Somos uma pequena assimetria
Por que há algo ao invés de nada? É uma questão filosófica imemorial que a ciência não responde e pode nunca responder, justamente porque a pergunta é em si mesma passível de um sem número de interpretações, e em ciência (e no melhor da ficção), por vezes formular a pergunta corretamente pode ser tão ou mais importante que obter a resposta.
Ontem mesmo, no entanto, cientistas chegaram um pouco mais perto de responder à questão em sua formulação relacionada à física de partículas. Pois físicos de partículas vêm há décadas acelerando e colidindo átomos e seus componentes a energias cada vez maiores, observando um caleidoscópio de matéria e energia se reorganizando e produzindo uma grande variedade de produtos.
O detalhe é que se reorganizam comumente na forma de pares de partículas e anti-partículas, respeitando uma simetria, uma paridade. Há uma grande beleza nisso, em que toda partícula de matéria possui uma anti-partícula, e se uma colidir com a outra, ambas transformam-se novamente em “energia pura”, em fótons sem massa. Você não gostaria de apertar as mãos de um anti-você, a explosão resultante provavelmente poderia ser vista de outras galáxias.
Não é preciso se preocupar, porque não só não há anti-vocês andando por aí, não há qualquer evidência de que existam grandes aglomerações de anti-matéria em qualquer lugar no Universo. Se houvesse, sua eventual colisão com matéria, ou as fronteiras entre matéria e anti-matéria emitiriam enormes quantidades de energia sob a forma de radiação. Por algum motivo, praticamente toda a matéria que conhecemos é… matéria. A anti-matéria se forma ou é vista apenas em pequenas quantidades fugazes que costumam logo se aniquilar com matéria. Nós sequer sabíamos que existia até que fosse prevista teoricamente e então finalmente detectada no século passado. O que nos leva à questão mais específica:
Por que há matéria ao invés de anti-matéria? Ou pelo menos, por que não haveria iguais quantidades de cada tipo de matéria, em diferentes partes do Universo?
Um bilhão e um
Bem, temos algumas pistas. Para cada próton que vemos há cerca de dois bilhões de fótons em nosso Universo, isto é, vivemos em um mundo dominado por fótons, radiação eletromagnética viajando à velocidade da luz por todo o canto, em uma proporção esmagadora em relação à matéria. Lembra-se de que quando um próton colide com um anti-próton, o resultado são dois fótons de luz?
A cosmologia sugere assim que após o Big Bang, formaram-se grandes quantidades de matéria e anti-matéria, mas elas logo se aniquilaram, produzindo o Universo dominado por radiação em que vivemos. Imagine a cena: um bilhão de prótons aniquilaram um bilhão de anti-prótons produzindo dois bilhões de fótons… para cada um dos próton de cada átomo que você vê, e que constitui nossa própria massa. E toda essa ação se daria depois do evento ainda mais fantástico que seria o Big Bang e seus primeiros momentos em si mesmos. Vemos ecos destes eventos sob a forma de radiação.
Se toda a matéria tivesse sido aniquilada por toda a anti-matéria, contudo, só restariam fótons, haveria apenas radiação. Não é o que vivemos, e como vimos, há dois bilhões de fótons para cada próton, contudo ainda temos prótons. Isso sugere que para cada um bilhão de anti-prótons produzidos nos primeiros instantes do Universo, teriam sido produzidos um bilhão e um prótons. Um próton a mais. Uma pequena, ínfima assimetria, responsável por nossa existência. Assim, a resposta mais simples da cosmologia para “por que há matéria ao invés de anti-matéria” é simplesmente a de que “havia uma ínfima parcela a mais matéria do que anti-matéria”.
Uma espécie de porque sim, é bem verdade. Modelos de física de partículas vêm buscando explicar esta assimetria, mas há diversos modelos em consideração, enquanto ainda estamos longe de uma “Teoria de Tudo” (1994, ed. Zahar), que é aliás, o título do livro do físico John Barrow que usei como referência aqui.
Se a física teórica ainda não responde a contento à pergunta, a física de partículas, através desses cientistas e seus aceleradores, ao menos parece ter constatado algo muito importante.
Analisando oito anos e centenas de experimentos realizados no acelerador Tevatron norte-americano, descobriram uma diferença de 1% entre os pares de múons e anti-múons gerados a partir do decaimento de partículas conhecidas como B-mésons.
Isto é, ainda que não saibamos explicar a assimetria que responderia pelo Universo de matéria em que vivemos, sim foi demonstrado que as teorias cosmológicas não só parecem válidas como, por algum motivo, até hoje, mais de 13 bilhões de anos depois, ainda parece haver uma assimetria que garante a formação de matéria em uma proporção levemente maior do que a de anti-matéria.
Ainda não se respondeu à pergunta de por que há algo ao invés de nada, mas o fascinante é descobrir que há muito, muito pouco de matéria ao invés de nada. Nosso Universo possui sim uma sutil assimetria, e toda a massa das centenas de bilhões de estrelas que vemos brilhando, e todos os planetas que devem orbitá-las, incluindo o nosso, é o que restou desta ínfima diferença de um para um bilhão.
Majestosa imperfeição. [via Eternos Aprendizes: Por que existimos? A supremacia da Matéria sobre a Antimatéria foi finalmente medida e comprovada]
A Busca pela Longitude, a uma década do GPS civil
Somos cercados por tecnologias fabulosas, que podem por vezes combinar em uma pequena bugiganga tantos avanços e conhecimentos científicos que não surpreende que sejam consideradas mágicas. E podem ser tanto mais mágicas quanto mais simples seja sua função. Vide o caso do GPS.
Por algo ao redor de um salário mínimo é possível adquirir um aparelho que informará sua posição em praticamente qualquer ponto da superfície do planeta, atualizada a cada intervalo de segundos. Simples assim, o GPS diz onde você está. Mas mágico, porque esta simples tarefa envolve não apenas a aplicação de inúmeras áreas da ciência em um feito surpreendente de engenharia, como também reflete as complexidades da história humana.
Não iremos nos estender aqui sobre as complexidades científicas que tornam a maquininha capaz de localizá-lo com uma precisão em torno de 15 metros em um planeta com superfície de 510 milhões de quilômetros quadrados. O Carlos Orsi publicou há pouco um texto fantástico indo da Teoria da Relatividade de Einstein à poeira cósmica a 1 bilhão de anos-luz, que já deve fornecer uma boa idéia do quão incrível é a façanha: Relatividade, buracos negros e o GPS.
Nosso interesse maior aqui são as complexidades da história dos macacos que inventaram essa bugiganga, a pretexto de uma misteriosa mensagem recebida do professor José Ildefonso.
Vire à direita 100 metros à frente. Ou atrás.
“Neste mês de maio comemora-se o 10º aniversário do fim do SA (Selective Availability)”, ele me avisava. Muito bem, antes de seguir o link, não fazia a menor idéia do que ele estava falando. Selective Availability? Depois de visitar o link, caiu a ficha. Faz dez anos que o sistema GPS deixou de ter erros deliberados inseridos em seu sinal.
Erros deliberados? Um fabuloso sistema de navegação global derivado de testes da precisão da teoria da relatividade com relógios e medidas ultra-precisas… e temos erros deliberados?
Somos muito afortunados porque para nós, uma pequena máquina capaz de dizer com uma precisão de 15 metros ou menos aonde estamos nos parece algo útil para saber em que rua pegar o retorno, ou avisar todos no Twitter que acabamos de chegar à pizzaria, incluindo suas coordenadas no planeta. Para outras pessoas em diferentes confins do mundo uma máquina com esta capacidade é atraente ao invés para coordenar melhor ataques de guerrilha ou direcionar mísseis. Não há tantas ruas asfaltadas para se perder em, nem muitas pizzarias em tais lugares.
Há guerras neste momento, e em uma guerra, um GPS é extremamente útil. Este choque entre nossas confortáveis vidas de classe média no mundo ocidental e a realidade em outros cantos do planeta também ocorre com outras tecnologias incluindo imagens de satélite e mapeamento aéreo disponíveis pelo Google, por exemplo.
Pequeno detalhe, o sistema GPS foi criado pelo Departamento de Defesa americano e ainda é administrado pela Força Aérea gringa. Foi e é um sistema militar. Sua disponibilidade pública, civil, o que significa que poderia ser usada mesmo pelo inimigo, foi oferecida inicialmente então com uma ressalva, que era a “Selective Availability”.
Qualquer um poderia utilizar o sinal do GPS para localizar-se pelo globo, mas o sinal continha erros propositais variantes de até 100 metros. Isto tornaria seu GPS muito pouco útil pela navegar pela cidade, com erros do tamanho de um quarteirão. Também seriam menos úteis para combatentes inimigos. Receptores seletos, disponíveis apenas aos militares americanos, eram capazes de compensar o erro no sinal, que era em verdade pré-definido de acordo com chaves reservadas, podendo assim contar com a melhor precisão disponível pelo sistema.
Precisão esta que, no entanto, todos nós podemos usufruir desde 1 de Maio de 2000, quando Bill Clinton ordenou que a “Selective Availability” fosse efetivamente encerrada, com o erro introduzido sendo reduzido a zero. Por esta época, já fazia mais de uma década que a União Soviética havia se esfacelado, o GPS já estava sendo usado mesmo pela avião civil americana, e, outro pequeno detalhe, os militares americanos haviam desenvolvido técnicas para impedir que o sinal GPS seja usado em áreas seletas pelo globo, tornando efetivamente desnecessário tornar o sinal globalmente impreciso. Eles podem “desligá-lo” nas em áreas determinadas quando desejarem.
Se Orsi o lembrou de sinais a um bilhão de anos-luz de certa forma determinando a posição precisa da sua seta no GPS, 100nexos quer lembrá-lo também de como macacos pelados sempre podem encontrar usos terríveis para algo à primeira vista tão singelo quanto dizer “vire à direita para chegar ao seu destino”. Complicados, esses humanos.
Pombos e Longitude
Antes do advento da tecnologia espacial – e tantas outras tecnologias – que permitiram o desenvolvimento do sistema GPS, localizar-se pelo planeta não era mesmo tarefa fácil. Volte apenas algumas décadas, e temos uma fantástica ilustração de como mísseis inteligentes se guiavam antes do GPS, antes da miniaturização de componentes eletrônicos: o famoso psicólogo behaviorista B.F. Skinner, famoso por treinar e experimentar com pombos, chegou a treinar e desenvolver pombos capazes de guiar mísseis na Segunda Guerra.
Na imagem abaixo, um protótipo, os três receptáculos são espaço reservado para três pombos saírem bicando o caminho do míssil em direção ao alvo através de pequenas telas. Usariam três pombos para que, combinados, o erro fosse menor. Era o “Projeto Pomba”. E não, esta não é uma piada.
Mísseis guiados por pombos. Só não seriam algo pior do que mísseis guiados por seres humanos, como os Kamikazes japoneses. Um sistema GPS fez muita falta.
Voltemos mais alguns séculos, e o problema de localizar-se pelo mar durante a era das Grandes Navegações, da expansão mercantil, era ainda mais vital. Não apenas em guerras, mas simplesmente para cruzar os oceanos pacificamente, incontáveis vidas foram perdidas em navios deparando-se inesperadamente com terra, ou andando em círculos no mar.
Pois bem, com seus primitivos instrumentos, a bordo de navios sacolejando, marinheiros podiam determinar com alguma precisão a sua latitude, isto é, quanto ao norte ou sul estavam. Bastava uma olhada na elevação das estrelas, do Sol. Grosso modo, no equador o Sol estaria a pino, próximo dos pólos, estará baixo no horizonte.
O problema maior, muito maior, er
a descobrir a longitude. Um problema que levou séculos para ser solucionado, e pode ser considerado sem exagero um dos mais importantes problemas científicos do século XVIII. É simples entender a dificuldade: a Terra está girando. Não bastam observações astronômicas simples como as da latitude. A longitude não é medida como a distância ao equador ou aos pólos, e sim como a distância ao meridiano zero que passa pelo Observatório de Greenwich, Inglaterra. Algo um tanto arbitrário, mas há um motivo para isso.
Quem finalmente solucionou o problema da longitude foi um inglês, foi John Harrison. Um relojoeiro auto-didata que dedicou praticamente toda sua vida a solucionar o problema da longitude, ao qual o Parlamento Britânico ofereceu um prêmio de milhões – e que Harrison, apesar de tê-lo solucionado, acabou nunca ganhando oficialmente. É uma biografia das mais incríveis na história da tecnologia, incluindo Isaac Newton declarando que a idéia de Harrison jamais teria frutos, e momentos de grande tensão e expectativa enquanto as tentativas de Harrison eram testadas.
A leitura imperdível sobre a história do problema da longitude e os percalços e a vitória de John Harrison é o livro “Longitude”, de Dava Sobel, que dramatiza levemente as aventuras, que são contudo em sua essência completamente reais. A história de Harrison também foi dramatizada em um seriado homônimo, “Longitude”, e em um documentário da PBS americana, “Lost at Sea: The Search for Longitude”, todos fascinantes.
Aos interessados pelos feitos técnicos de Harrison, confira suas invenções como o “escape gafanhoto” ou o simples e engenhoso pêndulo Gridiron, combinando metais diferentes para que a dilatação por calor não afetasse o comprimento final do conjunto. Harrison também utilizou inovações como rolamentos em seus mecanismos em busca da máxima precisão na medida do tempo.
Porque Harrison solucionou o problema da longitude com um relógio. Ou melhor, vários relógios. Vários dos mais precisos relógios já construídos até então, com uma precisão de frações de segundo ao dia, mesmo em condições adversas a bordo de navios cruzando os trópicos. De posse de um relógio preciso, bastaria comparar a hora local com aquela de um meridiano conhecido, geralmente Greenwich, para descobrir sua longitude.
Sabemos, por exemplo, que quando aqui é meio-dia, no Japão, nosso antípoda, é meia-noite do dia seguinte. São doze horas de diferença. O inverso também vale: caso não soubéssemos em que longitude estamos, e descobríssemos que nossa hora local difere doze horas daquela no Japão, saberíamos que estamos do outro lado do planeta em relação ao Japão. Saberíamos nossa longitude, saberíamos nossa posição, usando um relógio. A Terra girar se tornava finalmente algo a favor da medida de longitude.
Espaço-Tempo
Definir nossa posição no espaço através do registro preciso do tempo. Como o sistema GPS viria a demonstrar de vez, testando e aplicando mesmo a Teoria da Relatividade, estes dois conceitos fundamentais estão intrinsecamente relacionados. Não é um mero recurso adicional pedido pelo cliente que todos aparelhos receptores de GPS também registrem horário. O registro da hora com precisão absurda continua sendo, como era com os relógios de Harrison, algo fundamental para localizá-lo pelo planeta.
A relação intrínseca entre espaço e tempo se traduz na constante fundamental da velocidade da luz, a razão absoluta e imutável da distância percorrida por um fóton em um determinado período de tempo. Idéias das mais revolucionárias e fundamentais à física moderna, aplicadas em uma máquina em seu bolso, para uma precisão de metros, que foi contudo inicialmente disponibilizada com uma imprecisão deliberada para que macacos pelados não a usassem contra os macacos pelados que criaram tal tecnologia.
Finalmente, há dez anos, completados este mês, nós podemos usufruir de toda esta tecnologia, de toda esta ciência, de toda esta história para Twittar nossa latitude… e longitude.
Manadas de Homo Sapiens
Como seriam homens gigantes? Em “Ataque dos Salgadinhos Gigantes” citamos o ensaio pioneiro de JBS Haldane sobre o tamanho dos animais, e como um homem simplesmente dez vezes maior, sem nenhuma alteração em sua forma, fraturaria os ossos a cada passo. “Uma grande mudança em tamanho inevitavelmente leva a uma mudança na forma”, observava o biólogo. Como seria esta mudança em um homem gigantesco?
O professor de arte e artista gráfico Gerson Witte inspirou-se pela ideia e a ilustrou de maneira fabulosa acima. Explica:
“Penso que, para andar, poderiam apenas caso tivessem pernas e braços muito grossos, apoiando-se sobre os nós dos dedos como os gorilas, consequentemente, as pernas teriam que ser menores e adaptadas a receber o peso.
Sua pele teria que ser muito grossa, com uma melanina muito acentuada para receber os raios solares, afinal, teriam poucos lugares para se esconder. Teriam poucos pelos, para poder usar a transpiração para regular o calor, mas isso levaria a este grupo a jamais sair de perto de fontes abundantes de água.
Estes representantes megahominídeos teriam um grande problema de alimentação, porque seriam péssimos caçadores, por serem vistos à distância, mas mesmo assim, não fiz alterações de forma para um homem vegetariano somente. Penso que teria uma barriga muito dilatada para poder abrigar um imenso intestino, ou seja, seriam mais parecidos com pandas.
No todo, pensando num humano gigante vivendo em manadas em grandes savanas, nada me tira da cabeça que se pareceriam completamente com elefantes. Mas seria uma cena interessante, manadas de homens-elefantes pastando no entardecer…”
Estendendo-se nesta exploração puramente fictícia do homem gigante como similar a um elefante, é curioso notar as adaptações de nossos conhecidos paquidermes gigantes às suas dimensões.
Devido à relação desfavorável de seu peso e a resistência dos ossos, mesmo com todas suas adaptações, elefantes não podem sair saltitando por aí. Pode-se pensar que a incapacidade de saltitar não seria afinal um enorme problema, contudo ela leva à impossibilidade de correr. A definição de corrida para animais terrestres envolve que o animal fique em algum ponto com todos os pés no ar, ao contrário da caminhada, em que sempre há um pé em contato com o chão.
Esta definição leva ao peculiar rebolado da marcha atlética, por exemplo.
Elefantes podem se locomover rapidamente. Mas se mantiverem sempre pelo menos um dos pés no chão, seria apenas uma espécie de “marcha atlética”, e não uma corrida. Incrivelmente, em pleno terceiro milênio, ainda não se formou um consenso claro sobre se elefantes conseguem de fato correr. Os últimos estudos indicam que de fato nunca saem da caminhada, ainda que rápida, sempre mantendo um pé em contato com o chão.
Manadas de homens gigantes, assim, seriam diferentes de nós não apenas na forma, como em tantos outros aspectos, incluindo uma simples corrida. E eu nunca achei a marcha atlética muito elegante, lembra Monty Python.
[Com agradecimentos a Gerson Witte pela colaboração!]
CeticismoAberto hoje no Programa do Jô
Hoje mesmo, com previsão para ir ao ar a partir das 00h40min na Globo, o responsável por CeticismoAberto, Kentaro Mori, o doido que também escreve aqui em 100nexos, é o entrevistado do programa do Jô! Não percam, foram dois blocos onde conversamos sobre discos voadores, abduções, Projeto Filadélfia, círculos ingleses e muito mais!
Jô comandou os assuntos com muita irreverência, e embarcamos no estilo do cético Martin Gardner que comenta como “uma boa gargalhada vale mais que dez mil silogismos” com algumas das mais tresloucadas histórias do insólito. Mas também buscamos alguns comentários mais sérios, e quem desejar análises longas, profundas mas talvez não tão engraçadas, sempre pode acessar o próprio CeticismoAberto.com, o espaço para a análise crítica de ufologia e paranormal sem ofender sua inteligência.
Atualizarei este post com os vídeos da participação assim que forem disponibilizados pela Globo.com e no Youtube. Caso goste da entrevista, não deixe de enviar sua manifestação ao pessoal do programa! Caso não goste, não hesite em me enviar suas críticas, reclamações e xingações.
Atualização: Confira abaixo a entrevista disponível na Globo.com, seguida de links com maiores informações sobre os temas tratados.
A entrevista também está no Youtube, em quatro partes: Parte 1, Parte 2, Parte 3 e Parte 4.
Antes de mais nada, o livro de Carl Sagan indicado é “O Mundo Assombrado pelos Demônios – a ciência vista como uma vela no escuro”.
Os assuntos, em ordem:
– OVNIs: Antes de serem Extraterrestres, eram Nazistas, e o extenso dossiê de Kevin McClure sobre o tema em O Mito dos UFOs Nazistas.
– Eram os Deuses Astronautas? Há dezenas de artigos com a tag “deuses astronautas” (clique para conferir). Em particular, como mencionado, confira Uma Assinatura na Grande Pirâmide?
– Notas sobre a Visão de Ezequiel, complementado por Era a Bruxa Malvada uma Astronauta?
– Dicas sobre como registrar seu avistamento em Investigação OVNI, do pesquisador espanhol Vicente-Juan Ballester Olmos.
– O caso da abdução de Antonio Villas-Boas. O link é uma descrição séria do relato, estamos devendo um texto a respeito em CeticismoAberto. Cláudio Suenaga revisitou o caso recentemente, bem como Martin Kottmeyer, e há vários novos detalhes à história e seu contexto e serem melhor divulgados.
– O livro “A Desconstrução de um Mito”, dos ufólogos Ubirajara Rodrigues e Carlos Reis.
– O caso do implante alienígena no pênis. Outro caso em que ainda ficamos devendo uma cobertura em português em CeticismoAberto, mas o caso é mencionado rapidamente em “O Mundo Assombrado” de Sagan aos mais ansiosos por mais detalhes. O suposto abduzido é Richard Price, e um artigo do mesmo Sagan disponível online, em inglês, também o cita de passagem. O próprio Roger Leir, um podiatra dos mais destacados em explorar supostos implantes extraterrestres, diz que o caso de Price é um dos “mais notáveis”, sem explicar que a análise sugeria ser composto de fibras de algodão.
– A evolução do fenômeno OVNI de acordo com aspectos culturais, de moda, é a própria Hipótese Psicossocial. O historiador mencionado é Rodolpho Gauthier, que desenvolveu sua tese sobre o tema. Parte de seus achados, incluindo o detalhe de “discos voadores” serem promovidos inicialmente no país como com o tamanho de discos de vitrola foram publicados em artigo recente da revista de História da Biblioteca Nacional. Kottmeyer também discorre sobre a metamorfoso constante do fenômeno OVNI em Um Fenômeno Plástico.
– Sobre a exploração irresponsável que supostos “ufólogos” fazem de indivíduos contando fantasias, em nome do sensacionalismo, temos o ensaio de Aaron Sakulich em A Triste História de Jeff. O caso que ele menciona é o do próprio Richard Price, citado anteriormente.
– As sondas anais (ou rectais) são tema comum na literatura ufológica sobre abduções. O próprio Whitley Strieber, famoso autor de Comunhão, diz ter recebido uma sonda e referência ao suposto procedimento foi incluída mesmo na versão em filme de Comunhão de 1989.
– Sobre o Caso Varginha, a referência é o livro “O Caso Varginha”, de Ubirajara Rodrigues. Ao final da obra, Rodrigues deixa claro que embora favoreça a hipótese extraterrestre e que eventos inusitados tenham ocorrido, não pode concluir nada uma vez que toda a evidência disponível são testemunhos. O livro inclui todos os principais relatos, bem como ilustrações feitas pelas testemunhas iniciais, as garotas, do que teriam visto.
– A propósito da origem do termo “disco voador”, Redondamente Errados.
– O filme da Autópsia Alien, Santilli confessa: Autópsia Alien foi uma fraude. Posteriormente também foi lançada a comédia comentada, Autópsia Alien (2006) – O Filme.
– O Experimento Filadélfia: História e Mito. E também, Codinome Carlos Allende.
– Círculos ingleses. Confira a história dos dois velhinhos, esclarecimentos sobre o panfleto medieval do “demônio ceifador”, como se pode criar tais obras, e a criação do maior círculo em plantação já registrado.
– A primeira foto indicada, o Caso Barra da Tijuca.
– A segunda foto, o OVNI “Nota 10”.
E… isso é tudo, pessoal!
Foi uma enorme variedade de assuntos abordados em meia hora, motivo pelo qual os temas podem ter passado muito rapidamente, mas só temos a agradecer ao Programa do Jô pelo espaço e todo o apoio que compensou um pouco do nervosismo deste que tentou apresentar um pouco do lado crítico a tantos temas.
Recebemos já várias críticas dos que não apreciaram como muitos casos foram motivo de risada, mas como espero que fique claro com a indicação das informações acima, tais casos não foram de forma alguma atípicos, bizarrices selecionadas apenas para chocar. São, pelo contrário, parte destacada da ufologia promovida “muito a sério” pelos que acreditam em tais temas. Que sejam motivo de riso pelo público indica que são mesmo histórias pouco críveis.
Ainda assim, buscou-se também lembrar que há muito de inexplicado no mundo, ainda que o inexplicado não seja necessariamente inexplicável.
Ataque dos salgadinhos gigantes
O que um Cheetos gigante, insetos afogados, cavalos explodindo, cabeças decepadas e JBS Haldane têm em comum? É física, é matemática, é biologia em mais uma série de nexos para nosso blog.
Em mais um lançamento para o mercado americano destinado ao futuro de Wall-E, a Frito-Lay começou a vender o Giant Cheetos, que como o nome diz, é um salgadinho gigante, do tamanho de uma pequena bola de golfe. “O dobro do tamanho, o dobro do sabor”. Ou não.
Eis que um blog fabuloso que leio, mas destinado a adultos primariamente do sexo masculino pela exibição de imagens de indivíduos do sexo feminino com poucas ou nenhuma vestimenta, vulgo mulher pelada, Greenshines [link para maiores de 18 anos!], publica um excelente texto lembrando que em uma primeira análise a propaganda da junk food é enganosa.
Dobre o tamanho de um objeto tridimensional, e o que você dobrará será a rigor apenas o tamanho. A área de superfície do objeto irá quadruplicar, seu volume crescerá oito vezes. Para isso, basta lembrar da geometria: dobre o lado l de um cubo para 2l, e a área de sua superfície aumentará o quadrado desta duplicação, ou quatro vezes, enquanto o volume aumentará ao cubo, oito vezes.
O dobro do tamanho, quatro vezes a superfície, oito vezes o volume. Como isso afeta o sabor?
Uma análise preliminar de um Cheetos, evidenciada tanto pela degustação quanto pelo fato de que costumamos lamber os dedos todos melecados, mostra que o sabor do salgadinho está principalmente no tempero que recobre sua superfície. O interior tem consistência e mesmo sabor de isopor. Nunca comi isopor, e espero que você também, mas podemos imaginar qual seja o gosto de isopor.
Seja como for, concluímos: Dobre o tamanho, e você multiplicará por quatro vezes a superfície coberta com o tempero, mas por oito o volume de isopor insípido. O resultado? A metade do sabor. “Giant Cheetos, o dobro do tamanho com a metade do sabor pelo mesmo preço!” não parece um slogan de muito sucesso.
Israel de Greenshines diz ter experimentado a novidade e confirma que o gosto, a textura e tudo o mais seriam terríveis, mas este autor por sua vez cogita que a Frito-Lay deva entender algo de física, ou pelo menos, possa ter testado a novidade antes de lançá-la e talvez tenha compensado a diluição do sabor seja aumentando a concentração do sabor na superfície – há alguns relatos de que o salgadinho gigante parece sim mais salgado, e é vendido também na versão picante – seja também modificando algo da fórmula da massa no interior.
Física e matemática, “é impossível comer um só”.
Insetos afogados, Cavalos explodindo
Não são apenas empresas de salgadinhos que enfrentam problemas para encontrar o tamanho certo de suas guloseimas de isopor condimentado. Estes pequenos detalhes geométricos que sustentam toda a física do mundo em que vivemos não escapam a ninguém, nem mesmo do próprio Universo, da própria natureza.
Em 1926, o biólogo JBS Haldane, escreveu um ensaio fabuloso e pioneiro lembrando da relação simples da geometria com as implicações bem mais complexas no mundo da biologia. Em “On Being the Right Size”, ou algo como “Sobre ter o Tamanho Certo”, Haldane lamentou como “as diferenças mais óbvias entre diferentes animais são as diferenças de tamanho, mas por alguma razão os zoologistas prestaram pouca atenção a elas. Em um longo livro sobre zoologia à minha frente não encontro indicação de que a águia é maior que o pardal, ou que o hipopótamo é maior que a lebre, embora alguns comentários de má vontade sejam feitos a respeito no caso do rato e da baleia”. É um ensaio imperdível, alguém deveria traduzi-lo ao português.
Haldane continua: “No entanto é fácil mostrar que uma lebre não poderia ser tão grande quanto um hipopótamo ou uma baleia tão pequena quanto um peixinho. Uma vez que para cada tipo de animal há um tamanho mais conveniente, e uma grande mudança em tamanho inevitavelmente leva a uma mudança na forma”.
O biólogo então lembra da geometria, e como um homem gigante com 18 metros de altura, isto é, dez vezes o tamanho médio de um homem, teria contudo um peso mil vezes maior – dez elevado ao cubo. Uma seção transversal de seus ossos, contudo, teria apenas cem vezes a superfície, o que significa que deverá suportar dez vezes mais peso por centímetro quadrado. “Como um fêmur quebra quando submetido a dez vezes o peso humano, [o gigante] quebraria seus ossos toda vez que desse um passo. Esta é sem dúvida a razão pela qual estava sentado na ilustração de que me lembro”.
Ele vai além nas implicações das diferenças de tamanho. “A gravidade, mero incômodo [ao homem comum], era um terror [ao gigante]. Ao camundongo e qualquer animal menor, não representa praticamente nenhum perigo. Você pode jogar um camundongo do topo de uma mina profunda, e quando ele chegar ao fundo ele se sacudirá e sairá andando, contanto que o chão seja razoavelmente macio. Uma ratazana é morta, um homem acaba quebrado, um cavalo explode. Isto ocorre porque a resistência apresentada pelo movimento do ar é proporcional à superfície do objeto em movimento”.
“Um inseto, assim, não tem medo da gravidade, ele pode cair sem perigo, e pode escalar ao teto sem qualquer problema. (…) Mas há uma força que é tão formidável ao inseto quanto a gravidade é a um mamífera. Ela é a tensão superficial. Um homem saindo de um banho carrega consigo um fino filme de água com frações de milímetro de espessura. Ele pesa ao redor de meio quilograma. Um rato molhado precisa carregar seu próprio peso em água. Uma mosca molhada precisa levantar várias vezes seu próprio peso, e como todos sabem, uma mosca uma vez molhada em água ou qualquer outro líquido está em uma posição muito séria”.
Democracia e Cabeças Decepadas
O
ensaio segue abordando questões de circulação sanguínea em animais maiores, absorção de oxigênio em plantas e ao final, o que o torna ainda mais fabuloso, termina em dois parágrafos sobre como “assim como há o melhor tamanho para cada animal, também há para cada instituição humana”. A democracia grega funcionava para grupos pequenos, e a invenção do governo representativo tornou uma grande nação democrática possível. “Com o desenvolvimento da mídia em massa tornou-se novamente possível a cada cidadão ouvir as visões políticas de seus oradores representativos, e o futuro pode ver o retorno do estado nacional da forma grega de democracia”, especula Haldane. Um ensaio, relembrando, publicado há quase um século.
Dos salgadinhos gigantes com gosto de isopor a humanos gigantes, cavalos explodindo e insetos afogados, há ainda outro nexo que não poderia faltar. Quer ver o próprio Haldane em um filme?
Confira “Experimentos na Ressuscitação de Organismos”. Sim, esse é o título do filme que trata exatamente do que descreve: experimentos soviéticos para manter vivas cabeças de cachorro decepadas. A apresentação e narração é do bom e velho JBS Haldane.
Lembre disso no próximo Cheetos.
Divulgando ciência “errada” do jeito certo
“O Sol é uma Massa de Gás Incandescente” pode soar como mais um daqueles “fatos científicos” de um monótono livro. Mas em sua versão em inglês já permite perceber a rima que pode formar mesmo um refrão: “The Sun is a Mass of Incandescent Gas” – repita três vezes, ou assista ao fantástico clipe da música acima cantada pelos They Might Be Giants, todo legendado para vocês.
Já havíamos destacado as excelentes canções de divulgação científica da banda TMBG no ano passado, mas um detalhe passou despercebido. A música acima é a nona faixa do CD e DVD, intitulada “Por que o Sol Brilha?”. Ela é seguida pela última faixa, “Por que Realmente o Sol Brilha?”. Porque, muito simplesmente, a divertida música original de divulgação científica estava errada.
Confira a próxima faixa, também legendada, “Por que Realmente o Sol Brilha?”:
O refrão é agora “O Sol é um Miasma de Plasma Incandescente”, ou na rima em inglês, “The Sun is a Miasma of Incandescent Plasma”. Não é realmente feito de gás, e sim de plasma, “nem gás, nem líquido, nem sólido”, o quarto estado da matéria.
É sensacional apresentar duas músicas bacanas, uma após a outra, em que a segunda contraria a primeira. Alguns estranhariam, mas esta é a própria natureza do processo científico, e pode ser bem entendida porque a música original ensinando que o Sol é uma massa de gás foi originalmente escrita da década de 1950, baseada em um livro de divulgação de 1951.
A série original de discos de vinil de onde a banda TMBG tirou a música sobre o Sol foi produzida há mais de meio século por Hy Zaret e Lou Singer, e algo fortuitamente curioso é que Zaret também escreveu a letra de “Unchained Melody”, uma das mais tocadas músicas de todos os tempos, conhecida mesmo das gerações atuais como “a música do filme Ghost”. Da próxima vez que escutar o refrão “oooohhhh my love”, você pode se lembrar que o mesmo compositor ensinava que “the sun is a mass of incandescent gas”. e tantas outras lições que ao contrário desta continuam válidas – mas podem se mostrar não tão válidas em mais alguns anos.
Em tempos de Internet, Jef Poskanzer converteu todos os discos da série original “Baladas para a Era da Ciência” ao formato digital e disponibiliza as músicas para download, são imperdíveis. Clique para conferir:
Imperdíveis, ainda que algumas contenham conhecimento datado, e que de fato, já era datado na década de 1950. A divulgação científica não raro caminho com um pouco de atraso em relação aos avanços da ciência, e antigamente isso era ainda mais verdade. Mais importante que uma coleção de “fatos”, seja o sol gás ou plasma, é entender que a ciência envolve o método científico através do qual o conhecimento é constantemente atualizado.
O caso das músicas lembra outro episódio de letras de música com referência à ciência sendo corrigidas, como “Nine Million Bicycles” de Katie Melua, que já foi blogado por aqui em 2008. Você também pode conferir Michael Shermer comentando o caso no final de sua apresentação TED em 2006 (pouco depois dos 11 minutos), clique em “view subtitles” para legendas.
Cientistas ou mesmo divulgadores de ciência não são seres perfeitos. Além dos erros, há fraudes e há mau caráter como em todo empreendimento onde houver seres humanos. Mas em nenhum outro empreendimento humano a busca, exposição e reconhecimento de erros e enganos é um dos mecanismos centrais e essenciais como é na ciência, e é fabuloso que esta capacidade de reconhecer e lidar com erros se transmita mesmo na forma como divulgadores de ciência possam lidar com suas próprias trapalhadas. Quem dera outras instituições e figuras tratassem suas próprias limitações com tanta naturalidade.
Como bem resumiu Shermer, “quão sensacional não é isto?”.
O Fiasco da Inteligência
Em um futuro distante, a humanidade finalmente descobre sinais de uma civilização alienígena no planeta “Quinta” próximo de Beta Harpiae, e uma ambiciosa missão é enviada para estabelecer contato. Mas este é um romance de Stanislaw Lem, “Fiasco” (1987), e a história é muito diferente dos lugares comuns da ficção científica.
Depois de vencer as enormes distâncias, a missão se depara com um pequeno problema: os alienígenas não estão minimamente interessados em estabelecer contato. Descobre-se que, de certa forma, pior do que encontrar uma civilização alienígena hostil é encontrar uma civilização alienígena completamente indiferente à existência da humanidade. O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.
Com o orgulho mais do que ferido, os humanos da missão não se contentarão até cumprir o objetivo tão simples de estabelecer “contato”. Tomarão medidas cada vez mais drásticas para chamar a atenção dos Quintanos, completamente alheios ao fato de que os Quintanos, como alienígenas, simplesmente pensam de forma alienígena.
O final do romance é o fiasco do título, enquanto o protagonista finalmente descobre por que os ETs não receberam os humanos de braços abertos, no tão almejado e presumivelmente simples “contato”.
Provocador como possa ser, e leitura mais do que recomendada, não é preciso viajar até Beta Harpiae para encontrar inteligências diferentes da nossa.
Cérebros de Passarinho
Incrivelmente, uma destas inteligências superiores é a dos pombos. Em um trabalho publicado recentemente, Walter Hebranson e Julia Schroder demonstraram como pombas comuns (Columba livia) podem aprender a melhor tática para o problema de Monty Hall muito mais rapidamente que os tais orgulhosos seres humanos, que de fato podem jamais adotar a melhor estratégia.
Isso ocorre porque o problema de Monty Hall é literalmente uma “pegadinha” com um resultado contra-intuitivo. Já escrevi sobre o tema em um texto anterior, mas basicamente envolve três portas, uma das quais tem um prêmio. Você escolhe uma porta, e então uma das outras duas portas, que não contém o prêmio, é aberta. Finalmente vem a pergunta que testará se sua inteligência é superior à de um pombo: é vantajoso trocar a porta que você escolheu inicialmente pela porta que restou?
A maioria das pessoas utilizará parte de seus 100 bilhões de neurônios e concluirá que, restando duas portas, apenas uma das quais tem o prêmio, as chances de que qualquer uma delas seja a premiada é de 50%. Não faria diferença trocar ou não de porta.
E é aqui que pombos, com seus cérebros menores que uma noz, o humilharão. Treinados no experimento de Hebranson e Schroder, onde o prêmio era algo tão simples como alpiste, eles ajustaram sua estratégia para a melhor resposta, que é… trocar. Porque no problema de Monty Hall, ao trocar você terá o dobro de chances de levar o prêmio. Se permanecer com a escolha inicial, terá apenas 1/3 de chances de ganhar. Se isto lhe parece absurdo, confira o texto, ou experimente simular o problema milhares de vezes aqui, aqui ou aqui, porque este é um resultado tão matematicamente certo quanto 1+1=2.
Pombos não são, claro, realmente mais inteligentes que eu ou você, esta foi apenas uma provocação. Porém neste caso específico, apesar ou exatamente por causa de sua inteligência limitada, foram capazes de perceber após muitas e muitas tentativas que trocar é a melhor estratégia. Um ser humano é capaz de dar uma resposta – errada – antes mesmo de qualquer tentativa, simplesmente porque é capaz de modelar o problema mentalmente e aplicar raciocínios lógicos. Ainda que incorretos.
A lição fabulosa está neste trecho do sumário do trabalho:
“A replicação do procedimento com participantes humanos mostrou que os humanos falharam em adotar estratégia ótimas, mesmo com extenso treinamento”.
Isto é, presos à modelagem mental de que somos capazes com nosso fabuloso cérebro mesmo antes de uma única tentativa, podemos deixar de perceber que ela está incorreta mesmo após inúmeras tentativas reais que deveriam deixar isto claro. A pesquisa ainda indicou algo fascinante: “participantes humanos” mais jovens se saíram melhor que os mais velhos, talvez mais propensos a observar os resultados do experimento do que confiar em seu julgamento prévio.
Alguns poderiam dizer que jovens têm um cérebro mais parecido com o de um “passarinho”, ao que um jovem poderia responder que na mesma medida em que um “passarinho” pode ser mais inteligente que um ser humano.
Antes de louvar as pombas, ou mesmo esta abordagem simplista centrada unicamente na observação de resultados, contudo, vale lembrar que pombas também podem desenvolver comportamentos “supersticiosos”, sem ao que sabemos jamais refletir sobre o que estão realmente fazendo. O equilíbrio da dedução, observação e indução em busca dos melhores resultados pode ser visto justamente como o objetivo do método científico aplicado.
O Dilema dos Camundongos
Em outro trabalho recente atingindo diretamente nosso orgulho humano, pesquisadores portugueses demonstraram que ratos de laboratório também conseguem “resolver” o famoso dilema do prisioneiro, adotando estratégias ótimas de acordo com a estratégia de seus pares. A descrição clássica do dilema:
“Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia não tem provas suficientes para condená-los, mas, mantendo os prisioneiros separados, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que delatou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um passará 5 anos na cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro”.
A solução ao dilema simples não é muito “bonita”: trair é a resposta, porque na melhor das hipóteses se sai livre, na pior cumprem-se cinco anos. Silencie e na melhor das hipóteses cumprem-se seis meses, e na pior, dez anos. Trair é a resposta.
Se isto não parece “bonito”, isto curiosamente pode se dever ao fato de que o dilema do prisioneiro, como apresentado acima, raramente ocorre dessa forma. Ou melhor, dilemas muito similares podem sim se apresentar, com a pequena diferença de que se podem se apresentar diversas vezes, de forma imprevisível. Seria o dilema do prisioneiro iterado, e nele, a melhor estratégia… é a “bonita” cooperação.
E foi isto que os ratos de laboratório no experimento português aprenderam. O estudo demonstra que “os ratos possuem as capacidades cognitivas necessárias para a cooperação baseada em reciprocidade emergir no contexto do dilema do prisioneiro”.
Uma demonstração de implicações fantásticas. Um detalhe, no entanto, me pareceu outra lição fabulosa, que também pinçamos do sumário:
“Mostramos que o comportamento dos ratos é dependente de seu estado motivacional (faminto versus saciado)”.
Isto é, os pesquisadores notaram que em experimentos anteriores ratos haviam falhado em desenvolver estratégias mais sofisticadas, incluindo a cooperação, e sugerem que isso pode ter se devido ao fato de que em tais estudos os ratos estavam famintos. Em seus testes, os ratos portugueses estavam devidamente saciados e puderam assim se dar ao luxo de experimentar e desenvolver diferentes estratégias.
O detalhe de desenvolver o experimento levando em conta a saciedade dos ratinhos é genial, óbvio em retrospecto, e lembra um discurso de Richard Feynman sobre o esmero necessário no desenvolvimento da ciência.
Obrigado pelos Peixes
Depois de ciência fascinante, do tipo que parece se relacionar diretamente com questões das mais relevantes a nós, não poderia deixar de retornar à ficção científica da melhor qualidade e lembrar de Douglas Adams e como em seu fabuloso Universo <SPOILER!>ratos de laboratório são as protrusões físicas em nossa dimensão de uma raça de seres pandimensionais hiper-inteligentes que construíram a Terra, sendo assim os seres mais inteligentes no planeta. Pensamos que os usamos como cobaias em experimentos, mas em verdade são eles que nos usam em seu grande experimento para a Questão da Vida, o Universo e Tudo Mais.</SPOILER!>
Comédia, evidente, mas que ratos sejam capazes de desenvolver estratégias de cooperação até então vistas em orgulhosos seres humanos deve provocar questionamentos sobre se o que consideramos “bonito”, a cooperação, é algo que advém de uma moral contida em um manuscrito religioso de quase dois mil anos, ou se pode ser melhor explicada por processos evolutivos muito mais antigos. Processo que nossos parentes camundongos, não tão distantes de nós, também partilham e podem exibir, mesmo sem ter contato com qualquer Messias roedor.
Podem ser, como os pombos, tão ou até mais “inteligentes” que nós, embora de formas diferentes. Ao menos quando não estão famintos. [via Not Exactly Rocket Science e The Scientist, imagem do Jumping Brain de Emilio Garcia]
– – –
- Herbranson, W., & Schroeder, J. (2010). Are birds smarter than mathematicians? Pigeons (Columba livia) perform optimally on a version of the Monty Hall Dilemma. Journal of Comparative Psychology, 124 (1), 1-13 DOI: 10.1037/a0017703
- Viana DS, Gordo I, Sucena E, & Moita MA (2010). Cognitive and motivational requirements for the emergence of cooperation in a rat social game. PloS one, 5 (1) PMID: 20084113
Prêmio Bê Neviani
Porque não basta divulgar, tem que dispersar!
Depois do recente anúncio feito pela vetusta Biblioteca do Congresso (Library of Congress), comunicando que arquivará todas as mensagens públicas postadas no Twitter desde o início do serviço de microblog, não restam dúvidas de que esta mídia social veio para ficar.
Segundo os cofundadores Bizz Stone e Evan Williams, hoje o Twitter tem 105 milhões de usuários registrados, e 300 mil novos usuários ingressam no serviço a cada dia. Seu crescimento médio foi de 1.500% por ano, desde a fundação da "Twitter Inc" em março de 2006. O serviço atende a 19 bilhões de buscas por mês. Apenas comparando, o Google atende a 90 bilhões no mesmo período.
Não se pode negar – o Twitter é uma ferramenta 2.0 por excelência: seu conteúdo é gerado e compartilhado pelos próprios usuários. A dinâmica do microblog funda-se primordialmente na atuação dos tuiteiros, que seguindo e sendo seguidos, dispersam conteúdos virtuais.
A ação de tuiteiros que dispersam conteúdos relevantes no universo tuitiano merece destaque e deve ser aplaudida. Foi essa premissa que inspirou a criação do Prêmio Bê Neviani, reconhecendo a incrível capacidade de dispersão de tuítes com conteúdo diversificado, como cultura, ciência, tecnologia, notícias e muito mais, do perfil @Be_neviani.
![]()
Hoje, dia 22 de abril de 2010, estamos lançando o Prêmio Bê Neviani: porque não basta divulgar, tem que dispersarRegulamento:
– O Prêmio Bê Neviani é aberto a todos os tuiteiros que tenham blogues de conteúdo informativo: ciências, cultura (literatura, cinema, artes, fotografia, música, etc), filosofia, notícias, dicas e assemelhados.
– Os blogues participantes da campanha tuitarão, no período de 23 de abril de 2010 a 23 de maio de 2010 links para seus posts, publicados em qualquer data e com qualquer temática, obrigatoriamente usando a hashtag #PremioBeNeviani e o encurtador de links Bit.ly.
– No período de vigência da campanha, os retuítes (RTs) que os links desses posts receberem serão computados para a apuração de dois ganhadores, um em cada uma das duas seguintes categorias:
Categoria 1: blogueiros – o vencedor será o blogueiro cujo post recebeu mais RTs. O prêmio dessa categoria será o livro "Criação Imperfeita", de Marcelo Gleiser.
Categoria 2: tuiteiros – o vencedor será o tuiteiro que deu RTs em qualquer dos tuítes postados durante a vigência da campanha. Essa categoria terá sua apuração por sorteio. O prêmio para essa categoria será o livro "Além de Darwin", de Reinaldo José Lopes.
O anúncio do prêmio será em 30 de maio de 2010, pelo Twitter.
Para participar, envie um tuíte para as administradoras @sibelefausto ou @dra_luluzita, ou então comente aqui, que entraremos em contato.
Abaixo, segue a relação dos blogues e tuiteiros participantes. À medida que mais blogueiros aderirem a essa campanha, essa listagem será atualizada.
Blog – Blogueiro-tuiteiro
100nexos @kenmori
Amiga Jane @lacybarca
Bala Mágica @balamagica
Blog Bastos @bastoslab
CeticismoAberto @kenmori
Chapéu, Chicote e Carbono 14 @reinaldojlopes
Ciência ao Natural @CienAoNatural
Ciência na Mídia @ciencianamidia
Diário de um Gordo @Edgard_
Discutindo Ecologia @brenoalves e @luizbento
Dicas Caseiras para quem mora só @uoleo
Ecce Medicus @Karl_Ecce_Med
Efeito Azaron @efeitoazaron
Ideias de Fora @IdeiasdeFora
Joey Salgado… mas bem temperado @joeysalgado
Karapanã @alesscar
Maquiagem Baratinha @aninhaarantes
Meio de Cultura @samir_elian
Minha Literatura Agora @jamespenido
O Amigo de Wigner @LFelipeB
O divã de Einsten @aninhaarantes
O que todo mundo quer @desireelaa
Psiquiatria e Sociedade @danielmbarros
Química Viva @quiprona
Quiprona @quiprona
Rabiscos @skrol
Tage des Glücks @nataliadorr
Tateando Amarras @eltonvalente
Terreno Baldio @lacybarca
The Strange Loop @josegallucci
Toda Cultura à Nossa Volta @fabiocequinel
Tuka Scaletti @TukaScaletti
Twiterrorismo @aninhaarantes
Uma Malla pelo Mundo @luciamalla
Uôleo @uoleo
XisXis @isisrnd
Majestosa Imperfeição
A primeira religião monoteísta da história humana, há mais de 3.000 anos, louvava o Sol – Aton – reconhecido como poder supremo e fonte última que alimentava a vida. Não é descabido imaginar que mesmo antes disto, as primeiras reverências de nossos ancestrais proto-humanos já reconhecessem a importância do astro-rei, e mais do que sua importância: a sua perfeição.
Dia após dia, no que por quase toda nossa história foi a própria definição de “dia”, lá surgia pontualmente o disco solar trazendo luz e calor tão essenciais para que sobrevivêssemos. Fácil compreender assim que os raros eventos de eclipses, estas aparentes anomalias na perfeição solar, fossem vistos como maus presságios por culturas isoladas em quase todo o planeta.
Com o tempo, e principalmente, em nossa cultura ocidental, o Sol visto como deus foi deixado um pouco de lado. Heresia, inclusive. Curiosamente, seria então o renascimento da ciência, com observações e argumentações racionais, que viria a ressaltar novamente o que mesmo nossos ancestrais já percebiam como óbvio.
Continue lendo mais uma coluna Dúvida Razoável no blog Sedentário&Hiperativo.
A Evolução do Homem – e da Mulher
Em uma das variações do ícone “Marcha do Progresso”, original que todos conhecem mas não pelo nome, o artista Tom Rhodes criou “A Evolução do Homem e da Mulher”, explorando com uma boa licença artística o gênero Homo, do habilis até o neanderthalensis e o sapiens, vulgo “é nóis”. Clique na imagem para a versão completa e sem censura.
Como explica no processo de criação, Rhodes pentelhou um tanto os antropólogos da Universidade de Calgary, com várias contribuições da dra. Anne Katezenberg, que sugeriu o detalhe mais interessante na arte: retratar também uma mulher. Por incrível que pareça em retrospecto, todas as representações derivadas da Marcha do Progresso são da evolução do gênero masculino. É ainda mais incrível dado que a evolução não aconteceria se homem e mulher não fizessem o que homens e mulheres podem fazer.
Como Tim Dean nota, contudo, a ilustração também tem seus problemas, como o que parece uma tendência à cor da pele ir clareando, algo que de forma alguma é sugerido pela evidência, que indica em verdade o contrário. Os primeiros indivíduos de nossa espécie deviam ser negros. Mesmo outras tendências aparentes, como o aumento de estatura, não são tão claras assim – até porque, ao contrário do que a imagem parece indicar, até onde se sabe Neandertais não foram nossos antepassados.
“Mas, ei, não é uma ilustração científica, é uma ilustração de algo científico”, perdoa Dean. É mesmo uma divertida ilustração dos últimos milhões de anos.