O Ciclo da Água–Infográfico Animado
Estupendamente bem animado, ilustrando o processo do reservatório até sua casa, e de volta ao sistema de coleta e tratamento.
Como deveria ser, claro. [via DYT]
Carta de Isaac Asimov aos futuros leitores de uma nova biblioteca
“16 de março de 1971
Caros Meninos e Meninas,
Parabéns pela nova biblioteca, porque não é apenas uma biblioteca. É uma espaçonave que os levará aos mais distantes confins do Universo, uma máquina do tempo que os levará ao passado longínquo e o futuro a perder de vista, um professor que sabe mais do que qualquer ser humano, um amigo que os divertirá e os consolará – e, acima de tudo, um portal para uma vida melhor, mais feliz e mais útil.
Isaac Asimov”
É uma das 97 cartas enviadas por personalidades às crianças na abertura da nova biblioteca de Tory, Michigan, EUA, em 1971 por uma iniciativa de Marguerite Hart, que simplesmente escreveu às figuras famosas pedindo que dirigissem palavras de incentivo aos leitores.
Quatro décadas depois, a mesma biblioteca, como muitas, enfrenta dificuldades e pode ser fechada.
[via BoingBoing, LettersofNote, Demotivatio.us]
Bio-robôs
“Quando alguém pensar que nosso gênero humano não tem salvação, sempre pode lembrar da história de Alexei Ananenko, Valeriy Bezpalov e Boris Baranov, os três super-heróis de Chernobyl, de quem se diz que salvaram a Europa ou ao menos um ou outro milhão de pessoas a milhares de quilômetros ao redor, num frio dia de abril. Foram à morte conscientemente, deliberadamente, por responsabilidade e humanidade e sentimento da honra, para que o resto de nós pudesse viver”.
Em um fantástico artigo original de Yuri que acabamos de traduzir e publicar em CeticismoAberto, “Os Três Super-Heróis de Chernobyl”, conhecemos um pouco da história dos liquidadores que remediaram o pior acidente nuclear e foram as únicas vítimas diretas de uma explosão que expôs a céu aberto um núcleo ardente de material radioativo. E de toda a história, um dos detalhes que mais me impressionou foi que os liquidadores chamassem a si mesmos de bio-robôs.
Robota
A palavra “Robô” em si mesma foi introduzida por Karel Capek no início do século 20, em uma peça sobre os dilemas de pessoas artificiais servindo aos senhorios humanos. Capek teria considerado inicialmente chamar as criaturas, que podiam pensar como nós, de labori, mas insatisfeito com o termo pediu uma sugestão de seu irmão, que sugeriu “roboti”. Todos esses termos estavam relacionados ao trabalho, à servidão. E foi assim que os robôs, popularizados em larga escala anos depois por escritores como Isaac Asimov, adentrariam o imaginário popular.
As primeiras histórias de Asimov sobre robôs foram todas desenvolvidas sobre a questão de que os robôs, como as mais sofisticadas ferramentas criadas pelo homem para servi-lo, também enfrentavam o dilema entrevisto por Capek entre criador e criatura, por sua vez presente desde a história de Frankenstein. Para resolver estes dilemas Asimov cunhou a ciência da “robótica”, com suas três famosas leis ditando que:
“I – Um robô não deve ferir um ser humano, ou pela inação, permitir que um ser humano seja ferido;
II – Um robô deve obedecer às ordens recebidas de seres humanos, exceto quando estas entrarem em conflito com a Primeira Lei;
III – Um robô deve proteger sua própria existência enquanto esta proteção não entrar em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.”
Depois de estabelecer estas leis, Asimov automaticamente passava a questionar e mesmo a transgredi-las; a maior graça de suas histórias é lidar com os furos e paradoxos que as leis podem produzir. Posteriormente Asimov introduziria a Lei 0 da robótica, com a qual brincaria ainda mais:
“0 – Um robô não deve causar mal à Humanidade, ou por inação, permitir que a Humanidade seja prejudicada”.
Bio-robôs
Uma das principais aplicações aos robôs então puramente fictícios de Asimov era em trabalhos de alta periculosidade, incluindo trabalhos no espaço envolvendo alta radiação. Com o desastre em Chernobyl, os robôs fictícios de Asimov tornaram-se realidade. Ainda que o ano fosse 1986 e a tecnologia fosse primitiva em relação àquela que conhecemos hoje, equipamentos por controle remoto já haviam sido usados na prática desde a Segunda Guerra Mundial, e foram colocados em ação nas ações de limpeza essenciais.
Mas aqui estava algo que talvez nem a ficção pudesse antever. Asimov sugeriu que os delicados cérebros positrônicos de seus robôs poderiam ser também vulneráveis a altas doses de radiação. Talvez não esperasse que mesmo os não tão delicados cérebros eletrônicos dos primitivos robôs por controle remoto iriam falhar com as doses extremas de radiação recebidos do contato direto com partes do núcleo do reator expostas.
No vídeo abaixo vemos os equipamentos eletrônicos falhando.
E com a falha dos robôs eletrônicos, entraram em ação os bio-robôs. É uma ironia histórica que os próprios liquidadores talvez apreciassem como uma grande piada em meio à tragédia que ao invés de se chamarem de super-heróis, de atribuírem a si mesmos nomes grandiosos como Messias ou simplesmente Salvadores, eles chamassem a si mesmos de bio-robôs. Simplesmente versões biológicas dos robôs mecânicos que apesar de representar o que de mais avançado a tecnologia podia oferecer então, acabaram mostrando-se de utilidade muito limitada. Com objetivos imediatos simples, os bio-robôs foram por vezes, e como na história de Ananenko, Bezpalov e Baranov, sem esperar retorno cumprir suas missões.
Violaram a terceira lei da robótica, ainda que não tenham sido ordenados à morte, ainda que a tenham encarado para cumprir a prioridade da primeira lei e preservar vidas humanas, e acima de tudo, a lei zero em favor de toda a humanidade.
Não foi em figuras míticas ou em lendas milenares que estes heróis representando o melhor que podemos encontrar em todos nós se inspiraram. Foi na retidão do dever e coragem frente à responsabilidade que um robô, ao mesmo tempo ferramenta e espelho representa que chamaram a si mesmos de bio-robôs.
“1. Podem as máquinas comportarem-se como humanos?
2. Podemos nós?” – Matt Harvey
– – –
*Mais de duas décadas depois de Chernobyl, poderíamos ter criado robôs muito mais avançados, capazes de suportar doses de radiação para que nenhum ser humano precisasse se sacrificar para salvar outros seres humanos. Robôs avançados capazes de reproduzir toda a destreza de mãos humanas, mas ainda muito longe da sofisticação que nos faria pestanejar duas vezes antes de sacrificá-los em favor de uma pessoa. Infelizmente, não foi o que aconteceu mesmo no país mais automatizado do mundo. Nosso heroísmo individual acaba servo diluído do engessamento burocrático e econômico que falha em perceber e discutir as maiores prioridades.
Vasto Ponto Azul
Há cinco décadas um de nós deu um salto jamais dado, e orbitou por pouco mais de uma hora, a centenas de quilômetros de altitude, a todos nós, com nossos conflitos e vitórias, ou como Carl Sagan diria, “o agregado de nossa alegria e nosso sofrimento”. Yuri Gagarin foi o primeiro de nós a ter um vislumbre do pálido ponto azul, que a centenas de quilômetros ainda surge como uma vasta abóbada, mas uma vasta abóbada azul. “A Terra é azul. Que maravilhoso!”, exclamou para o controle da missão. Gagarin vislumbrou uma perspectiva numinosa, que inspira profunda humildade, fascinação e admiração.
Somados ao longo de toda uma vida, cruzamos com nossos próprios pés milhares de quilômetros de distância percorrendo a superfície deste planeta. Poderíamos dar mais de uma volta através do globo, mas andamos em círculos pequenos, não raro em torno da pequena região próxima onde nascemos. Se apenas pudéssemos traçar estes passos não apenas cruzando o mundo, como em direção ao espaço infinito, é novamente assombroso como bastam algumas centenas de quilômetros para ver a Terra azul, sem fronteiras retilíneas, apenas uma vasta planície que se curva no horizonte, marcada quando muito por rios e oceanos, montanhas e vales, e coberta por uma camada de nuvens brancas sempre mutante, composta da mesma substância que responde por toda a vida que conhecemos e que escorre de nossos olhos quando sentimos nossas mais fortes emoções.
O primeiro homem no espaço foi chamado de cosmonauta, em contrapartida aos astronautas americanos, ou mesmo aos taikonautas chineses. São todos seres humanos, são todos pessoas que deixaram aqueles que amavam abaixo e tiveram medo de nunca mais voltar. Somos nós. Se a tecnologia que lançou Gagarin ao espaço foi a mesma que é capaz de lançar ogivas atômicas que transformariam a cor de todo o planeta em um cinza nuclear, há algum conforto e motivo para celebrar que não tenhamos pintado o ponto em que vivemos de cinza, e neste exato momento haja seis seres humanos orbitando a todos nós.
Seis seres humanos no espaço, incluindo russos e americanos, em uma estação espacial resultado da colaboração contínua de inúmeros países representando centenas de milhões de pessoas em cooperação. Como Gagarin, os tripulantes da Estação Espacial Internacional vêem o planeta azul, e diferente de Gagarin podem partilhar sua emoção, e algo de sua visão, em tempo real.
Algum dia, um de nós deixará o planeta sem medo de nunca mais voltar, porque estará indo viver uma aventura fantástica ao encontro daqueles que ama em um lugar muito mais distante do berço azul onde nascemos. Algum dia, um ponto a milhões de quilômetros de distância, seja ele de que cor for, será o berço de muitas pessoas, que ainda assim serão como nós. Porque seremos nós.
Encaramos desafios imensos, mas somos capazes de façanhas incríveis. Vivemos em maravilhoso berço azul, vasto porque ainda somos infantes, mas ínfimo perto do infinito que podemos explorar. Yuri Gagarin o viu primeiro.
[Imagem inicial: Gagarin e Laika, Tebe-interesno, via Lissa]
Fukushima-1 e o Fim do Mundo
Como você deve saber, há neste momento uma usina de energia no oriente lançando partículas nocivas na atmosfera, incluindo elementos radioativos, que podem causar doenças e mortes. O que todos deveriam saber é que em conjunto estas usinas já matam centenas de milhares de pessoas todo o ano. E o que todos deveriam realmente saber é que estamos falando de usinas movidas por inofensivos pedaços de carvão.
Surpreendentemente usinas movidas a carvão chegam a lançar mais radioatividade ao ambiente que usinas nucleares pela mesma quantidade de energia produzida. Inofensivos pedaços de carvão mineral contêm quantidades naturais e usualmente desprezíveis de elementos radioativos como urânio e tório. Queime o carvão transformando-o em uma fina fuligem, e a concentração destes elementos radioativos pode aumentar em até dez vezes. Multiplique isto pelas quantidades gigantescas de carvão que devem ser queimadas para produzir energia – apenas a China consumiu 3,2 bilhões de toneladas no ano passado – e ao final as doses estimadas de radiação recebidas por pessoas vivendo nas proximidades de usinas movidas a carvão são iguais ou maiores do que aquelas que vivem ao lado de usinas nucleares.
E ainda assim, tais doses são essencialmente inofensivas. O que sim mata são poluentes muito mais tradicionais.
Em 1952, uma espessa cortina de fumaça cobriu a cidade de Londres e matou 4.000 pessoas em quatro dias. Outras 8.000 vítimas morreriam nas semanas e meses seguintes. A causa não foi uma violenta catástrofe natural sem precedentes. A causa foi a fortuita confluência de eventos meteorológicos – como as familiares camadas de inversão – que fizeram com que poluentes atmosféricos fossem concentrados sobre a cidade.
Enquanto milhares de pessoas morriam, não houve pânico. A cidade que conheceu primeiro tantos dos problemas de megalópoles modernas já havia sofrido com “smogs” anteriores, ainda que este fosse particularmente intenso e incômodo. As vítimas fatais foram indivíduos já fragilizados, como bebês e idosos, ou pacientes que já possuíam problemas respiratórios. Foi apenas ao compilar estatísticas que esta tragédia silenciosa tornou-se clara, motivando legislações como os Clean Air Acts em 1956 que restringiriam a poluição atmosférica.
Tragédias similares deixaram de ocorrer em Londres, mas a poluição atmosférica ainda é uma das principais causas de morte no mundo. Estima-se que tenha sido a causa de morte de meio milhão de pessoas na China apenas no ano passado.
Enquanto milhões morrem, não há pânico.
“É assim que o mundo acaba. Não com uma explosão, mas com um suspiro” – TS Elliot
Boaventura Santos e a Ciência Pós-Moderna
Formado por ideogramas milenares, o idioma chinês possui uma riqueza digna de tal história: os ideogramas que formam o termo “crise” se constituem daqueles que significam “perigo” e “oportunidade”. Algo que o sociólogo Boaventura de Souza Santos, em seu “Um discurso sobre as ciências” (1987), poderia apreciar ao relativizar tanto do contexto cultural e sociológico da ciência enquanto pretende apontar a crise do “paradigma dominante” da ciência moderna.
Depois de expor sua visão do que constituem os fundamentos do paradigma vigente até poucas décadas antes de 1980, Santos adentra na suposta crise científica:
“Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna … Como é que o observador estabelece a ordem temporal de acontecimentos no espaço? … A fim de determinar a simultaneidade dos acontecimentos distantes é necessário conhecer a velocidade; mas para medir a velocidade é necessário conhecer a simultaneidade dos acontecimentos. Com um golpe de gênio, Einstein rompe com este círculo, demonstrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode tão só ser definida. É, portanto, arbitrária e daí que, como salienta Reichenbach, quando fazemos medições não pode haver contradições nos resultados uma vez que estes nos devolverão a simultaneidade que nós introduzimos por definição no sistema de medição”.
Esta é uma versão peculiar para a compreensão da Teoria da Relatividade, como se fosse um simples “golpe de gênio” fundamentado em uma mudança de convenções. Como se qualquer um antes de Einstein pudesse ter dado este salto filosófico. Para minha surpresa, esta versão peculiar é mesmo tomada quase textualmente da obra citada do físico Hans Reichenbach, um celebrado divulgador científico, e em especial, das ideias de Einstein, de quem chegou a ouvi-las diretamente. Não há erro nela, exceto no ponto em que Boaventura Santos parece entendê-la, e expressá-la, de forma duvidosa.
Reichenbach ofereceu uma exposição e discussão muito mais longa da Relatividade, onde o mal-entendido, se é que é mal exposto, é desfeito, mas Santos parece contente com o engano subentendido. E ele pode ser resumido no fato de que Einstein tornou-se célebre pela Teoria da Relatividade, e não pela Teoria da Arbitrariedade. Ainda que Reichenbach, assim como Einstein (ou o contrário seria mais correto), tenham sim ressaltado o caráter arbitrário com que se pode definir a simultaneidade de dois eventos, nenhum deles deixou de expor claramente que esta arbitrariedade está vinculada aos quadros de referência adotados, na forma como se realiza a medição.
O “golpe de gênio” de Einstein não foi meramente filosófico. Não foi puramente arbitrário. Fundamentou-se em descobertas empíricas, ou melhor dizendo, na ausência de uma descoberta empírica em particular – a do éter luminífero – e sua rápida aceitação deveu-se à beleza com que explicava resultados empíricos, como o experimento de Michelson e Morley, um dos mais bem-sucedidos experimentos que não deram certo. Não apenas a Relatividade só faz sentido e só foi aceita amparada em um conjunto de resultados experimentais, como seu desenvolvimento mais completo, com a Teoria da Relatividade Geral, só seria alcançado incorporando um embasamento matemático que por vezes escapava ao próprio Einstein. Empirismo e matemática.
Continua Santos:
“O caráter local das medições e, portanto, do rigor do conhecimento que com base nelas se obtém, vai inspirar o surgimento da segunda condição teórica da crise do paradigma dominante, a mecânica quântica”.
Há vários erros aqui. Santos tenta associar a Teoria da Relatividade – que entende como limitando o rigor do conhecimento a medições locais – com o Princípio da Incerteza, mas embora hoje os dois conceitos façam a alegria de filósofos pós-modernos, em seu desenvolvimento é célebre como uma não inspirou a outra. Pelo contrário, Einstein jamais aceitou a incerteza, e sua Teoria da Relatividade, ao contrário do entendimento de Santos, ainda lidaria com a possibilidade teórica do determinismo.
Ironicamente, um ponto que ambas ideias de fato revolucionárias teriam em comum é justamente um que, novamente, vai de encontro à visão pós-moderna: tanto a Relatividade quanto o Princípio da Incerteza questionaram o entendimento de fundamentos da física clássica através de descobertas e demonstrações empíricas, reproduzíveis e testáveis, modeladas com rigor matemático.
Longe de serem revoluções arbitrárias, longe de serem construções culturais, estas revoluções científicas são em si mesmas evidência do caráter objetivo e empírico da ciência transcendendo crenças pessoais ou coletivas. O GPS de seu carro funciona com a Relatividade, com uma precisão de metros fornecida por satélites a milhares de quilômetros por hora. Seu computador é fundamentado na mecânica quântica, efetuando bilhões de cálculos sem erro através de portas lógicas com nanômetros de tamanho.
Isso parece pouco rigor? Esses são mais frutos utilitários e se não absoluta, ao menos efetivamente determinísticos e exploratórios da natureza, produzidos pela “crise” da ciência moderna apontada por Santos, e frutos que ele já podia ver em 1985.
Podemos não viver no Universo determinístico do demônio de Laplace, onde conhecer o presente com absoluta precisão significaria conhecer o passado e prever o futuro, mas a cosmologia perscruta a evolução do Universo há mais de 13 bilhões de anos. Esse parece um fracasso? Talvez seja mais do que Laplace poderia ter concebido, que as leis naturais podem ser ao mesmo tempo probabilísticas e rigorosas em escalas quase infinitas, algo que até hoje muitos têm dificuldade em compreender.
Como muitos, Santos parece pensar que com Einstein, as Leis de Newton foram demolidas, ou que com o Princípio da Incerteza basta desejar uma bicicleta com suficiente afinco para obtê-la. Em verdade, aqui como em uma galáxia em Andrômeda, maçãs continuarão caindo em direção ao centro de um planeta esférico. Se existirem maçãs em Andrômeda, é claro. A Relatividade não limita a precisão de uma medida
em “local” e “distante”, apenas vincula medidas a um quadro de referência, arbitrário, sim, mas obedecendo com rigor abismal a equações matemáticas descritas por Einstein. Equações, por sua vez, que só encontram seus limites preditivos no mundo da física quântica – uma que, apesar de possuir caráter probabilístico, permite sim predições com um rigor abismal, o mesmo que fundamenta a precisão digital de seu computador.
Ao discutir os rombos da suposta “crise” na ciência moderna, Boaventura Santos discorre sobre as revoluções como se Einstein, Bohr e Heisenberg dessem seus “golpes de gênio”, como os que ele, como sociólogo, pretende fazer ao expor em 1985 o estado da ciência atual e especular sobre seu futuro. Mais de vinte anos depois, vemos como a visão de Santos do que era a ciência em 1985 era limitada, e suas previsões sobre o futuro se mostraram míopes.
É revelador que ele entenda que a:
“teoria de estruturas dissipativas de Prigogine, ou a teoria sinergética de Haken, … a teoria da ‘ordem implicada’ de David Bohm, a teoria de matriz-S de Geoffrey Chew e a filosofia do ‘bootstrap’ que lhe subjaz e ainda a teoria do encontro entre a física contemporânea e o misticismo oriental de Fritjof Capra, todas elas de vocação holística e algumas especificamente orientadas para superar as inconsistências entre a mecânica quântica e a teoria da relatividade de Einstein, todas estas teorias introduzem na matéria os conceitos de historicidade e de processo, de liberdade, de auto-determinação e até de consciência que antes o homem e a mulher tinham reservado para si”.
Perceba como Boaventura Santos pensa que Bohm, Chew ou mesmo Fritjof Capra conseguiriam conciliar a Quântica com Relatividade meramente com uma abordagem filosófica diferente! É novamente a ideia do “golpe de gênio”, e para quem entende que as revoluções científicas da física moderna (ou mesmo da matemática) se dão de forma meramente cultural, sociológica, isso faz sentido. Para quem anuncia que “o discurso científico aproximar-se-á cada vez mais do discurso da crítica literária”, isso pode fazer sentido.
O pequeno detalhe é que esta simplesmente não é a realidade, e ao discorrer sobre as ciências, Boaventura Santos simplesmente expõe uma visão fundamentalmente falha do que a ciência foi, e é. Sem surpresa, falha ao prever como será. Seu “golpe de gênio” não o tornou duas décadas depois fundador de um novo paradigma científico, apenas o tornou um dos porta-vozes do pós-modernismo em língua portuguesa, e um que, na opinião deste autor, essencialmente se resume a repetir boa parte do pensamento de Fritjof Capra exposto anos antes.
Enquanto Santos anunciava um novo paradigma científico assentado na “sensocomunização”, a ciência de verdade seguia sendo revolucionada por descobertas empíricas que foram de encontro a crenças difundidas na academia, que se dirá ao senso comum. Poucos anos antes, Santos poderia ter mesmo visto como a teoria de deriva dos continentes passou de ideia absurda a um dos principais fundamentos da geologia, graças a uma acumulação cada vez maior de evidência de múltiplas fontes. Na mesma década de 1980, Santos assistiria como a hipótese de Luis e seu filho Walter Alvarez para a extinção KT como provocada pelo impacto de um asteróide seria gradualmente aceita pela comunidade científica, outra vez de inúmeras linhas de evidência diferentes.
Santos deve ter assistido mesmo como as ideias de Fritjof Capra pouco afetaram a física de verdade, apenas alimentaram um mercado de vendedores de pseudociência que bebe das ideias da “ciência pós-moderna” para explorar consumidores.
A estes vendedores de pseudociência, explorar e conciliar o senso-comum com a transferência de dinheiro para seus bolsos sim é um paradigma de sucesso. Mas este é um paradigma muito antigo, anterior mesmo a Bacon, Descartes, ou Hume. Este é um paradigma do que não é e não deve ser a ciência.
O senso-comum é instável e este sim, arbitrário e quase unicamente sujeito a convenções sócio-culturais. Pode ser algo como a anedota sobre os ideogramas chineses para “crise” que iniciam este texto, pois ela é simplesmente falsa. Se você acreditou nela, talvez acredite na forma como Santos expressa suas ideias como fatos e pressupostos indiscutíveis. Devem, no entanto, ser muito discutidos. O conflito com o senso comum quando se descobre que ele é falso é uma questão complexa, mas não é promovendo um entendimento deficiente da ciência que se irá resolvê-lo.
Compare-se o pensamento de Santos com o do filósofo francês Edgar Morin:
“Hoje, sabemos que tudo é ambivalente. Sabemos que a ciência pode produzir benefícios extraordinários e ao mesmo tempo forças de destruição, e de manipulação, que jamais existiram antes. Sabemos que a racionalidade, que é nosso instrumento de inteligibilidade mais confiável, pode bloquear-se e tornar-se racionalização, ou seja, um sistema lógico, coerente, mas que ignora as coisas concretas”.
Há profunda sabedoria, e nenhum linguajar rebuscado ou pseudo-erudito nesta breve visão de mundo, que reconhece o valor da ciência e da racionalidade e também seus perigos, sem incorrer em exercícios de manipulação de conceitos e outras técnicas que tornam o pós-modernismo um castelo tão imponente mas tão vazio e carente de fundamento. Ao ler Morin, é fascinante encontrar nas ideias de um filósofo conceituado descrições acuradas sobre a forma como se confirmou a teoria do Big Bang através da descoberta da radiação de fundo ou sobre o funcionamento do DNA e a transmissão de características hereditárias. Ao contrário de Santos, Morin não subverte seu entendimento destas ideias científicas a sua própria filosofia. E vinte anos depois, as ideias de Morin ainda parecem muito válidas.
Compare-se, por fim, o pensamento de Santos com a visão mais reveladora e mesmo mais curta do que as revoluções em diversas áreas representam no contexto do conhecimento científico, em um curto e belo ensaio de Isaac Asimov – escrito na mesma época que o livro de Santos. É A Relatividade do Errado. Claro que não deve ser o início e o fim da reflexão sobre o tema, mas se Asimov pode ser um começo, Santos a este autor seguramente não é nem isso. Tanto que, para uma visão muito mais presciente e
bela sobre o futuro do processo científico e da popularização do conhecimento, assista-se a esta entrevista com o mesmo Asimov, feita também na mesma época em que Santos parece ignorar completamente a revolução das tecnologias de informação.
Asimov, longe de ser um sociólogo, era um bioquímico por formação, e um celebrado autor de… ficção científica. Ao final deste século, é bem provável que Asimov ainda seja lembrado pelos que pensem em ciência. Se não por seres humanos, talvez por robôs.
A cena, imagino, seria o horror a um pós-modernista, mas ironia das ironias, é provável que ao final deste século o pós-modernismo tenha passado como a moda que advoga que a ciência é. O que o substituirá, bem, só os designers de moda podem dizer.
Fato é que as maçãs continuarão caindo, se ainda existirem maçãs.
– – –
[Tema sugerido pelo Ciência à Bessa, obrigado!]
A cantada, o ditador e os prodígios de lógica
Harry: “Um homem não pode dizer que uma mulher é atraente sem isso ser uma cantada?”
Sally: “Certo, certo”.
Harry: “Que quer que eu faça? Retiro o que disse, OK? Retiro”.
Sally: “Não pode retirar”.
Harry: “Por que não?”
Sally: “Porque já foi dito”.
Harry: “O que devemos fazer? Chamar a polícia? ‘Já foi dito!’”.
Dizer “empiricamente, você é atraente” pode não ser a melhor das cantadas, mas é uma cantada. E Sally não gostou do avanço porque Harry ainda estava saindo com Amanda, sua amiga. Por mais que ele tentasse retirar o que foi dito, bem, já foi dito. Nem chamar a polícia adiantaria.
Hipoteticamente, se Harry começasse a contar que gosta de fotografia e comentasse casualmente que Sally deveria ser muito fotogênica, as situações embaraçosas que compõem toda a comédia romântica de “Harry e Sally” (1989) poderiam ser evitadas. O que leva a um paradoxo aparente: seja dizendo direta e enfaticamente que acha Sally atraente, seja comentando casualmente algo sobre a simetria do rosto de Sally ou a iluminação incidindo sobre sua pele, a informação trocada parece a rigor a mesma. E mesmo no segundo caso hipotético, tanto Sally quanto Harry saberiam da mesma forma que Harry estava passando uma cantada.
Em um fabuloso RSAnimate, uma série de animações da RSA, Steven Pinker explica como o paradoxo se relaciona com os conceitos de conhecimento individual e mútuo usados na Teoria de Jogos.
Conhecimento individual é você saber que Steven Pinker é um fabuloso divulgador de ciência. Conhecimento individual também é que eu, por uma feliz coincidência, também saiba que Pinker é um fabuloso divulgador de ciência. Mas agora que você leu estas linhas, você sabe que eu sei, e eu sei que você sabe, que Pinker é um fabuloso divulgador de ciência. É agora um conhecimento mútuo. E ele pode fazer toda a diferença.
Como Pinker nota, quando toda uma população questiona a autoridade de um ditador, mas dentro de suas casas, há algo como conhecimento individual de que o ditador não poderia se manter no poder. Quando toda a população sai às ruas, a (im)popularidade do ditador pode permanecer a mesma, mas agora todos podem se ver e reconhecer mutuamente seu descontentamento coletivo. Na história da Roupa Nova do Rei, todos sabiam, todos podiam ver que o Rei estava nu, mas foi necessária uma criança declarar em voz alta o que todos sabiam, mas ninguém compartilhava, para que o Rei finalmente se descobrisse nu. Da insatisfação à revolução, é necessário um reconhecimento mútuo, compartilhado.
O que nem sempre é desejável, como mostram Harry e Sally, e como Pinker explica o paradoxo aparente da diferença entre uma cantada direta e uma indireta. Por que uma pode ofender e outra não?
Porque uma cantada direta faz com que Harry e Sally saibam claramente que Harry está interessado em Sally. Não há como retirar, não há como negar. “It’s out there”, já foi dito. É um conhecimento mútuo.
Mas uma indireta permitiria “manter a ficção de amizade”. Harry pode fingir que Sally não entendeu sua indireta, e Sally pode fingir que Harry realmente gosta muito de fotografia. Enquanto não surgir um menino para dizer em voz alta que Harry está a fim de Sally, ambos podem fingir que não há nenhuma tensão nessa amizade quase colorida.
Se você sabe que eu sei que você sabe, você leu o texto publicado aqui no final do mês passado que, por serendipidade, lidava basicamente com a mesma questão de conhecimento mútuo na Teoria de Jogos através da fábula das crianças prodígios de lógica com lama na testa. Com uma diferença.
Naquele texto iniciei com uma citação da série de ficção científica (?) V – A Invasão (1983), onde um alienígena reptiliano comenta como:
“Esses terráqueos são estúpidos. Isso os torna imprevisíveis”.
Uma simples cantada revela que em nossas relações sociais, e especialmente nossas relações afetivas, somos prodígios de lógica lidando imediatamente com as nuances entre o que sabemos, o que sabemos que a outra pessoa sabe, e o que sabemos que a outra sabe que sabemos.
Curiosamente, a imprevisibilidade continua a mesma. [via Roberto Moschen, Alenônimo]
A extensão dos sinais de rádio
Se há um sinal da atividade e da inventividade humanas que esteja se estendendo pela Galáxia, são nossos sinais de rádio. E considerando que as primeiras transmissões se deram há aproximadamente um século, há uma esfera se expandindo com nossos sinais. Uma esfera com 200 anos-luz de diâmetro.
Ilustrada por Jack Adam sobre uma concepção artística da Via Láctea de Nick Risinger…
Ainda é uma minúscula esfera. E ainda mais tênue, porque seus limites se tornam gradualmente mais vagos enquanto nossas primeiras transmissões eram débeis sinais de rádio.
E muito mais tênue, uma vez que a maior parte de nossas transmissões se torna indistinguível do ruído de fundo depois de apenas dois anos-luz de viagem.
Imagine quantas bolhas de 200 anos-luz de diâmetro caberiam pelo disco da Galáxia, quantas outras civilizações poderiam estar transmitindo sinais de rádio por mais de um século, e ainda assim não alcanãrem umas às outras. e estará imediatamente considerando uma possível resposta ao paradoxo de Fermi. [dica do EntroNonEntro]
A Princesa e a Criatura
Combinando um kit baseado nas criaturas de Theo Jansen e a hamster Princesa em sua bola de plástico, temos esta mescla superior de arte e engenharia.
Se você perguntou “Por quê?”, é preciso apreciar melhor a mente científica. Ou simplesmente ver que é um hamster andando sobre oito pernas. [de Crabfu Artworks, via MAKE]