O Apocalipse Inevitável (parte IV)

“Imagine uma sala encharcada de gasolina, onde há dois inimigos implacáveis. Um deles tem 9.000 fósforos. O outro tem 7.000 fósforos. Cada um deles está preocupado sobre quem está à frente, quem é mais forte. Bem, esse é o tipo de situação em que realmente estamos”, alertou Carl Sagan.

Era o ano de 1983, e o notório cientista participava de um debate televisivo transmitido logo após a exibição de “The Day After”, retratando os horrores de um confronto nuclear e acompanhado por milhões de norte-americanos. No painel de discussão ao vivo estavam figuras como os antigos secretário de estado americano Henry Kissinger e secretário de defesa Robert McNamara, o sobrevivente do holocausto judeu Elie Wiesel e o ultra-conservador William Buckley.

real

O debate completo, em oito partes, pode ser conferido no Museum of Classic Chicago Television*: partes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8. O vídeo que inicia esta quarta parte da série sobre o “Apocalipse Inevitável” é porém um curta-metragem de animação, criado pelo soviético Garri Bardin no mesmo ano. “Conflito” (1983) explora a mesma metáfora dos fósforos e as consequências desastrosas de um confronto. Dos dois lados da Guerra Fria vozes se levantavam a respeito da situação crítica e absurda.

Afinal, a metáfora dos fósforos e a gasolina não era apenas um conto de terror. Logo na primeira oportunidade Sagan expôs como a visão tenebrosa dramatizada no filme era em verdade uma versão amenizada das consequências reais ainda mais terríveis de uma guerra nuclear. Em uma das primeiras grandes discussões públicas do conceito, Carl Sagan explicou o que seria o “Inverno Nuclear”. Você confere o doutor Sagan expondo a situação na segunda parte dos vídeos, abaixo (a partir de 1:40s):

sagandebatenuclearwinter

Consequência climática global da queima conjunta de dezenas de megalópoles, “como quase certamente ocorrerá”, as dimensões das chamas formariam uma coluna de poeira e fuligem que chegaria até a alta atmosfera. Uma vez chegando lá, circulariam por todo o planeta e levariam vários meses para se dissipar. Todo o planeta passaria à penumbra de um inverno prolongado, mergulhando a temperaturas congelantes de uma Era Glacial instantânea.

Além de “um ou dois bilhões de vítimas diretas” das explosões, os sobreviventes simplesmente não teriam o que comer enquanto a agricultura colapsaria. “Há uma possibilidade real de extinção da espécie humana”. Se o Apocalipse Nuclear era terrível, o Inverno Nuclear mostrava que seria realmente o apocalipse, o fim de nossa espécie.

Neste ponto, o moderador Ted Koppel interrompe Sagan e mostra-se surpreendido com os vaticínios terríveis anunciados. “Se nossos espectadores já não estavam deprimidos o suficiente depois de ver o filme, suspeito que você os deixou ainda piores”, comenta. Recebe a palavra Kissinger, e este é um momento importantíssimo, porque Kissinger, secretário de estado para duas administrações e uma das figuras a moldar os rumos da história no século 20, também se mostra surpreso.

“Eu escrevi um livro sobre este assunto há 30 anos, quando a noção de Guerra Nuclear generalizada surgiu. … E agora temos o senhor Sagan dizendo que é ainda pior do que isto”. O conselheiro de presidentes não sabia bem o que era o Inverno Nuclear, porque este era um efeito descoberto há pouco. A rigor, ainda não havia sido descoberto.

Dias depois do debate Sagan publicaria na Science o primeiro trabalho científico modelando, confirmando, e de fato cunhando o termo Inverno Nuclear. Conhecido como o estudo TTAPS, devido às iniciais de seus autores (Turco, Toon, Ackerman, Pollack, Sagan), o trabalho derivava de estudos realizados pouco antes por John Birks e Paul Crutzen sugerindo a possibilidade de um “crepúsculo ao meio-dia” após um confronto nuclear. Você pode se lembrar de Crutzen: é o mesmo cientista que também havia alertado sobre o perigo à camada de ozônio devido a poluentes, de que falamos na segunda parte desta série. De fato o Inverno Nuclear também afetaria o ozônio na alta atmosfera, que poderia ser reduzido a níveis baixíssimos também com enorme rapidez. Anos após a penumbra nuclear se dissipar, seria então a radiação ultravioleta direta do Sol a dizimar formas de vida sensíveis, de olhos humanos a plânctons nos oceanos na base da cadeia alimentar.

invernonuclear

O Inverno Nuclear era uma descoberta científica de gigantescas implicações, e é assustador constatar como a Humanidade passou tão perto do fim sem nem mesmo imaginar de antemão o que poderia lhe acontecer. Kissinger faz referência a considerações de inúmeros think tanks que aplicavam ciência e tecnologia à análise da guerra, utilizando a matemática da teoria de jogos criada exatamente para este fim, buscando estabilidade, o que levou ao insano conceito da Destruição Mútua Assegurada (MAD, em inglês). E em todos os cálculos sobre o número de ogivas, mortes, cidades e modelos psicológicos do Politburo, ignorava-se que em termos simples a fumaça de dezenas de cidades em chamas poderia cobrir o planeta assegurando, por fim, a destruição de toda a espécie humana. Por três décadas governantes assessorados por inúmeros tecnocratas consideraram a guerra nuclear sem ter ideia de suas consequências.

“Isto é uma boa notícia”, saudou o conservador Buckley ao ouvir a notícia de Sagan. Esta reação surpreendente reflete o fato de que o Inverno Nuclear seria paradoxalmente usado tanto por aqueles que defendiam um aumento no número de armas atômicas quanto por aqueles que promoviam sua redução. Desnecessário explicar os partidários da redução, mas aqueles que apoiavam o Inverno Nuclear como justificativa para que se continuasse aumentando o número de fósforos na sala encharcada de gasolina se baseavam justamente na Destruição Mútua Assegurada, que já contava com a ideia de que a impossibilidade de vencer um conflito nuclear supostamente levaria a uma maior estabilidade e segurança, uma vez que ninguém se atreveria a apertar o botão vermelho. Nesta interpretação da Teoria de Jogos, a ciência provaria o absurdo Orwelliano de que Guerra é Paz.

Mas a loucura, ao final, deu lugar à razão. “Modelos realizados por cientistas russos e americanos mostraram que uma guerra nuclear resultaria em um inverno nuclear que seria extremamente destrutivo a toda a vida na Terra”, disse o premiê soviético Mikhail Gorbachev. “Este conhecimento foi um enorme estímulo a nós, a pessoas de honra e moralidade, agir nessa situação”. E eles agiram.

Influenciados seja pelo filme, seja pela ciência do inverno nuclear, seja por inúmeros outros fatores, Reagan e Gorbachev estabeleceram um diálogo e a partir de 1986 EUA e URSS passaram a reduzir seus arsenais nucleares, em uma diminuição que se estende até hoje. O gráfico abaixo traçando a evolução no número de ogivas nucleares no mundo fala por si mesmo.

arsenalnuclear

Há enorme esperança aqui: no debate em 1983, McNamara, Kissinger e quase todos parecem concordar que uma redução dos arsenais a mesmo metade das dezenas de milhares de armas disponíveis em um prazo de uma ou duas décadas seria muito pouco provável. Mas foi o que aconteceu. O pouco provável aconteceu. O fim da própria União Soviética é provavelmente o fator determinante para essa redução, mas há enorme esperança no fato de que a redução se iniciou mesmo antes disto, e é possível que tivesse continuado fundamentada simplesmente na tomada de decisões políticas e morais baseadas em conhecimento científico a respeito de nosso futuro. Isso é possível.

De sua participação no trabalho científico sobre o Inverno Nuclear a seu ativismo transmitindo diretamente à população estes resultados, com a ajuda de um filme feito para a TV, Carl Sagan salvou o mundo.

A história, no entanto, não parou aí, enquanto o próprio Inverno Nuclear seria questionado como uma pseudociência. Na continuação.

– – –

* Os vídeos do debate realizado após “Day After” foram disponibilizados pelo Museum of Classic Chicago Television, e estavam originalmente bloqueados aos internautas brasileiros. Solicitei ao administrador, que gentilmente liberou o acesso. Caso aprecie assistir na conveniência de seu computador esta peça relevante da história, um momento raro no cruzamento de ciência e política, faça uma doação ao museu sem fins lucrativos.

Releia toda a série:

O Apocalipse Inevitável (parte III)

Na noite de 20 de novembro de 1983 quase 100 milhões de americanos assistiram a um filme na TV. Era “The Day After” (1983), produzido por uma das principais cadeias televisivas, retratando em mais de duas horas e da forma mais realista possível – a um filme dramatizado – os efeitos de um confronto nuclear entre forças da OTAN e a então União Soviética. No clipe acima, que pode ser perturbador, estão os trechos mais impactantes do ataque nuclear em si mesmo, com ogivas explodindo sobre duas cidades do Texas e seus efeitos imediatos nos arredores.

t8w07p

Os efeitos especiais de quase trinta anos podem parecer hoje datados, ainda que alguns momentos tenham sido extraídos diretamente de filmagens de testes nucleares reais. As imagens, no entanto, ainda devem causar impacto: abstraia as limitações dos efeitos especiais e lembre-se de que esse Apocalipse foi, e é, muito real. No evento de uma guerra nuclear, com a detonação de uma ogiva nuclear mesmo a quilômetros de distância, todos os seus aparelhos eletrônicos, computadores, Internet, celulares, irão queimar com o pulso eletromagnético, exatamente como os carros e o blecaute no filme. Momentos depois o estrondo, com a destruidora onda de choque e calor poderão atingi-lo. Ainda que se escape do impacto e calor, a batalha pela sobrevivência se dará com os efeitos da radiação e o colapso social, estes abordados ao longo do resto de “The Day After”. Se isto não lhe causar calafrios, nada mais o fará.

As cenas podem ser mais do que perturbadoras, traumatizantes, e com razão. Precisamos, e devemos temer este cenário, representando aquilo que sob nenhuma hipótese deve ocorrer. “The Day After” foi produzido em um momento crucial quando a Guerra Fria se aquecia novamente e um novo presidente republicano, Ronald Reagan, prometia que os EUA poderiam vencer um conflito nuclear com um número aceitável de “baixas”. Mostrar que este número “aceitável” de mortes era inaceitável para toda a população sob qualquer ponto de vista era o objetivo do drama.

ap8610110119_500

Segundo o diretor de “Day After”, Nicholas Meyer, quando três anos depois Reagan ao invés disso comprometeu-se a um tratado de redução de mísseis nucleares com o premiê soviético Mikhail Gorbachev, teria lhe enviado um telegrama: “Não pense que seu filme não teve parte nisso, porque teve”. Um filme salvou o mundo. Mas não apenas um filme, claro.

Logo após a exibição de “Day After”, com a população chocada pelo que havia assistido, o canal exibiu um debate com cientistas, políticos e representantes do governo. Presentes estavam nada menos que Henry Kissinger e Robert McNamara, o congressista William F. Buckley, o secretário de estado George Shultz e como cientista, o doutor Carl Sagan. Era finalmente hora de Sagan também salvar o mundo.

No próximo texto.

– – –

Releia toda a série:

O Apocalipse Inevitável (parte II)

Lockheed L-2077_artist2_opt600x386_up-ship 

Esta é a história pouco conhecida de um homem que salvou o mundo. Físico e meteorologista na Universidade de Arizona, EUA, James McDonald tornou-se mais conhecido porém por sua apologia aos OVNIs. Acreditava firmemente que eram um mistério não resolvido e que a academia e órgãos oficiais não lhe dedicavam a atenção devida. Chegou a testemunhar no Congresso defendendo os discos voadores.

Foi sobre outra questão que McDonald testemunhou no Congresso pela segunda vez, em 1970. Já há mais de uma década políticos nos Estados Unidos discutiam a criação de sua própria frota de aviões supersônicos comerciais – abordamos a rocambolesca história do Concorde aqui. Mais alto, mais rápido, questão de orgulho nacional enquanto os europeus e os soviéticos investiam em seus aviões supersônicos. Como ser contrário a tal progresso?

Havia um problema: a poluição lançada por esses aviões diretamente na alta atmosfera, alterando a composição entre outras da camada de ozônio. Anos antes cientistas já haviam notado que esta poluição poderia interagir com o ozônio, diminuindo sua concentração e a proteção que ofereceria ao barrar radiações solares mais intensas. Diferentes acadêmicos incluindo Paul Crutzen – que ganharia o prêmio Nobel por tais pesquisas – alertariam sobre as possíveis consequências das emissões de óxido nítrico por aviões supersônicos.

d6f56e655611Entra McDonald e seu segundo testemunho no Congresso. “É minha estimativa presente que a operação de SSTs [aviões supersônicos] nos níveis de frota estimados atualmente para 1980-1985 poderia aumentar tanto a transmissão de radiação solar ultravioleta a ponto de causar algo na ordem de 5~10.000 casos adicionais de câncer de pele ao ano apenas nos EUA”. Lembra o Sunblock 5000, não? Levem o projeto à frente, e verão milhares de mortes por câncer, advertiu McDonald.

Funcionou. O Congresso cortou o financiamento ao avião supersônico americano, depois de já ter investido mais de um bilhão de dólares, à época. Mais do que convencer o Congresso, o risco à camada de ozônio e as milhares de mortes que poderia causar foram explorados pela imprensa e impressionaram o público, tornando-se elemento importante no movimento ambientalista. Tão relevante que tais temores foram finalmente amplificados, tornando-se conhecimento comum e mesmo alvo de paródias de Hollywood, após a descoberta de que de fato havia uma diminuição na concentração do ozônio sobre a Antártida – nunca chegou a formar um buraco de fato, mas constitui uma rarefação significativa – e o entendimento de que, mesmo sem centenas de aviões supersônicos na estratosfera, poluentes então largamente usados em geladeiras ou latas de spray, os CFCs, silenciosa e lentamente rumavam até o espaço onde destruíam a camada protetora.

ozone_hole_NASA

Não foi tudo apenas devido a McDonald, é bem verdade – o Concorde europeu, como vimos, foi levado até o fim causando prejuízo a britânicos e franceses, sem nunca se tornar economicamente viável e com apenas 20 aviões produzidos em toda a história, por isso mesmo de efeitos negligenciáveis sobre a camada de ozônio. No início da década de 1970, discutiam-se frotas de centenas de aviões supersônicos voando diariamente, e isso nunca se concretizou, talvez nunca se concretizasse. Lembre-se também que McDonald não foi o único a alertar sobre os perigos ambientais de poluir a alta atmosfera, e outros cientistas como Crutzen foram mesmo premiados com o Nobel por suas pesquisas na área. Não falamos aqui de um super-herói que interrompeu sozinho um asteróide em direção à Terra, estes são infelizmente apenas personagens de ficção. O que temos é a história real, e nesta história, o ufólogo sim desempenhou seu papel. E ao invés de levar o Nobel, McDonald suicidou-se poucos meses depois de seu testemunho no Congresso.

Se lembramos aqui como uma curiosidade o interesse e apologia de McDonald a OVNIs, isso certamente não foi ignorado à época em que se lutava ferozmente a respeito. E em se tratando de verbas de bilhões de dólares à indústria aeronáutica, não faltaram os que ridicularizaram o físico por suas crenças em discos voadores. Um congressista foi especialmente enfático e buscou direcionar o questionamento a McDonald à ufologia, que em nada se relacionava com a questão do ozônio e aviões supersônicos. Mas, argumentou o congressista, qualquer um que acreditasse em homenzinhos verdes não merecia ser levado a sério.

Depois de mais de uma década de confrontos e ostracismo por seu envolvimento com OVNIs, somado a problemas pessoais, James McDonald decidiu tirar a própria vida em 13 de junho de 1971. Mesmo hoje o envolvimento de McDonald com OVNIs é usado por aqueles que defendem que a idéia do buraco no ozônio seria uma farsa, uma conspiração – assim como o aquecimento global. Buscam ressaltar o envolvimento do ufólogo como se o perigo sobre o qual alertou fosse algo absurdo, comumente omitindo que McDonald foi apenas um dos cientistas que advertiram com base em evidência razoável sobre as consequências de poluir a alta atmosfera. Não foi o primeiro, nem foi o último. Foi apenas um deles, um que também era um ufólogo.

O ufólogo, e físico, e meteorologista, desempenhou sua parte em um esforço que ajudou a preservar a camada de ozônio. O desenvolvimento de modelos atmosféricos confirmaria os fundamentos do alerta, e o cancelamento do projeto supersônico americano e o posterior banimento internacional de poluentes como os CFCs, com sinais de que a camada protetora deve se recuperar, também vindicariam um ponto em que o homem que acreditava em homenzinhos verdes estava essencialmente correto. A seu modo, e fazendo bem mais do que a parte que cabe a cada um de nós, James McDonald salvou o mundo.

A história não pararia aí, e um Apocalipse ainda mais imediato e terrível seria impedido através de ideias derivadas do mesmo buraco na camada de ozônio. Era a vez de Carl Sagan salvar o mundo do Holocausto Nuclear. No próximo nexo.

– – –

Releia toda a série:

O Apocalipse Inevitável (parte I)

end-of-the-world 

Um ufólogo salvou o mundo. Carl Sagan também salvou o mundo. Nós precisamos salvar o mundo. Ou, como George Carlin dizia, precisamos salvar a nós mesmos, afinal o planeta pode se virar muito bem. “Tem estado aí por 4,5 bilhões de anos. O planeta não vai a lugar nenhum. Nós vamos”.

Quem tem mais de vinte anos deve se lembrar do chamado buraco na camada de ozônio. Ele ainda está lá e todos, mesmo os mais jovens, deveriam saber a respeito. Porém há vinte anos o tema era tão ou mais discutido quanto o aquecimento global é hoje. Confira, por exemplo, este comercial futurista do protetor solar Sunblock 5000 em “Robocop 2” (1990):

Paródia, claro, mas representando os temores da época. Duas décadas depois podemos comemorar o sucesso do Protocolo de Montreal e o banimento do CFC, principal vilão da história, e como desde 1994 a concentração de tais substâncias na alta atmosfera vem diminuindo. A camada de ozônio deve se recuperar completamente até a segunda metade do novo século – um bom tempo, mas um bom prospecto e uma prova de que acordos internacionais podem funcionar. O desafio de controlar emissões de carbono é um imensamente maior do que controlar o CFC, mas é extremamente interessante ver como à época, indústrias que lucravam com o CFC também afirmavam que seria primeiro desnecessário, e então de toda forma impossível banir o produto químico tão útil à economia.

Virar o jogo e convencer o público e os governantes da necessidade de medidas economicamente custosas e que só veriam resultados a longo prazo envolveu uma história igualmente longa e complexa, e no próximo nexo abordaremos a participação do ufólogo que salvou o mundo: James McDonald.

– – –

Releia toda a série:

A Busca pela Longitude, a uma década do GPS civil

1-Navigation

Somos cercados por tecnologias fabulosas, que podem por vezes combinar em uma pequena bugiganga tantos avanços e conhecimentos científicos que não surpreende que sejam consideradas mágicas. E podem ser tanto mais mágicas quanto mais simples seja sua função. Vide o caso do GPS.

Por algo ao redor de um salário mínimo é possível adquirir um aparelho que informará sua posição em praticamente qualquer ponto da superfície do planeta, atualizada a cada intervalo de segundos. Simples assim, o GPS diz onde você está. Mas mágico, porque esta simples tarefa envolve não apenas a aplicação de inúmeras áreas da ciência em um feito surpreendente de engenharia, como também reflete as complexidades da história humana.

Não iremos nos estender aqui sobre as complexidades científicas que tornam a maquininha capaz de localizá-lo com uma precisão em torno de 15 metros em um planeta com superfície de 510 milhões de quilômetros quadrados. O Carlos Orsi publicou há pouco um texto fantástico indo da Teoria da Relatividade de Einstein à poeira cósmica a 1 bilhão de anos-luz, que já deve fornecer uma boa idéia do quão incrível é a façanha: Relatividade, buracos negros e o GPS.

Nosso interesse maior aqui são as complexidades da história dos macacos que inventaram essa bugiganga, a pretexto de uma misteriosa mensagem recebida do professor José Ildefonso.

 

Vire à direita 100 metros à frente. Ou atrás.

“Neste mês de maio comemora-se o 10º aniversário do fim do SA (Selective Availability)”, ele me avisava. Muito bem, antes de seguir o link, não fazia a menor idéia do que ele estava falando. Selective Availability? Depois de visitar o link, caiu a ficha. Faz dez anos que o sistema GPS deixou de ter erros deliberados inseridos em seu sinal.

Erros deliberados? Um fabuloso sistema de navegação global derivado de testes da precisão da teoria da relatividade com relógios e medidas ultra-precisas… e temos erros deliberados?

Somos muito afortunados porque para nós, uma pequena máquina capaz de dizer com uma precisão de 15 metros ou menos aonde estamos nos parece algo útil para saber em que rua pegar o retorno, ou avisar todos no Twitter que acabamos de chegar à pizzaria, incluindo suas coordenadas no planeta. Para outras pessoas em diferentes confins do mundo uma máquina com esta capacidade é atraente ao invés para coordenar melhor ataques de guerrilha ou direcionar mísseis. Não há tantas ruas asfaltadas para se perder em, nem muitas pizzarias em tais lugares.

Há guerras neste momento, e em uma guerra, um GPS é extremamente útil. Este choque entre nossas confortáveis vidas de classe média no mundo ocidental e a realidade em outros cantos do planeta também ocorre com outras tecnologias incluindo imagens de satélite e mapeamento aéreo disponíveis pelo Google, por exemplo.

Pequeno detalhe, o sistema GPS foi criado pelo Departamento de Defesa americano e ainda é administrado pela Força Aérea gringa. Foi e é um sistema militar. Sua disponibilidade pública, civil, o que significa que poderia ser usada mesmo pelo inimigo, foi oferecida inicialmente então com uma ressalva, que era a “Selective Availability”.

Qualquer um poderia utilizar o sinal do GPS para localizar-se pelo globo, mas o sinal continha erros propositais variantes de até 100 metros. Isto tornaria seu GPS muito pouco útil pela navegar pela cidade, com erros do tamanho de um quarteirão. Também seriam menos úteis para combatentes inimigos. Receptores seletos, disponíveis apenas aos militares americanos, eram capazes de compensar o erro no sinal, que era em verdade pré-definido de acordo com chaves reservadas, podendo assim contar com a melhor precisão disponível pelo sistema.

Precisão esta que, no entanto, todos nós podemos usufruir desde 1 de Maio de 2000, quando Bill Clinton ordenou que a “Selective Availability” fosse efetivamente encerrada, com o erro introduzido sendo reduzido a zero. Por esta época, já fazia mais de uma década que a União Soviética havia se esfacelado, o GPS já estava sendo usado mesmo pela avião civil americana, e, outro pequeno detalhe, os militares americanos haviam desenvolvido técnicas para impedir que o sinal GPS seja usado em áreas seletas pelo globo, tornando efetivamente desnecessário tornar o sinal globalmente impreciso. Eles podem “desligá-lo” nas em áreas determinadas quando desejarem.

Se Orsi o lembrou de sinais a um bilhão de anos-luz de certa forma determinando a posição precisa da sua seta no GPS, 100nexos quer lembrá-lo também de como macacos pelados sempre podem encontrar usos terríveis para algo à primeira vista tão singelo quanto dizer “vire à direita para chegar ao seu destino”. Complicados, esses humanos.

 

Pombos e Longitude

Antes do advento da tecnologia espacial – e tantas outras tecnologias – que permitiram o desenvolvimento do sistema GPS, localizar-se pelo planeta não era mesmo tarefa fácil. Volte apenas algumas décadas, e temos uma fantástica ilustração de como mísseis inteligentes se guiavam antes do GPS, antes da miniaturização de componentes eletrônicos: o famoso psicólogo behaviorista B.F. Skinner, famoso por treinar e experimentar com pombos, chegou a treinar e desenvolver pombos capazes de guiar mísseis na Segunda Guerra.

Na imagem abaixo, um protótipo, os três receptáculos são espaço reservado para três pombos saírem bicando o caminho do míssil em direção ao alvo através de pequenas telas. Usariam três pombos para que, combinados, o erro fosse menor. Era o “Projeto Pomba”. E não, esta não é uma piada.

353a

Mísseis guiados por pombos. Só não seriam algo pior do que mísseis guiados por seres humanos, como os Kamikazes japoneses. Um sistema GPS fez muita falta.

Voltemos mais alguns séculos, e o problema de localizar-se pelo mar durante a era das Grandes Navegações, da expansão mercantil, era ainda mais vital. Não apenas em guerras, mas simplesmente para cruzar os oceanos pacificamente, incontáveis vidas foram perdidas em navios deparando-se inesperadamente com terra, ou andando em círculos no mar.

Pois bem, com seus primitivos instrumentos, a bordo de navios sacolejando, marinheiros podiam determinar com alguma precisão a sua latitude, isto é, quanto ao norte ou sul estavam. Bastava uma olhada na elevação das estrelas, do Sol. Grosso modo, no equador o Sol estaria a pino, próximo dos pólos, estará baixo no horizonte.

grid

O problema maior, muito maior, er
a descobrir a longitude. Um problema que levou séculos para ser solucionado, e pode ser considerado sem exagero um dos mais importantes problemas científicos do século XVIII. É simples entender a dificuldade: a Terra está girando. Não bastam observações astronômicas simples como as da latitude. A longitude não é medida como a distância ao equador ou aos pólos, e sim como a distância ao meridiano zero que passa pelo Observatório de Greenwich, Inglaterra. Algo um tanto arbitrário, mas há um motivo para isso.

Quem finalmente solucionou o problema da longitude foi um inglês, foi John Harrison. Um relojoeiro auto-didata que dedicou praticamente toda sua vida a solucionar o problema da longitude, ao qual o Parlamento Britânico ofereceu um prêmio de milhões – e que Harrison, apesar de tê-lo solucionado, acabou nunca ganhando oficialmente. É uma biografia das mais incríveis na história da tecnologia, incluindo Isaac Newton declarando que a idéia de Harrison jamais teria frutos, e momentos de grande tensão e expectativa enquanto as tentativas de Harrison eram testadas.

A leitura imperdível sobre a história do problema da longitude e os percalços e a vitória de John Harrison é o livro “Longitude”, de Dava Sobel, que dramatiza levemente as aventuras, que são contudo em sua essência completamente reais. A história de Harrison também foi dramatizada em um seriado homônimo, “Longitude”, e em um documentário da PBS americana, “Lost at Sea: The Search for Longitude”, todos fascinantes.

Aos interessados pelos feitos técnicos de Harrison, confira suas invenções como o “escape gafanhoto” ou o simples e engenhoso pêndulo Gridiron, combinando metais diferentes para que a dilatação por calor não afetasse o comprimento final do conjunto. Harrison também utilizou inovações como rolamentos em seus mecanismos em busca da máxima precisão na medida do tempo.

Porque Harrison solucionou o problema da longitude com um relógio. Ou melhor, vários relógios. Vários dos mais precisos relógios já construídos até então, com uma precisão de frações de segundo ao dia, mesmo em condições adversas a bordo de navios cruzando os trópicos. De posse de um relógio preciso, bastaria comparar a hora local com aquela de um meridiano conhecido, geralmente Greenwich, para descobrir sua longitude.

Sabemos, por exemplo, que quando aqui é meio-dia, no Japão, nosso antípoda, é meia-noite do dia seguinte. São doze horas de diferença. O inverso também vale: caso não soubéssemos em que longitude estamos, e descobríssemos que nossa hora local difere doze horas daquela no Japão, saberíamos que estamos do outro lado do planeta em relação ao Japão. Saberíamos nossa longitude, saberíamos nossa posição, usando um relógio. A Terra girar se tornava finalmente algo a favor da medida de longitude.

 

Espaço-Tempo

Definir nossa posição no espaço através do registro preciso do tempo. Como o sistema GPS viria a demonstrar de vez, testando e aplicando mesmo a Teoria da Relatividade, estes dois conceitos fundamentais estão intrinsecamente relacionados. Não é um mero recurso adicional pedido pelo cliente que todos aparelhos receptores de GPS também registrem horário. O registro da hora com precisão absurda continua sendo, como era com os relógios de Harrison, algo fundamental para localizá-lo pelo planeta.

A relação intrínseca entre espaço e tempo se traduz na constante fundamental da velocidade da luz, a razão absoluta e imutável da distância percorrida por um fóton em um determinado período de tempo. Idéias das mais revolucionárias e fundamentais à física moderna, aplicadas em uma máquina em seu bolso, para uma precisão de metros, que foi contudo inicialmente disponibilizada com uma imprecisão deliberada para que macacos pelados não a usassem contra os macacos pelados que criaram tal tecnologia.

Finalmente, há dez anos, completados este mês, nós podemos usufruir de toda esta tecnologia, de toda esta ciência, de toda esta história para Twittar nossa latitude… e longitude.

Colisão de Anéis de Vórtice: da Clarividência às Supercordas

Colisão Frontal de Anéis de Vórtice Coloridos”. Um título humilde para um vídeo sensacional, via Fluid Mechanics Group da Universidade Nacional de Singapura. E há mais no título!

“Note a formação de pequenos anéis do cruzamento dos filamentos de vórtice ondulados dos anéis maiores”.

Dois vórtices maiores colidindo, resultando em uma série de vórtices menores. Lembra a colisão de partículas, e de fato, a lembrança é apropriada porque a associação não é nada nova. Muito antes que cordas se tornassem moda na física de partículas, um dos primeiros modelos propostos para o átomo por William Thomson, mais conhecido como Lorde Kelvin, sugeriu que átomos eram anéis de vórtice propagando-se pelo éter.

Como Michael Fowler especula, Kelvin foi provavelmente inspirado em sua idéia revolucionária por demonstrações da estabilidade de vórtices como esta:

O vídeo é uma simulação de Paul Nylander, mas vórtices toroidais podem mesmo fazer esse truque, passando um através do outro, e em condições ideais perpetuariam essa dança eternamente. E o éter luminífero, acreditava-se, ofereceria estas condições ideais. Nylander também oferece esta visualização que ajuda a enxergar o que ocorre e como esta estabilidade se mantém (clique na imagem para outro vídeo):

LeapFrog2

Tudo muito belo, mas infelizmente, vórtices não são estáveis em muitas outras formas além de simples anéis, e não são assim realmente um bom modelo para átomos como propôs Kelvin. Mais do que uma boa analogia (“átomos são cordas como as de um instrumento musical!”, ou “são como pequenos sistemas solares!”, ou “são como anéis de fumaça!”), o que realmente vale em ciência, e particularmente na física, são boas ferramentas matemáticas, e a dinâmica de fluidos ao final não pôde oferecer muito avanço para predizer o comportamento de átomos e partículas.

A idéia inspirada de Kelvin sim impulsionou muito o avanço da própria dinâmica de fluidos e mesmo da matemática, com a teoria da nós na topologia.

Curiosamente, até ocultistas ao final do século 19 abraçaram a idéia de Kelvin. Pseudociência: sempre parasitando a ciência real, ao mesmo tempo em que alega estar além da entidade de que depende. O caso aqui não foi diferente, enquanto há evidência de que os ocultistas não só copiaram a idéia de Lorde Kelvin, como também dados de livros didáticos bem científicos para fundamentar suas visões supostamente místicas.

J. Michael McBride conta toda a história das “Lições Científicas Sérias da Observação Direta de Átomos por Clarividência”.

Enantiomers08

Mas não sejamos tão duros, pelo menos com o Lorde Kelvin, aquele que proclamou que o avião seria impossível. A idéia de átomos de vórtice foi mesmo revolucionária, ela encontra sim uma correlação com teorias de cordas modernas, e pode não ter sido uma idéia ruim.

Assim é a ciência, e é mesmo possível que teorias de supercordas acabem se aproximando ainda mais da proposta original de Kelvin.

O que podemos dizer ao certo é que vórtices são fascinantes, estejam ou não por trás das partículas fundamentais da física. Como fumaça já são mais do que sensacionais.

Os Epiciclos Ptolemaicos de Homer Simpson

Uma noite de observação do céu estrelado basta para perceber que tudo está em movimento. O vídeo acima em time-lapse registra o céu em movimento (clique para mais), oferecendo a noção muito clara de uma abóbada celeste girando ao nosso redor. Além de vídeos em lapso de tempo, uma fotografia em longa exposição também ilustra o círculo celeste.

Continue lendo…

O Triste Fim do Pequeno Albert

“Das filas de bebês que se arrastavam a quatro pés, elevaram-se gritinhos de excitação, murmúrios e gorgolejos de prazer. O Diretor esfregou as mãos. – Excelente! – comentou. E, levantando a mão, deu o sinal. A Enfermeira-Chefe baixou uma pequena alavanca. Houve uma explosão violenta. Aguda, cada vez mais aguda, uma sirene apitou. Campainhas de alarme tilintaram, enlouquecedoras. As crianças sobressaltaram-se, berraram; suas fisionomias estavam contorcidas pelo terror. – Mas isso basta — continuou, fazendo um sinal à enfermeira. As explosões cessaram, as campainhas pararam de soar, o bramido da sirene foi baixando de tom em tom até silenciar. Os corpos rigidamente contraídos distenderam-se, o que antes fora o soluço e o ganido de pequenos candidatos à loucura expandiu-se novamente no berreiro normal do terror comum. – Ofereçam-lhes de novo as flores e os livros. As enfermeiras obedeceram; mas à aproximação das rosas, à simples vista das imagens alegremente coloridas do gatinho, do galo que faz cocorocó e do carneiro que faz bé, bé, as crianças recuaram horrorizadas; seus berros recrudesceram subitamente. – Observem – disse o Diretor, triunfante. – Observem.

Os livros e o barulho intenso, – já na mente infantil essas parelhas estavam ligadas de forma comprometedora; e, ao cabo de duzentas repetições da mesma lição, ou de outra parecida, estariam casadas indissoluvelmente. O que o homem uniu, a natureza é incapaz de separar. – Elas crescerão com o que os psicólogos chamavam um ódio "instintivo" aos livros e às flores. Reflexos inalteravelmente condicionados. Ficarão protegidas contra os livros e a botânica por toda a vida”. [Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”, 1932]

A distopia de castas condicionadas de Huxley não era apenas ficção, e sua similaridade com o filme que pode ser visto acima está longe de ser mera coincidência. Um dos personagens principais do romance, Helmholtz Watson, é em seu sobrenome uma referência a John Watson, um dos psicólogos fundadores do Behaviorismo e que pode ser visto no filme, acompanhado da assistente Rosalie Rayner e do bebê que é tema deste texto: o Pequeno Albert.

“Albert” era o nome fictício para o bebê muito real sujeito aos experimentos de Watson. Filho de uma enfermeira que trabalhava onde o psicólogo behaviorista realizava seus experimentos, Watson o escolheu para demonstrar o fenômeno de condicionamento em humanos – porque ele foi originalmente demonstrado em cães, nos famosos experimentos de Pavlov. Eram outros tempos, era o ano de 1920, e o pequeno Albert tinha pouco menos de um ano.

Soando o gongo

Watson inicialmente estabeleceu como o bebê não parecia ter praticamente nenhum medo inato. Foi na sala controlada de Watson que o pequeno Albert conheceu pela primeira vez na vida coelhos, macacos, cachorros e mesmo um pequeno rato branco, com que tentou brincar. Nenhum deles o assustava, e Albert não temia nem mesmo o fogo. Uma das poucas coisas que desagradava Albert era um desconforto natural com barulhos altos repentinos, como bater em uma barra metálica.

O primeiro passo do condicionamento em si envolveu assim associar a resposta natural de Albert – o desconforto com barulhos altos – com aquelas não-condicionadas. Como na ficção de Huxley, toda vez que Albert via o pequeno rato branco, a assistente Rosalie passou a assustá-lo com o súbito estrondo ao martelar a barra metálica. Depois de várias repetições, sempre associando o rato branco ao desagradável susto do estrondo, Watson pareceu ter obtido sucesso. “Na mente infantil essa parelha estava ligada de forma comprometedora”, escreveria Huxley anos depois.

Mesmo sem nenhum barulho, Albert passou a chorar com a visão do pequeno rato branco com que antes queria brincar. Mais do que isso, o bebê teria generalizado sua resposta condicionada, passando a temer vários outros objetos felpudos, desde coelhos até casacos de pele que, relembrando, inicialmente não temia, e os quais nunca foram mostrados acompanhados do estrondo. No filme vemos o pobre Albert chorando inclusive quando Watson coloca uma máscara de Papai Noel, com sua barba branca.

Cruel, sem dúvida. Ainda pior porque o estágio seguinte dos experimentos, em que Watson tentaria reverter o condicionamento, tentando habituá-lo novamente ao ratinho branco ou mesmo associando-o a doces, nunca foi realizado. Albert foi levado pela mãe para nunca mais ser encontrado.

Rumores davam conta de que a mãe teria descoberto o que o psicólogo estava fazendo com seu filho, e indignada teria fugido sem deixar pistas. Albert teria sido adotado por outra família, e a fobia condicionada teria persistido até a vida adulta. Eram, contudo, apenas rumores. O “Pequeno Albert”, parte de um dos mais famosos experimentos psicológicos e inspiração para parte de uma das obras literárias mais importantes do século passado havia desaparecido.

Há pouco ele parece ter sido finalmente encontrado.

Encontrando o Pequeno Albert

Na mais recente edição de American Psychologist, comentada em Mind Hacks, o psicólogo Hall Beck revela os resultados de uma exaustiva investigação de sete anos que liderou em busca do paradeiro de Albert. Literalmente como detetives, os psicólogos partiram dos poucos dados conhecidos, começando do local e data em que os experimentos foram realizados, e através deles localizaram o nome da enfermeira Arville Merritte. Tudo indicava que deveria ser a mãe, mas o rastro não levava muito além.

Foi uma busca pelo seu nome de solteira, Arvilla Irons, que permitiu voltar ao caminho. Isso sugeria que seu nome de casada era provavelmente em si mesmo fictício, escondendo o fato de que seu bebê era ilegítimo. Arvilla era uma mãe solteira, e seu bebê não se chamava Albert, e sim Douglas. “Douglas Merritte”. Seria o Pequeno Albert?

Para finalmente confirmar o achado, Beck e sua equipe contaram com a colaboração da família Irons, que enviou fotos do bebê que foram então analisadas por peritos forenses do FBI. Embora as fotografias não fossem muito boas, os resultados, combinados com a coincidência dos diversos outros dados rastreados, sugerem fortemente que o pequeno Albert havia sido finalmente encontrado. Noventa anos depois, finalmente saberíamos qual teria sido o destino de Douglas.

Foi um triste destino. Poucos anos depois dos experimentos, em 1922 Douglas parece ter contraído meningite e desenvolvido hidrocefalia, um acúmulo de fluido no cérebro. Com apenas seis anos de idade, em 1925, o pequeno Douglas faleceu.

Todos os rumores sobre a vida de “Albert” eram falsos. Douglas viveria apenas mais cinco anos, e não se sabe se nesta curtíssima vida deixou de temer ratos, coelhos ou casacos de pele. Mind Hacks cita o final melancólico do artigo da investigação de Beck, que visitou o túmulo do pequeno Douglas:

“Enquanto observava Gary e Helen colocando flores no túmulo, lembrei-me de um sonho que tive acordado onde imaginava mostrar a um ancião surpreso o filme de Watson dele ainda bebê. Minha
pequena fantasia estava entre as dúzias de enganos e mitos inspirados por Douglas.

‘The sunbeam’s smile, the zephyr’s breath,
All that it knew from birth to death.’

Nenhuma das lendas que encontramos durante nossa investigação possuía base factual. Não há evidência de que a mãe do bebê tenha ficado ‘ultrajada’ com o tratamento de seu filho ou que a fobia de Douglas tenha provado ser resistente a extinção. Douglas nunca foi decondicionado, e não foi adotado por uma família ao norte de Baltimore.

Nem ele chegou a ser um senhor de idade. Nossa busca de sete anos foi mais longa que a vida do pequeno garoto. Coloquei flores no túmulo de meu ‘companheiro’ de longa data, voltei-me e simultaneamente senti uma grande paz e uma profunda solidão”.

Watson, educador infantil

O triste fim do pequeno Albert deve cortar o coração de qualquer um, e em um primeiro momento, é tentador culpar John Watson. No entanto, ainda que a ética de seus experimentos seja mais do que questionável, o psicólogo dificilmente pode ser responsabilizado pela morte prematura da criança. O fato de Douglas ser um filho ilegítimo, combinado com tratamentos muito mais limitados da década de 1920 e finalmente, o simples e desafortunado acaso são explicações muito mais razoáveis para seu trágico fim.

Curiosamente, pouco depois dos experimentos com o Pequeno “Albert”, Watson foi forçado a deixar a universidade Johns Hopkins devido a seu caso com a assistente Rosalie Rayner. Sim, exatamente a assistente que pode ser vista nos filmes. Watson era casado e a revelação da sua relação com a assistente provocou certo escândalo. Assim como com seus experimentos com Douglas, logo surgiriam rumores sobre seu afastamento, incluindo o de que teria conduzido pesquisas sobre a resposta sexual humana… com a sua amante.

Eram outros tempos, era a década de 1920, e enquanto o adultério de Watson escandalizava a sociedade, ninguém pareceu se importar com as implicações éticas dos experimentos com bebês. Afastado da vida acadêmica, Watson adentraria o mundo da publicidade e, o que pode soar absurdo, a educação infantil, escrevendo um livro e vários artigos populares sobre como pais deveriam criar seus filhos.

O absurdo de que o psicólogo que teria traumatizado um bebê passaria a dar conselhos sobre como educar crianças é apenas o choque entre a sociedade atual e a de quase um século atrás. Watson não era um monstro. Justificou-se argumentando que o bebê poderia ter experiência assustadoras no berçário, de uma forma ou de outra. Com seus experimentos eles poderiam lhe causar “relativamente pouco dano”, escreveu. Watson era um homem de seu tempo. Era, inclusive, um homem talvez um pouco à frente de seu tempo, sendo severamente contrário à agressão como corretivo infantil.

Finalmente, e o que é realmente importante: talvez nem tenha “traumatizado” Douglas. Assustado, sim. Traumatizado, talvez não.

Nem tão condicionado

Embora o experimento original tenha sido saudado como uma demonstração inequívoca do condicionamento clássico em humanos, e ainda que evidencie sim o fenômeno, uma revisão crítica do estudo mostra que não há realmente evidência sólida de que o Pequeno Douglas tenha chegado ao extremo de desenvolver uma fobia por ratos e outros objetos felpudos. Ele pode ter chorado ao ser forçado a tocar Watson com a máscara de Papai Noel, mas então, quantos bebês não-condicionados também não fariam o mesmo?

O próprio estudo original nota que depois de um mês, não era sempre que Douglas chorava ao ser apresentado a objetos felpudos… ou mesmo ao pequeno rato branco. Diversas descrições dos experimentos de Watson costumam exagerar seus resultados. Este foi apenas um experimento, com apenas uma criança, sendo que após um mês a resposta condicionada não ocorria sempre.

Watson chega a sugerir que Douglas era um “tipo extremamente fleumático”, que raramente chorava, e que com outro bebê mais emocionalmente instável o condicionamento persistiria inalterado mesmo após um mês. Apenas especulação de sua parte.

“Pode ser útil que teoristas modernos de aprendizado vejam como o estudo de Albert motivou pesquisa subsequente (…) mas parece hora de, finalmente, colocar os dados de Watson e Rayner na categoria de resultados ‘interessantes, mas não-interpretáveis’”, avaliou Ben Harris.

O Behaviorismo, do qual Watson foi um dos fundadores, ainda seria influenciado por B.F. Skinner e passaria por diversas outras modas e modificações pelas próximas décadas. Pesquisas posteriores mostraram de forma mais clara que sim estamos sujeitos ao condicionamento, mas que as coisas não são tão simples como Watson imaginava.

Por outro lado, as propostas de Watson e Rayner para reverter o condicionamento precederam práticas terapêuticas futuras, incluindo a Terapia Cognitivo Comportamental (CBT) praticada atualmente, com bons resultados experimentais.

E, para quem ainda se pergunta, hoje em dia experimentos passam por comitês de ética, que não aprovariam a condução de experimentos como o do Pequeno Albert. Ainda que há não tanto tempo outros experimentos duvidosos tenham sido realizados.

Douglas poderia ser pequeno e sua vida foi tragicamente curta. A sua história, no entanto, é bem longa. Ao final, um caso emblemático do que seria o controle da natureza humana, pilar de uma das mais famosas distopias imaginárias do século 20, revela a realidade muito crua e imprevisível de uma mãe solteira, a morte prematura de seu filho, sujeito de uma pesquisa com resultados ambíguos, cujo pesquisador é afastado de sua posição pela revelação de um caso extra-conjugal… para tornar-se educador infantil. [via Mindhacks, Guía para perplejos]

– – –

ResearchBlogging.org Beck HP, Levinson S, & Irons G (2009). Finding Little Albert: a journey to John B. Watson’s infant laboratory. The American psychologist, 64 (7), 605-14 PMID: 19824748

Watson, J., & Rayner, R. (1920). Conditioned emotional reactions. Journal of Experimental Psychology, 3 (1), 1-14 DOI: 10.1037/h0069608

Harris, B. (1979). Whatever happened to little Albert? American Psychologist, 34 (2), 151-160 DOI: 10.1037/0003-066X.34.2.151

Um brinde a Alan Turing

estatua_turing

Há pouco o governo britânico desculpou-se pelo tratamento dado a Alan Turing, condenado em 1952 por ser homossexual. Turing suicidou-se dois anos depois. Comentando a desculpa oficial, Matt Harvey escreveu um poema transmitido durante o programa de rádio Saturday Live da BBC. Arrisco aqui uma tradução:

um brinde a Alan Turing
nascido em eras mais sombrias e mesquinhas
com um pensamento fora do comum
e com um amor fora das linhas
e assim o quebrador de códigos foi quebrado
e nós pedimos desculpas
sim, agora que o termo com d foi pronunciado
a consciência oficial foi acordada
– termo cuidadosamente redigido, ao menos não criptografado –
e a história assim sugere
uma segunda parte ao Teste de Turing:
1. podem as máquinas comportarem-se como humanos?
2. podemos nós?

O original:

here’s a toast to Alan Turing
born in harsher, darker times
who thought outside the container
and loved outside the lines
and so the code-breaker was broken
and we’re sorry
yes now the s-word has been spoken
the official conscience woken
– very carefully scripted but at least it’s not encrypted –
and the story does suggest
a part 2 to the Turing Test:
1. can machines behave like humans?
2. can we?

[via Mindhacks, Albener, imagem de estátua de Turing no Bletchley Park via stevebell]

Roombas sonham com ovelhas elétricas? As Tartarugas de Walter

roombapath.jpg

Solte um Roomba – um aspirador de pó robótico – pelo quarto durante meia hora, desligue as luzes e deixe a câmera em longa exposição. O resultado é a bela imagem de SignalTheorist.com registrando o trajeto do pequeno robô percorrendo todo o chão, desde sua espiral inicial passando pela obsessão pelas extremidades do recinto, até passar literalmente por todo o chão.

A inteligência artificial por trás da navegação do pequeno aspirador é certo segredo, mas HowStuffWorks delineia em termos gerais como funciona:

Além de ser uma bela imagem por si só, ela é espetacularmente fabulosa porque remete aos primórdios da robótica e inteligência artificial, em particular, às “tartarugas eletrônicas” criadas por William Grey Walter em 1948. Há mais de seis décadas. Eram as “Machina Speculatrix” Elmer (ELectroMEchanical Robot) e Elsie (Electromechanical Light-Sensitive robot with Internal and External stability), esta última na foto abaixo com Walter e família:

GreyWalterfamilyelsei.jpg
As tartarugas artificiais de Walter estão entre os primeiros robôs eletrônicos autônomos da história, e como tal, eram extremamente simples, mesmo primitivos. O que parece uma cabeça à sua frente era um sensor fotoelétrico, mas diferente de cabeças de tartarugas, girava constantemente 360 graus. Algo como ‘O Exorcista’. Continue lendo para conhecer mais sobre estas adoráveis tartarugas exorcistas e os nexos que as unem ao seu, ao meu, ao nosso livre-arbítrio, consciência e inteligência.

Continue lendo…

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM