A Primavera Silenciosa da Nature (parte I)
Imagine uma poção mágica capaz de aniquilar insetos transmissores das mais perniciosas doenças, salvando centenas de milhões de vidas. Jogue a poção mágica, e pouco tempo depois veja uma montanha de insetos caídos no chão. Talvez isso provoque o temor de que a poção pesticida seja altamente tóxica, afinal se mata insetos, o que mais pode matar? Mas imagine ainda que essa poção mágica tenha uma ação bem limitada aos insetos, e que seja tão segura que você poderia ingerir uma colher diariamente, sem nenhum efeito colateral significativo.
Não seria fantástico? O que é mais fantástico é que esta poção mágica já existe, e você talvez a conheça pelo nome de DDT, Dicloro-Difenil-Tricloroetano. A poção mágica foi contudo banida a partir da década de 1970 e desde então tem seu uso restrito inclusive no Brasil. Entender melhor por que isto aconteceu é entender algo das raízes do movimento ambientalista e de questões que foram e continuam sendo cruciais para o nosso bem-estar e o da vida no planeta.
Uma colher de sopa
Que o DDT é um pesticida de grande eficácia é um fato incontroverso: utilizado inicialmente para controlar vetores e surtos de doenças como malária e tifo durante a Segunda Guerra Mundial, durante a década de 1950 foi saudado literalmente como a poção mágica que erradicaria tais doenças por completo em todo o mundo e sozinho duplicaria a produtividade da agricultura, livre das pragas de seis pernas. Milhões de vidas foram realmente salvas e em várias áreas doenças foram efetivamente erradicadas após campanhas de dedetização. Em português, o DDT tornou-se mesmo verbo e profissão, ainda que hoje dedetizadores já não usem mais o Dicloro-Difenil-Tricloroetano.
Seria o DDT seguro à saúde humana? O entomologista americano J. Gordon Edwards dedicou sua vida a provar que sim, e de forma particularmente simples e corajosa. Edwards pegava uma caixa de DDT, enfiava uma colher de sopa no pesticida em pó e… botava goela abaixo, com alguns goles de água. A palestra que proferia depois sobre a segurança do DDT à saúde humana sem dúvida se tornava um tanto mais empolgante. Ao lado, uma fotografia de Edwards ingerindo mais uma colher de DDT ilustrando um artigo notório da revista Esquire em 1971.
J. Gordon Edwards faleceu em 2004, aos 84 anos de idade, enquanto escalava uma montanha com sua esposa. A causa da morte foi um ataque cardíaco.
Este, no entanto, é apenas o começo da história, e você não deve sair por aí tomando colheradas de DDT. A Primavera Silenciosa de Rachel Carson e os motivos muito razoáveis para o banimento do DDT, no próximo texto.
Discussão - 4 comentários
Bem, ao contrário do que diz o mito da Torre de Babel, os insetos existem por alguma boa razão... Nem todo animal nos parece bonito, e alguns nos parecem assustadores; Mas para quem compreende a natureza, tudo é bonito e assustador ao mesmo tempo.
O Kentaro e seus suspenses. Aguardando ansiosamente pelas continuações. Eu li o Livro da Rachel Carson. Foi um escândalo global na época. Provocou uma impressão nas pessoas de que todos os produtos químicos para a agricultura são extremamente perigosos, até um mero sal de KCl utilizado como fertilizante. Essa impressão é que sustenta a idéia de que a agricultura orgânica é diferente e melhor que o resto da agricultura "comercial". Não necessariamente o é.
Tem também um livro interessante sobre o assunto, não sei se conheces, o Roleta Genética. Esse da Rachel Carson, não conhecia.
Boa matéria, Kentaro!
Falando em "sutis conexões", lembrei-me do Maluco Beleza:
A mosca
Raul Seixas
Eu sou a mosca que posou em sua sopa
Eu sou a mosca que pintou pra lhe abusar
Eu sou a mosca que pertuba o seu sono
Eu sou a mosca no seu quarto a zumbizar
E não adianta vir me dedetizar
Pois nem o DDT pode assim me exterminar
Porque você mata uma e vem outra em meu lugar
Atenção, eu sou a mosca
A grande mosca
A mosca que pertuba o seu sono
Eu sou a mosca no seu quarto
A zum-zum-zumbizar
Observando e abusando
Olha do outro lado agora
Eu tô sempre junto de você
Água mole em pedra dura
Tanto bate até que fura
Quem, quem é?
A mosca, meu irmão