Teseu e o fio de Ariadne

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“Segundo a  mitologia grega um jovem herói ateniense chamado Teseu, ao saber que sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual composto de sete rapazes e sete moças a serem entregues ao insaciável Minotauro que se alimentava de carne humana, solicitou ser incluído dentre eles.
O Minotauro vivia em um labirinto, constituído de salas e passagens intrincadas do palácio de Knossos, cuja construção é atribuída ao arquiteto Dédalo.
Ao chegar em Creta, Teseu conheceu Ariadne, a filha do rei, que se apaixonou por ele. Ariadne, resolvida a salvar Teseu, pediu a Dédalo a planta do palácio. Ela acreditava que Teseu poderia matar o Minotauro, mas não saberia sair do labirinto.
Ariadne deu um novelo a Teseu recomendando que o  desenrolasse à medida que entrasse no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a saída. Teseu usou essa estratégia, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio de Ariadne, encontrou o caminho de volta”. [fonte]

Na fotografia, capturada em 14 de maio de 2010, vemos o ônibus espacial Atlantis em sua última viagem rumo ao espaço. A trilha que deixa desde o solo lembra o fio de Ariadne, ligando a Terra às grandes altitudes, em um tênue rastro de produtos de combustão que todavia logo irá se desfazer ao vento. Os herois que sobem ao vácuo do espaço devem encontrar seu próprio caminho de volta.

Mas há ainda outra interpretação no mito do fio de Ariadne e a exploração espacial: estamos em verdade dentro do labirinto do Minotauro, lutando e sacrificando milhões de jovens e moças em conflitos estúpidos e ultimamente fúteis nos meandros deste único planeta. Um Pálido Ponto Azul, como dizia Carl Sagan, um grão de poeira suspenso em um raio de Sol, um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica.

E, no entanto, jamais saímos dele. O mais longe a que enviamos herois foi a nossa própria Lua. Estamos presos em um labirinto e somos nossos próprios monstros, quando há um Universo infinito de possibilidades e conquistas aguardando para ser explorado.

Os fios de Ariadne que criamos com nossas naves espaciais indicam não o caminho de volta à Terra, mas o de destino ao Universo sem fim. [foto via Bad Astronomy]

Do chão à estratosfera

Vídeo capturado em alta definição de uma viagem do chão até a alta atmosfera, resumido em 5 minutos. Você já pode ter assistido a vídeos similares – a ideia já foi mesmo propaganda viral – mas o diferencial aqui é a grande angular.

Com a lente olho de peixe, os primeiros momentos do vídeo lembram muito os primeiros momentos do clássico “Potências de dez”, outra ideia bem revisitada recentemente.

As imagens podem dar certa vertigem, o que torna ainda mais notável apreciar que há 50 anos atrás, o norte-americano Joseph Kittinger fez essa mesma viagem pessoalmente, nada menos que três vezes. Compare os vídeos modernos capturados com câmeras de alta definição com essas imagens do ponto de vista de Kittinger:

Em 1960, em seu último salto, Kittinger subiu em um balão a uma altitude superior a 31 quilômetros, em uma queda livre que durou quase 5 minutos, com uma velocidade máxima de quase 1.000km/h, tocando a barreira do som. Em queda livre, é preciso repetir. Depois de quebrar vários recordes, incluindo o de ser o humano mais rápido a cruzar a atmosfera (sem o auxílio de nenhum veículo) bem como o de, a rigor, ser o primeiro homem a alcançar os limites do espaço, Kittinger continuou sua carreira militar e foi mesmo prisioneiro de guerra no Vietnã.

Joseph tem hoje 81 anos e vive na Flórida, sendo ainda consultor do projeto de Felix Baumgartner de quebrar seu próprio recorde. Ainda há muitos herois vivendo entre nós. O que antes exigia imenso heroísmo, no entanto, hoje pode ser experimentado de certa forma por qualquer um por algumas centenas de dólares, um balão e uma câmera. [via Fogonazos]

Majestosa Imperfeição

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A primeira religião monoteísta da história humana, há mais de 3.000 anos, louvava o Sol – Aton – reconhecido como poder supremo e fonte última que alimentava a vida. Não é descabido imaginar que mesmo antes disto, as primeiras reverências de nossos ancestrais proto-humanos já reconhecessem a importância do astro-rei, e mais do que sua importância: a sua perfeição.

Dia após dia, no que por quase toda nossa história foi a própria definição de “dia”, lá surgia pontualmente o disco solar trazendo luz e calor tão essenciais para que sobrevivêssemos. Fácil compreender assim que os raros eventos de eclipses, estas aparentes anomalias na perfeição solar, fossem vistos como maus presságios por culturas isoladas em quase todo o planeta.

Com o tempo, e principalmente, em nossa cultura ocidental, o Sol visto como deus foi deixado um pouco de lado. Heresia, inclusive. Curiosamente, seria então o renascimento da ciência, com observações e argumentações racionais, que viria a ressaltar novamente o que mesmo nossos ancestrais já percebiam como óbvio.

Continue lendo mais uma coluna Dúvida Razoável no blog Sedentário&Hiperativo.

Lançamento da Apollo 11 em câmera lenta

Os primeiros instantes de uma viagem histórica de 400.000 km, registrados a 500 quadros por segundo, agora em alta definição. Incomensuravelmente imperdível (clique no vídeo para a versão em HD no Youtube).

A narração também é muito boa, explicando em detalhes o que estamos vendo:

  • Logo no início vemos as chamas subindo, que são então sugadas para baixo. É porque a queima de querosene e oxigênio líquido logo alcança a potência total e é tanto material sendo ejetado para baixo, com tanta força – mais de 3.000 toneladas de empuxo -, que o ar circundante também é sugado.
  • Também podemos ver muitas partículas brancas caindo. É o gelo que havia se formado ao redor dos tanques de oxigênio líquido, a -184 graus Celsius, caindo com as trepidações.
  • Outro detalhe curioso: logo na saída dos foguetes, vemos um gás escuro, que só depois fica brilhante. O gás escuro vem direto das turbinas, e é escuro porque é realmente mais frio. Sendo mais frio, é direcionado como um envoltório na parte exterior da queima, servindo como uma espécie de isolante térmico protegendo em parte o bocal de saída.
  • Mais adiante, todo o quadro fica branco, e quando voltamos a enxergar podemos ver algo queimando. Mesmo isto foi projetado, com uma espécie de tinta desenvolvida para não só queimar como, ao fazê-lo, também proteger o material abaixo, para que a plataforma possa ser reutilizada mais vezes. O material fica ao final completamente negro, carbonizado.
  • Um detalhe é que a esta altura tudo queima… em meio a jatos de água, que já estão sendo despejados para resfriar a plataforma. Boa parte da água sublima evapora instantaneamente, daí todo o vapor dominando a cena. A água só se torna mais reconhecível momentos depois, e fica mais clara nos instantes finais do vídeo, quando atinge a câmera.

Já escrevi por aqui sobre como as distâncias das missões Apollo, traduzidas em pixels, poderiam fornecer uma noção do quão espetacular foi a façanha. O vídeo e a explicação dos fenômenos, indicando a extensão em que os mínimos detalhes de algo descomunal foram planejados, é mais uma forma de apreciar o feito.

“Não se pode enfatizar o quanto de mais valoroso o sucesso do projeto Apollo representa, as conquistas são intermináveis”, começou a série “A Humanidade não merece ir à Lua“, que seguiu com as partes II, III, IV, V e… a parte final, que ainda deve ser publicada levando em conta as reviravoltas recentes na política espacial americana.

As missões Apollo foram e são motivo de orgulho e inspiração, registrados em vastas distâncias ou mesmo a 500 quadros por segundo, com tantos eventos, fenômenos e detalhes que poderiam se estender por ainda mais tempo. [via Nerdcore]

A Grande Coincidência Cósmica: Eclipses e a Dança das Mil Mãos

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Já dizia o Papa Ibrahim César que “o mundo é fodásticamente mágico”. As montanhas flutuantes de Avatar deslizando sobre campos de anti-gravidade (?) em Pandora podem ser belas fantasias, mas a realidade das montanhas de água com a massa de dez mil aviões jumbo flutuando no céu, mais conhecidas como nuvens, é no mínimo algo tão complexo, maravilhoso e encantador.

Há muito, muito mais para ser desvendado, compreendido e apreciado, e entre esses detalhes incríveis que passam comumente despercebidos, estão os eclipses totais do Sol.

Eclipses em si mesmos não são eventos tão raros. O alinhamento entre um planeta, um de seus satélites e o Sol é interessante, mas não é algo raro. Nos diversos outros planetas do sistema solar, você verá eclipses, até com mais frequência do que na Terra.

Mas um eclipse solar total, e mais, um eclipse solar total em que a lua encubra quase perfeitamente o Sol, sem muito mais, sem muito menos… este é um fenômeno que só podemos observar do planeta Terra. E só podemos observar durante um período determinado, pois há alguns milhões de anos, e daqui a mais outros milhões de anos, esta conjunção não se fará tão perfeita.

Porque, e este é o detalhe mais incrível de todos: esta conjunção é uma mera coincidência.

Não há nenhum mecanismo físico que determine que, para nós sobre a superfície terrestre, o tamanho aparente da Lua seja aproximadamente o mesmo que o tamanho aparente do Sol. Ocorre que a Lua já esteve muito mais próxima do planeta – e portanto, surgia muito maior na abóbada celeste – e está gradualmente se afastando, diminuindo seu tamanho aparente.

Nós vivemos em uma época em que este tamanho é aproximadamente o mesmo que o do Sol, e assim podemos apreciar imagens como a que adorna o topo deste texto: uma combinação digital de múltiplas imagens capturadas do eclipse total de 2008 na Mongólia. Ao fundo se vê a corona solar, jatos de plasma hiperquentes com várias vezes o tamanho da Terra, e em primeiro plano pode-se ver claramente a superfície… da Lua! Que encobre quase perfeitamente a superfície do Sol.

Lembra a fantástica “dança das mil mãos” chinesa, mas é uma dança realizada pelos dois principais corpos que adornam nossos céus todos os dias, todas as noites.

Atrás da dançarina na frente, a Lua, está o Sol, e suas mãos são a corona registrada na imagem ao topo.

Escrevi há alguns anos um texto mais longo sobre esta grande coincidência cósmica, que é uma leitura recomendada especialmente para qualquer um que já esteja tentado a alguma interpretação mística envolvendo deuses ou mesmo extraterrestres para explicar esta coincidência: O Lado Escuro da Lua, a Grande Coincidência Cósmica e uma Explicação Heterodoxa.

Simplesmente, coincidências acontecem.

O deslumbramento e a simples perplexidade que esta coincidência provoca, no entanto, merece toda surpresa e apreciação. E ela não surge apenas durante eclipses solares: basta olhar para o céu e lembrar que o tamanho do Sol é aparentemente o mesmo que o da Lua.

Por puro acaso.

Um Sol Artificial em Inuvik

Inuvik é uma pequena cidade no extremo norte do Canadá, com pouco mais de 3.400 habitantes… e um mês inteiro na escuridão, como parte da noite polar no inverno.

Em um momento de genialidade publicitária para promover a marca de sucos Tropicana, em 8 de janeiro passado a companhia lançou no ar um “sol artificial”, para oferecer “manhãs mais claras aos canadenses”.

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Composto de um balão de hélio de dez metros com lâmpadas emitindo um total de 100.000 lumens, segundo a agência de publicidade este seria aproximadamente o fluxo luminoso do Sol em um dia claro. E não é que a afirmação pode estar correta? Em um raio de quase quatro quilômetros, a marca de suco realmente criou um Sol artificial – um que estava apenas bilhões de vezes mais próximo, o que sem dúvida tornou as coisas um tanto mais fáceis.

Curiosamente, a tecnologia em si mesma não é nova. É original da companhia Air Star, e já vem sendo usada em shows e gravações cinematográficas há algum tempo. O melhor: há modelos de balões de iluminação ainda mais potentes. Embora a publicidade tenha vendido os balões como “sóis”, eles lembram mais grandes luas artificiais.

E luas artificiais lembram uma cena genial imaginada por Stanley Kubrick e retratada por Steven Spielberg no filme “A.I.: Inteligência Artificial” (2001):

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Já sóis artificiais… iluminar cidades durante a noite polar…

Uma das primeiras aplicações propostas para a tecnologia espacial foi justamente o lançamento de gigantescos espelhos em órbita, que poderiam dirigir a luz do sol para qualquer ponto do planeta. Segundo o pioneiro alemão Hermann Oberth, um grande espelho espacial com quilômetros de diâmetro poderia derreter o gelo do ártico e controlar o clima terrestre, por exemplo.

Se isso assusta um pouco, Oberth originalmente sugeriu a idéia do espelho na década de 1920 como uma possível arma capaz de vaporizar cidades. Afinal, já antes de Cristo, Arquimedes teria demonstrado o poder de espelhos – ou pelo menos, assim dizia a lenda.

Também diz a lenda que os nazistas chegaram a considerar a idéia seriamente. Mas esta é uma outra história, para outro post.

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Sóis artificiais de balões de hélio para vender suco de laranja ou iluminar shows soam melhor agora, não? Propagandas podem ser geniais ao combinar tecnologia com idéias realmente inspiradoras. [via Geeks are Sexy, Gizmodo]

Um espetacular mergulho pelos cânions de Marte

Candor Chasma é um dos maiores cânions do sistema de Valles Marineris em Marte. E agora você pode viajar a 160km/h sobre as depressões de até sete quilômetros de profundidade, em uma animação de Adrian Lark criada em tempo real a partir de dados da NASA/JPL/UA.

Como Doug Ellison comenta no blog da Planetary Society, é algo como “o helicóptero do noticiário local voando”. Em outro planeta.

mais vídeos no canal de Lark no Youtube, em uma indicação da Giseli Ramos.

A Humanidade não merece ir à Lua (V)

Como negar a beleza das explosões que podem ser vistas acima? É impossível. São fabulosos fogos de artifício. E o são em escala – e potência – nunca vistas, porque são alguns dos poucos testes nucleares realizados no espaço. Mais detalhes da breve história das “bombas do arco-íris” podem ser conferidos no excelente documentário “Nukes in Space”, do premiado cineasta Peter Kuran.

O preço que pagamos por esta pirotecnia nuclear no espaço são seus produtos radioativos dispersados pela atmosfera: alguns átomos liberados nestas explosões bem podem fazer parte de seu corpo neste exato momento. Como você pode imaginar, não são muito saudáveis.

Beleza e terror. Nós ainda estamos falando da conquista espacial.

Eu gostaria de escrever aqui que a visão grandiosa de Wernher von Braun para o futuro da humanidade no espaço era não apenas mais ambiciosa e confiante que a de Kennedy, como também antecipava e reforçava sua mensagem conciliadora. Que mesmo antes de se virem pressionados pelo Sputnik e por Gagarin, os americanos se lançariam na conquista espacial pelas “novas esperanças de conhecimento e paz” que residem no céu infinito. Infelizmente, não foi o que ocorreu.

“Nos próximos dez ou 15 anos, a Terra terá um novo acompanhante nos céus, um satélite artificial que pode ser tanto a maior força pela paz já construída, ou uma das mais terríveis armas de guerra – dependendo de quem o construir e controlar”.

Era assim que começava a série de artigos de von Braun na Collier’s. Na gênese da visão inspiradora que nos prometeu o Universo em 1952, já estava lá o ultimato de que a conquista espacial deveria ser levada à frente pelo medo, sob o espectro da aniquilação nuclear.

Quando lembramos que a Guerra Fria foi o maior dilema do prisioneiro e como a própria conquista da Lua envolvia de início planos de plataformas para destruir a Terra, estávamos nos referindo a planos promovidos entre outros pelo mesmo von Braun. Afinal, era o antigo cientista de Adolf Hitler que mirava as estrelas, mas como o humorista Mort Sahl brincou, às vezes acertava Londres.

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Wernher von Braun e sua visão na Collier’s talvez representem perfeitamente a história da conquista espacial no século 20, em todas suas contradições, em tudo aquilo que pode haver de melhor e pior em nossa natureza. Somos tanto inspirados pela esperança quanto motivados pelo medo, e quanto maiores os desafios, maiores as esperanças, maiores os medos.

Neste paradoxo aparente, é contudo muito mais comum que finalmente nos comprometamos com ação em projetos onerosos quando nos vemos forçados pelo medo. Ou pelo menos, a história da conquista, da própria corrida espacial é uma longa história de dilemas do prisioneiro. O paradoxo se desfaz quando notamos que é este medo que nos levou a investir na esperança de grandes conquistas.

Porque, como vimos, economicamente algo como o Concorde, e muito menos a conquista da Lua, não fazem sentido. Era preciso algo mais para que nos dedicássemos a eles. E em nossa natureza humana, de macacos dotados de ciência e tecnologia, a esperança por si só não é, ou não foi suficiente para levar à frente tais sonhos. Ao final, foi o medo que motivou a esperança.

“Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva”, menciona o filósofo francês Edgar Morin como um princípio de esperança. “De um modo trágico, quanto mais nos aproximarmos do perigo, mais teremos chances de sair dele, mas aumentarão também mais os riscos de nele mergulhar”.

Nossa breve estada em nosso satélite natural foi um dos sobressaltos mais fantásticos produzidos por uma das eras em que mais nos aproximamos de mergulhar no terror do apocalipse nuclear. Foi tanto a antecipação de um empreendimento que talvez só se torne economicamente viável neste século – ou no próximo – e que determinará a continuidade de nossa civilização a longo prazo, quanto um dos encontros mais próximos com o simples fim de tudo.

Esta é a história a lembrar a partir da pegada de Neil Armstrong. E com uma história assim, a humanidade não merece ir à Lua. Ciência e tecnologia nos oferecem o Universo infinito, mas como macacos nos preocupa muito mais o que outros macacos andam fazendo. Acabamos todos prisioneiros do poço gravitacional terrestre.

Com uma história assim, a humanidade não merece ir à Lua.

Conseguiremos nos livrar de todos estes dilemas? Depois de toda uma série de textos pretendendo mostrar por que não merecemos ir à Lua, não poderíamos parar aqui em tom fúnebre. Ou talvez pelo tom apocalíptico, nos sejam despertados os sonhos, afinal, este que escreve aqui é também um macaco.

Encerraremos esta série a seguir com as esperanças de que mereçamos voltar à Lua, e consigamos alcançar as estrelas – sem precisar encarar o abismo.

A Humanidade não merece ir à Lua (IV)

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“Nós escolhemos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque são fáceis, mas porque são difíceis, porque esse objetivo servirá para organizar e medir o melhor de nossas energias e habilidades, porque esse desafio é um que estamos dispostos a aceitar, um que não estamos dispostos a adiar, e um que pretendemos vencer, e aos outros também… Há muitos anos o grande explorador britânico George Mallory, que morreria no monte Everest, foi questionado por que queria escalá-lo. Ele disse: ‘Porque está lá’. Bem, o espaço está lá, e nós vamos escalá-lo, e a lua e os planetas estão lá, e novas esperanças de conhecimento e paz estão lá”. – John F. Kennedy, 1962

Independente do que nos motivou, nós chegamos lá, como a pegada de Neil Armstrong atesta. Ao final a inspiradora visão de Kennedy foi cumprida, e para surpresa mesmo dos mais otimistas o foi no prazo estabelecido. Para cumpri-la, no entanto, um pequeno detalhe foi deixado de lado: as “outras coisas”, os outros planetas. E assim a visão mais ambiciosa de um certo Wernher von Braun foi quase completamente deixada de lado.

Para compreender como a pegada de Armstrong é também uma tragédia, basta compará-la com a visão de von Braun.

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Dez anos antes do discurso de Kennedy, enquanto os Baby Boomers cresciam na era de ouro do pós-guerra americano, von Braun expôs a primeira visão completa para a conquista espacial do sistema solar através de uma série de artigos na popular Collier’s magazine.O Homem Conquistará o Espaço Em Breve!”, assegurava a chamada confiante para uma das mais influentes obras de divulgação científica, combinando o texto de von Braun e 23 especialistas com ilustrações magníficas de Chesley Bonestell admiradas até hoje.

Sem esquecer das crianças, o cientista alemão naturalizado americano também a divulgou em várias mídias, em especial, em um documentário produzido por Walt Disney televisionado para 42 milhões de pessoas em 1955, no que também é um marco de popularização utilizando a animação de Disney para apresentar “ciência-factual” (um trocadilho de Walt com “ciência-ficção”). Você confere abaixo um trecho do programa com o próprio von Braun apresentando o projeto de seu gigantesco foguete:

O plano mestre partiria da criação deste foguete reutilizável, que em inúmeros lançamentos construiria de partes pré-fabricadas uma estação espacial permanente em formato de anel para simular gravidade – a estação vista em 2001, Uma Odisséia no Espaço foi baseada nesta visão. A estação espacial por sua vez seria a plataforma para a construção de nada menos que três enormes espaçonaves que levariam uma expedição de 50 homens à Lua em 1977. Você leu certo: cinquenta astronautas. Não apenas para deixar suas pegadas lá, mas para estabelecer uma base lunar permanente.

E a conquista do espaço iria além. Construída a estação espacial e a base lunar permanentes, o próximo alvo só podia ser Marte. Para o planeta vermelho uma frota de nada menos que dez espaçonaves com 70 astronautas ecoaria a frota de Cristóvão Colombo – incluindo o detalhe de que mesmo que uma das espaçonaves se perdessem no longo caminho, a missão desbravadora ainda teria sucesso. Ao final, a humanidade teria firmado sua presença pelo sistema solar conquistando outros planetas.

A confiança e o otimismo extremos que esta visão de conquista espacial representava talvez seja melhor percebida neste filme recente, largamente baseado nos artigos de von Braun na Collier’s, no estilo de pseudo-documentário de uma realidade alternativa. “Man Conquers Space”:

A realidade que conhecemos foi bem diferente. Toda a celebração do projeto Apollo na primeira parte desta série foi sincera e válida, e isto ficará mais claro no texto a seguir e principalmente ao final, mas nesta reflexão sobre a humanidade e a conquista espacial é importante lembrar que fomos à Lua, mas esquecemos as “outras coisas”.

A Humanidade não merece ir à Lua (III)

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A história do desenvolvimento do Concorde lembra muito o dilema do prisioneiro. Em menos de dois anos os custos já haviam dobrado, e frente a uma crise econômica, o governo britânico tentou abandonar o projeto em 1964. Como vimos, havia um porém. O novo governo de Harold Wilson descobriu que deveria pagar ao parceiro francês uma multa pelo abandono tão grande que na prática seria tão cara quanto continuar financiando o projeto.

Os franceses, por sua parte, seguramente não ficaram felizes em financiar um custo mais de seis vezes superior – e em algumas estimativas, mais de quinze! – ao orçamento inicial por um avião que mesmo antes de ser completado já dava sinais de que não operaria com lucro. Isto é, além de tudo, o investimento brutal não seria recuperado. Em vários momentos, os franceses também buscaram abandonar o projeto, mas então, seriam eles a pagar multas aos britânicos.

A solução racional era e é óbvia. Bastava que os dois países sentassem de novo à mesa e cancelassem o projeto conjuntamente, revisando o tratado. “Mas em vista da forma como o tratado havia sido firmado, nenhum dos lados podia permitir que parecesse que era aquele desejando o cancelamento, uma vez que o outro veria uma chance de recuperar seu prejuízo ao afirmar que eles, claro, queriam continuar”, escreveu Peter Gillman no The Atlantic pouco após a entrada em serviço do avião em 1977. Como no dilema do prisioneiro, as partes foram incapazes de cooperar frente à possibilidade que a outra levasse vantagem, e se viram assim condenadas a um prejuízo combinado muito maior.

Que um acordo lembrando um dilema da teoria de jogos fosse firmado é impressionante em si mesmo. Como explicá-lo? “Em cada caso, motivações tecnológicas e políticas superaram considerações econômicas”, conclui um estudo de historiadores da Universidade de Westminster. Motivações tecnológicas e políticas e a própria Teoria de Jogos nos levam finalmente de volta ao projeto Apollo.

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O dilema do prisioneiro que levou o homem à Lua começou com a surpresa do Sputnik em 1957. Uma enorme conquista tecnológica, o primeiro satélite artificial, e também um aviso aos americanos de que os russos haviam lançado sobre suas cabeças uma pequena esfera metálica contra a qual nada podiam fazer. A esfera polida era bela, brilhante e inofensiva, transmitindo simples bips eletrônicos. Mas bem poderia ter sido uma arma. De certa forma, havia sido uma arma psicológica poderosíssima. Não houve dilema do prisioneiro em maior escala do que a Guerra Fria.

Começava naquele momento a corrida espacial, que de início possuía um sentido muito claro: domine-se o espaço, domine-se o planeta. Mesmo a conquista da Lua era um objetivo claro. Conquiste-se a Lua, conquiste-se o planeta: o primeiro país a colonizar a Lua encontraria lá uma plataforma de lançamento invulnerável a partir da qual se poderia aniquilar a própria Terra. Quando Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem a orbitar o planeta, John Kennedy finalmente se convenceu de que os americanos escolheriam ir à Lua não porque era fácil, nem apenas porque era difícil, mas porque representava o ponto de chegada de uma corrida que de início parecia valer tudo ou nada. E eles estavam perdendo. TVs coloridas de nada adiantariam em meio a uma chuva de ogivas nucleares do espaço.

Como o orçamento inicial do Concorde, isso rapidamente mudou. Com o desenvolvimento de submarinos nucleares, mísseis podiam ser lançados do fundo do mar de qualquer ponto dos oceanos, mesmo sob as calotas polares, representando uma plataforma de lançamento móvel praticamente invulnerável. No evento de um apocalipse nuclear, tanto astronautas na estação espacial quanto marinheiros em submarinos nucleares sobreviverão dentro de suas latas um pouco mais do que nós sobre a terra devastada. E submarinos são muito mais baratos que estações ou colônias espaciais. Foi acima de tudo a economia que fez com que um thriller como “Caçada ao Outubro Vermelho” envolvesse submarinos e não naves espaciais.

Em meados dos anos 1960 já era claro que chegar à Lua não significava o ponto final e definitivo de uma dominância absoluta no espaço, muito menos do planeta. O projeto Apollo, no entanto, já estava em curso e abandoná-lo não era uma alternativa viável em plena Guerra Fria, por “motivações tecnológicas e políticas”. Os EUA precisavam reafirmar sua superioridade tecnológica ainda que no espaço ela não significasse tanto quanto se imaginava de início.

Curiosamente, o projeto Apollo não estourou seu orçamento inicial, mas a explicação talvez esteja na anedota de que o administrador da NASA, James Webb, pediu que seus engenheiros fossem muito sinceros ao estimar os custos do programa – e então dobrou o valor antes de apresentá-lo a Kennedy. Em seu ápice, ele consumiu mais de 5% do orçamento federal de todo os EUA, algo impossível fora do contexto da Guerra Fria, com o objetivo único de pisar na Lua.

E esta se tornaria a tragédia do projeto Apollo. No próximo texto.

[Imagem do topo: ctechs/sxc.hu]

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