Brasil ameaçado – caburé de Pernambuco Glaucidium moori

O Caburé de Pernambuco provavelmente ganhou um nome já estando extinto. Imagem: oeco.org.br

Essa corujinha simpática da ilustração está provavelmente extinta. Já falamos nessa coluna sobre o gritador do Nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti), o caburé de Pernambuco (Glaucidium mooreorum) é nosso personagem da semana e vem da mesma região do gritador, o Centro de Endemismo Pernambucano. Essa é uma faixa de Mata Atlântica isolada ao norte do São Francisco que foi extensivamente desmatada, restando apenas 2% de sua cobertura original. Por conta de nunca ter sido estudada viva, sabemos muito pouco sobre a biologia dessa coruja, mas provavelmente alimentava-se de insetos grandes e pequenos mamíferos. Outras corujas do mesmo gênero voam tão baixo que cercas com mais de dois metros de altura têm isolado populações, mostrando como esse animal é vulnerável. Para proteger outras espécies de coruja é importante não usar inseticidas que sofrem bioacumulação.

Brasil ameaçado – Tesourão Grande

Tesourão grande (Fregata minor), abundante no mundo, ameaçado no Brasil.

Fragatas são aves relativamente comuns no litoral brasileiro, em especial Fregata magnificens, mas o brasileiro ameaçado de hoje, apesar de ser comum em outras partes do mundo, está criticamente ameaçado no litoral brasileiro, é o tesourão grande, Fregata minor. Esse animal tem um voo exuberante, talvez devido a suas asas, que têm a maior razão área/peso do corpo entre as aves. Planam quase sem esforço por até mais de um dia e fazem manobras velozes no ar. A fragata também é uma exceção quando se trata de diferenças entre machos e fêmeas em aves marinhas. Enquanto na maioria das espécies os sexos não se diferenciam, nessa ave os machos têm uma plumagem preta com reflexos verdes e um saco gular vermelho vivo que o macho infla para atrair parceiras. Os pés da fragata não possuem membranas entre os dedos e sua plumagem não é impermeabilizada. Por isso ela evita mergulhar, alimentando-se frequentemente de peixes que saltam acima da superfície ou roubando o alimento de outras aves marinhas que ataca em pleno voo. Parte da diminuição das populações do tesourão grande se deve a fenômenos climáticos, como as tempestades que decorrem do El niño, parte por causa da introdução de animais domésticos em ilhas oceânicas, tais como cabras e cães, que comprometem os locais de nidificação dessa ave. Se você quiser proteger as fragatas e outras aves marinhas, não use a técnica do espinhel na pesca. Além dos peixes, muitas aves atacam a isca na superfície do mar e acabam sendo fisgadas e se afogando.

Brasil ameaçado – Formicivora erythronotos

Esse delicado passarinho precisa da sua ajuda para preservar a transição da mata atlântica para a restinga e mangue (Imagem: wikipedia.org/Rick Elis)

O pássaro formigueiro de cabeça negra ficou quase um século sem ser observado na natureza e já era considerado extinto. Felizmente no fim do século passado algumas populações na região de Angra dos Reis foram descobertas. Hoje acredita-se haver cerca de 2 mil indivíduos, mas a população está declinando. Eles habitam mata atlântice baixa e sua transição com a restinga e o mangue. Esse passarinho é muito sensível às alterações do ambiente pelo homem. Sabe o que você pode fazer por ele? Não compre palmito juçara. A extração dessa árvore numa mata é suficiente para excluir os formigueiros.

Brasil ameaçado – Eretmochelys imbricata

Tartaruga de pente, é preciso paciência e perseverança para superar o risco de extinção (Imagem: wikipedia.org/ Clark Anderson)

Nos meses que passei como estagiário no Projeto TAMAR uma das tarefas mais ingratas era alimentar uma tartaruga de pente que vivia nos tanques para os visitantes verem. Esse animal havia sido encontrado na praia quase morto, tão magro que a parte de baixo do casco (chamado plastrão) formava uma concavidade. Ela estava doente e não comia desde que chegara na base. Para mantê-la a veterinária Cecília Baptistotte me ensinou a preparar um delicioso suco de peixe (eu batia pedaços de peixe com água do mar num liquidificador e coava o caldo cinza e fedorento), inserir uma sonda esofágica no animal e injetar o alimento e alguns remédios dentro do estômago. Eu lamentava ver o animal semana após semana nas mesmas condições e já pensava se a morte não era melhor alternativa, mas a Cecília era irredutível em seus esforços. Fiquei meses nessa rotina, terminei meu estágio e nada do animal mostrar melhora nenhuma. Um dia, anos mais tarde, encontrei a Cecília e ela contou que a tal tartaruga estava plenamente recuperada. Nem acreditei, mas vidas ameaçadas, de um indivíduo ou uma espécie, dependem de persistência e paciência para serem recuperadas. A tartaruga de pente alimenta-se de corais e se reproduz desde o sudeste brasileiro até o Caribe, colocando cerca de 60 ovos em ninhos na praia. Fêmeas desovando eram capturadas para consumo dos ovos, da carne e produção de itens como armações de óculos e pentes com o casco, o que levou a espécie à beira da extinção. Um outro fator que leva à mortalidade os filhotes de tartarugas que tentam chegar ao mar é a poluição luminosa nas praias. Os filhotes são atraídos pela luz dos postes e dirigem-se à avenida em vez de irem para o mar. Uma forma de salvar filhotes de tartarugas de pente é evitar a iluminação de praias, pelo menos  na época de eclosão dos ovos.

Brasil Ameaçado – Epinephelus itajara

Sem ressentimentos. Um quase me matou, mas advogo em sua defesa (Imagem: Wikipedia/Albert Kok)

Era dia de tomar o voo de volta e eu decidi fazer um último mergulho de snorkel na praia próxima ao hotel em Fernando de Noronha. Já estava nadando de volta quando vi lá no fundo um vulto muito grande nadando para dentro de uma toca. Puxei o ar, afundei, agarrei-me à boca da toca e puxei o corpo para dentro. Sem saber eu havia encurralado lá dentro nosso brasileiro ameaçado dessa semana, um mero. Sem ter para onde fugir o enorme peixe disparou por cima de mim me acertando em cheio no peito. A pancada me fez cuspir o ar que tinha guardado nos pulmões a uns 4 m de profundidade. Pensei que fosse me afogar. Não faço ideia do tamanho desse mero, qualquer estimativa seria proporcional ao medo que eu passei, mas alguns animais passam dos 300 kg. Eles habitam parcéis, naufrágios e plataformas onde se entocam. Seu grande tamanho, comportamento curioso em relação ao homem e ciclo de vida lento fazem com que a pesca exerça forte pressão no declínio populacional dos meros. Uma forma de proteger os meros é não praticar a caça submarina nem consumir os produtos de caça ilegal. A pesca do mero no Brasil é proibida por lei.

Brasil ameaçado – Enyalius erythroceneus

Papa-vento é mais uma vítima do celeiro do mundo (Imagem: Rodrigues et al. 2006. Phylomedusa 5: 11-16)

Papa-vento é mais uma vítima do celeiro do mundo (Imagem: Rodrigues et al. 2006. Phylomedusa 5: 11-16)

Esse lagarto descrito há menos de dez anos por meu ex-professor Miguel Trefaut Rodrigues já consta da lista de animais ameaçados. Ele habita matas semideciduais no sul do estado da Bahia, especialmente no Parque Nacional da Chapada Diamantina. Os machos têm coloração diferente da fêmea, com bandas pretas num fundo branco e uma mancha vermelha no meio do corpo. Durante a corte os machos inflam uma bolsa abaixo da cabeça, o que rendeu à espécie seu nome popular: Papa-vento. O turismo de natureza pode ser um grande aliado na preservação de espécies como Enyalius erythroceneus, desde que seja feito de maneira ordenada e sustentável.

Brasil ameaçado – Crenicichla cyclostoma

Barragens de hidrelétricas são só mais um problema para esse habitante de rios assoreados que já foram alvo de comércio ornamental. (Imagem: oocities.com/Frank Warzel)

Este ciclídio de 10 cm habita o fundo de riachos tropicais da bacia do baixo Tocantins, na Amazônia. Ciclídios são animais muito dependentes do fundo do rio, portanto sensíveis à devastação das matas ciliares. Eles também têm complexo cuidado parental, o que torna seus ciclos de vida mais longos e o número de filhotes menor. Uma série de hidrelétricas têm sido construídas na área de ocorrência dessa espécie, então, se você quer protegê-la, economizar energia elétrica já é um bom começo.

Brasil Ameaçado – Crax blumenbachii

Caçado até a beira da extinção: mutum do sudeste. (Imagem: xeno-canto.org/Ciro Albano)

O mutum do sudeste é uma ave de grande porte, podendo passar dos 3 kg. O porte e sua docilidade, ou falta de agilidade, o tornam um alvo fácil para caçadores. O problema só tende a se agravar porque o animal só habita extensas áreas de mata atlântica baixa, coisa que praticamente já não existe especialmente devido à ocupação imobiliária. Hoje a espécie está restrita a alguns poucos avistamentos como em Linhares-ES e no sul da Bahia. Denunciar caçadores é uma ação simples que pode ajudar a salvar essa ave da extinção.

Brasil Ameaçado – Columbina cyanopis

Lindos e tristes olhos azuis os dessa vizinha ameaçada. Ilustração: John Gerrard Keulemans/Wikipedia.org

O brasileiro ameaçado dessa semana é uma rolinha mato-grossense. A Columbina cyanopsis é uma espécie muito rara, calcula-se que existam menos de 300 exemplares vivos, a maioria deles numa região muito visitada pelos estudantes da UNEMAT e da UFMT, a Estação Ecológica da Serra das Araras. Para chegar nesse nível de ameaça, essa rolinha sofreu muito com a perda e a fragmentação do habitat decorrente da expansão agrícola no cerrado. Mas se você quiser ajudar essa espécie e muitas outras desse bioma pode agir evitando as queimadas no cerrado. Não jogue cigarros acesos pela janela do carro e não queime lixo ou use o fogo para limpar terrenos.

Brasil Ameaçado-Gritador (Cichlocolaptes mazarbarnetti)

Gritador do Nordeste, calado para sempre. (Imagem: R. Grantsau/http://chc.cienciahoje.uol.com.br)

Na semana passada escrevi sobre um animal com apenas 15 anos de descrito e já nas listas como ameaçado. Pois essa semana a coisa é ainda mais triste, esse pássaro descrito em 2014 com base em animais coletados na década de oitenta provavelmente já está extinto. O Gritador do nordeste viveu numa região conhecida como Centro Pernambuco de Endemismo, uma faixa de mata atlântica entre Alagoas e o Rio Grande do Norte com muitas espécies endêmicas de aves. O problema é que a ocupação histórica dessa região com agricultura no Brasil colonial e mais recentemente levou ao desaparecimento da floresta. Mesmo os poucos fragmentos existentes ou são muito atingidos pelo efeito de borda (interferência de fatores externos no interior do fragmento florestal) ou são na verdade uma vegetação secundária: reflorestada, mas incapaz de receber de volta a fauna que desapareceu dali. O pássaro, se é que está mesmo extinto, alimentava-se de insetos que vivem entre as folhas de bromélias nas matas de topo de serra. Epífitas como as bromélias são plantas exigentes, só ocorrem em florestas antigas e bem preservadas. Sem bromélias, nada de gritador. Preservar é sempre mais fácil e barato que reflorestar. Para que novas espécies não tenham o mesmo futuro do gritador, respeite as áreas verdes e reservas legais previstas na legislação.