Somos um epifenômeno

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Toda a humanidade foi infectada pelo vírus zumbi, que mata em 24 horas. Não há cura, todos irão morrer. Todos os mortos, depois de mais 24 horas, se tornam zumbis e podem vagar indefinidamente exigindo “cééérebros”. Mas há esperança.

Nem todos foram infectados ao mesmo tempo, e se duas pessoas vivas conseguirem agarrar um zumbi, podem revivê-lo como uma pessoa normal em um dia. Infelizmente, o tratamento é um paliativo que só funciona temporariamente, mais precisamente por 24 horas, após as quais a pessoa morre outra vez. E mais um dia depois, volta a se tornar um zumbi.

Pode soar como um enredo elaborado de um péssimo filme de zumbis, mas são as regras do “Jogo da Morte”, um apelido para uma variante criada por Brian Silverman para o “Jogo da Vida” – não, não o de roletas e tabuleiro –, uma das mais populares aplicações de autômatos celulares (CAs). Você confere mais sobre CAs, o Jogo da Vida de John Conway e a possibilidade de que o Universo seja um programa em um grande computador em “O Universo é Matrix?”.

Por aqui, convido você a apreciar a animação abaixo:

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Ela ilustra a situação já vários dias após a infecção, onde cada pixel representa uma pessoa. O cenário começa já com uma vasta área de pixels pretos, os zumbis, destino que aguarda a todos. Contudo restam algumas pessoas vivas, os pixels brancos, e algumas mortas que ainda não se converteram em zumbis, em azul. Cada quadro da animação representa a passagem de um dia. Ao todo, são 201 dias.

Note como a mudança de estado das pessoas de vivas, para mortas, para zumbis, e eventualmente de volta à vida se propaga pela área com grande rapidez. As formas que parecem viajar pela animação não são zumbis correndo em busca de “cééérebros”. Nesta representação, os pixels, as pessoas, permanecem imóveis e o que está se propagando é o padrão de pessoas/cadáveres/zumbis. O que se desloca na animação é a infecção, não as pessoas.

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Se você ainda está lendo este texto, talvez por pura paixão por zumbis, ainda assim já pode estar se perguntando aonde se quer chegar. Bem, a forma como um padrão inicial (a semente) rapidamente se espalha por toda a área e gera uma enorme variedade de padrões em verdade indica como esta representação, este autômato celular, é capaz de representar complexidade. Tanto é assim que seu nome original não era “Jogo da Morte”, envolvendo infecções e mortos-vivos.

O autômato celular foi inicialmente batizado como “Cérebro de Brian”, porque ao invés de zumbis você pode imaginar neurônios prontos para disparar – os pixels pretos. Os neurônios disparando, brancos, estão “vivos”. Os neurônios que acabaram de disparar precisam de um ciclo de descanso, estão “mortos”, são azuis. E, finalmente, um neurônio dispara se dois neurônios adjacentes estão disparando. Exatamente as mesmas regras, exatamente a mesma ilustração, mas se este texto começasse falando de neurônios você talvez não tivesse chegado até aqui. Confesse.

Além da brincadeira e da coincidência entre zumbis e cérebros, este texto fala de epifenômenos. Na animação acima, por exemplo, o fenômeno observado de um padrão de infecção propagar-se de maneira estável, cruzando a tela, é um epifenômeno da infecção zumbi. Isto é, que a humanidade está sendo afligida por esta terrível doença que só um péssimo roteirista ou matemático imaginaria, este é o fenômeno principal, todos podemos concordar. Que um padrão de pessoas vivas, mortas e zumbis se propague entre a população é um fenômeno secundário, paralelo. É um epifenômeno.

Agora, relembremos que a animação também é uma analogia do “Cérebro de Brian”, ou o seu cérebro, ou o meu cérebro. Que neurônios andam disparando para lá e para cá segundo alguma regra, esse é o fenômeno. Que padrões de neurônios disparando se propaguem por este modelo de cérebro, que aumentem em complexidade aparente e gerem uma pletora de imagens, esse será um fenômeno secundário, paralelo. Será um epifenômeno.

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Seríamos um epifenômeno? Consciência e inteligência em si mesmas são epifenômenos de outras adaptações evolutivas. Se fossem o fenômeno principal da vida, da evolução, esperaria-se que tudo fosse consciente e inteligente, quando em verdade poucas espécies dedicam muitos recursos à inteligência, e nós permanecemos largamente isolados em nossa consciência, inclusive, da solidão. Sentimentos e pensamentos que partilhamos apenas parcialmente com alguns de nossos parentes símios e mamíferos mais próximos.

A verdadeira inspiração para este texto, contudo, é notar como o próprio Universo pode ser um epifenômeno. Em “O Universo é Matrix?”, abordamos a questão de que, se o Universo é um programa em um computador, não é necessário presumir que este programa tenha sido projetado para processar nossa existência. Retorne à animação da infecção zumbi ou de um cérebro. Note como a complexidade que se vê é um epifenômeno, algo secundário que ocorre casual e paralelamente a um fenômeno primário.

Pois bem, autômatos celulares como o “Jogo da Morte”, ou o “Cérebro de Brian”, já foram demonstrados como computadores universais. Pode-se criar um padrão inicial de pessoas vivas/mortas/zumbis em um grande cenário que seja capaz de processar informação – representada por mais padrões de pessoas – exatamente como qualquer computador. Se o Universo é um programa computável, ele poderia ser computado pelo “Jogo da Morte”. Ele poderia ser computado como padrões de infecção zumbi.

Jürgen Schmidhuber, do Instituto Dalle Molle de Estudos em Inteligência Artificial na Suíça, nota que uma xícara de chá, simplesmente ao existir, estaria efetuando cálculos. Epifenômenos ocorrem na interação entre o chá e a xícara, o ar e tanto mais. O que computam? Provavelmente nada muito interessante, mas se ela pode ser vista como um computador efetuando cálculos quaisquer, nosso próprio Universo poderia estar tendo lugar em Outro como algo tão desinteressante quanto uma xícara de chá é para nós.

O padrão de infecção zumbi é algo bem mais interessante que uma xícara de chá, por outro lado, e ilustra talvez de forma ainda mais poderosa como epifenômenos complexos podem emergir. Nosso Universo pode não só ser Matrix, pode ser um padrão de infecção zumbi em outro Universo. Alheio a todo o o drama, o pr

Discussão - 3 comentários

  1. Maravilhoso. Já é velha a notícia, mas não custa repetir: sou sua fã.

  2. Kentaro Mori disse:

    Ow, Fernanda, assim não vale, eu é que sou teu fã 🙂
    É uma honra demais sermos SciBlings, é um clube que dá orgulho demais!

  3. [...] das forças fundamentais, há uma infinidade de epifenômenos que emergem a partir daí, adicionando e multiplicando a complexidade do Universo em todas as [...]

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