratar das relações de gênero. Heleieth Saffioti é uma das teóricas do campo do feminismo que vai na contramão dessa tendência e insiste na utilidade do conceito de patriarcado para análise das relações entre homens e mulheres, tendo em vista que há uma desigualdade importante a ser demarcada. Ao invés de abandonar a ideia do patriarcado, ela defende a compreensão de seus limites e fronteiras históricas, entendendo que “o patriarcado é um caso específico de relações de gênero” (Saffioti, 2015, p. 51) e deve ser entendido a partir da formação social em cada país, levando em conta que as experiências de dominação e exploração podem ser diferentes.

            Para Saffioti (2015), o conceito de gênero não explicita, necessariamente, a desigualdade entre homens e mulheres; não pressupõe uma relação de exploração/dominação, por isso a insistência da autora no uso do conceito de patriarcado. A dimensão econômica do patriarcado não repousa apenas na desigualdade salarial, ocupacional e na marginalização dos importantes papéis econômicos e políticos, mas inclui o controle da sexualidade e a capacidade reprodutiva das mulheres.

Por que se manter o nome patriarcado? Sistematizando e sintetizando o acima exposto, porque: 1) não se trata de uma relação privada, mas civil; 2) dá direitos sexuais aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição; 3) configura um tipo hierárquico de relação, que invade todos os espaços da sociedade; 4) tem uma base material; 5) corporifica-se; 6) representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência” (Saffioti, 2015 [2004], p. 60).

            O patriarcado é uma das ideias centrais na construção do pensamento de Heleieth Saffioti, fundamental para os estudos da autora sobre a violência de gênero e sobre a imbricação de gênero, raça/etnia e classe. Para ela, a alegação da a-historicidade do conceito é muito simplista porque acredita ser possível apreender a historicidade do conceito (Saffioti, 2005).

            Da leitura que a autora faz sobre o patriarcado, destaca-se a influência de Carole Pateman, a partir de um debate feminista sobre o contrato social. Em seu livro O Contrato Sexual (1988), Carole Pateman critica os teóricos contratualistas clássicos, os utilitaristas e os socialistas, a fim de explicar a dominação sexual e sua origem na filosofia política moderna. Afirma ser o pacto original também um pacto sexual, criando o direito político dos homens sobre as mulheres. O termo contrato sexual é uma denúncia contra a teoria do contrato, e refere-se ao poder que os homens exercem sobre as mulheres.

Para Saffioti (2004), olhar para o patriarcado, a partir dessa leitura, ajuda a demonstrar que a sociedade civil e a economia capitalista têm uma estrutura patriarcal. Segundo Pateman:

A liberdade do homem e a sujeição da mulher derivam do contrato original e o sentido da liberdade civil não pode ser compreendido sem a metade perdida da história, que revela como o direito patriarcal dos homens sobre as mulheres é criado pelo contrato. A liberdade civil não é universal — é um atributo masculino e depende do direito patriarcal. (…) O pacto original é também um contrato sexual quanto social; é social no sentido de patriarcal — isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as mulheres —, e também sexual no sentido de estabelecimento de um acesso sistemático dos homens ao corpo das mulheres. O contrato original cria o que chamarei, seguindo Adrienne Rich de ‘lei do direito sexual masculino’. O contrato está longe de se contrapor ao patriarcado; ele é o meio pelo qual se constitui o patriarcado moderno” (Pateman, 1993 [1988], pp. 16-17 apud Saffioti, 2015 [2004], p.57).

            É importante destacar, entretanto, que o patriarcado não é o único estruturador da sociedade. Saffioti trabalha com a ideia da imbricação entre patriarcado, capitalismo e racismo. Ela concebe as diferentes origens dessas três relações sociais, mas aponta para a sua fusão e retroalimentação.

O gênero, milênios anterior, historicamente, às classes sociais, se reconstrói, isto é, absorvido pela classe trabalhadora inglesa, no caso de Thompson, se reconstrói/constrói juntamente com uma nova maneira de articular relações de poder: as classes sociais. A gênese destas não é a mesma, nem se dá da mesma forma que a do gênero. (…) as classes sociais têm uma história muito mais curta que o gênero. Desta forma, as classes sociais são, desde sua gênese, um fenômeno gendrado. Por sua vez, uma série de transformações no gênero são introduzidas pela emergência das classes. Para amarrar melhor esta questão, precisa-se juntar o racismo. O nó formado por estas três contradições apresenta uma qualidade distinta das determinações que o integram” (Saffioti, 2015 [2004], p. 122).

            A autora concebe o patriarcado como um fenômeno social em constante transformação. Sendo um sistema de dominação anterior ao capitalismo, ele se molda para coexistir e potencializar o processo de dominação/exploração, e penetra toda a esfera da vida social. Dessa forma, o patriarcado se produz ao mesmo tempo que reproduz o racismo e o capitalismo e vice-versa. É a partir da leitura patriarcal das relações de gênero que a autora vai formular uma visão imbricacionista das relações sociais.

Método do enovelamento

            Conforme Heleieth Saffioti vai amadurecendo sua teoria, chega à formulação de que exploração e dominação são duas faces do mesmo processo e que não existe, de um lado, a exploração capitalista e, de outro, a dominação patriarcal, afinal uma se alimenta da outra. Segundo ela:

Não há de um lado a dominação patriarcal e, de outro, a exploração capitalista. Para começar, não existe um processo de dominação separado de outro de exploração. Por esta razão, usa-se, aqui e em outros textos, a expressão dominação-exploração ou exploração-dominação. Alternam-se as formas, para evitar a má interpretação da precedência de um processo. De rigor, não há dois processos, mas duas faces de um mesmo processo. Daí ter-se criado a metáfora do nó para dar conta da realidade da fusão patriarcado-racismo-capitalismo” (Saffioti, 2005, p. 65).

            A primeira noção que a autora trabalha é a da simbiose entre racismo-patriarcado-capitalismo, que aparece no livro O Poder do Macho, publicado no ano de 1987. Ela procura demonstrar como cada um desses sistemas de exploração/dominação estão fundidos numa unidade contraditória. A partir de então, seus textos enaltecem e enfatizam tal perspectiva, uma vez que Saffioti considera um erro tratar a questão da exploração no campo econômico e a da dominação no político, pois“não deveríamos buscar a primazia do sexo, da classe ou da raça, nem as isolar como estruturas separadas, já que elas se fundiram historicamente” (Saffioti, 1992, p. 206).

            Essa concepção é importante para o salto metodológico que a autora dá na sua teoria, pois a análise dos processos de exploração e dominação de maneira interligada é um caminho que a autora percorre para sua formulação da totalidade imbricada nas relações de gênero, raça/etnia e classe, avançando numa metodologia que apreende diversas faces da realidade social, sem hierarquizá-las. Entende-se que há uma virada no pensamento da autora (que não acontece repentinamente, mas é processual), porque no seu primeiro livro (assim como em algumas obras posteriores), ainda que dê indícios para a análise articulada de gênero e classe, uma vez que não separa os problemas da mulher dos problemas da sociedade como um todo, ela ainda trabalha com a questão da classe, partindo da análise do modo de produção capitalista como o primordial.

Às determinações essenciais de cada formação econômico-social, configuradas do emprego da mão de obra em geral, acrescentam-se ainda as combinações que se estabelecem entre elas e os caracteres naturais dos indivíduos. A utilização social de caracteres raciais, assim como sexuais, permite dar aos fenômenos de natureza econômica, tais como o posicionamento dos indivíduos no sistema produtivo de bens e serviços, uma aparência inibidora da percepção de sua essência. Neste sentido, às determinações essenciais de cada uma das configurações estruturais histórico-sociais, fornecendo-lhes cobertura, isto é, a aparência necessária sob a qual se escondem os verdadeiros mecanismos de operação de cada modo específico de produção. Conquanto seja o fator sexo um critério menos conveniente que o fator raça para a conservação do domínio das camadas privilegiadas, constitui sempre um elemento pelo menos potencialmente discriminador e, portanto, estratificatório” (Saffioti, 2013 [1969], p. 328).

            No entanto, é fundamental destacar que a partir da década de 1980 ela apresenta sua perspectiva metodológica imbricacionista, enovelando gênero, raça/etnia e classe. Essa mudança analítica é uma maneira da autora articular a questão de gênero, raça/etnia com a questão da classe social, de uma visão marxista e dialética. Nas palavras de Saffioti:

A figura do nó foi usada por mim para mostrar, simultaneamente, a simbiose entre o racismo, o sexismo e as classes sociais, assim como deixar aberta a possibilidade de se puxar uma ou outra ponta dos eixos que o formam, para se realizar um escrutínio mais acurado. Não se trata de separar estas contradições, que operam por meio desta nova realidade de caráter fusional, mas de examinar cada uma delas à luz do nó que formam. O nó não apresenta a frouxidão dos laços que se desfazem ao menor movimento. Tampouco é duro a ponto de tornar irreconhecíveis as contradições que o compõem. E, sobretudo, deixa as pontas dos eixos à vista, dispostas a revelar suas especificidades. O mais importante a frisar, contudo, é a natureza contraditória do nó, que, ademais, é regido por uma lógica também contraditória” (Saffioti, 1999, p. 9).

            É interessante notar que a autora insiste na ideia da frouxidão desse nó (Saffioti, 1993, 2015 [2004], 2005). Para ela “não se trata do nó górdio nem apertado, mas do nó frouxo, deixando mobilidade para cada uma de suas componentes” (2015 [2004], p. 133). Trazendo a noção de mobilidade entre as relações que considera fundamentais, auxilia a entender os “processos sociais em suas dimensões micro e macro, pois aponta o emaranhado dos processos macrossociais, nas estruturas históricas nas quais elas se criaram e se consolidaram, e permite a observação dessas perspectivas nas identidades e na resistência dos sujeitos, percebendo a agência a partir das suas vivências pessoais e interações sociais, nas suas relações dinâmicas” (Motta, 2017, p. 87). Nas palavras da autora:

De acordo com as circunstâncias históricas, cada uma das contradições integrantes do nó adquire relevos distintos. E esta mobilidade é importante reter, a fim de não se tomar nada como fixo, aí inclusa a organização destas subestruturas na estrutura global, ou seja, destas contradições no seio da nova realidade — novelo patriarcado-racismo-capitalismo — historicamente construída” (Saffioti, 2005, p. 59).

A ideia do nó frouxo de Heleieth Saffioti é um mecanismo analítico interessante e complexo, pois, ao mesmo tempo em que define gênero, raça e classe como estruturantes, evita o engessamento da estrutura pela reiteração da mobilidade entre esses marcadores. E mais do que isso, a ideia do nó frouxo permite uma leitura segundo a qual na constituição das relações estruturantes seja possível analisar outras formas de diferenciação, que se entrecruzam com essas, como linhas que passam entre esse nó frouxo, como: a idade, sexualidade, religiosidade, nacionalidade (Motta, 2017; 2018).

Referências bibliográficas

Obras da autora

Saffioti, H. (2013). A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3a edição. Editora expressão popular: São Paulo[1a edição: 1969].

_______. (1969). Profissionalização feminina: professoras primárias e operárias. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara.

_______. (1978). Emprego Doméstico e Capitalismo. Vozes: Petrópolis.

_______. (1981). Do Artesanal ao Industrial: A Exploração da Mulher. Editora Hucitec: São Paulo.

_______. (1984). Mulher Brasileira: Opressão e Exploração. Achiamé: Rio de Janeiro.

_______. (1987). O poder do macho. Moderna: São Paulo.

_______. (1991). Novas perspectivas metodológicas de investigação das relações de gênero. In: Moraes Silva, M. A. (org.). Mulher em seis tempos. Araraquara, FCL, pp. 141-170.

_______. (1992). Rearticulando gênero e classe social. In: Costa, A. O.; Bruschinni, C. (Orgs), Uma questão de gênero. Rosa dos Tentos Editora e Fundação Carlos Chagas: São Paulo.

_______. (1993). Diferença ou indiferença: gênero, raça/etnia e classe social – Saffioti. In: A sociologia entre a modernidade e a contemporaneidade. Sergio Adorno (org.). (pp. 159-165).

_______. (1994). Pósfacio: Conceituando Gênero. (p. 271-). In: Mulher Brasileira é assim. Heleieth Saffioti e Monica Muñoz-Vargas (orgs). Rio de janeiro: Rosa dos Tempos: NIPAS; Brasília, D.F.: UNICEF.

Saffioti, H. I. B.; Almeida, S. S. (1995). Violência de gênero: poder e impotência. Livraria e Editora Revinter: Rio de Janeiro.

_______. (1999). Prefácio. In: Moraes Silva, Maria Aparecida, Errantes do fim do século. Editora da Unesp: São Paulo.

_______. (2015). Gênero, patriarcado e violência. 2ª edição. Expressão popular: fundação Perseu abramo: São Paulo [1a edição: 2004].

_______. (2005). “Gênero e Patriarcado” (pp.35-76) In: Marcadas a Ferro. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Brasília.

Obras sobre Heleieth Saffioti

Castro, M. G. (2011) Notas sobre a Potencialidade do Conceito de Patriarcado para um Sujeito no Feminismo. Contribuições de Heleieth Saffioti – em memória e pelo devir. Cadernos Crítica Feminista, ano V, n. 4..

Gonçalves, R. Heleieth Saffioti e a articulação entre teoria marxista e ideias feministas nas Ciências Sociais. Disponível em: Heleieth Saffioti e a articulação entre teoria marxista e ideias feministas nas Ciências Sociais

________. O feminismo marxista de Heleieth Saffioti. Disponível em: Vista do O feminismo marxista de Heleieth Saffioti

Teles, M. A de A. Heleieth, a ousadia do livre pensar feminista! (1934 – 2010). Disponível em: Heleieth, a ousadia do livre pensar feminista ! [1] – (1934 – 2010) – Fundação Perseu Abramo
Minella, L, S. Heleieth Saffioti, uma pioneira dos estudos feministas no Brasil. Disponível em: Heleieth Saffioti, uma pioneira dos estudos feministas no Brasil
Sorj, B. Dois olhares sobre Heleieth Saffioti: o feminismo adentra a academia. Disponível em: Dois Olhares sobre Heleieth Saffioti O Feminismo Adentra a Academia
Lovatto, A. Desvendando O poder do macho: um encontro com Heleieth Saffioti. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/18736/13929

Motta, D. (2017) Desvendando o nó: A Experiência de auto-organização das mulheres catadoras de materiais recicláveis no Estado de São Paulo. Tese de Doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp.

_________. Desvendando Heleieth Saffioti. Revista Lutas Sociais, vol. 22, n. 40, 2018 (p. 149-

160).

Para os leitores interessados em conhecer mais sobre a obra da autora, hoje já contamos com uma organização online que contém boa parte de seus livros, artigos e entrevistas. Todas as obras citadas acima estão disponíveis em:

Além disso, em decorrência dos 50 anos da publicação de “Mulher na sociedade de classes: mito e realidade”, foram publicados dossiês sobre a autora em diversos periódicos:

Revista Lutas Sociais: “A mulher na sociedade de classes 50 anos depois: a atualidade de Heleieth Saffioti” Disponível em: v. 23 n. 43 (2019): A mulher na sociedade de classes 50 anos depois: a atualidade de Heleieth Saffioti | Lutas Sociais

Cadernos CRH: “50 Anos De A Mulher Na Sociedade De Classes: o pioneirismo de Heleieth Saffioti e suas contribuições teóricas para os estudos feministas e de gênero”. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/issue/view/2006

Revista de Estudos Feministas: Heleieth Saffioti – 50 anos d’A Mulher na Sociedade de Classes. Disponível em: v. 29 n. 1 (2021) | Revista Estudos Feministas

Revista de Ciências Sociais, Trabalho e Política: “Revisitando Heleieth Saffioti: aportes para pensar a atualidade de seus conceitos”. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/issue/view/2467/567