Ciclone de Ovelhas, Gato Ouroboros e Síndrome da Mão Alheia

O meme é meu pastor. Ou pelo menos é o pastor dessas ovelhas que, provavelmente assustadas com o carro, correm cada vez mais rápido umas atrás das outras, sem perceber que estão em conjunto apenas circulando o próprio carro do qual pretendem fugir em conjunto.

Esta situação em que o comportamento de rebanho reforça a si mesmo é algo similar ao conceito de meme introduzido por Richard Dawkins, e como ele, alerta sobre como ideias auto-replicadoras podem tomar conta de seus hospedeiros, por vezes em detrimento deles mesmos.

E o vídeo lembra outra imagem adorável do gato mordendo o próprio rabo:

Se o ciclone de ovelhas remete aos memes, o gato mordendo o rabo, como alguns outros animais, remete não apenas à serpente Ouroboros, como a um dos fenômenos neurológicos mais fascinantes, a Síndrome da Mão Alheia.

“Imagine ser atacado por uma de suas próprias mãos, que tenta repetidamente estapear e socar você. Ou então entrar em uma loja e tentar virar à direita e perceber que uma de suas pernas decide que quer ir para a esquerda, fazendo-o andar em círculos”.

“Essa realidade é bem conhecida da americana Karen Byrne, de 55 anos, que sofre de uma condição rara chamada Síndrome da Mão Alheia.”

Para lidar melhor com ataques extremos de epilepsia que a afligiam desde a infância, Byrne passou por uma cirurgia que cortou o corpo caloso, que conecta os dois hemisférios de nosso cérebro. Assim como uma parcela de outros pacientes submetidos à mesma cirurgia, Byrne passou a ver sua mão esquerda agir de forma alheia à sua vontade consciente. “Eu acendia um cigarro, colocava-o no cinzeiro e então minha mão esquerda jogava-o fora. Ela tirava coisas da minha bolsa sem que eu percebesse. Perdi muitas coisas até que eu percebesse o que estava acontecendo”, diz. No vídeo acima, vemos sua mão alheia estapeando seu próprio rosto.

Uma das interpretações do fenômeno é a demonstração de como nossa mente é em verdade fragmentada. Cirurgias cerebrais drásticas podem afetar as delicadas conexões que formamos para termos a ilusão de um “eu” monolítico – você, a pessoa que está lendo isso, é a mesma pessoa, você, que estava almoçando ontem, não? – e por vezes mostrar que episódios como pegar-se assobiando uma música sem perceber talvez não estejam tão distantes de ter uma mão com “vontade própria” tentando estrangulá-lo.

As alegorias de Platão e Freud da alma e do cérebro como uma carroça com condutores e cavalos em conflito sobre quais rumos tomar podem ser em verdade uma ilustração simplificada do que seria em verdade uma série de “eus” em nosso cérebro. E, como o gato mordendo o próprio rabo, que parece não entender como sendo uma parte de seu próprio corpo, demonstra, podemos partilhar esta mente fragmentada com outros animais. Esta mente fragmentada composta por diversas ações autônomas, em verdade, talvez seja a regra. Poucos deles partilham da fabulosa ilusão da consciência monolítica, de um “eu” constante e no controle.

Retornando também ao ciclone de ovelhas, é fascinante notar como o gato mordendo o próprio rabo ilustra um conflito individual, mas um análogo ao de ovelhas seguindo umas às outras formando um círculo. Talvez ovelhas formando um círculo possa ser uma alegoria mais apropriada para nossa mente do que uma carroça com condutor e vários cavalos.

Discussão - 2 comentários

  1. Fernando disse:

    Ótimo post! Um dramático exemplo da "síndrome da mão alheia" é protagonizado por Peter Sellers no papel título do filme Dr. Strangelove, de Kubrick.

  2. Mas não entendo o que levaria a mão à estapear um rosto, mesmo considerando-se a fragmentação do self. Por exemplo, eu não estapeio ninguém sem motivos - e quase sempre mesmo com motivos não o faço. Será que se perde também a mediação do córtex prefrontal que inibe comportamentos socialmente inadequados?

    []s,

    Roberto Takata

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