O peixe que enrubesce

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Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

– Dra., sou um peixe muito tímido, não gosto de ficar nadando por aí aos cardumes. Meu negócio é o meu território, quieto e reservado. – Disse o peixinho que atendia pelo nome de Apistogramma hippolytae com seus olhos escuros e uma longa linha preta desde a cabeça até uma pinta na cauda.

– E isso te incomoda? – A voz era doce, mas vinha de algum ponto invisível, ligeiramente escuro atrás do divã.

– Não, de forma alguma. O que me incomoda é que vivem a me tirar sarro porque meus colegas de igarapé dizem que sou um transparente!

– Transparente? – Ecoou a analista.

– Não é que eu seja de fato transparente, antes o fosse. É justo o contrário! Sou transparente nas emoções, só de me olhar qualquer um já sabe o que se passa na minha alma. Se estou com preguiça todo mundo sabe, se me interesso por uma garota ou fico bravo com alguém já me dizem que está na cara.

– Entendo – prosseguiu a voz – Você é transparente porque é colorido.

– Isso! Quer dizer, não. Ah, Dra. não queria me expor tanto. Mas o que posso fazer? – Agora o peixinho, visivelmente irritado, tinha os olhos claros e listras verticais meio azuladas.

– E porque você muda de cor então? – disse a Dra. com sua voz mais suave.

– Ora, não mudo de propósito, simplesmente não posso fazer nada. É como se eu precisasse sair por aí alardeando meus sentimentos. Eu suponho que deixar claro para os outros o que sinto pode me ser útil de vez em quando.

– Como assim?

– Bom, se entro em um debate com outro peixe e de repente começo a me irritar, mudo de cor e ele logo percebe. Aí, se não quiser briga, ele pode parar de me encher e evitar levar umas bolachas. Assim ninguém se machuca, né. – disse o peixe, agora novamente mais pálido.

– E você é o único a mudar de cor? – Perguntou a Dra.

– Não, na verdade, sabe que adoro quando estou com uma garota e percebo que ela está toda listradinha de amor, piscando para mim seus olhinhos escuros. Me faz ter mais confiança de que o meu xaveco está colando. – O peixinho agora sorria com uma tonalidade amarelada com uma pinta na cauda, os olhos escuros continuados até o queixo em uma linha.

– Então essa história de mudar de cor não é assim tão ruim? – Perguntou também com um sorriso sensual a Dra.

– É, acho que não. Obrigado, Dra.

 

Rodrigues, R., Carvalho, L., Zuanon, J., & Del-Claro, K. (2009). Color changing and behavioral context in the Amazonian Dwarf Cichlid Apistogramma hippolytae (Perciformes) Neotropical Ichthyology, 7 (4) DOI: 10.1590/S1679-62252009000400013

 

peixe enrubesce

Tudo bem, enrubescer era só uma metáfora

Fonte: http://www.scielo.br/pdf/ni/v7n4/a13v7n4.pdf