Vivendo na Merda

Aqui na UNEMAT estamos em plena realização do Ciclo de Estudos de Biologia de Tangará da Serra – BIOTA. Todo dia temos palestras e mini-cursos, pessoas novas de instituições distantes para interagir com nossos acadêmicos (e nós mesmos) e abrir novos horizontes. Muito ricas estas experiências! Nos fazem ver o quão pouco sabemos, o tanto de coisas legais que há para explorar fora daquilo que já pesquisamos.

 

Numa dessas esta tarde fui assistir a uma palestra sobre caracteres comportamentais e sistemática filogenética. O convidado, Fernando Vaz de Mello, da UFMT, tem se especializado em besouros rola-bosta e sua empolgação com o modelo é, digamos, contagiante. Esta subfamília de besouros, os Scarabeinae, utilizam fezes como seu principal recurso alimentar, assim como fonte de nutrientes dos filhotes. Algumas espécies retiram um pedaço de esterco, moldam-no em uma esfera, e vão rolando até um local onde enterram-na, remodelam-na, ovipositam ali dentro e podem permanecer ali para cuidar dos filhotes, são os chamados telecoprídeos. Outro grupo, o dos paracoprídeos, escava galerias sob o monte de merda preenchendo-as do recurso e colocando ali seus ovinhos. O último grupo deposita seus ovos em esferas de esterco dentro da própria montanha de esterco, são os endocoprídeos. À parte estão diversas variações destes comportamentos, como carregar o esterco sem rolá-lo, simplesmente depositar os ovos sem fazer bolinha nenhuma ou até trocar a bosta por uma apetitosa içá ou um emaranhado de plumas. Como etólogo meu instinto ficou ouriçado para saber mais sobre os bichinhos de hábito de vida tão peculiar.

 

rolabosta

Poucos animais são escultores tão hábeis…

ou escolhem matéria prima mais duvidosa

fonte: www.insecta.ufv.br

 

A despeito destes besouros viverem na merda literalmente, eles estão melhores do que muitas espécies por aí. Afinal, seu nicho, pelo menos no que se refere à dieta, não está escasso de forma alguma. Pior está a onça-pintada de outra palestrante, a Natália Mundim Tôrres da UFG, em que cada indivíduo necessita para viver de uma área preservada de 100 km² ou mais, dependendo da densidade de presas disponíveis a ela. Neste ponto bem estão os rola-bostas, se há onças eles chafurdam na bosta dela. Se só restaram suas presas, lá vão eles pro cocô da capivara. Se nem isso a agropecuária deixou, que se pode fazer? chafurdam os besouros na merda de vaca! Não há tempo ruim pra quem já vive na merda. Ou quem sabe a escolha evolutiva do grupo não seja tão má assim. Os bichinhos capricham tanto em suas esferinhas e as levam com tamanha destreza que dá gosto de ver (de nariz tampado, claro).

 

A Biologia é mesmo assim, linda em cada detalhe, desde que nos dêmos tempo para olhar. Tudo vale a pena se a idéia não é pequena.

 

E falando em poesia, lembrei de uma escrita pelo Paulo Robson de Souza, biólogo, no livro Poesia Animal que transcrevo um pedaço abaixo:

 

A peleja do Rola-bosta com a Formiga fazendeira

 

Era uma tarde após a chuva.

Um besourão empurrava

esterco sem usar luvas.

sem querer, deu um esbarrão

numa formiga saúva.

 

Que que é isso, meu amigo?!

– disse a formiga, espantada- ,

na sua cabeça chifruda

tens esta merda rolada?

Seu comedor de cocô!

Quer partir para a porrada?