Publicado
15 de out de 2012
Este post é parte do Blog Action Day
A vida em sociedade é importante para muitas espécies, incluindo, e especialmente, nós humanos. Somos uma espécie altamente social, cuja vida depende muito de outros membros da nossa sociedade. Sempre me ocorre isso quando vejo esses filmes de catástrofes. Tente imaginar, por exemplo, sua vida sem o agricultor que planta trigo ou sem o técnico responsável por manter funcionando sua linha de provisão de energia elétrica. Vivemos numa sociedade com especialização dos trabalhos.
A união faz a força, mesmo que cada um esteja lá por interesse próprio.
Recentemente voltou à tona uma discussão que se considerava havia muito enterrada num artigo na Nature. A pergunta que intriga é, por que dedicar os seus esforços para realizar uma atividade que não irá te trazer um benefício direto? Por que ser altruísta?
Biólogos até a década de 1960 sustentavam que a evolução privilegiava ações de indivíduos que agissem pelo bem da espécie. No entanto, uma análise mais detalhada demonstrou que esses comportamentos dificilmente se sustentariam se o indivíduo infligisse a si um prejuízo para beneficiar seus pares. O prejuízo auto-infligido se converteria numa punição evolutiva, menos filhos herdando o hábito de ajudar os outros. Já o benefício oferecido pelo altruísta se converteria em mais descendentes para aqueles que não fossem generosos, rapidamente diminuindo na população o hábito de ajudar a qualquer preço.
Um ato altruísta tende a ser retribuído
No início do mês um pedreiro de Catalão, Goiás, encontrou uma pasta com 50 mil reais. Ele levaria 2 anos para ganhar esse valor, mas não teve dúvida, devolveu o dinheiro aos donos. Se a evolução privilegia o egoísmo, por que é que não vivemos numa sociedade de aproveitadores perversos? Por que é que vemos rotineiramente atos de generosidade como esse?
Acredita-se que a resposta esteja em benefícios indiretos. O ato altruísta pode gerar um prejuízo a quem o realiza de imediato, mas, se no futuro ele resultar em benefício, já se justificará. Esse benefício pode vir na forma de reciprocidade. A escola dona dos 50 mil encontrados pelo pedreiro lhe ofereceu em retribuição uma bolsa para o filho, estimo isso em uns 12 mil reais por ano, mais do que o dinheiro devolvido se o menino cursar do 5º ao 9º ano ali.
Mas e essas generosidades cujo receptor nunca fica sabendo quem o beneficiou? Receptores de sangue nunca ficam sabendo quem o doou. Como retribuir o favor? Muitas vezes quem retribui o favor, nesse caso, são os outros. Aqui na UNEMAT doador de sangue ganha isenção nas taxas de todos os concursos estaduais. Num experimento, pessoas identificadas como generosas receberam mais ajuda de estranhos do que pessoas sem essa característica. É o que chamamos de reciprocidade indireta.
Recentemente alguns pesquisadores têm tentado trazer de volta a seleção de grupo. Eles sugerem que dentro de um grupo de generosos, um egoísta seria privilegiado. No entanto, quando grupos são postos a competir, os mais generosos tendem a se dar melhor. Por isso os autores chamaram esse processo de seleção multinível, embora ela represente basicamente a seleção de grupo.
O problema é que esse conceito não contribui em nada mais do que a seleção sobre o indivíduo. Sim, grupos mais coesos superarão competitivamente os mais egoístas. Mas isso porque os indivíduos desses grupos se darão melhor. A unidade de atuação da seleção natural continua sendo o indivíduo e não o grupo.
Um por todos e todos por um, uma hora chega a sua vez de ser ajudado.
A ressurreição da seleção de grupo reanimou a esperança numa natureza intrinsecamente altruísta1,2 e 3, especialmente em espécies sociais como a nossa. De fato, só a ação sinérgica de muitos indivíduos seria capaz de nos dar um poder maior do que a soma de cada um. No entanto, esse processo pode sim ser guiado por interesses pessoais e ainda assim trazer um benefício geral. Não é necessário que haja um altruísmo desprendido e cego, até evolutivamente perigoso, para que vivamos em uma sociedade forte e generosa.
Publicado
15 de out de 2010
à Lala, por tudo o que me ensinou sobre ecologia de riachos tropicais.
Como habitualmente desfilo de roupa de neoprene, snorkel e máscara segurando na mão minha câmera sub e uma prancheta e lápis sob o olhar curioso dos turistas. É mais um dia de trabalho no meu escritório favorito, os rios de Nobres em Mato Grosso. Coloco os pés na água e sinto-a gelada entrando nas botas de neoprene, presas na prancheta estão planilhas à prova de água para anotação do comportamento dos peixes em uma estância turística de rios com águas cristalinas a aflorar do meio das rochas calcárias. Este é meu doutorado.
Nascente do rio Salobras, meu Éden pessoal
No Rio Salobras os proprietários das atrações turísticas, Toninho e Kleber, foram atenciosos com a preservação do local como sempre são comigo, há guias para acompanhar os turistas e evitar maiores danos ambientais e a mata ciliar está completamente íntegra. Termino de entrar no rio e flutuo por alguns instantes enquanto a atividade dos peixes retoma seu ritmo natural. Ao molhar os ouvidos um silêncio tranquilo me invade, posso mesmo divisar o ruido rascante de um curimba abocanhando bocados de areia. A água é de um azul indescritível e trasparente como se não estivesse ali. Uma profusão de pequenas jóias me cerca. Sei que a maioria delas passa despercebida pelos visitantes, mais interessados nas grandes piraputangas e dourados, mas cardumes de lambaris, mato-grossos, moenkhausias e piabas rodeiam meu corpo. Afundo pela primeira vez em busca de casais de carás e joaninhas (o peixe, não o besouro), mas em seu lugar encontro cascudos e uma traira muito bem camuflada.
Cámbia. Todo cámbia.
Ao retornar para a superfície me detenho e tento uma fotografia de uma piraputanga vista do fundo. Lá em cima estão as copas das árvores de onde boa parte da energia deste ecossistema vem. Ao colocar o snorkel para fora e retomar o fôlego, acompanho um grupo de piaus e piraputangas descerem o rio e me recordo ter escutado um bando de macacos prego forrageando antes de entrar na água. Estes peixes aguardam que os primatas bagunceiros derrubem parte de seu alimento no rio para então comê-lo.
A água, os peixes, a mata, o rio, os macacos, as rochas. Subitamente sinto-me pequeno, mas ainda assim uma peça no mais intrincado quebra-cabeças existente. O quebra-cabeças das interações ecológicas.