Aprenda com Mangás – e 20% de desconto!

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Aprender conceitos científicos dos mais básicos aos mais avançados – de nível superior – através de histórias em quadrinhos pode parecer uma idéia tão estranha que só pode ter vindo do Japão. Mas se veio do Japão, e continuando nos estereótipos, também funciona muito bem! Na terra do mangá há uma tradição de desenhos ensinando de tudo com aventuras infantis, incluindo o sempre presente recurso do mascote cômico e piadas engraçadinhas. A Novatec editora está lançando agora uma série destes guias mangá no país, abordando desde Bancos de Dados, passando por Estatística e através do nosso ScienceBlogs Brasil e por cortesia da editora, recebi o Guia Mangá de Eletricidade para avaliar.

Começando do mais elementar, com exemplos práticos, fartas ilustrações (claro!) e mesmo um pouco de história da ciência, os quadrinhos avançam rápido e com uma densidade de informação que faz com que em 200 páginas o mangá apresente mais informações do que muitos livros didáticos tradicionais… sem nenhum desenho! E todo mundo adora desenhos.

Todo esse material de eletricidade estática a circuitos, campos magnéticos, usinas nucleares (!) e mais faz parte do currículo japonês até o ensino médio, mas no Brasil, parte destes conceitos só são apresentados aos alunos na faculdade… em um curso que abranja a área de eletricidade! Há bastante nestes quadrinhos que mesmo aqueles graduados (ou até pós, de outras áreas) poderão aprender, incluindo um pouco da física de semicondutores que faz seu computador funcionar. Tudo isso com um mascote cômico e piadas engraçadinhas.

Se há uma ressalva que pode ser feita ao guia mangá, talvez seja justamente sua quantidade de informação, já que uma criança dificilmente entenderá a tudo, ainda que ilustrado. Mas então, crianças sempre podem nos surpreender, e o guia mangá pode ser uma introdução e referência futura para consulta. A beleza dos quadrinhos é que qualquer criança entenderá a historinha de fundo, aprenderá algo dos conceitos básicos, e terá sido apresentada a belos exemplos e analogias para idéias mais complexas que estarão lá em algum canto de seu cérebro até o dia em que a ficha finalmente caia. Não há como perder, ainda mais porque o mangá não se dirige apenas a crianças.

A editora oferece amostras com várias páginas para que você confira o tom e qualidade do trabalho – confira para Eletricidade e Bancos de Dados –, e promete lançar ainda guias mangás sobre Cálculo, Biologia Molecular e Física.

Gostou? Através do código promocional “100NEXO” a editora Novatec oferece ainda 20% de desconto nos títulos até o dia 30/04/2010. Basta informá-lo no carrinho de compras.

Talvez o tom desta resenha tenha parecido muito empolgado, e o desconto especial oferecido desperte alguma suspeita, mas esclareço que além do exemplar do livro recebido para resenha, este post não foi nem é patrocinado de qualquer forma, e a opinião expressa reflete unicamente a avaliação livre deste blogueiro, que já criticou duramente o que não gostou. O entusiasmo aqui é porque este blogueiro gostou muito.

O guia mangá é ótimo e altamente recomendado. Compre djá!

Os Epiciclos Ptolemaicos de Homer Simpson

Uma noite de observação do céu estrelado basta para perceber que tudo está em movimento. O vídeo acima em time-lapse registra o céu em movimento (clique para mais), oferecendo a noção muito clara de uma abóbada celeste girando ao nosso redor. Além de vídeos em lapso de tempo, uma fotografia em longa exposição também ilustra o círculo celeste.

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Retrospectiva 100nexos: 2009

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Se 2008 foi o ano em que nos juntamos ao primeiro condomínio de blogs sobre ciência no Brasil, 2009 foi o ano em que este condomínio se transformou no ScienceBlogs Brasil, parte da maior rede de blogs de ciência no mundo!

Também foi o ano em que completamos um milhão de leituras aos nexos que oferecemos por aqui e ganhamos o prêmio do Anel de Blogs Científicos na categoria Ciência Geral, Política Científica e Tecnologia!

Não poderia ter sido um ano melhor, pelo que agradeço aos coordenadores do ScienceBlogs Brasil, Carlos Hotta e Atila Iamarino pela oportunidade que ofereceram ao 100nexos e ao trabalho que dedicam para toda a blogofera científica no país; aos SciBlings, amigos e colegas por todo o apoio e paciência; e, claro, a vocês, que se aventuram a ler este não tão humilde blog. Mas final de ano é para comemorar mesmo, ainda mais um como este!

Segue então uma seleção 100nexos do que foi publicado em 2009, começando com:

Top 10 por número de visitas:

  1. O Universo Conhecido
  2. Na Rússia, Plasma rádio VOCÊ !!
  3. Sexo Selvagem com Animal em Extinção
  4. Magenta… e todas as outras cores da massa cinzenta
  5. Três prostitutas, duas camisinhas: o problema matemático com mais sacanagem
  6. Gripe suína: "Vamos todos morrer" (Lições de 1976)
  7. O Paradoxo de Braess e a Ampliação da Marginal
  8. Como vencer um debate (sem ter razão)
  9. Demonstração de anti-gravidade?
  10. A Assassina do Cotonete

Mais 20 seleções do autor:

  1. Um pixel, da Terra à Lua, ao infinito e além
  2. Cheirando estrelas nos confins do Universo
  3. Roombas sonham com ovelhas elétricas? As Tartarugas de Walter
  4. O Universo em uma Árvore de Natal
  5. A Evolução dos Ruídos: do Satanismo digital ao que somos
  6. "Mas isso eu já sabia!"
  7. O Segredo de Gregor Samsa
  8. Aprendendo com a Constelação de Homer Simpson
  9. Boxxy for President (no S&H)
  10. Enxergando padrões
  11. Dinossauros tinham gosto de… frango?
  12. Super-Homem: Uma Teoria Unificada para seus Superpoderes
  13. Pedalternorotandomovens Centroculatus Articulosus
  14. O Triste Fim do Pequeno Albert
  15. Dentro ou fora? O Teorema da Curva de Jordan (no S&H)
  16. Computador a água?
  17. El Silbo, agora o mundo acaba
  18. Como andar de bicicleta? Uma bicicleta com rodinhas… dentro da roda
  19. Da Pré-História ao Trans-Humanismo em um pote de cerâmica
  20. Pedro, Jack Kilby e o Chip

E por que não? Mais uma avalanche de posts rápidos (ou nem tanto) comentando vídeos, imagens e tudo o mais:

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O Universo em uma Árvore de Natal

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A árvore de Natal é um belo símbolo, representando a vida eterna renascendo do inverno. Os antigos já haviam compreendido os solstícios, e a decoração da árvore com frutas simbolizava a fartura por vir.

Bem, nós descobrimos um tanto mais sobre o Universo desde então. Que tal enxergar a árvore de Natal sob a luz de um punhado destas novas descobertas? Você pode agitar sua ceia de Natal.

  • Conhecemos hoje mais planetas além do sistema solar que o número de bolas de Natal em sua árvore. A contagem atual é de 358 exoplanetas;
  • Se o planeta Terra fosse diminuído ao tamanho de uma bola de Natal, seria uma bola mais lisa que as outras. Geometricamente: o Monte Everest (+8km) ou a Fossa das Marianas (-11km) representam imperfeições minúsculas dado o diâmetro de mais de 12.000km. É uma imperfeição menor que 0,01%.
  • Caso um familiar particularmente inconveniente disser que a Terra não é perfeitamente esférica, e sim um esferóide oblato, mais largo no equador, note que ainda assim o desvio para uma esfera perfeita seria menor do que 0,04%. Bolas de Natal não são tão redondas assim. E para a maior parte dos fins práticos, a Terra é sim redonda. You win.
  • Se uma bola de Natal de oito centímetros representar a Terra e uma outra bola ao lado representar o exoplaneta mais próximo – Epsilon Eridani b, a 10,5 anos-luz de distância – então para que a distância entre os planetas seja representada na mesma escala que o tamanho do planeta Terra, a outra bola de Natal deveria estar a aproximadamente 630.000 km de distância. Quase o dobro da distância da Terra à Lua.
  • Se a estrela no topo da árvore representar o nosso Sol, e a estrela no topo da árvore de Natal do seu vizinho – digamos, a 50 metros — representar as estrelas mais próximas, o sistema binário de Alfa Centauro, a 4 anos-luz, então o tamanho da estrela no topo de sua árvore deveria ser de 0,00074 centímetros, ou 0,74 micrômetros. Mais de 100 vezes menor que a espessura de um fio de cabelo.

O Universo tem espaço. Uma curiosidade de bônus ilustra como também tem tempo:

    • Digamos que sua árvore de Natal seja um vistoso pinheiro, que tenha levado dez anos para crescer. Se o momento em que foi semeado coincidisse com o Big Bang, há 13,7 bilhões de anos, e todo o resto fosse comprimido até o presente, então esta árvore de Natal só teria conhecido os primeiros primatas nas últimas horas, e toda nossa história registrada teria pouco mais de um minuto. Dez anos crescendo, e nossas aventuras se resumiriam a alguns instantes encenados em uma parte minúscula desta árvore repleta de ornamentos. O pinheiro de dez anos pode ser visto como uma versão do Calendário Cósmico de Carl Sagan.

“A astronomia é uma experiência de humildade que constrói o caráter”, notou Sagan. ”Dizem que os cientistas são frios, que sua paixão por descobrir coisas tira a beleza e o mistério do mundo. Mas não é sensacional entender como o mundo realmente funciona – que a luz branca é feita de cores, que a cor é a forma como percebemos comprimentos de ondas de luz, que o ar transparente reflete a luz e que ao fazê-lo separa as ondas, e que o céu é azul pela mesma razão que o pôr-do-sol é vermelho? Não faz mal nenhum ao romance do pôr-do-sol conhecer algo sobre ele”.

Que o espírito Natalino inspirado por uma árvore de Natal tomada como ponto de partida para uma viagem pelo Universo descoberto pela ciência seja um bom presente neste Natal.

Boas festas! [imagem da árvore de dyet]

O Universo Conhecido

São imagens poderosas, afinal, é todo O Universo Conhecido, um filme produzido pelo Museu Americano de História Natural em uma viagem do monte Everest e as gargantas do rio Ganges até os limites de todo o cosmo conhecido.

No caminho, enquanto nos afastamos do planeta vemos o azul profundo do Pacífico, a Terra como um todo, as órbitas de milhares de satélites que lançamos em órbitas baixas e então um anel daqueles em órbita geostacionária; rapidamente focando o brilho de nosso Sol, o sistema solar, a bolha de nossas transmissões de rádio com décadas de anos-luz de raio, a nossa galáxia, a estrutura filamentar de milhões de outras galáxias próximas até o limite do Universo observável, na radiação de fundo composta dos ecos do Big Bang.

Viajar pelo espaço nesta escala é também viajar no tempo, enquanto a esfera final do Universo conhecido marca também os primeiros instantes de tudo. Caso se sinta alguma vertigem, basta se segurar nos assentos porque logo fazemos todo o caminho de volta ao pálido ponto azul.

Esse tipo de visualização não é particularmente novo, e sua versão mais famosa é o clássico Potências de 10 (1977), sendo que uma versão recente particularmente bela inicia o filme Contato (1997). A diferença é que desta vez, “a estrutura de O Universo Conhecido é baseada em observações e pesquisas precisas e cientificamente acuradas”. Isto é, enquanto todas as outras versões anteriores contavam com uma boa dose de licença artística e imaginação, nesta versão a beleza é derivada diretamente de dados científicos concretos. É por isto que em certo momento a visualização de galáxias e quasares forma uma espécie de ampulheta, porque só podemos observar em grandes distâncias em planos perpendiculares ao disco de nossa Via Láctea – isto é, “para cima ou para baixo”, porque “dos lados” todas as estrelas de nossa galáxia bloqueiam a visão.

De traçar constelações no céu a olho nu a uma visão de todo o cosmo com bilhões de anos-luz, este é o poder, ou a potência, de O Universo Conhecido.

Longe de diminuir a fascinação, justamente por se centrar em dados observacionais esta visualização instiga mais beleza. Além dos limites do conhecido não se exibe nada. Não vemos a cabeça de Homer Simpson, o que seria algo cômico, mas que não se compara com o fato de que este vazio representa o incognoscível. De tudo que conhecemos sobre o cosmos, dentro da esfera, o que há além dela estaria por definição fora de nosso alcance. É grosso modo aquilo que teria ocorrido antes do Universo, com o detalhe de que antes de nosso Universo o tempo também não existia.

“Comparo o Universo Digital à invenção do modelo do globo terrestre”, diz Ben Oppenheimer, astrofísico do Museu. “Quando Mercator inventou o globo, todos queriam um. Ele teve encomendas adiantadas por anos. Deu a todos uma nova perspectiva de onde viviam em relação aos outros, e esperamos que o Universo Digital faça o mesmo em uma escala maior, cósmica”.

Haveria “outros” pelo Universo? Sem dúvida, a primeira e mais básica impressão que o filme deixa é justamente que, se estivermos sós, “será um grande desperdício de espaço”.

[O filme foi produzido por Michael Hoffman e dirigido por Carter Emmart, criado na plataforma Uniview, a mesma utilizada em outro trabalho fenomenal, Bella Gaia, abordado aqui em 100nexos há alguns meses]

It Felt Like a Kiss

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“Estrelando: Rock Hudson, Saddam Hussein, Lee Harvey Oswald, Doris Day, Enos o chimpanzé e todos acima do nível 7 na CIA”. É como começa “It Felt Like a Kiss” (2009), documentário da BBC produzido por Adam Curtis, em uma viagem pela segunda metade do século XX, do ápice do poder americano nos anos 1950 até o final, em uma cena onde a atriz Doris Day fecha a porta do seu quarto de hotel – de número 2001 – e dorme tranquilamente, até ser acordada pelo estrondo de um avião.

Baseado em imagens de arquivo, como é a assinatura do produtor Curtis, seu trabalho mais recente segue a linha dos anteriores ao ressaltar como planos mirabolantes de tecnocratas do século passado empenhados em mudar o mundo fracassaram de maneira por vezes cômica, e sobretudo irônica. Ter Saddam Hussein ao lado do ator Rock Hudson não é tão absurdo quando Curtis lembra, através de legendas, fotos e vídeos, como Hussein foi um agente da CIA, como foi patrocinado pela CIA em seu golpe no Iraque e, onde entra a ironia, como Hussein posteriormente produziu um filme sobre seu papel no golpe.

Filme editado por Terence Young, que dirigiu três filmes de James Bond. Saddam Hussein não esteve tão distante de Hollywood.

“It Felt Like a Kiss” não é comentado aqui apenas por ser cultura e política: também lida com temas da ciência, ou pelo menos, da tecnologia. Porque o trabalho de Curtis ressalta de forma especialmente interessante como a ciência está longe de fornecer soluções para todos nossos problemas. Em um pequeno spoiler, conto aqui a teia de conexões envolvendo o macaco.

Em 1961, Enos o chimpanzé foi o primeiro primata a orbitar o planeta. Lançado pelos americanos durante a corrida espacial, Enos havia sido capturado nas selvas do Congo ainda filhote, e agora sobrevoava em órbita seu berço de nascimento. Há algo de poético nisto, embora o fato do primeiro primata no espaço ter sido retirado de seu berço para ser treinado a milhares de quilômetros e então lançado em um foguete como cobaia ao espaço não seja uma poesia particularmente harmoniosa. Contada deste jeito, claro. A crítica de Curtis, contudo, não é esta.

Enquanto o chimpanzé Enos orbitava o planeta, o próprio Congo passava por uma guerra civil, e a CIA teria se envolvido com o golpe contra o primeiro presidente eleito Patrice Lumumba, que seria deposto, assassinado e, segundo relatos, teve finalmente seu corpo dissolvido em ácido. Tomaria seu lugar Joseph Mobutu, um dos mais corruptos e sanguinários ditadores da África. “E entre o caos e a violência, o HIV continuava a se disseminar silenciosamente de humano a humano”.

Sim, porque acompanhando a conquista do espaço e golpes militares, demonstrações de poder e suposto controle, o vírus da AIDS também se tornava lentamente uma pandemia. Descontroladamente. Tudo isso apresentado ao som de “In Dreams”, cantado por Roy Orbison, só se torna mais impactante quando somos lembrados que Rock Hudson, o famoso ator símbolo de bom partido nos filmes românticos das décadas de 1950 e 60, era na vida bem real homossexual e faleceu de complicações relacionadas à AIDS.

“It Felt Like a Kiss” é repleto do que podem ser socos no estômago como este, e embora a mensagem central seja bem clara, a ausência de narrativa e a sucessão que chega a ser desconexa de uma infinidade de imagens deixa muito para interpretação do espectador. Aqueles que tiverem se interessado mais pela crítica que Curtis faz à tecnocracia e grandes planos mirabolantes ruindo estrondosamente preferirão a série Pandora’s Box, do mesmo Curtis, outra obra imperdível.

É, apesar de alguns defeitos, “It Felt Like a Kiss” é sim imperdível. O documentário está disponível online na íntegra: assistam a “It Felt Like a Kiss” no mínimo pela música, com alguns dos maiores hits da época. Serão 54 minutos muito bem gastos. Há uma surpresa mesmo no título. “Pareceu um beijo” não é uma música tão romântica assim.

O Triste Fim do Pequeno Albert

“Das filas de bebês que se arrastavam a quatro pés, elevaram-se gritinhos de excitação, murmúrios e gorgolejos de prazer. O Diretor esfregou as mãos. – Excelente! – comentou. E, levantando a mão, deu o sinal. A Enfermeira-Chefe baixou uma pequena alavanca. Houve uma explosão violenta. Aguda, cada vez mais aguda, uma sirene apitou. Campainhas de alarme tilintaram, enlouquecedoras. As crianças sobressaltaram-se, berraram; suas fisionomias estavam contorcidas pelo terror. – Mas isso basta — continuou, fazendo um sinal à enfermeira. As explosões cessaram, as campainhas pararam de soar, o bramido da sirene foi baixando de tom em tom até silenciar. Os corpos rigidamente contraídos distenderam-se, o que antes fora o soluço e o ganido de pequenos candidatos à loucura expandiu-se novamente no berreiro normal do terror comum. – Ofereçam-lhes de novo as flores e os livros. As enfermeiras obedeceram; mas à aproximação das rosas, à simples vista das imagens alegremente coloridas do gatinho, do galo que faz cocorocó e do carneiro que faz bé, bé, as crianças recuaram horrorizadas; seus berros recrudesceram subitamente. – Observem – disse o Diretor, triunfante. – Observem.

Os livros e o barulho intenso, – já na mente infantil essas parelhas estavam ligadas de forma comprometedora; e, ao cabo de duzentas repetições da mesma lição, ou de outra parecida, estariam casadas indissoluvelmente. O que o homem uniu, a natureza é incapaz de separar. – Elas crescerão com o que os psicólogos chamavam um ódio "instintivo" aos livros e às flores. Reflexos inalteravelmente condicionados. Ficarão protegidas contra os livros e a botânica por toda a vida”. [Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”, 1932]

A distopia de castas condicionadas de Huxley não era apenas ficção, e sua similaridade com o filme que pode ser visto acima está longe de ser mera coincidência. Um dos personagens principais do romance, Helmholtz Watson, é em seu sobrenome uma referência a John Watson, um dos psicólogos fundadores do Behaviorismo e que pode ser visto no filme, acompanhado da assistente Rosalie Rayner e do bebê que é tema deste texto: o Pequeno Albert.

“Albert” era o nome fictício para o bebê muito real sujeito aos experimentos de Watson. Filho de uma enfermeira que trabalhava onde o psicólogo behaviorista realizava seus experimentos, Watson o escolheu para demonstrar o fenômeno de condicionamento em humanos – porque ele foi originalmente demonstrado em cães, nos famosos experimentos de Pavlov. Eram outros tempos, era o ano de 1920, e o pequeno Albert tinha pouco menos de um ano.

Soando o gongo

Watson inicialmente estabeleceu como o bebê não parecia ter praticamente nenhum medo inato. Foi na sala controlada de Watson que o pequeno Albert conheceu pela primeira vez na vida coelhos, macacos, cachorros e mesmo um pequeno rato branco, com que tentou brincar. Nenhum deles o assustava, e Albert não temia nem mesmo o fogo. Uma das poucas coisas que desagradava Albert era um desconforto natural com barulhos altos repentinos, como bater em uma barra metálica.

O primeiro passo do condicionamento em si envolveu assim associar a resposta natural de Albert – o desconforto com barulhos altos – com aquelas não-condicionadas. Como na ficção de Huxley, toda vez que Albert via o pequeno rato branco, a assistente Rosalie passou a assustá-lo com o súbito estrondo ao martelar a barra metálica. Depois de várias repetições, sempre associando o rato branco ao desagradável susto do estrondo, Watson pareceu ter obtido sucesso. “Na mente infantil essa parelha estava ligada de forma comprometedora”, escreveria Huxley anos depois.

Mesmo sem nenhum barulho, Albert passou a chorar com a visão do pequeno rato branco com que antes queria brincar. Mais do que isso, o bebê teria generalizado sua resposta condicionada, passando a temer vários outros objetos felpudos, desde coelhos até casacos de pele que, relembrando, inicialmente não temia, e os quais nunca foram mostrados acompanhados do estrondo. No filme vemos o pobre Albert chorando inclusive quando Watson coloca uma máscara de Papai Noel, com sua barba branca.

Cruel, sem dúvida. Ainda pior porque o estágio seguinte dos experimentos, em que Watson tentaria reverter o condicionamento, tentando habituá-lo novamente ao ratinho branco ou mesmo associando-o a doces, nunca foi realizado. Albert foi levado pela mãe para nunca mais ser encontrado.

Rumores davam conta de que a mãe teria descoberto o que o psicólogo estava fazendo com seu filho, e indignada teria fugido sem deixar pistas. Albert teria sido adotado por outra família, e a fobia condicionada teria persistido até a vida adulta. Eram, contudo, apenas rumores. O “Pequeno Albert”, parte de um dos mais famosos experimentos psicológicos e inspiração para parte de uma das obras literárias mais importantes do século passado havia desaparecido.

Há pouco ele parece ter sido finalmente encontrado.

Encontrando o Pequeno Albert

Na mais recente edição de American Psychologist, comentada em Mind Hacks, o psicólogo Hall Beck revela os resultados de uma exaustiva investigação de sete anos que liderou em busca do paradeiro de Albert. Literalmente como detetives, os psicólogos partiram dos poucos dados conhecidos, começando do local e data em que os experimentos foram realizados, e através deles localizaram o nome da enfermeira Arville Merritte. Tudo indicava que deveria ser a mãe, mas o rastro não levava muito além.

Foi uma busca pelo seu nome de solteira, Arvilla Irons, que permitiu voltar ao caminho. Isso sugeria que seu nome de casada era provavelmente em si mesmo fictício, escondendo o fato de que seu bebê era ilegítimo. Arvilla era uma mãe solteira, e seu bebê não se chamava Albert, e sim Douglas. “Douglas Merritte”. Seria o Pequeno Albert?

Para finalmente confirmar o achado, Beck e sua equipe contaram com a colaboração da família Irons, que enviou fotos do bebê que foram então analisadas por peritos forenses do FBI. Embora as fotografias não fossem muito boas, os resultados, combinados com a coincidência dos diversos outros dados rastreados, sugerem fortemente que o pequeno Albert havia sido finalmente encontrado. Noventa anos depois, finalmente saberíamos qual teria sido o destino de Douglas.

Foi um triste destino. Poucos anos depois dos experimentos, em 1922 Douglas parece ter contraído meningite e desenvolvido hidrocefalia, um acúmulo de fluido no cérebro. Com apenas seis anos de idade, em 1925, o pequeno Douglas faleceu.

Todos os rumores sobre a vida de “Albert” eram falsos. Douglas viveria apenas mais cinco anos, e não se sabe se nesta curtíssima vida deixou de temer ratos, coelhos ou casacos de pele. Mind Hacks cita o final melancólico do artigo da investigação de Beck, que visitou o túmulo do pequeno Douglas:

“Enquanto observava Gary e Helen colocando flores no túmulo, lembrei-me de um sonho que tive acordado onde imaginava mostrar a um ancião surpreso o filme de Watson dele ainda bebê. Minha
pequena fantasia estava entre as dúzias de enganos e mitos inspirados por Douglas.

‘The sunbeam’s smile, the zephyr’s breath,
All that it knew from birth to death.’

Nenhuma das lendas que encontramos durante nossa investigação possuía base factual. Não há evidência de que a mãe do bebê tenha ficado ‘ultrajada’ com o tratamento de seu filho ou que a fobia de Douglas tenha provado ser resistente a extinção. Douglas nunca foi decondicionado, e não foi adotado por uma família ao norte de Baltimore.

Nem ele chegou a ser um senhor de idade. Nossa busca de sete anos foi mais longa que a vida do pequeno garoto. Coloquei flores no túmulo de meu ‘companheiro’ de longa data, voltei-me e simultaneamente senti uma grande paz e uma profunda solidão”.

Watson, educador infantil

O triste fim do pequeno Albert deve cortar o coração de qualquer um, e em um primeiro momento, é tentador culpar John Watson. No entanto, ainda que a ética de seus experimentos seja mais do que questionável, o psicólogo dificilmente pode ser responsabilizado pela morte prematura da criança. O fato de Douglas ser um filho ilegítimo, combinado com tratamentos muito mais limitados da década de 1920 e finalmente, o simples e desafortunado acaso são explicações muito mais razoáveis para seu trágico fim.

Curiosamente, pouco depois dos experimentos com o Pequeno “Albert”, Watson foi forçado a deixar a universidade Johns Hopkins devido a seu caso com a assistente Rosalie Rayner. Sim, exatamente a assistente que pode ser vista nos filmes. Watson era casado e a revelação da sua relação com a assistente provocou certo escândalo. Assim como com seus experimentos com Douglas, logo surgiriam rumores sobre seu afastamento, incluindo o de que teria conduzido pesquisas sobre a resposta sexual humana… com a sua amante.

Eram outros tempos, era a década de 1920, e enquanto o adultério de Watson escandalizava a sociedade, ninguém pareceu se importar com as implicações éticas dos experimentos com bebês. Afastado da vida acadêmica, Watson adentraria o mundo da publicidade e, o que pode soar absurdo, a educação infantil, escrevendo um livro e vários artigos populares sobre como pais deveriam criar seus filhos.

O absurdo de que o psicólogo que teria traumatizado um bebê passaria a dar conselhos sobre como educar crianças é apenas o choque entre a sociedade atual e a de quase um século atrás. Watson não era um monstro. Justificou-se argumentando que o bebê poderia ter experiência assustadoras no berçário, de uma forma ou de outra. Com seus experimentos eles poderiam lhe causar “relativamente pouco dano”, escreveu. Watson era um homem de seu tempo. Era, inclusive, um homem talvez um pouco à frente de seu tempo, sendo severamente contrário à agressão como corretivo infantil.

Finalmente, e o que é realmente importante: talvez nem tenha “traumatizado” Douglas. Assustado, sim. Traumatizado, talvez não.

Nem tão condicionado

Embora o experimento original tenha sido saudado como uma demonstração inequívoca do condicionamento clássico em humanos, e ainda que evidencie sim o fenômeno, uma revisão crítica do estudo mostra que não há realmente evidência sólida de que o Pequeno Douglas tenha chegado ao extremo de desenvolver uma fobia por ratos e outros objetos felpudos. Ele pode ter chorado ao ser forçado a tocar Watson com a máscara de Papai Noel, mas então, quantos bebês não-condicionados também não fariam o mesmo?

O próprio estudo original nota que depois de um mês, não era sempre que Douglas chorava ao ser apresentado a objetos felpudos… ou mesmo ao pequeno rato branco. Diversas descrições dos experimentos de Watson costumam exagerar seus resultados. Este foi apenas um experimento, com apenas uma criança, sendo que após um mês a resposta condicionada não ocorria sempre.

Watson chega a sugerir que Douglas era um “tipo extremamente fleumático”, que raramente chorava, e que com outro bebê mais emocionalmente instável o condicionamento persistiria inalterado mesmo após um mês. Apenas especulação de sua parte.

“Pode ser útil que teoristas modernos de aprendizado vejam como o estudo de Albert motivou pesquisa subsequente (…) mas parece hora de, finalmente, colocar os dados de Watson e Rayner na categoria de resultados ‘interessantes, mas não-interpretáveis’”, avaliou Ben Harris.

O Behaviorismo, do qual Watson foi um dos fundadores, ainda seria influenciado por B.F. Skinner e passaria por diversas outras modas e modificações pelas próximas décadas. Pesquisas posteriores mostraram de forma mais clara que sim estamos sujeitos ao condicionamento, mas que as coisas não são tão simples como Watson imaginava.

Por outro lado, as propostas de Watson e Rayner para reverter o condicionamento precederam práticas terapêuticas futuras, incluindo a Terapia Cognitivo Comportamental (CBT) praticada atualmente, com bons resultados experimentais.

E, para quem ainda se pergunta, hoje em dia experimentos passam por comitês de ética, que não aprovariam a condução de experimentos como o do Pequeno Albert. Ainda que há não tanto tempo outros experimentos duvidosos tenham sido realizados.

Douglas poderia ser pequeno e sua vida foi tragicamente curta. A sua história, no entanto, é bem longa. Ao final, um caso emblemático do que seria o controle da natureza humana, pilar de uma das mais famosas distopias imaginárias do século 20, revela a realidade muito crua e imprevisível de uma mãe solteira, a morte prematura de seu filho, sujeito de uma pesquisa com resultados ambíguos, cujo pesquisador é afastado de sua posição pela revelação de um caso extra-conjugal… para tornar-se educador infantil. [via Mindhacks, Guía para perplejos]

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ResearchBlogging.org Beck HP, Levinson S, & Irons G (2009). Finding Little Albert: a journey to John B. Watson’s infant laboratory. The American psychologist, 64 (7), 605-14 PMID: 19824748

Watson, J., & Rayner, R. (1920). Conditioned emotional reactions. Journal of Experimental Psychology, 3 (1), 1-14 DOI: 10.1037/h0069608

Harris, B. (1979). Whatever happened to little Albert? American Psychologist, 34 (2), 151-160 DOI: 10.1037/0003-066X.34.2.151

Como andar de bicicleta? Uma bicicleta com rodinhas… dentro da roda

ResearchBlogging.org

Algum dia a próxima geração poderá rir de nossas histórias de como aprendemos a andar de bicicleta, com rodinhas e arranhões. Este não é um informecial, ou mesmo um post pago, mas a Gyrowheel parece uma idéia simples e fabulosa.

Incorporando uma roda dentro de outra roda de bicicleta padrão aro 12, a roda interna gira movida por um motor e bateria – todos embutidos – e então… mágica, ou melhor, física! O conjunto passa a estabilizar a bicicleta, facilitando com que a criança aprenda a andar com duas rodas sem depender das rodinhas, dominando a bicicleta muito mais naturalmente até não precisar mais do auxílio tecnológico. Confira o vídeo acima para ver bicicletas andando sozinhas.

O que faz a Gyrowheel estabilizar a bicicleta, ou mesmo andar sozinha sem cair por um bom trajeto, é o efeito giroscópico, o mesmo que faz o pião manter-se estável mas… que não é a explicação para que andemos de bicicleta!

Ao contrário do que muitos materiais didáticos afirmam, o efeito giroscópico criado pelas rodas de uma bicicleta comum é quase desprezível e não explica a bicicleta. As rodas não são tão pesadas e bicicletas não andam tão rápido. Muitas demonstrações didáticas do efeito giroscópico utilizando rodas de bicicleta talvez contribuam para a noção, que no entanto já foi refutada com experimentos incluindo a idéia engenhosa do professor David Jones em 1970 (PDF) de incluir uma roda que gire em sentido contrário, anulando assim os efeitos giroscópicos… mas ainda permitindo que se ande de bicicleta!

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Na imagem acima, o doutor Hugh Hunt da Universidade de Cambridge anda em sua bicicleta equipada com o anulador de efeito giroscópico, conhecido também como “roda verde sem contato com o chão girando no sentido contrário”. Duas rodas girando em sentidos contrários anulam o efeito giroscópico uma da outra. E mesmo sem ele, não há nenhuma diferença notável em conduzir a bicicleta.

A primeira parte do segredo para não cairmos está na verdade em outro fenômeno comumente mal interpretado, a força centrífuga. Quando você sente que vai cair para a esquerda, você gira o guidão para o mesmo lado, começando assim a fazer uma curva para esquerda. Assim, aproveita instintivamente sua velocidade, seu momento, para jogá-lo pela força centrífuga na direção contrária. É assim que, girando o guidão para onde está caindo, evita cair! Puristas físicos, por favor, perdoem os erros conceituais nesta explicação (e os corrijam nos comentários!).

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Há muito mais efeitos em ação no simples fato de andar de bicicleta, e fiquei surpreso com a quantidade, certa polêmica e como estudos importantes da dinâmica de bicicletas sejam tão novos quanto “A Estabilidade de Bicicletas” (PDF), de Lowell e McKell, publicado em 1982, onde modelam matematicamente os experimentos de Jones, mostrando como o efeito centrífugo descrito acima é utilizado em nossas bicicletas graças ao “caster”, o ângulo entre o eixo do guidão e o ponto de contato da roda dianteira com o chão.

Seus modelos da estabilidade indicam que esta é de fato a segunda, e principal parte do segredo para andar de bicicletas. Já se perguntou por que o garfo dianteiro das bicicletas é inclinado para frente? É o ângulo de caster, que faz justamente com que a roda vire na direção em que a bicicleta está caindo, garantindo que o “efeito centrífugo” funcione mesmo sem um condutor! Nunca imaginei que aquele ângulo pudesse ser o principal fator para a estabilidade de uma bike, permitindo que andemos mesmo “sem as mãos”.

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Aliás, sem um condutor, sozinha, a bicicleta também consegue andar um tanto. Como? Ela se torna muito mais leve, com um centro de gravidade muito mais baixo, e isso faz com que efeitos giroscópicos se tornem relevantes, somando-se também ao caster. Efeitos giroscópicos também podem ser relevantes em outras situações, principalmente em motocicletas a maiores velocidades, e se a esta altura você já está confuso com todos os efeitos em ação, leve para a casa a idéia de que o efeito giroscópico não é o que nos permite andar sobre duas rodas, e sim a foça centrífuga que aproveitamos mexendo no guidão enquanto andamos, e não se aborreça muito com o resto da complicação. Rigorosamente, ainda não há um entendimento científico pleno e consensual sobre como andamos de bicicleta!

É notável que em pouco mais de um século tenhamos refinado na prática, antes de compreendê-la na teoria, esta pequena grande maravilha tecnológica a ponto de que em sua simplicidade, a bicicleta esconda uma série de efeitos e fenômenos dinâmicos e complexos… que mesmo uma criança pode controlar intuitivamente!

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Assim, ao ensinar seus filhos a andar de bicicleta, não confie no efeito giroscópico: para que ele fosse significante você provavelmente teria que empurrar a bicicleta a dezenas de km/h. Deixe que ela aprenda intuitivamente, sentindo a tendência natural da bicicleta a virar o guidão no sentido da queda, para que a força centrífuga deixe tudo nos eixos novamente.

Ou confie no efeito giroscópico em uma bugiganga de certa tecnologia, que é a Gyrowheel. E não, você não ouviu o barulho de moedas caindo por aqui porque como repito este não é um post pago, só calhou de ser um texto inesperadamente longo a partir de uma quinquilharia curiosa relacionada com a inesperada complexidade física de andar de bicicleta. Foi uma surpresa para mim ao menos. Há uma lista completa de referências sobre a dinâmica de bicicletas aqui.

O efeito giroscópico é fascinante em si mesmo, tão fascinante que já chegou a ser confundido, e mesmo promovido, como anti-gravidade! Mas esta já é outra história. [via Neatorama, HypeScience, imagem final sxc.hu]

Referências

  • Jones, D. (2006). From the Archives: The Stability of the Bicycle Physics Today, 59 (9) DOI: 10.1063/1.2364246
  • Lowell, J. (1982). The stability of bicycles American Journal of Physics, 50 (12) DOI: 10.1119/1.12893

They Might Be Giants – Science is Real

Música, letra e clipe bacanas, da banda They Might be Giants, com arte de Andy Kennedy e David Cowles (versão em alta resolução aqui). É o primeiro single do álbum de músicas apresentando ciência para crianças, Here Comes Science! Mais clipes na continuação

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Pedro, Jack Kilby e o Chip

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“A Idéia Monolítica” foi registrada pelo engenheiro Jack Kilby em seu bloco de notas em 24 de julho de 1958. Pode parecer simples em retrospecto, mas Kilby e sua equipe foram os primeiros a concretizá-la. Todos os componentes eletrônicos – resistores, capacitores e os novos transistores – seriam criados a partir do mesmo material, podendo ser assim incluídos em um único e pequeno pedaço monolítico. Ou, usando o termo em inglês, em um único chip. Nascia aí o circuito integrado, um pequeno pedaço, um pequeno chip.

Grosso modo como a linha de montagem, a tecnologia de circuitos integrados é antes de mais nada uma revolução nos métodos de fabricação. O transistor já havia sido criado dez anos antes, e idéias a respeito da miniaturização e integração de elementos eletrônicos eram desenvolvidas mesmo durante a era dos tubos de vácuo. Com a “idéia monolítica” e processos de fabricação complementares criados pouco depois por Robert Noyce, uma vez que o mesmo substrato e processos seriam utilizados com pequenas modificações para criar todos os diferentes componentes, era essencialmente a fabricação dos circuitos que tornava-se viável.

Mais do que isso, os novos processos para criar os chips eram promissores… e cumpriram sua promessa talvez mais do que qualquer outra tecnologia em nossa história. Refinando e aperfeiçoando as mesmas idéias básicas de fabricação, desde 1958 houve um progresso exponencial e contínuo no número e escala de integração, um progresso mais conhecido como a lei de Moore. Das dezenas de componentes chegou-se aos milhões e então centenas de milhões de elementos. Processadores devem em breve ultrapassar a marca do bilhão de transistores, a preços menores do que um conjunto de pneus de automóvel.

Tudo isto ocorre porque os custos de produção de um componente com centenas de milhões de componentes hoje não é tão distante daqueles com alguns milhares há 40 anos. As técnicas de fabricação não mudaram tanto e nem devem mudar radicalmente até que cheguemos perto dos limites teóricos em que os circuitos lidem com elétrons individuais.

Que a mesma idéia e processos básicos tenham permitido ir dos primeiros circuitos integrados – você confere o circuito original criado por Kilby acima – até a manipulação individual de partículas subatômicas atesta um dos motivos pelos quais Shockley recebeu o prêmio Nobel de Física no ano de 2000. Seu discurso na ocasião (em inglês) conta alguns detalhes da invenção e seu desenvolvimento:

“Hoje, pode ser difícil acreditar, mas em 1959 enquanto começávamos a anunciar a idéia, houve muitas críticas. Na época não era óbvio que a abordagem monolítica de semicondutores teria sucesso sobre as outras. [Havia] a crença de que as taxas de produtividade seriam sempre muito baixas para gerar lucro. Na época, menos de 10 por cento de todos os transistores fabricados realmente funcionava. Outro grupo de pessoas pensava que ela não fazia o melhor uso dos materiais, uma vez que os melhores resistores e transistores não eram feitos com semicondutores. Esses argumentos eram difíceis de contrariar, já que eram basicamente verdadeiros”.

E continuam sendo verdadeiros. Ainda temos “chips” de memória e processadores defeituosos entre aqueles que chegam à nossa mão. Mesmo as melhores fábricas acabam descartando uma boa parcela dos chips fabricados, em seus vários estágios de fabricação. Uma fábrica com maior qualidade não é apenas uma que fabrica melhores chips e sim aquela que descarta com sucesso todos os defeituosos. Os mais eficientes componentes eletrônicos não são feitos em chips e é por isso que seu computador não possui apenas chips: há alguns capacitores, resistores e mesmo transistores dedicados enfeitando sua placa-mãe com diversas formas geométricas, de cilindros a pequenos retângulos. Eles podem ser miniaturizados, mas foram fabricados com materiais e processos dos mais diversos. Um mundo sem chips seria um mundo repleto de tais componentes, muito mais caros, muito mais propensos a falhas.

Chips hoje fazem parte de nossa vida, em uma grande idéia pouco compreendida mas seguramente percebida em seu impacto. Que o diga Pedro, mas há formas mais poéticas, embora com menos schadenfreude, de apreciá-los.

O site Lifehacker oferece alguns wallpapers com a vida íntima dos circuitos, são belíssimas imagens:

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Os arco-íris vistos sobre suas superfícies são iridescências, resultado do reflexo da luz em componentes tão minúsculos e uniformes que fazem com que os diferentes reflexos das ondas luminosas interfiram entre si, anulando certas frequências em determinados ângulos. É o mesmo fenômeno que pode ser visto em CDs, bolhas de sabão e asas de borboletas, e nos chips é inteiramente acidental. Projetistas de chips não planejam criar arco-íris, é apenas mais uma das consequências inesperadas dos processos concebidos há meio século.

Já a Intel oferece outra galeria de imagens ilustrando todos os principais passos que transformam areia – fonte de silício – no cérebro de seu computador:

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A AMD, sem deixar por menos, oferece este vídeo que também ilustra o processo:

De areia a cérebros eletrônicos com centenas de milhões de componentes tão minúsculos que refletem luz criando iridescências coloridas, aproximando-se em alguns anos da manipulação de partículas fundamentais, e presentes em todo lugar, incluindo na mão do Pedro, conhecer melhor os chips é também apreciar um meme em novas dimensões.

A Kilby, Noyce e todos os cientistas e engenheiros responsáveis, obrigado por nos dar o chip. [Dicas do Paulim e Hilton, obrigado!]

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