Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí
(1957)
por Gisele Rose, Mestre em Relações Étnico Raciais pelo CEFET-RJ e professora na Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) – Lattes
Vida e obra
Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí nasceu no dia 10 de novembro de 1957 em Ògbọ́mọ̀sọ́, cidade situada no atual Estado de Oyó, na República da Nigéria. Ela pertence a uma importante linhagem iorubá. Seu pai foi elevado, em 1973, à condição de sòún (monarca) em Ògbọ́mọ̀só. Isso fez com que ela tivesse, desde a juventude, grande familiaridade com a vida no ààfin sọ̀ún (palácio) e continuada participação nos rituais, festas e costumes tradicionais de matriz iorubá.
Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí completou o estudo primário e secundário em Ògbọ́mọ̀só, realizou o curso superior de Ciência Política na University of Ibadan (Nigéria). Os cursos sobre política africana a permitiram compreender o importante papel da colonização na formação dos estados na África. Quando se candidatou à pós-graduação nos Estados Unidos, na década de 1980, ela decidiu ingressar em sociologia e não em ciência política. Concluiu o Doutorado em Sociologia no ano de 1993 na University of California (Berkeley), onde defendeu a tese Mothers not women: making an african sense of western gender discourses [Mães e não mulheres: criando um sentido africano para os discursos de gênero ocidentais]. Esse trabalho veio a ser publicado com o título The invention of women: making an african sense of western gender discourses [A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero]. Em 1997, o livro lhe rendeu o prêmio da American Sociological Association (Associação Americana de Sociologia) e fez com que ela se distinguisse como finalista ao prêmio Herskovitts da African Studies Association (Associação dos Estudos Africanos). No livro, ela argumenta que a narrativa da corporalidade de gênero que domina a interpretação ocidental do mundo social é um discurso cultural e não pode ser assumido acriticamente para outras culturas, concluindo que gênero não é apenas socialmente construído, mas também histórico e cultural.
O trabalho de Oyěwùmí inclui duas monografias, três livros editados e numerosos artigos de periódicos e capítulos de livros. A monografia What Gender is Motherhood? [Qual é o gênero da maternidade?] é sobre a subjugação do conhecimento indígena e a marginalização de epistemes locais como resultado da colonização europeia e do domínio contínuo de línguas, sistemas de pensamento e instituições europeias na África. Se tornou posteriormente o livro What Gender is Motherhood? Changing Yorùbá Ideals of Power, Procreation, and Identity in the Age of Modernity [Qual é o gênero da maternidade? A mudança dos ideais iorubás de poder, procriação e identidade na era da modernidade] (2016), onde ela explicita a relação emaranhada entre a colonialidade global e os colonialismos locais, e as relações desiguais de poder entre a África e o Ocidente, as quais estruturam a produção de conhecimento.
A necessidade de fontes apropriadas ficou especialmente evidente quando Oyěwùmí começou a ministrar cursos sobre gênero na África na década de noventa. Sua resposta a esse desafio foi publicar African Gender Studies: A Reader [Estudos africanos de gênero: uma leitura] (2005), uma coleção de artigos que apresentam as mulheres africanas como mais do que meras vítimas e o continente como algo diferente de um lugar de patologia.
Em 2010, Oyěwùmí recebeu um convite do Centro de Estudos de Gênero na Universidade do Cazaquistão para fazer parte de um grupo internacional que iria trabalhar em um projeto de gênero, nação e descolonialidade na Ásia Central.
Oyěwùmí criou o jornal online Jenda: A Journal of Culture and African Women’s Studies [Jenda: Um Jornal de Cultura e Estudos das Mulheres Africanas], que se tornou um fórum ativo para mostrar a pesquisa de gênero na África e na Diáspora, sendo também um recurso importante no ensino sobre África, feminismos e questões globais. Da mesma forma, em 2013, lançou uma série de livros na Palgrave Macmillan intitulada Gender and Cultural Studies in Africa and the Diaspora [Gênero e Estudos Culturais na África e na Diáspora], cujo objetivo era trazer novos estudiosos e perspectivas emergentes em uma variedade de trabalhos interdisciplinares sobre a África e suas muitas diásporas.
Ela foi vencedora do Prêmio Africanista Distinto de 2021, apresentado na 64ª Reunião Anual da Associação de Estudos Africanos. Vale ressaltar que mais de 50% dos prêmios foram concedidos a homens brancos e seis a mulheres brancas; nenhuma mulher africana havia sido reconhecida para a premiação até então. O mérito de suas pesquisas garantiu-lhe também o financiamento de importantes agências como a Fundação Rockefeller, a Agência Presidencial Estadunidense e a Fundação Ford.
Atualmente, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí é professora titular de Sociologia na Faculdade de Artes e Ciências na Stony Brook University (Califórnia) e, de acordo com seu perfil disponibilizado na página da instituição, possui as seguintes áreas de interesse: Sociologia do Gênero; Sociologia do Conhecimento; Sociologia da Cultura; Sociologia Histórica Comparada; Teoria Feminista; Feminismos Transnacionais; Teoria Social; Desigualdades Sociais em Sistemas Locais, Regionais e Globais; Estudos Africanos; Estudos (Pós) Coloniais e Modernidades.
Seu trabalho é conhecido principalmente por abordar um vasto campo teórico interdisciplinar, onde destaca o ponto de vista africano através de pesquisas históricas, linguísticas, arqueológicas e etnográficas, tentando fornecer uma compreensão mais matizada das sociedades africanas, evitando, assim, formulações reducionistas.
Principais contribuições
Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, socióloga, teórica e estudiosa, possui um notável destaque nas pesquisas interdisciplinares, utilizando experiências africanas para elucidar questões teóricas pertinentes a uma ampla gama de disciplinas, incluindo: sociologia, ciência política, estudos sobre as mulheres, religião, história e literatura, esforçando-se sempre para ampliar a inclusão de culturas não ocidentais na academia. Ela ressalta a subjugação do conhecimento e a marginalização das epistemes como resultado da colonização europeia e do domínio contínuo das línguas, sistemas de pensamento e instituições europeias na África. Enfatiza também a relação entre a colonialidade global, os colonialismos locais e as relações de poder desiguais entre a África e o Ocidente, que estruturam a produção de conhecimento.
Vale enfatizar ainda que Oyěwùmí atrai um público interdisciplinar que acarreta a reimpressão de vários de seus livros e capítulos de livros e, no âmbito internacional, em virtude de sua contribuição única, ministra palestras em diversos países como: Alemanha, Reino Unido, Brasil, África do Sul, Espanha, Portugal, Jamaica, Nigéria, Gana, Senegal, Moçambique, Suécia, Noruega e Holanda.
A análise de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí
Em seu premiado livro, A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero (2021), podemos observar sua grandiosa pesquisa no que tange à discussão da tradução generificada da língua iorubá. A pensadora salienta que, ao contrário, na antiga sociedade iorubá não havia essa construção do gênero, e a organização social era determinada pela idade relativa. No livro, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí desenvolve um relato meticuloso, histórico e epistemológico da cultura iorubá em seus próprios termos. Ela desenvolve um argumento persuasivo para uma interpretação cultural e dependente do contexto da realidade social, no qual propõe uma nova concepção do discurso de gênero e das categorias em que tal estudo se baseia.
Iorubá
Os Estudos Africanos modernos permaneceram dominados pelos modos ocidentais de apreender a realidade e a produção de conhecimento por várias razões, como: a pesquisa sobre os povos iorubás com base no conhecimento produzido pela língua inglesa e pelo fato de muitas pessoas africanas só conhecerem suas sociedades por meio de quem realiza as missões ocidentais (Oyěwùmí, 2021, p. 62). O que revela que o problema está na maneira pela qual os negócios são conduzidos nas instituições produtoras de conhecimento e no modo como as questões fundamentais que informam e propagam as pesquisas são geradas no Ocidente (Oyěwùmí, 2021, p. 63).
A escrita de Oyěwùmí nos permite reanalisar e desvendar aquelas noções clássicas que são herdadas da colonização, como gênero, domínio, patriarcado, linhagem etc. Tudo isso baseado em dados históricos, estudos de comentaristas, experiências, depoimentos atuais e daquele período, entre outros. Isso nos permite perceber que a maioria dos estudos sobre os povos iorubás se enquadra em um conjunto de categorias ensinadas pelo eurocentrismo.
A forma como Oyěwùmí analisa e pesquisa é imprescindível, pois evita a reprodução de categorias sociais eurocêntricas e busca esclarecer as contradições ou preconceitos nas interpretações feitas, tanto do colonialismo, quanto dos estudos africanos. Ela propõe uma análise da linguagem para a construção do conhecimento sobre os povos iorubás produzidos através do inglês, comparando a língua inglesa com a língua iorubá, mostrando a importância de um estudo mais aprofundado, que não foi feito, e que vem gerando dúvida sobre as conclusões de várias disciplinas. Isso porque, apesar dos linguistas terem feito alguns estudos sobre a língua iorubá, é necessário agregar outras perspectivas (Oyěwùmí, 2021, p. 63).
O idioma iorubá é isento em relação ao gênero. A língua iorubá não possui palavras com especificidades de gênero que denotem, por exemplo, filho, filha, irmão ou irmã (Oyěwùmí, 2021, p. 83). A importância do gênero na terminologia de parentesco em inglês é refletida nas palavras brother (irmão) e sister (irmã).
Vale ressaltar que muitas das pessoas que registraram e traduziram a literatura oral iorubá são treinadas como críticos literários e, portanto, a principal ferramenta de seu trabalho é a linguagem; não se pode, assim, desculpar sua falta de atenção a um fator tão crítico na tradução do iorubá para o inglês (Oyěwùmí, 2021, p. 243). A generificação ocorre também porque a maioria das pessoas dedicadas à escrita da literatura é bilíngue iorubá/inglês, formada principalmente em inglês.
A linguagem é, antes de tudo, uma instituição social e, como tal, constitui e é constituída pela cultura. Por causa da difusão da linguagem, é legítimo perguntar o que uma língua em particular nos diz sobre a cultura da qual deriva (Oyěwùmí, 2021, p. 80).
Oyěwùmí salienta, ainda, que distinguir a fala masculina e feminina na língua iorubá é uma questão empírica que exige pesquisa. A preocupação, nos últimos tempos, com a rotulagem de textos como masculino e feminino pode ser necessária em algumas culturas, mas o que torna um texto específico com relação ao gênero deve ser explicado, e não assumido.
Esse fato irá acarretar uma série de equívocos nas perspectivas ocidentais sobre a cultura iorubá, revelando uma ideologia de determinismo biológico no cerne das categorias sociais ocidentais — a ideia de que a biologia fornece a lógica para organizar o mundo social, sendo o conceito de mulher central para essa ideologia e para os discursos de gênero ocidentais. Oyěwùmí salienta que isso não existia na antiga cultura iorubá, onde o corpo não era a base dos papéis sociais.
Ifá
No livro A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí explica que Ifá é um sistema de conhecimento que foi, originalmente, transmitido de forma oral. Estruturado na forma de instituição, é um conjunto de procedimentos que facilitam a recuperação de informações sobre todos os aspectos passados, presentes e futuros da vida iorubá. Esse conhecimento é acessível por meio de um sistema de divinação, um processo que gera histórias, mitos e narrativas, que se afirma serem enviadas por Deus, e que fazem asserções sobre toda e qualquer coisa na vida iorubá.
Desse modo, Ifá é visto como um registro abrangente da cultura iorubá, fornecendo antecedentes históricos para eventos, condutas e orientação para o futuro. Ifá não é o único sistema de divinação na sociedade iorubá, mas acumulou importância hegemônica vis-à-vis a outras formas de divinação, como um resultado do interesse por ela por parte da elite iorubá ocidentalizada e acadêmicos ocidentais. Consequentemente, a nossa compreensão do lugar de Ifá na cultura não esteve imune à mudança social que atende à colonização.
De acordo com Oyěwùmí, a consulta a Ifá representa uma parte central das cerimônias que marcam ritos de passagem. Na Iorubalândia pré-islâmica e pré-cristã, cada indivíduo teve que memorizar o que foi chamado ọwọ́ Ifá kan — uma mão de Ifá —, unidades de versos e narrativas de Ifá. Essa formação em massa representou a escolaridade na Iorubalândia na época.
Não é de se admirar, então, que grande parte da linguagem de Ifá seja tão familiar ao ouvido iorubá: muitas das figuras de linguagem (parábolas, metáforas, símiles) presentes na linguagem cotidiana vêm diretamente das narrativas de Ifá. Mas é evidente que alguém também poderia interpretar isso como um sinal de que as narrativas de Ifá são um produto das pessoas, embora os criadores de conhecimento façam parte da cultura, ou seja, Ifá é um sistema de divinação e tal sistema é, por definição, um modo de buscar conhecimento.
Oyěwùmí salienta que Ifá também constitui parte da devoção aos orixás, que é a religião autóctone do povo iorubá. Nessa tradição, o deus Orunmilá é o dono do sistema de divinação. Às vezes, Ifá e Orunmilá são utilizados sinonimamente; entretanto, neste estudo, Ifá se referirá ao sistema de divinação e Orunmilá se referirá à divindade que o preside. O foco sobre Ifá é baseado no sistema divinatório, em oficiantes, em estudiosos e seus escritos, de acordo com a pesquisa realizada por Oyěwùmí fazendo entrevistas com oficiantes em Ògbọ́mọ̀sọ́, em diferentes épocas entre 2007 e 2012.
Apesar da rotulação de Ifá como um culto secreto por vários missionários e estudiosos cristãos, para babalaôs e a sociedade iorubá em geral, oficiantes de Ifá foram vistos primeiramente e acima de tudo como um grêmio profissional, de aprendizado, e não uma sociedade secreta. Seu treinamento rigoroso e vitalício é visto como evidência de sua disciplina, dedicação e realização. Na cultura, nas discussões de babalaôs, uma coisa que é frequentemente enfatizada é seu longo treinamento, que significa que são considerados um grupo de aprendizado.
Gênero
Os estudos de Oyěwùmí sobre a questão de gênero constatam que o corpo seria o alicerce sobre o qual a ordem social ocidental é fundada, pois o corpo está sempre à vista. Que a biologia seria a principal fonte de compreensão de gênero, e que as diferenças biológicas servem como princípio de organização das sociedades ocidentais. Ela afirma que essa é uma filosofia ocidental que não se transfere para as sociedades iorubás, as quais não utilizam o corpo como base de nenhum status social, pois o colonialismo afetou tanto homens quanto mulheres, mas as mulheres eram muitas vezes, e continuam sendo, colocadas em maior desvantagem.
Seus estudos demonstram a errônea aplicação dos conceitos de gênero ocidentais, orientados para o corpo, por meio da história dos discursos de gênero nos estudos iorubás. Sua análise mostra a natureza paradoxal de dois pressupostos fundamentais da teoria feminista: que o gênero é socialmente construído e que a subordinação das mulheres é universal.
A colonização é também considerada uma “perda de masculinidade pelo colonizado”, de acordo com Oyěwùmí (2021, p. 326). Isso cria uma situação em que a fêmea é considerada como não tendo perdido nada no processo. Esse fato está completamente errado, pois seria melhor considerar que foi uma perda do “eu” em todas as partes. Esse equívoco é comum e, embora sutilmente, tenta promover a ideia de que as necessidades das mulheres são subordinadas às dos homens.
A introdução do cristianismo e da educação colonial, de acordo com Oyěwùmí, foi fundamental para a estratificação da sociedade colonial tanto na posição de classe quanto de gênero. A desvantagem inicial das mulheres no sistema educacional é, sem dúvida, o principal determinante da inferioridade das mulheres e da falta de acesso a recursos no período colonial e na contemporaneidade.
Sendo assim, segundo Oyěwùmí, o colonialismo, em geral, criou uma situação em que havia apenas dois tipos de pessoas: o colonizador e o colonizado. Separação de papéis é uma coisa, mas o gênero desses papéis criou uma vastidão ainda maior de problemas. O próprio governo colonial é descrito como “uma prerrogativa viril, marital ou senhorial” (2021, p. 312) com relação aos iorubás. Os ingleses transferiram isso para os gostos da política na forma como ignoraram qualquer autoridade feminina. Ao fazer isso, surge a ideia de mulheres como significativamente menores, onde antes não havia nenhuma, sendo perpetuada e se espalhando por toda a nação iorubá.
A ideia de que a biologia é o destino, ou melhor, o destino é a biologia, tem sido um marco do pensamento ocidental por séculos pois, no Ocidente, as explicações biológicas parecem ser especialmente privilegiadas em relação a outras formas de explicar diferenças de gênero, raça e classe. A noção de sociedade que emerge dessa concepção é a de que a sociedade é constituída por corpos e como corpos — corpos masculinos, corpos femininos, corpos judaicos, corpos arianos, corpos negros, corpos brancos, corpos ricos e corpos pobres (Oyěwùmí, 2021, p. 27).
Oyěwùmí salienta que novas categorias sociais foram criadas em países onde já existia uma e, em muitos desses países, como os povos iorubás, a ideia de uma diferença de gênero era muito estranha.
O gênero tem sido um princípio organizador fundamental nas sociedades ocidentais. Intrínseca à conceituação de gênero está uma dicotomia na qual macho e fêmea, homem e mulher, são constantemente classificados uns contra os outros (Oyěwùmí, 2021, p. 69). Não é uma propriedade de um indivíduo ou de um corpo em si mesmo, pois a nossa identidade de gênero como parte do eu repousa sobre um entendimento cultural (Oyěwùmí, 2021, p. 79).
A ideia de que o gênero é socialmente construído, de que as diferenças entre machos e fêmeas devem estar localizadas em práticas sociais e não em fatos biológicos, foi uma compreensão importante que emergiu no início da pesquisa feminista da segunda onda (Oyěwùmí, 2021, p. 36), e como construção social tornou-se o pilar de muitos discursos feministas.
De país para país, cultura para cultura, masculinidade e feminilidade são expressas, valorizadas e/ou mantidas de forma muito diferente. Muitas culturas, ao longo dos séculos, não viram razão para limitar as categorias de gênero a ser masculino ou feminino. A dicotomia de gênero, que é tão comum em nossa sociedade, pode ser limitada para outras culturas, ou seja, se o gênero é socialmente construído, não pode se comportar da mesma maneira no tempo e no espaço. Se faz então necessário pensar os vários locais onde foi construído, na medida em que é um fenômeno histórico e cultural. O resultado dessa lógica cultural é que homens e mulheres são vistos como essencialmente diferentes, e o que as fêmeas não são as define como mulheres, enquanto o macho é considerado a norma.
No caso da sociedade iorubá, os aspectos são diferentes e mostram que o corpo humano não precisa ser constituído pela perspectiva generificada pois, na sociedade iorubá primordial, o tipo de corpo não era a base da hierarquia social: machos e fêmeas não eram estratificados de acordo com a distinção anatômica. Distinções na fala e gênero oral estão mais relacionadas a papéis sociais do que a diferenças bioanatômicas pois, na Iorubalândia, a fala não pode ser caracterizada pelo gênero da pessoa falante.
Oyěwùmí afirma que as mulheres são definidas em relação aos homens, considerados a norma. As mulheres são aquelas que “não têm pênis”; aquelas que “não têm poder”; aquelas que não podem “participar da arena pública” e, portanto, arcam com o peso do trabalho de cuidado. Utiliza-se os conceitos de “sexo” e “gênero” como sinônimos (Oyěwùmí, 2021, p. 118). A sociedade iorubá no período primordial cunhou os termos “sexo anatômico”, “macho anatômico” e “fêmea anatômica” e, posteriormente, encurtou para “anassexo”, “anamacho” e “anafêmea”. Dentro dessa perspectiva, demonstra-se que não havia nenhuma ocupação, nenhum papel social que tanto “anamachos” quanto “anafêmeas” não pudessem desempenhar. Compreende-se, assim, que o argumento central de Oyěwùmí é que não havia mulheres, e que esse conceito de “mulher” é utilizado nas pesquisas em função da experiência e história ocidentais.
Na literatura sobre gênero, que é ocidental, a maternidade é assumida como um papel de gênero. Mas na sociedade iorubá, como em qualquer outro lugar, mulheres, fêmeas, são quem têm bebês e isso não resultou em normas para o masculino e o feminino.
A construção iorubá da maternidade era muito diferente daquela que é projetada nessas fantasias baseadas no Ocidente (Oyěwùmí, 2021, p. 123), pois as obrigações da maternidade, como as da paternidade, eram a principal razão para um emprego bem remunerado para todos os adultos, e o principal incentivo para acumular era a necessidade de fornecer um dote para a própria prole. De fato, as realidades socioeconômicas na Iorubalândia problematizam a teoria da maternidade como um papel de domesticação.
A maternidade oferece modelos alternativos de liderança tanto endógenos quanto pragmáticos para contextos africanos, muitos, se não a maioria, focados na mãe sob a ordem colonial da masculinidade. Sua conclusão explicita possibilidades políticas dessa consideração, uma vez que tal âmbito é o mais amplo social de poder relacional (em vez de dominação) em que o poder simbólico da maternidade está sendo negociado e testado nas pós-colônias africanas. E complementa que os termos ìyá, frequentemente traduzido como mãe, e bàbá, traduzido como pai, no uso iorubá não estão atrelados à anatomia, mas podem se referir a qualquer parente macho ou fêmea da mãe, como mãe. Sendo assim, no mundo iorubá bàbá e ìyá podem implicar domínio, prioridade e privilégio, e são marcadores de senioridade (Oyěwùmí, 2021, p. 115).
O prefixo Ìyá (mãe) sugere uma fêmea. Mas também significa “mulher mais velha”; portanto é uma indicação de idade adulta, senioridade e, consequentemente, responsabilidade e status.
As palavras Ìyá ou Yèyé são normalmente traduzidas como a palavra inglesa “mother”, que significa mãe. Essa tradução é altamente problemática porque distorce o significado original de Ìyá no contexto iorubá, deixando de captar o significado central do termo, porque abordagens teóricas dominantes da maternidade — feministas e não feministas — representaram a instituição como generificada. A partir dessa perspectiva, a maternidade é uma instituição generificada paradigmática. A categoria mãe é encarada como sendo incorporada por mulheres que são esposas subordinadas, fracas, impotentes e relativamente marginalizadas socialmente. A compreensão iorubá da categoria sócio-espiritual de Ìyá é diferente porque, na origem, não derivou de noções de gênero, ou seja, a figura de Ìyá é representativa da humanidade — elas são o ser humano arquetípico do qual todos os humanos derivam. Normalmente os prefixos ìyá e bàbá, no caso iorubá, são adicionados à designação como um sinal de respeito e indicação de idade, e não de gênero (Oyěwùmí, 2021, p. 115). Percebemos, então, que a diferença entre a sociedade iorubá e o ocidente é a maneira como o corpo é visto pois, no Ocidente, o corpo é central para as categorias sociais. Já na sociedade iorubá, o corpo não está no centro da categorização social.
O mais importante sobre a sociedade iorubá e muitas sociedades africanas — o que, de acordo com Oyěwùmí, está sendo modificado na atualidade — é que as categorias sociais são baseadas no comum, no coletivo. Sua família e sua linhagem são mais importantes do que o fato de você ser homem ou mulher. Assim, se a caça é a vocação de sua família, você, como uma mulher dessa família, tem acesso e oportunidade de ser uma caçadora bem antes de um homem de uma família que não é de caçadores. Temos que entender o contexto mais amplo e as regras da comunidade para compreender como os africanos imaginam o mundo — que é sempre sobre o coletivo.
A problemática do gênero inserida na cultura iorubá tem sido geralmente colocada como a questão da mulher, isto é, em termos de quanto as mulheres são oprimidas pelo patriarcado em qualquer sociedade. As mulheres e o patriarcado são aceitos com naturalidade e, portanto, são deixados em análise e sem explicação, pois o gênero não é ontológico ao ethos iorubá. Assim, a presença de construções de gênero identificáveis na linguagem, na história, e nas instituições sociais iorubás é, na melhor das hipóteses, evidência de mudanças sociais recentes e, na pior das hipóteses, confirmação de uma imposição estrangeira.
Oyěwùmí afirma que, em uma sociedade na qual a discriminação de gênero é cada vez mais difundida e se tornou um fato da vida, seria surpreendente se não fosse refletida, até mesmo, em Ifá. No entanto, esse aprofundamento do pensamento de gênero e a sua expansão não anula o fato de que originalmente o mundo iorubá não era dividido em masculino e feminino, e que as categorias de gênero e o subsequente domínio masculino são um resultado da modernidade. Não se pode exagerar o fato de que a ocidentalização, o islã e o cristianismo continuam sendo fontes de domínio masculino na religião, cultura e sociedade iorubá. Gênero como categoria, fonte de identidade e fator de organização social surgiu apenas recentemente no pensamento e comportamento iorubá.
Senioridade
Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí explica que a organização social iorubá primordial era um sistema baseado na senioridade, onde as relações sociais eram definidas pela idade relativa. Assim, a pessoa idosa, em qualquer interação social ou instituições que são consideradas mais antigas, são privilegiadas na cultura. Como uma instituição, a senioridade é socialmente construída e a idade cronológica não é a sua única característica.
Senioridade seria a disposição das pessoas com base em suas idades cronológicas, porém relativas, pois se manifesta continuamente na relação com alguém, sendo um princípio situacional, dinâmico e fluido que nos possibilita pensar e conceber papéis sociais que não são diferenciados por gênero.
As categorias de gênero ocidentais dominantes e as hierarquias que elas representam não existiam no sistema primordial iorubá baseado na senioridade. Sendo assim a anatomia humana, ou genitália, não expressa nenhuma distinção social ou atributos morais. Ela não é apenas uma questão de privilégio na vida cotidiana, pois também se aplica responsabilidade. Na socialização de crianças, por exemplo, a mais velha de um grupo é a primeira a ser servida durante as refeições e é considerada responsável em casos de infração no grupo, porque essa criança mais velha deveria ter conduzido melhor o grupo.
Sendo assim, a hierarquia no interior da linhagem também foi estruturada sob o conceito de senioridade (Oyěwùmí, 2021, p. 87). Nesse contexto, a senioridade é melhor compreendida como uma organização que opera sob o princípio de que quem for o primeiro a chegar será o primeiro a ser servido. A senioridade baseava-se na ordem de nascimento e de casamento.
Ao contrário das línguas europeias, o iorubá não “faz gênero”, em vez disso “faz senioridade”. Assim, as categorias sociais — familiares e não familiares — não chamam a atenção para o corpo como nomes pessoais em inglês, pronome de primeira pessoa e termos de parentesco.
Os pronomes de terceira pessoa ó e o wón fazem distinção entre as pessoas mais velhas e as mais jovens nas interações sociais. Assim, o pronome wón é utilizado para se referir a uma pessoa mais velha, independente do sexo anatômico. Como no antigo inglês “thou” (“tu”) ou pronome francês “vous” (“vós”), wón é o pronome de respeito e formalidade. Ó é usado em situações de familiaridade e intimidade (Oyěwùmí, 2021, p. 80).
De acordo com Oyĕwùmí a senioridade é relacional e situacional, pois ninguém está permanentemente em posição de uma idade maior ou menor; tudo depende de quem está presente em qualquer situação. Ao contrário do gênero, a senioridade é compreensível apenas como parte dos relacionamentos (Oyěwùmí, 2021, p. 83).
Referências Bibliográficas
Livros de Oyèrónkẹ Oyěwùmí
Oyěwùmí, O. (1997). The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses. Minneapolis: University of Minnesota Press.
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_________. (2011). Gender Epistemologies in Africa: Gendering Traditions, Spaces, Social Institutions and Identities. Nova Iorque: Palgrave.
_________. (2016) What Gender is Motherhood? Changing Yorùbá Ideals of Power, Procreation, and Identity in the Age of Modernity. Nova Iorque: Palgrave.
Capítulos de Livros de Oyèrónkẹ Oyěwùmí
Oyěwùmí, O. (2001) Translation of Cultures: Engendering Yoruba Language, Orature and World Sense. In Castelli, E. (ed) Women, Gender and Religion: A Reader. New York: Palgrave.
_________. (2001) Multiculturalism or Multibodism: On the Impossible Intersections of Race and Gender. In White Feminist and Black Nationalist Discourses in Michel, C. e Bobo, J. (eds). Black Studies: Current Issues, Enduring Questions. Kendal Hunt Publishing Company.
_________. (2004) Alice in Motherland: Reading Alice Walker on Africa and Screening the Color Black. In African Women and Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood, Africa World Press, Trenton: New Jersey.
_________. (2005). Colonizando corpos e mentes: gênero e colonialismo. In Gaurav, D. e Supriya, N. (eds).Postconialisms: An Anthology of Cultural Theory and Criticism Rutgers University Press.
_________. (2005) Visualizing the Body: Western Theories and African Subjects. In Oyěwùmí, O. (Orgs.), African gender studies: a reader. Nova York: Pallgrave Macmillan. Disponível em: https://dialecticalartist.files.wordpress.com/2021/03/african-gender-studies-a-reader.pdf
Textos de Oyèrónkẹ Oyěwùmí traduzidos para o português
Oyěwùmí, O. Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas. Tradução para uso didático de: Oyěwùmí, O. (2004). Conceptualizing Gender: The Eurocentric Foundations of Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies por Juliana Araújo Lopes. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads
_________. Divinizando o conhecimento: a questão do homem em Ifá. Tradução de Aline Matos da Rocha, como parte da dissertação de mestrado em Filosofia intitulada A corporal(idade) discursiva à sombra da hierarquia e do poder: uma relação entre Oyěwùmí e Foucault, defendida na Universidade Federal de Goiás, em 2018. Disponível em: https://goo.gl/kE6MuQ
_________. Jornada pela Academia. Tradução para uso didático de Oyěwùmí, O. Journey Through Academia, de Aline Matos da Rocha. Revisão de Wanderson Flor do Nascimento. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/
_________. Laços familiares/ligações conceituais: notas africanas sobre epistemologias feministas. Tradução para uso didático de Oyěwùmí, O. (2000). Family bonds/Conceptual Binds: African notes on Feminist Epistemologies de Aline Matos da Rocha. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads
_________. Matripotência: Ìyá nos conceitos filosóficos e instituições sociopolíticas. Tradução para uso didático de Oyěwùmí, O. Matripotency: Ìyá in philosophical concepts and sociopolitical institutions. What Gender is Motherhood? Nova Iorque: Palgrave Macmillan (2016), capítulo 3, pp. 57-92, por Wanderson Flor do Nascimento. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads
_________. O fardo da mulher branca: mulheres africanas no discurso ocidental feminista. Tradução de Aline Matos da Rocha. Oyěwùmí, O. The White Woman’s Burden: African Women in Western Feminist Discourse In African Women and Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood, edited. Africa World Press, Trenton: New Jersey (2003), pp. 25-43. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads
_________. Visualizando o corpo: teorias ocidentais e sujeitos africanos. Visualizing the Body: Western Theories and African Subjects in Coetzee, Peter H.; ROUX, Abraham P.J. (eds). The African Philosophy Reader. New York: Routledge, 2002, pp. 391-415. Tradução para uso didático de Wanderson Flor do Nascimento. Disponível em: https://filosofia-africana.weebly.com/uploads
_________. (2021). A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. 1ª edição. Rio de Janeiro: Bazar do tempo.
_________. (2022). Epistemologias de gênero em África: Tradições, Instituições Sociais e identidades de Gênero. Tradução de Wanessa Yano. São Paulo: Editora Ananse.
Estudos sobre Oyèrónkẹ Oyěwùmí
Gordon, L. (2018) Black Issues in Philosophy: The African Decolonial Thought of Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí. Blog of the APA (American Philosophical Association). Disponível em:https://blog.apaonline.org/2018. Acesso em 14/05/2019. Tradução para uso didático por wanderson flor do nascimento.
Rocha, A. M. (2018) A corporal(idade) discursiva à sombra da hierarquia e do poder: uma relação entre Oyěwùmí e Foucault. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Filosofia (Fafil), Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Goiânia.
_________. (2019) A bio-lógica do biopoder. A (dis)posição do corpo em Oyěwùmí e Foucault. Problemata: R. Intern. Fil. v. 10. n. 2, pp. 29-42.
Publicações sobre Oyèrónkẹ Oyěwùmí
Bendito. Disponível em: https://bemditojor.com/aprender-com-oyeronke-comunidade-ioruba-genero-e-decolonialismo/
Biografia de Mulheres Africanas. Disponível em: https://www.ufrgs.br/africanas/oyeronke-oyewumi-1957/
Le Monde Diplomatique. Disponível: https://diplomatique.org.br/oyeronke-oyewumi-tecituras-filosoficas-comprometidas-com-a-decolonialidade/
Portal dentro da África. Disponível em: https://www.pordentrodaafrica.com/reportagens-exclusivas/a-desconstrucao-da-ideia-de-mulher-em-contextos-africanos-dialogos-com-oyeronke
Produção em audiovisual sobre Oyèrónkẹ Oyěwùmí
África e História – Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C7fA7lLj_6w
Ciclo Miriam Maria Maria re-encontro especial 2022 com A Invenção das Mulheres da Oyeronké Oyewumi. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l9drHYowu3I
GRIFA 016 – A invenção das mulheres, de Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, com Claudia Miranda. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2a2_33MIttA&t=2247s
II Seminário dos Povos de Terreiro – Minicurso: Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí e a invenção das mulheres. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fIO7Yfaxd3k
Os Yorùbás e a Invenção das Mulheres, por Oyèronkè Oyèwúmi. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bUesLz6h4og
Oyèrónkẹ Oyěwùmí – Desafios das Epistemologias Africanas | MaRIas – IRI USP. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1tpVfzQo51M&t=2815s
Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí: discutindo as implicações da filosofia ocidental. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tAncj3jWmhA
Perspectiva Africana do gênero segundo Oyèrónké Oyěwùmí. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OWQbwLlN-h4
Registros em audiovisual com Oyèrónkẹ Oyěwùmí
ASA Distinguished Africanist Dr. Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M0DpkHdAZ0s
Conferência | A Invenção das Mulheres | Oyèrónkẹ Oyěwùmí | II Jornada Feminismos Decoloniais. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZGOjZrIYRIA
Conferência | A Invenção das Mulheres | Oyèrónkẹ Oyěwùmí | II Jornada Feminismos Decoloniais. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2LjUSJLCHfc&t=5849s
Conferência | A Invenção das Mulheres | Oyèrónkẹ Oyěwùmí | II Jornada Feminismos Decoloniais. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VzntmwDZwhw
Desaprendendo lições da Colonialidade: Escavando saberes subjugados e epistemologias Marginalizadas. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zeFI9vTl8ZU
Gender and Motherhood at Rhodes University. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6NRbvqeY1xw
I Don’t like Culture as an Explanation for Anything -Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ju6RjZcD0g0
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