O que o comportamento animal tem a dizer sobre delações?
Será que o comportamento animal pode nos dizer algo sobre a operação Lava Jato? Outro dia conversava com o colega Ricardo Machado sobre como a Biologia pode nos ajudar a compreender diversos fenômenos. Um exemplo é a delação premiada dos executivos da Odebrecht, que me lembrou um assunto comum no estudo da socialidade, o dilema do prisioneiro.
O poder do nós também pode ser egoísta
A vida em sociedade é importante para muitas espécies, incluindo, e especialmente, nós humanos. Somos uma espécie altamente social, cuja vida depende muito de outros membros da nossa sociedade. Sempre me ocorre isso quando vejo esses filmes de catástrofes. Tente imaginar, por exemplo, sua vida sem o agricultor que planta trigo ou sem o técnico responsável por manter funcionando sua linha de provisão de energia elétrica. Vivemos numa sociedade com especialização dos trabalhos.
Recentemente voltou à tona uma discussão que se considerava havia muito enterrada num artigo na Nature. A pergunta que intriga é, por que dedicar os seus esforços para realizar uma atividade que não irá te trazer um benefício direto? Por que ser altruísta?
Biólogos até a década de 1960 sustentavam que a evolução privilegiava ações de indivíduos que agissem pelo bem da espécie. No entanto, uma análise mais detalhada demonstrou que esses comportamentos dificilmente se sustentariam se o indivíduo infligisse a si um prejuízo para beneficiar seus pares. O prejuízo auto-infligido se converteria numa punição evolutiva, menos filhos herdando o hábito de ajudar os outros. Já o benefício oferecido pelo altruísta se converteria em mais descendentes para aqueles que não fossem generosos, rapidamente diminuindo na população o hábito de ajudar a qualquer preço.
No início do mês um pedreiro de Catalão, Goiás, encontrou uma pasta com 50 mil reais. Ele levaria 2 anos para ganhar esse valor, mas não teve dúvida, devolveu o dinheiro aos donos. Se a evolução privilegia o egoísmo, por que é que não vivemos numa sociedade de aproveitadores perversos? Por que é que vemos rotineiramente atos de generosidade como esse?
Acredita-se que a resposta esteja em benefícios indiretos. O ato altruísta pode gerar um prejuízo a quem o realiza de imediato, mas, se no futuro ele resultar em benefício, já se justificará. Esse benefício pode vir na forma de reciprocidade. A escola dona dos 50 mil encontrados pelo pedreiro lhe ofereceu em retribuição uma bolsa para o filho, estimo isso em uns 12 mil reais por ano, mais do que o dinheiro devolvido se o menino cursar do 5º ao 9º ano ali.
Mas e essas generosidades cujo receptor nunca fica sabendo quem o beneficiou? Receptores de sangue nunca ficam sabendo quem o doou. Como retribuir o favor? Muitas vezes quem retribui o favor, nesse caso, são os outros. Aqui na UNEMAT doador de sangue ganha isenção nas taxas de todos os concursos estaduais. Num experimento, pessoas identificadas como generosas receberam mais ajuda de estranhos do que pessoas sem essa característica. É o que chamamos de reciprocidade indireta.
Recentemente alguns pesquisadores têm tentado trazer de volta a seleção de grupo. Eles sugerem que dentro de um grupo de generosos, um egoísta seria privilegiado. No entanto, quando grupos são postos a competir, os mais generosos tendem a se dar melhor. Por isso os autores chamaram esse processo de seleção multinível, embora ela represente basicamente a seleção de grupo.
O problema é que esse conceito não contribui em nada mais do que a seleção sobre o indivíduo. Sim, grupos mais coesos superarão competitivamente os mais egoístas. Mas isso porque os indivíduos desses grupos se darão melhor. A unidade de atuação da seleção natural continua sendo o indivíduo e não o grupo.
A ressurreição da seleção de grupo reanimou a esperança numa natureza intrinsecamente altruísta1,2 e 3, especialmente em espécies sociais como a nossa. De fato, só a ação sinérgica de muitos indivíduos seria capaz de nos dar um poder maior do que a soma de cada um. No entanto, esse processo pode sim ser guiado por interesses pessoais e ainda assim trazer um benefício geral. Não é necessário que haja um altruísmo desprendido e cego, até evolutivamente perigoso, para que vivamos em uma sociedade forte e generosa.