Baleias, ovelhas e cavalos no espaço

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“Também não se falou mais no fato de que, contra todas as probabilidades, uma cachalote havia de repente se materializado muitos quilômetros acima da superfície de um planeta estranho. E como não é este o ambiente natural das baleias em geral, a pobre e inocente criatura teve pouco tempo para se dar conta de sua identidade ‘enquanto’ cachalote, pois logo em seguida teve de se dar conta de sua identidade ‘enquanto’ cachalote morto”. – Douglas Adams, O Guia do Mochileiro das Galáxias

Se uma baleia cachalote em pleno espaço é um dos eventos mais improváveis que se pode imaginar, o que você diria da seguinte história: o óleo de baleia, especificamente o espermacete de cachalotes, seria prezado por suas propriedades únicas como o baixíssimo ponto de congelamento, e assim estaria sendo usado para lubrificar desde o telescópio espacial Hubble até a sonda interestelar Voyager? Algumas variantes chegam até a especular que estas sondas espaciais usariam óleo de baleia como combustível!

Adorável e absurda como possa parecer, infelizmente a anedota deve ter pouco tempo para se dar conta de sua identidade enquanto anedota para logo em seguida se dar conta de sua identidade enquanto mito desmentido. Com mais rumores circulando a respeito nos últimos meses, o perfil oficial da NASA para o Hubble no Twitter esclareceu que a história simplesmente:

“Não é verdade. Falei com o Gerente de Sistemas Astrofísicos da NASA que trabalhou no Hubble. Ele diz que não há óleo de baleia na nave”.

A importação de óleo de baleias foi proibida nos EUA a partir de 1976, e fornecedores de lubrificantes vinham se adaptando à regulação bem antes disso. Segundo a última fornecedora de óleo de baleia lubrificante nos EUA, a Nye Lubricants, “foi fácil encontrar um substituto para óleo de espermacete”. Óleo de jojoba, uma planta americana, “de onde pode ser expresso um óleo virtualmente idêntico em estrutura molecular”.

O óleo de baleia sim era apreciado por suas propriedades, mas quaisquer que fossem pelo visto jojoba o substituiu. E óleos sintéticos podem ter substituído a jojoba. Afinal, as propriedades do óleo de baleia também não eram tão únicas assim. Ao contrário da lenda, o espermacete sim se congela, de fato muito facilmente, a ponto de que parte pode se solidificar e formar velas.

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Mas afinal, não sabe ainda o que é o espermacete de que falamos? Em espanhol, Felix Ares explica “De velas y ballenas” tudo sobre o óleo e algo de sua história, incluindo como a unidade de medida do padrão SI para a intensidade luminosa, a candela (cd), foi estabelecida derivada da intensidade de luz de uma vela de espermacete inglesa.

Enquanto os alemães definiam sua unidade de luminosidade a partir de uma lamparina queimando acetato de amila e os franceses queimavam azeite de colza, quando um comitê internacional decidiu em 1948 padronizar a unidade através de meios mais confiáveis, foi a vela de espermacete inglesa a referência escolhida.

Mesmo hoje, a intensidade luminosa do monitor que você deve estar observando neste exato momento é definida em candelas, e assim se o espermacete de cachalotes não viaja entre as estrelas, ele ao menos encontra seu caminho como padrão de medida que deve se estender ainda por um bom tempo.

Unidades de medida nos levam às ovelhas. Em outra anedota curiosa, Carl Pyrdum lembra que o tamanho dos sofisticados e-readers, do Kindle ao tablet iPad, deriva do tamanho padrão de livros, por sua vez derivados… do tamanho de ovelhas medievais!

Na Europa, livros eram feitos de pergaminhos, e os pergaminhos feitos de pele de ovelha dependiam do tamanho das criaturas. “Despele, corte as partes curvas das pernas, e você fica com um gigantesco pergaminho, muito grande para a maior parte dos usos em livro”, conta Pyrdum.

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Mas está tudo bem, porque você pode dobrá-lo no meio, e terá um par de folhas (quatro páginas contando a frente e verso) que você pode juntar com várias outras folhas de mesmo tamanho para fazer um livro de tamanho ‘folio’. Dobre de novo e você obtém um livro de oito páginas chamado ‘quarto’, que é o livro do tamanho de um dicionário ou enciclopédia”. E assim por diante.

O tamanho da tela do iPad deve algo ao tamanho da pele de ovelhas medievais dobradas duas vezes. Talvez três. A história, que ainda não pude confirmar ou refutar, lembra uma das já clássicas sobre a origem da bitola dos trilhos americanos. Diz a lenda que a medida foi herdada dos ingleses, que a herdaram de suas carroças, por sua vez herdadas da largura das estradas do império romano, finalmente determinadas pela largura ocupada por dois traseiros de cavalos. Como a bitola ferroviária determinou a largura máxima de foguetes transportados por trens, os traseiros de cavalos romanos teriam determinado a largura de foguetes lançadores.

Fabulosa como seja a lenda, aqui está mais uma oportunidade para que ela se dê conta de sua identidade enquanto mito parcialmente desmentido. Como Cecil Adams, um dos mais famosos destruidores de mitos, “lutando contra a ignorância desde 1973”, já abordou o tema há dez anos, a linhagem de traseiros de cavalos romanos até foguetes lançadores da NASA não é contínua como quer dizer a lenda. Ao final, por outro lado, traseiros de cavalos sim foram o padrão mais ou menos constante e informal que fez com que estradas romanas, inglesas, e então ferrovias no Velho e Novo Mundo tivessem a mesma bitola aproximada que têm. Dois traseiros de cavalos são uma medida conveniente para a largura de uma estrada.

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Ao pesquisar os diversos nexos para este texto que já ficou mais longo do que esperava, encontrei ainda outra hist
ória de como óleo de baleia teria desempenhado um papel crucial na conquista espacial. E uma um tanto inacreditável.

Bem, na década de 1980, a NASA perdeu muitos de seus dados, incluindo as gravações originais em alta qualidade do pouso na Lua. Por quê?

“Suas primeiras estações registravam dados de satélite em fitas mestre de alta resolução que usavam óleo de baleia para aglutinar partículas de ferro no acetato. O óleo de baleia tornava as fitas muito mais duráveis, mas quando a pesca comercial de baleias foi proibida em meados dos anos 1980, a NASA não pôde mais adquirir essas fitas de longa durabilidade. Então ela reutilizou as antigas. Engenheiros da NASA gravaram em cima de 200.000 fitas mestre, incluindo registros em alta resolução de espaçonaves diversas como os primeiros satélites Landsat e a Apollo 11, preservados apenas em cópias de baixa resolução. ‘Enorme quantidade de dados foi perdida’”.

Poderia ser apenas mais uma lenda sobre óleo de baleia e a NASA, não fosse o fato de que o parágrafo vem diretamente da Science. Será mesmo esta a explicação para a perda do que pode ter sido um dos mais importantes registros na história da humanidade? Falta de fitas de gravação com óleo de baleia?

Chamem-me Ishmael”.

Discussão - 1 comentário

  1. Meire disse:

    Olá!
    Sobre o telescópio Hublle, estou assistindo A Saga dos EUA, no History, e foi exatamente isso que disseram: Os EUA ainda usam óleo de baleia no telescópio Hubble.
    Muito bom seu site!

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