Cheirando estrelas nos confins do Universo

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As estrelas só estão acessíveis a nós por exploração visual à distância. … Nunca poderemos por qualquer meio estudar sua composição química … Considero qualquer noção a respeito da verdadeira temperatura média de várias estrelas como para sempre negadas a nós”. – Augusto Comte, Curso de Filosofia Positiva, 1835.

Para o famoso filósofo francês, certos conhecimentos seriam eternamente inacessíveis. Entre eles estava a composição química ou mesmo física das estrelas, tão imensamente distantes. Mesmo nosso Sol se situa a em torno de 150 milhões de quilômetros de distância, à velocidade luz são oito minutos de viagem. Se o Sol explodisse neste exato momento, ainda teríamos oito minutos da mais completa normalidade até que a catástrofe fosse finalmente notada.

Praticamente todas as outras estrelas no céu estão a distâncias medidas em muitos e muitos anos-luz, tão distantes que mesmo com os mais potentes telescópios continuam sendo pouco mais que minúsculos pontos de luz. Como poderíamos pretender descobrir algo sobre a composição química ou mesmo a estrutura física de pontos de luz que jamais visitamos? As estrelas poderiam ser mesmo pontiagudas, de formas excêntricas ou terem grandes propagandas de marcas intergalácticas em sua superfície, e nós provavelmente nunca saberíamos porque à distância em que se encontram, são meramente pontos de luz. Poderiam ser mesmo pequenos furos em uma grande abóbada celeste.

Pois bem, ainda não cheiramos estrelas. Nem mesmo nosso Sol. Nunca enviamos sondas para coletar amostras da superfície solar, e é pouco provável que o façamos tão cedo. Ainda temos as estrelas acessíveis apenas por “exploração visual à distância”. E ainda assim sabemos, ou pelo menos os astrônomos nos dizem muito, a respeito do Sol e até mesmo estrelas e objetos celestes a bilhões de anos-luz.

Com o perdão do terrível trocadilho, o que os astrofísicos andam cheirando?

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Gripe suína: “Vamos todos morrer” (Lições de 1976)

Atenção: foi confirmado que um recruta do exército americano de apenas 19 anos, David Lewis, faleceu menos de 24 horas depois de sentir-se cansado e fraco. Pior, ele não se sentia gravemente doente – não achou necessário procurar os médicos ou deixar de participar de um exercício. A rapidez com que padeceu é assustadora, e a causa da morte foi confirmada como a gripe suína. Outros membros da tropa também foram contaminados e adoeceram.

Detalhe: Isso ocorreu em fevereiro de 1976, há mais de trinta anos, quando irrompeu um surto de gripe suína nos EUA. O episódio é extremamente relevante nesta iminência da pandemia de gripe A(H1N1), e o tenebroso comercial que você confere acima é bem real, parte de uma das primeiras incursões de governos na televisão para a conscientização de um problema urgente de saúde pública. Hoje vemos claramente, um tanto questionável.

Mas propagandas de terror não foram o pior que ocorreu então. Como é o tema da própria propaganda televisiva, em 1976 o então presidente americano Gerald Ford determinou a vacinação em massa de toda a população como forma de conter a doença, temendo que “o vírus de 1918 houvesse retornado”.

É uma decisão discutida até hoje, porque ao final, a única morte devido à gripe suína no surto de 1976 foi a do recruta Lewis. Por outro lado, pelo menos 25 pessoas faleceram por complicações causadas pela própria vacina. Apenas 200 pessoas foram infectadas, sendo Lewis a única vítima fatal, mas dos 40 milhões de americanos vacinados (o programa foi interrompido), 25 faleceram devido a uma síndrome provocada pela vacina. Dito simplesmente, a vacina matou mais do que a doença. Leia mais na Folha: EUA viveram surto de gripe suína em 1976; vacina gerou mortes.

Antes de jurar nunca tomar uma vacina ou evitar todas as recomendações do governo, no entanto, tome alguns minutos para conhecer ou lembrar um pouco melhor o que ocorreu há trinta anos e como isso é relevante hoje.

De volta ao futuro

Voltemos a 2009. Nos próximos meses, há fortes indicações que a pandemia de gripe suína estará estabelecida, e vacinas devem ser disponibilizadas. A OMS fará recomendações e governos discutirão quais, se e como aplicá-las em grande escala em seus países, o que ainda deve depender de quão grave realmente é o vírus com que nos deparamos. E, com certeza, ouviremos falar muito mais sobre o episódio de 1976.

Considerando como hoje mesmo vacinas de segurança e eficácia estabelecidas ainda são evitadas por pessoas que acreditam que seriam apenas conspirações malignas da indústria farmacêutica, a polêmica atual de usar ou não máscaras ou viajar ou não é apenas um anúncio do que está por vir. Ou melhor, se repetir. Mesmo em 1976 o programa de vacinação americano, até então sem precedentes e até hoje um dos maiores já promovidos, foi assolado por muitos problemas e discussões.

Não pretendo me antecipar muito à discussão que deve vir; ela deve ser muito positiva e contará com dados mais completos dos que dispomos agora, bem como será promovida por figuras bem mais qualificadas que o autor que escreve aqui. Mas desde já dispomos de alguns dados, e este autor pode oferecer algum comentário que talvez seja útil.

Antes de mais nada, nesta que deve ser uma pandemia mais do que anunciada já houve mais de uma morte confirmada. No momento em que escrevo, 3 de maio, segundo a OMS já teríamos 17 mortes entre +600 infectados confirmados em todo o mundo. Isto é, há pouca dúvida de que a situação hoje é comprovadamente mais grave e preocupante do que o surto de 1976 nos EUA.

E então, a questão que pode valer milhões de vidas (ou não): a decisão de vacinar toda a população americana foi um erro? Em retrospecto, é evidente que foi, mas aqui está o que penso ser a lição mais importante de todas. No contexto da situação, pode-se argumentar que apesar de ultimamente errada, a decisão fora acertada. Confuso? Bem, acompanhe o pronunciamento feito pelo presidente Ford na época:

“Fui aconselhado de que há uma possibilidade muito real de que, a menos que tomemos medidas contrárias efetivas, poderá haver uma epidemia desta perigosa doença no próximo outono e inverno aqui nos Estados Unidos. Deixe-me declarar claramente neste momento: Ninguém sabe exatamente quão séria esta ameaça pode ser. Ainda assim, não podemos apostar com a saúde de nossa nação. Desta forma, anuncio hoje as seguintes ações … a produção de vacina suficiente para inocular todo homem, mulher e criança nos Estados Unidos…”

Se o governo iria errar, erraria pelo excesso de precaução. Como depois se constatou, de fato a vacinação fora desnecessária e a medida um erro, mas foi a “ação errada pelos motivos certos“. Trinta anos depois é fácil condenar a decisão de Gerald Ford e as agências governamentais que o aconselharam, mas apenas porque tendemos a superestimar nossa capacidade de adivinhar algo depois que este algo já ocorreu.

Mesmo considerando 25 mortes, fato é que 40 milhões de pessoas foram vacinadas na campanha de 1976. É mais provável morrer atingido por um raio, e muito mais provável morrer por uma gripe comum do que por causa de uma vacina, mesmo uma vacina como a aplicada então. As vacinas antigripais de hoje são ainda mais seguras.

No momento, nos vemos na mesma situação onde “ninguém sabe quão séria esta [nova] ameaça pode ser”. E, como em 1976, poucos devem discordar que “não podemos apostar com a saúde de nossa nação”. Embora isto não seja motivo para abraçar qualquer medida drástica, apenas para “fazer algo” (às vezes não fazer algo é fazer algo), e se decidir movido pelo pânico nunca deve ser positivo em nenhuma situação, torçamos e tomemos ações para que daqui a trinta anos possamos olhar para trás e dizer que se erramos, erramos pelo excesso de precaução, pela sorte de lidar com um vírus menos perigoso do que o temido.

O outro cenário de erro ao lidar com o surgimento de uma nova pandemia é um que de certa forma já ocorreu. Como William Brandon da Universidade da Carolina do Norte nota (PDF), poucos anos depois do “fiasco” da vacinação de 1976 uma nova questão de saúde pública foi descoberta. Em 1981 o Centro de Controle de Doenças dos EUA publicava o primeiro estudo ligado ao que depois seria conhecido como AIDS. “Se o episódio da gripe suína [de 1976] foi um caso de exagero face a uma doença infecciosa, a AIDS tem sido um registro lamentável de parálise ideológica e má-vontade federal em agir efetivamente”, conclui Brandon.

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Leia mais

O que você precisa saber sobre a gripe suína;

EUA viveram surto de gripe suína em 1976; vacina gerou mortes

Vírus, ciências e homens – Resenha que inclui um breve comentário sobre o episódio de 1976;

1976: Fear of a great plague;

In the Age of Bioterrorism, an Affair to Remember: The Silver Anniversary of the Swine Flu Epidemic That Never Was (PDF).

Mantenha-se informado no portal do Ministério da Saúde e acompanhe a cobertura feita pelo ScienceBlogs Brasil.

Como cortar o cérebro de Einstein

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Você confere acima o que talvez seja uma das cenas mais inclassificáveis na história da ciência. O objeto branco dentro do pote de formaldeído é um pedaço do cérebro de Albert Einstein. Sim, Einstein. A faca e a tábua usadas são utensílios comuns de cozinha para cortar pão. Sim, pão. Pão de Thomas Harvey, o homem cortando o cérebro de Einstein para dar de souvenir para Kenji Sugimoto, um professor japonês fanático pelo físico alemão, que logo levará a relíquia para um bar de karaokê.

Mas como?

A história inacreditável do “como” é documentada em “Einstein’s Brain” (1994) de Kevin Hull. Você pode conferir uma detalhada (e hilariante) resenha em “O Cérebro de Einstein“, mas caso entenda inglês, pode e deve assistir ao documentário completo, com mais alguns comentários nossos sobre o desenrolar da história, a seguir.

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Falando Grego <Árabe < Hindi

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Alguns (ou muitos) posts do 100nexos devem soar como grego. Não necessariamente porque sejam sofisticados. E seguramente não porque estejam escritos em grego: a expressão é, desnecessário explicar, sinônimo de algo incompreensível.

Mas e os gregos, qual língua lhes soa distante a ponto de ser sinônimo do incompreendido? Se você leu o título, deve ter adivinhado que seja o arábico árabe. E que aos árabes, é o hindi que soa alienígena.

StrangeMaps apresenta um cartograma representando como diferentes línguas se referem a outras como sinônimo do incompreensível, e é curioso observá-lo por todas as influências históricas e culturais que o construíram.

Não é preciso muito esforço para presumir que a posição do grego como língua inacessível na civilização ocidental se deve à enorme influência cultural da Grécia Antiga. Dos monges copistas da Idade Média que ao se deparar com a língua anotavam nas margens “Graecum est, non legitur” (“Isso é grego para mim, não consigo ler), a Shakespeare que cunhou a expressão “era Grego para mim”, em inglês, um longo e importantíssimo fio de história se revela em uma expressão tão corriqueira. Deve ser o máximo aos que gosta de etimologia.

Sem surpresa quanto mais antigas as línguas, mais tendem a ser referidas por outras línguas como incompreensíveis, e o grande vencedor é o idioma chinês. Curiosamente, em chinês a língua incompreensível seria uma tal de “escrita divina”.

E não, pelo visto não existe nenhuma língua à qual “português” seja sinônimo de blablabla. Mais, em inglês, em Greek To Me: Mapping Mutual Incomprehension

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