A extensão dos sinais de rádio

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Se há um sinal da atividade e da inventividade humanas que esteja se estendendo pela Galáxia, são nossos sinais de rádio. E considerando que as primeiras transmissões se deram há aproximadamente um século, há uma esfera se expandindo com nossos sinais. Uma esfera com 200 anos-luz de diâmetro.

Ilustrada por Jack Adam sobre uma concepção artística da Via Láctea de Nick Risinger

Ainda é uma minúscula esfera. E ainda mais tênue, porque seus limites se tornam gradualmente mais vagos enquanto nossas primeiras transmissões eram débeis sinais de rádio.

E muito mais tênue, uma vez que a maior parte de nossas transmissões se torna indistinguível do ruído de fundo depois de apenas dois anos-luz de viagem.

Imagine quantas bolhas de 200 anos-luz de diâmetro caberiam pelo disco da Galáxia, quantas outras civilizações poderiam estar transmitindo sinais de rádio por mais de um século, e ainda assim não alcanãrem umas às outras. e estará imediatamente considerando uma possível resposta ao paradoxo de Fermi. [dica do EntroNonEntro]

Ordem e Progresso Não-Linear

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É objetivamente o avião mais espetacular do mundo. Não só possui linhas agressivas que parecem tão modernas quanto o mais estiloso dos bólidos de Fórmula-1, como é detentor do recorde oficial de velocidade a mais de 3.500km/h riscados no dia 28 de julho de 1976.

Você leu bem, o SR-71 bateu os 3.500km/h no distante ano de 1976, quando a Apple foi fundada por dois jovens barbados e os Ramones lançaram seu primeiro álbum. “O avião mais avançado e mais rápido do mundo voou pela primeira vez 47 anos atrás. O recorde de velocidade tem 35 anos”, destacou Carlos Cardoso em um excelente texto no MeioBit sobre o avião supersônico: “Ainda Que eu voe pelo Vale Da morte…”. Parece um paradoxo tecnológico. Onde está o sucessor do SR-71? E se for assim, onde estão nossos jetpacks? As questões estão entrelaçadas e antes de respondê-las é bom rever rapidamente o que consideramos progresso.

Vivemos cercados por tecnologia progredindo a um ritmo alucinante: computadores, celulares, MP3s, MP4s, MPns. Este ritmo alucinante tem um nome, é a exponencial Lei de Moore verificada há mais de cinco décadas, e como tal, nos acostumamos com ela. Toda a indústria de informação se estruturou em torno deste progresso previsto e concretizado, e com ela, muitos outros setores da sociedade, das finanças ao entretenimento. Assim é fácil esquecer que ela se aplica rigorosamente apenas à tecnologia de informação.

Se a indústria automotiva tivesse avançado sua tecnologia como a indústria de computadores, estaríamos dirigindo carros custando R$50 que andariam mais de 1.000km/l”, dizia o e-mail que você deve ter recebido pela primeira vez em um computador jurássico. E isto porque automóveis sim progrediram imensamente nas últimas décadas em vários aspectos. “Em 1964 estávamos dirigindo verdadeiras carroças, hoje carros têm mais eletrônica embarcada que aviões de caça. É ABS, controle de tração, sensores de pista, software que detecta quando você VAI perder o controle e reage evitando… até uma Palio com acelerador DBW detecta que o motor vai morrer e força a aceleração sem que você pise mais fundo (aconteceu comigo, me senti no KITT)”, escreveu Cardoso. Note contudo que são todos avanços relacionados diretamente com circuitos integrados.

Se há uma grande diferença que não deva diretamente algo a Gordon Moore, é que seu carro hoje, mesmo um Palio, pode ser Flex. É sua fonte de energia.

Na era dourada da ficção científica sonhava-se com um futuro repleto de carros voadores, jetpacks, conquista espacial e tanto mais. Bem, já foram criados muitos carros voadores, jetpacks e nós sim conquistamos a Lua. Podem ter sido saltos gigantescos para a humanidade, mas aqui está a questão, foram saltos movidos a energia química. Gasolina, querosene, mesmo peróxido de hidrogênio ou hidrogênio líquido são todos combustíveis químicos. Foram assim não por coincidência todos breves saltos, porque a energia química de ligação entre átomos é muito menor que aquela que une seus núcleos. É ordens de grandeza menor que a energia nuclear.

Se apenas tivéssemos à disposição reatores nucleares compactos, então carros voadores, jetpacks e a conquista espacial avançariam no ritmo sonhado pelas visões tecnológicas utópicas do tempo dos Jetsons. Mas você se sentiria confortável com um reator nuclear nas costas? Por trás deste sonhos estava o pré-requisito de uma revolução energética que a tecnologia a princípio permite, mas a riscos e custos ambientais que logo provaram ser inaceitáveis.

E não só o uso da energia nuclear encontrou limitações, como o futuro dourado de progresso linear e contínuo sofreu um enorme golpe quando mesmo a fonte de energia química abundante de que dispúnhamos encontrou seus limites naturais e ambientais.

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No gráfico acima [fonte], é fácil entender como os Jetsons no início da década de 1960 podiam sonhar com carros voadores. O consumo de energia aumentava a um ritmo quase tão alucinante quanto uma Lei de Moore – especialmente nos EUA. O progresso energético estava em curso. O início da década de 1960 também foi o período de financiamento e desenvolvimento do que se tornaria o SR-71 e em que John Kennedy prometeu pisar na Lua até o fim da década. O progresso parecia seguro. Parecia.

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Este segundo gráfico é menos animador. É o consumo comercial de energia por habitante de 1860 a 1995. Note que a partir da década de 1950 o ritmo de crescimento per capita é ainda mais fenomenal, contudo em meados da década de 1970 o progresso sofre uma queda e então estagnação. Foram as crises do petróleo, quando a produção nos EUA atingiu seu ápice. Passou-se a depender cada vez mais de fontes no Oriente Médio e outros países que quase imediatamente capitalizaram sua nova importância criando cartéis. Logo depois a instabilidade política de tais fontes só se acentuaria, e entre muitas outras consequências as crises levaram à criação no Brasil do PROALCOOL que hoje leva ao seu carro Flex.

O consumo de energia global continua crescendo vertiginosamente, mas a população aumenta a um passo ainda maior. Até o fim deste ano seremos sete bilhões de pessoas, dependendo primariamente de combustíveis fósseis, enfrentando o dilema dos muitos riscos da energia nuclear e a incerteza de fontes alternativas, sem a revolução energética de que os Jetsons dependem, limitados não pela quantidade de energia que conseguimos usar, mas pela que podemos usar. O que, no dia-a-dia, é o que podemos pagar. Os desafios são ainda maiores enquanto a produção mundial de petróleo, Oriente Médio incluído, pode já ter atingido seu ápice.

Relembre agora o ano do recorde do SR-71. 1976. Note que o último ser humano pisou na Lua em 1972, com o encerramento antecipado do programa Apollo. Entre as muitas perspectivas que podem ser oferecidas para não termos voltado à Lua ou não termos quebrado o recorde do SR-71, uma das mais fundamentais é a de encará-los como o canto do cisne de uma era em que energia não era um problema.

Em 1964, podíamos dirigir carroças, mas essas carroças sob certo ponto de vista eram máquinas mais poderosas que as que dirigimos hoje, simplesmente porque consumiam mais energia. Eram muito menos eficientes, mais pesadas, mais barulhentas, mais poluentes. O SR-71 também era menos eficiente que os satélites e aviões espiões não-t
ripulados que o substituíram. Não havia mais razão econômica para manter a frota de SR-71s, como não havia para criar uma próxima geração: ainda que exista um sucessor secreto em atividade hoje, que voe ainda mais rápido e seja mais versátil que satélites de reconhecimento, é pouco provável que seja tripulado. Em 2004 a NASA testou o pequeno X-43, não-tripulado, que atingiu o recorde de velocidade 12.144km/h, quase o triplo do SR-71. Em uma certa ironia, o X-43 foi lançado de um B-52, aeronave que deve prestar serviço por mais de um século.

A ciência tem há mais de trezentos anos progredido vertiginosamente em inúmeras áreas do conhecimento, fundamentando avanços tecnológicos estupendos em ciclos de progresso que parecem eternos enquanto duram. Poucos deles têm sido progressos inexoráveis, e nenhum deles poderá se manter indefinidamente.

Não temos jetpacks para ir ao trabalho, por outro lado hoje podemos trabalhar sem sair de casa. E sem o risco de um acidente radioativo caso deixemos cair café na mochila.

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Leitura recomendada:

[Imagem no topo: Drublair.com]

Feliz Natal!

Enquanto celebramos uma data repleta de diversos significados a NASA divulga este belíssimo vídeo de um pôr-do-sol um tanto diferente.

É um pôr-do-sol marciano, capturado pelas lentes de nossa valente sonda robótica Opportunity.

Em nosso planeta o céu é azul e o Sol ao fim do dia toma tons avermelhados, porém em Marte ocorre exatamente o oposto. O Sol é o mesmo, e do espaço seu tom é branco, o que muda é a atmosfera. No planeta azul ela absorve e então irradia tons azulados, e no planeta vermelho… tons avermelhados. Ao vermos o Sol próximo do horizonte, os raios de luz passam por um caminho mais longo através da atmosfera e esse efeito se intensifica. Seu tom aparente será o do espectro de cores complementares àquelas absorvidas pelo próprio céu: vermelho na Terra, azul em Marte.

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Motivo pelo qual Luke Skywalker vendo dois sóis se ponto em Tatooine pode parecer muito bacana, mas uma pequena sonda robótica bem real e mais próxima de R2D2 já assiste a um Sol poente ainda mais interessante.

Com a ciência, comemorar solstícios e o nascimento ininterrupto do Sol pode ir muito além. Feliz Natal!

Constelações Humanas

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A exploração espacial é também uma fonte infindável de perspectivas da própria Terra. Nesta “Imagem Astronômica do Dia” da NASA, “constelações de luzes” se estendem pela vista da Estação Espacial Internacional. Não são estrelas: são aglomerados urbanos. Somos nós.

O nexo entre constelações no céu, vistas da Terra, e constelações na Terra, vistas do espaço, é fabuloso. Afinal, não só todos os elementos mais pesados que o hidrogênio foram produzidos em fornalhas e explosões estelares – pelo que, nunca é demais relembrar, somos literalmente poeira de estrelas –, mas parte desta poeira adquiriu consciência e criou essas luzes artificiais, visíveis a 320 km de altitude.

Navegue pela origem da energia que produziu estas constelações de luzes urbanas, e descubra um nexo ainda mais profundo. Embora a energia venha de fontes muito variadas, sua maior parte pode ser traçada de volta ao nosso próprio Sol, que com sua luz fixou há milhões de anos o carbono dos combustíveis fósseis ou movimentou bem recentemente o constante ciclo da água que move nossas usinas hidrelétricas. Como disse Richard Feynman sobre a madeira, essas fontes de energia são de certa forma a própria luz do Sol armazenada. Ao utilizarmos esta energia para iluminar artificialmente a noite, estamos liberando esta luz outra vez.

Estas constelações humanas também são, de certa forma, compostas de estrelas.

Atualização: Mais fotos de constelações humanas. Abaixo, o delta do Nilo.

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E a Europa:

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Como se as imagens não fossem suficientes, elas estão sendo publicadas via Twitter, diretamente da Estação Especial Internacional pelo astronauta Douglas Wheelock.

Eclipses Antropocêntricos

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O cone de sombra lançado pela Lua encobrindo o Sol se desfaz, de forma particularmente destacada, enquanto um eclipse total chega ao seu fim. Uma imagem de tirar o fôlego, até porque é uma criação digital de nethskie. Mas não desanime: uma visão tão bela pode sim ser vista de verdade em latitudes mais altas, onde a penumbra de nosso satélite se alonga obliquamente por centenas de quilômetros.

A fotografia abaixo, capturada por Daniel Fischer, é do mundo muito real da Patagônia.

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Enxergar que o cone de sombra de um eclipse é em verdade pequeno deve ser uma experiência que inspire reflexão e mesmo humildade. Nossos antepassados, de culturas das mais diversas em diferentes pontos do globo, viam eclipses como presságios e maus agouros cósmicos. Afinal, o Sol estava sendo tomado por escuridão. Que espécie de feitiçaria ou caprichos divinos responderiam por essa escuridão em pleno dia? Que garantia havia de que a escuridão não duraria eternamente?

Apenas registros astronômicos estendendo-se por gerações permitiriam descobrir que os eclipses não eram arbitrários. Muito pelo contrário, eles obedecem a uma regularidade tão previsível e confiável que através deles podemos estabelecer que na tarde de 28 de maio de 585 AC, Aliates, rei da Lídia, batalhava com Ciáxares, rei de Média. É o evento histórico mais antigo conhecido com tal precisão justamente porque esta “Batalha do Eclipse” foi interrompida pelo escurecer do céu, cuja data pode ser determinada com base na regularidade astronômica.

Há mais de dois milênios, os reis ficaram tão impressionados com o fenômeno, interpretado como um sinal dos deuses, que após anos de guerra estabeleceram a paz da forma antiga: a filha de Aliates casou-se com o filho de Ciáxares, e seus territórios foram divididos no rio Hális que dividia seu campo de batalha. Registrado por Heródoto, foi sorte de lídios e medas que a Turquia não se situasse em uma latitude alta como a Patagônia, pois então os reis talvez percebessem que o eclipse era um fenômeno local e passageiro.

Porque afinal eclipses solares são fenômenos locais e passageiros, durando no máximo pouco mais de sete minutos e vistos em um mesmo momento apenas de uma pequena faixa da superfície do planeta. Salvo um fantástico cataclismo interplanetário altamente improvável que tirasse a Lua ou a Terra de suas órbitas da maneira exata, eclipses solares sempre serão locais e passageiros, sempre obedecerão a uma regularidade que permite conhecer todos os eclipses estendendo-se em eras passadas e futuras com enorme precisão. Nada há de sobrenatural e os presságios que trazem são meramente de movimentos celestes.

A natureza local de um eclipse fica ainda mais evidente quando se vê o cone de sombra do espaço, algo que lídios, medas e mesmo habitantes da Patagônia não poderiam apreciar, mas astronautas na Estação Espacial Internacional sim. A mancha escura sobre o planeta abaixo é a sombra de um eclipse.

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Quão apropriado não é que esta imagem de um eclipse solar vista do espaço tenha um cone de sombra próximo da mesma Turquia onde Aliates e Ciáxares batalharam há um par de milênios. E quanta reflexão e sobretudo humildade esta imagem não deve inspirar: enquanto os reis guerreiros do passado pensaram que os deuses escureciam o Sol por causa de sua batalha, o Sol em verdade brilhava ininterruptamente há bilhões de anos.

Apenas uma fugaz conjunção geométrica entre a posição do verdadeiro astro-rei, a Terra e seu satélite é que gerava uma pequena mancha escura movimentando-se rapidamente sobre o planeta. Aqueles no meio da sombra pensariam que o Sol foi engolido por um disco negro, mas no mesmo instante pessoas fora do cone de sombra não notariam nada de mais. Qualquer observador mais distante do planeta talvez nem percebesse o minúsculo ponto de sombra na pequena esfera azul.

Eclipses são fenômenos astronômicos, mas sua apreciação é inteiramente antropocêntrica. Humanos sobre o planeta se fascinam com os rápidos momentos de escuridão e por milênios pensaram que toda a ordem do Universo havia sido violada. Pensavam, como muitos ainda pensam, que todo o Universo e todos os fenômenos verdadeiramente fabulosos em todo o Cosmos giravam em torno de si mesmos.

Estavam somente um pouco obscurecidos.

Darwin Deez – Constellations

Amanhã, 28 de setembro, será o 30 aniversário do primeiro episódio da série “Cosmos”, de Carl Sagan. No aquecimento, um clipe de Darwin Deez repleto de referências bem-humoradas à obra.

Noite estrelada

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Criada por Dominic Kamp, a imagem infelizmente não é uma fotografia. O rastro pode lembrar nossa Via Láctea cortando o céu noturno, mas as estrelas são em verdade da galáxia NGC 346 capturadas pelo telescópio espacial Hubble.

A bela imagem da praia da Moldávia, na Europa Oriental, como moldura por outro lado dá uma beleza maior às imagens da Pequena Nuvem de Magalhães, a 210.000 anos-luz de distância.

Um grão, muitas galáxias

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O Sistema Solar em 30 Megapixels

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O artista francês Licoti criou uma embasbacante ilustração do sistema solar com 30.000 pixels de largura. Acima, você confere um minúsculo trecho, clique para baixar o arquivo completo de 18Mb na Wikimedia, ou navegue pelo infinito e além através do vídeo abaixo.

[via Byte que eu gosto]

A Humanidade não merece ir à Lua (parte VI)

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Reconhece a imagem acima? É a olhada mais profunda no Universo já conseguida, contendo aproximadamente 10.000 pontos luminosos, quase todos, e cada um deles, uma galáxia completa, estendendo-se no espaço e tempo a 13 bilhões de anos ao passado. Tudo isso, em uma fatia minúscula do céu, menor do que a largura de seu dedo mínimo com o braço estendido – dividida por seis, em verdade.

Começamos esta série de textos em fevereiro deste ano com um reflexo resumindo nosso gigantesco avanço tecnológico, do Flyer dos irmãos Wright ao traje lunar de Neil Armstrong, e encerramos esta série com um outro reflexo. Isto porque a Hubble Ultra Deep Field (HUDF) acima foi capturada pelo telescópio espacial Hubble, o famoso e e venerável instrumento lançado há vinte anos, com um espelho refletor primário de 2,4m de diâmetro.

O telescópio Hubble foi lançado após o fim da Guerra Fria, o período único na história humana que levou a corridas tecnológicas absurdas, incluindo aí o avião supersônico Concorde, em uma espécie de dilema do prisioneiro em escala global. No caminho, demos um salto gigantesco ao pisarmos na Lua, mas ao custo de deixar de lado visões e projetos mais grandiosos e racionais de conquista e exploração espacial. No penúltimo texto desta série, comentamos por fim como “a humanidade não merece ir à Lua. Ciência e tecnologia nos oferecem o Universo infinito, mas como macacos nos preocupa muito mais o que outros macacos andam fazendo. Acabamos todos prisioneiros do poço gravitacional terrestre”.

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O telescópio Hubble ainda é uma demonstração desta triste constatação, não por si mesmo, mas por um detalhe pouco conhecido. O diagrama que você vê acima não é um projeto do instrumento astronômico que contribuiu tanto para a ciência e tornou-se sinônimo de fonte para algumas das imagens mais profundas, incluindo literalmente a imagem mais profunda do Universo já capturada. O diagrama acima é uma concepção do que se acredita ser a série de satélites espiões Keyhole KH-11 classe Kennan. Um total de nove satélites da classe KH-11 foram lançados entre 1976 e 1988, e eles eram praticamente idênticos ao telescópio espacial Hubble.

Ou melhor, se você se lembrar de que o Hubble foi lançado em 1990, o inverso é verdade: um dos mais conhecidos instrumentos científicos da história recente é basicamente uma versão civil de um projeto militar. Até mesmo o tamanho do espelho refletor do Hubble foi determinado pelo tamanho exato dos espelhos usados inicialmente nos satélites espiões. Uma das únicas diferenças é que enquanto os satélites militares espionavam a Terra, mirando mísseis nucleares, bases militares e conflitos pelo mundo, o Hubble passou a mirar… o céu.

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Há um trecho no romance “Contato” de Carl Sagan onde, e aqui estrago algo das surpresas da história, com a destruição de uma Máquina ao custo de bilhões de dólares, descobre-se em uma reviravolta considerada por muitos inverossímil que uma segunda Máquina havia sido construída secretamente. “Por que construir uma quando você pode ter duas pelo dobro do preço”, brinca o personagem Sol Hadden na versão cinematográfica.

A realidade é ainda mais absurda: considerando que o telescópio Hubble custou em torno de U$2,5 bilhões, contando em verdade com tecnologias já desenvolvidas para os satélites espiões secretos, pode-se ter uma vaga ideia do custo do programa Keyhole ao desenvolver e lançar nada menos que nove satélites equivalentes. No mais completo segredo.

E o programa de satélites espiões americanos não parou aí, como não começou aí. Enquanto astrônomos lutam por frações do tempo de observação do Hubble há vinte anos, com descobertas que alteraram nosso conhecimento da origem e futuro do Universo e tantos outros conhecimentos esperando para serem desvendados, satélites ainda mais potentes, com espelhos refletores ainda maiores, estão disponíveis neste exato momento para uso militar e secreto. É absurdo, mas aparentemente – é tudo muito secreto – há pelo menos dois satélites mais potentes que o Hubble orbitando o planeta neste exato momento. Mas, ao invés de mirar o céu, miram a Terra. “Como macacos nos preocupa muito mais o que outros macacos andam fazendo”.

No penúltimo texto prometemos que aqui encerraríamos a série com as esperanças de que mereçamos voltar à Lua e consigamos alcançar as estrelas. Há, sim, e apesar de tudo, muita esperança. Você que se aventurou até aqui, em um mergulho profundo e talvez deprimente, deve desculpar este desvio: não planejei toda a série de textos de antemão, como talvez possa ter ficado claro, e não resisti complementá-la com este nexo. Se há alguma dúvida sobre as loucuras de que somos capazes, a exploração espacial, com seus custos literalmente astronômicos e suas possibilidades literalmente infinitas as demonstram com uma clareza cristalina.

Porém, encontrar esperança para encerrar a série em um tom positivo não é difícil. E os meses de espera entre as primeiras partes e este encerramento vieram bem a calhar. No próximo e final texto.

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Confira as partes anteriores:

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