Pensamento de segunda

“Experimentos fisiológicos com animais se justificam pela investigação verdadeira, mas não por mera e detestável curiosidade.” (Charles Darwin)

Eu na televisão!

Hehe, andei escrevendo sobre a emigração dos grandes centros urbanos e sobre a importância da relação entre o pesquisador e a mídia, isso tudo foi decorrência de uma matéria que gravei com a Globo semana passada falando sobre pessoas que deixam os grandes centros urbanos para ir morar no interior. A matéria saiu esta tarde no Jornal Hoje no quadro Mercado de Trabalho sob o elogioso título de “Interior atrai profissionais qualificados”. Valeu pelo “profissional qualificado”. Abaixo segue a matéria.

Pensamento de segunda

“Experimentos charmosos são a solução.” (Carl Sagan)

Pensamento de segunda

À minha sogra, sem maldades

 

“Eu prefiro ser neto de um macaco a descender de um homem apavorado demais para aceitar a verdade.” (Thomas Huxley)

O pesquisador e a mídia

à Priscila, minha amiga e excelente companhia

 

Acho que todo pesquisador precisa reservar um tempo em seu cronograma para receber a mídia. Claro que sou um partidário da divulgação científica, se não este blog não existiria, mas advogo em favor do jornalismo científico no geral. Temos dois deveres em relação à divulgação científica: valorizar nosso trabalho e retornar algo para a sociedade.

 

O que separa um pesquisador de um jornalista obtido de http://w3.ufsm.br/reciam/

O que separa um pesquisador de um jornalista

Obtido de http://w3.ufsm.br/reciam/

 

O público em geral não tem idéia do que um cientista faz. O estereótipo do cientista é um sujeito solitário, de roupa branca, meio desarrumado e enfiado em um laboratório. Nosso produto de trabalho não chega à compreensão de boa parte da população, daí para ela achar que nosso trabalho não é importante é um passo. As repercussões disso vão desde um artigo como aquele da Ruth Aquino, tão acaloradamente atacado e com razão, até as propostas de corte no orçamento das agências de fomento à ciência e tecnologia. Outro ponto interessante é correlacionar o número de ingressantes em carreiras científicas no vestibular com a presença de um dado assunto na mídia. Acompanhei enquanto estudante a chamada geração Dolly, toda uma massa de calouros ingressando na biologia em busca de clonar carneirinhos. Divulgar nosso trabalho garante que no futuro haja quem dê prosseguimento a ele.

 

Por outro lado, temos todos uma dívida com a sociedade. Em geral nós cientistas, pelo menos no Brasil, dependemos majoritariamente de dinheiro público. Impostos. O cidadão pelo país todo paga seus impostos e uma parcela deles vem parar na pesquisa, seja pagando o salário de um pesquisador na universidade pública ou instituto de pesquisa, seja financiando nossos projetos, seja formando cientistas no ensino superior gratúito. Divulgar nossas pesquisas nada mais é do que prestar contas aos seus provedores, algo do tipo mostrar o boletim aos pais no final do semestre.

 

Se você morre de vergonha de câmeras e microfones pode aproveitar-se de jornais e revistas. Se gosta de escrever e tem medo dos jornalistas distorcerem suas informações a internet oferece inúmeras formas de comunicar-se com o público. Escolas de ensino médio e fundamental são sempre carentes em atividades alternativas para seus alunos. O MCT realiza todos os anos em outubro a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia que visa justamente abrir o trabalho do pesquisador à sociedade, a deste ano ocorrerá de 19 a 25 de outubro e todo o mundo pode participar, basta entrar no site deles e se informar. Agora é só escolher o seu e boa sorte.

Fugere urben

Numa dessas conversas de botequim com o amigo Alexander Turra, hoje professor do IO USP, concluímos que tudo na vida é composto de três aspectos: vontade, oportunidade e disponibilidade. Aparece um amigo seu oferecendo uma ferrari novinha pela bagatela de 100 mil reais (oportunidade), você sempre quis uma ferrari, é fascinado pela máquina (vontade), mas vendendo tudo o que tem não consegue juntar mais do que 45 mil. Falta a disponibilidade. Outro casal de amigos ganhou um cruzeiro em um navio turístico com direito a acompanhantes e convidou você (oportunidade), você tem mesmo uns dias de férias para tirar do trabalho (disponibilidade), mas a simples menção de um navio já te deixa verde de enjoo e tostar no sol no meio de madames que mais parecem um show-room de plásticas não é exatamente sua definição de diversão. Falta a vontade. Nos dois casos a ação não se efetiva, as mudanças não ocorrem se não houver o tripé vontade-oportunidade-disponibilidade.

Nunca fui muito chegado em grandes cidades (vontade), quando me mudei para São Paulo para estudar valeu muito a pena por causa da instituição formidável que havia me acolhido. Assim que terminei o mestrado (disponibilidade) não via a hora de sair da megalópole, mas primeiro tive uma oportunidade de emprego lá. Como não surgiam convites de outros lugares fui ficando, aprendi muito na vivência de sala de aula, no contato com os alunos e na experiência de estar empregado. Um dia, dois anos depois, descobri um concurso no Jornal da Ciência da SBPC para a Universidade do Estado de Mato Grosso, não vacilei. Me inscrevi, estudei feito um condenado e preparei documentos e aulas para a avaliação didática à exaustão. Surgira a oportunidade que eu tanto esperava.

jcsbpc.jpgAqui em Tangará da Serra a vida é bem mais pacata. Descobri isso no dia que comprei um sofá e foram entregar numa charrete puxada a burrinho! Com essa placidez toda de cidade do interior tenho mais tempo para cuidar de mim mesmo, mais tranquilidade (Outro dia deixei o carro aberto na frente de casa a noite inteira e na manhã seguinte ele estava lá do mesmo jeito, só meio úmido de orvalho.) e bem menos estresse. Claro que sinto falta de um monte de coisas da cidade grande. Adoro teatro, era habitué no Espaço Unibanco, adorava o agito dos barzinhos com música ao vivo e a excelente gastronomia e às vezes ia a grandes shows. Mas o custo do dia-a-dia de tensões não suplantava o benefício dos fins de semana culturais. Fora que nada que uma visita esporádica a Brasília, Rio e São Paulo não resolvam para imergir nos prazeres metropolitanos.

 

tangara.jpg

Lar, doce lar

Além disso, os grandes centros urbanos estão ficando saturados de cientistas. Basta ver quantos catedráticos de boas universidades se aposentam por ano e quantos recém-formados são despejados no mercado. É desproporcional, a saída é mesmo ir em busca de novos habitats, migrar. Ouvia muita gente dizer que aqui seria ruim porque não tem estrutura, que a universidade é muito nova. Não deixa de ser verdade, a UNEMAT ainda tem muito o que crescer em nome e estrutura, só não sei se isso é um defeito. Só de imaginar que eu sou o único etólogo da instituição já fico quase me sentindo um Cesar Ades, sou pioneiro da etologia na UNEMAT. As grandes universidades também tiveram seu começo, aposto que em algum recôndito da USP já houve uma bancada de laboratório feita com uma porta como aqui.

Realmente acredito que os aspirantes a acadêmicos que estão em processo de formação e visitam este blog (e a tirar pelos comentários são muitos) devem pensar nisso e preparar-se para descentralizar a ciência do país. Só haverá pesquisa de boa qualidade fora dos grandes centros à medida que bons cientistas venham e mantenham seu bom trabalho aqui no interior.

Para ficar sempre por dentro dos concursos públicos para professor universitário visite regularmente o site do Universia e assine o Jornal da Ciência. Outra dica que me ajudou foi cuidar sempre bem do meu currículo Lattes e manter numa pasta os documentos para comprovar tudo o que está lá, coisa que sempre é pedida nos concursos.

Pensamento de segunda

“Esse é o caminho para… para… Esse é o Caminho! Usar letras maiúsculas é sempre uma boa saída para lidar coisas para as quais não se tem uma boa resposta.” (Douglas N. Adams)

Aves respiram mais eficientemente

Toda vez me vejo às voltas para explicar o funcionamento dos sacos aéreos em aves. Como não tenho um projetor multimidia disponível para todas as aulas coisas dinâmicas ficam difíceis de serem visualizadas. Por isso prometi aos meus alunos que colocaria aqui o link para uma animação simples ilustrando o funcionamento dessas estruturas que tornam as trocas gasosas nas aves muito mais eficientes do que nós, tetrápodes mais plesiomórficos. O link segue abaixo:
http://www.sci.sdsu.edu/multimedia/birdlungs/
PS: Depois de postado o texto recebi o comentário do Karl, do Ecce Medicus. Tinha deixado passar o post dele, recente e com mais ou menos o mesmo tema. O texto enfoca um dos aspectos que acho mais interessantes na evolução que são as “gambiarras evolutivas” tecnicamente conhecidas como exaptações, verdadeiras evidências em contrário a um designer inteligente. Não deixem de visitá-lo clicando aqui, aliás, não deixem de ler a série toda da qual este post faz parte.

Pensamento de segunda

“Uma vez me perguntaram o que eu faria se o médico me dissesse que só tenho mais seis meses de vida. Digitaria mais rápido, respondi.” (Isaac Asimov)

Cientista bom não morre, entra para a história

Entrou para a história hoje, aos 89 anos, o cientista Crodowaldo Pavan. Pavan, um de meus avós acadêmicos (orientador de minha primeira orientadora), foi pioneiro na genética do Brasil imergindo na biologia molecular poucos anos depois da descoberta do DNA por Watson e Crick. Pavan descobriu em uma espécie de moscas brasileiras que a quantidade de DNA nas células aumenta independente da divisão celular, formando o que Pavan chamou de um pufe. A participação dele como meu avô acadêmico não foi assim tão direta, ele orientou um trabalho com peixes de caverna, algo bastante fora de seu escopo. Mas isso só mostra sua versatilidade. Ele foi presidente da SBPC e do CNPq na década de 80, trabalhou na Universidade do Texas e até recentemente ainda era muito ativo nos laboratórios do ICB da USP e na Associação Brasileira de Divulgação Científica. Uma máquina! O mundo decidiu que a ciência brasileira precisava tanto de mais Pavan que suas células começaram a se multiplicar incessantemente. Pavan foi vítima de um câncer.

Obtido em www.faculty.uca.edu

Pavan nasceu como biólogo na convivência com André Dreyfus, catedrático da genética na Biologia da USP, sob a orientação de Theodozius Dobzhansky e como bolsista da fundação Rockefeller. Minha lembrança dele é de um professor polêmico e apaixonado. Cada ensinamento nascia de longos causos que nós alunos quase nunca imaginávamos onde iria dar, mas que sempre carregavam uma moral da história. Não se controlava muito em suas opiniões sobre o que discordava e não poupava neurônios para construir críticas. Um dos principais desdobramentos da biologia molecular, por exemplo, a genômica, era atacada por Pavan sem dó. “Sem uma pergunta e uma hipótese não há ciência.” Dizia ele, “e a genômica se atem a descrever sequências genéticas.” Não posso deixar de concordar, assim como listar espécies ou comportamentos não é ciência.
Boa noite, Pavan. Obrigado por tudo o que nos deixou. Durma bem.