O adaptativo é ser feliz e mais nada
Outro dia li um artigo do Alex Leal, Editor do jornal Rir & Pensar, uma edição independente distribuída gratuitamente em Brasília, intitulado “O bom é ser feliz e mais nada”. No artigo o Alex se remete a outro publicado na Time pelo Robert Wright, autor de uma das pedras angulares da Psicologia Evolucionista: “O animal Moral”.
Em seu artigo, Wright propõe que tudo o que nos faz feliz assim é por representar uma vantagem adaptativa, ou seja, favorecer nossa sobrevivência, redução dos custos energéticos para realizar tarefas ou acesso à reprodução. Assim, uma bela refeição nos alegra porque nutre e dá energia para encararmos a vida, sexo deixa feliz porque pode levar à reprodução, conseguir um emprego melhor deixa feliz porque vemos nele um salário melhor (sobrevivência), redução das pressões do emprego anterior (redução de custos) e quem sabe até umas colegas de trabalho gostosas (reprodução). De fato, existe uma parte de nosso cérebro responsável exclusivamente pelo mecanismo de recompensas, é a amigdala. Comemos um doce, a amígdala recompensa; beijamos na boca, a amigdala recompensa; corremos, de novo a amígdala; ganhamos dinheiro numa máquina caça-níquel; lá está ela de novo. Aí surgem os desvios, todo vício é uma exacerbação de uma amígdala ansiosa. Obesidade, drogadição, obsessões, todos são resultados desse mecanismo de recompensa nos levando a repetir comportamentos que causaram a felicidade uma vez.
No artigo da Rir & Pensar o Alex protesta que este mecanismo não explica tudo, porém, ele elenca dois exemplos: um homem que permanece fiel a seu time mesmo que ele perca repetidamente e uma mulher que mesmo com calos e dores nas pernas continua usando seu salto alto. Acontece, Alex, que os mecanismos de recompensa não são tão óbvios às vezes. Talvez a maioria das vezes! Isso que nos faz tão interessantes.
Vamos começar pelo exemplo do salto alto, apesar dele causar dor e calos ele gera também dois efeitos, torna a mulher mais alta e aumenta seu bumbum. Ao ficar mais alta uma mulher pode sobressair entre as outras, atraindo o olhar e interesse de um parceiro potencial. Quanto mais pretendentes uma mulher tem, mais opções ela terá para escolher. Nem preciso enfatizar muito o efeito dos saltos sobre o traseiro, né. É que apoiar-se na ponta dos pés faz a mulher projetar-se para a frente, esse desvio postural tem que ser compensado por uma curva mais acentuada na lombar, a famosa lordose, o que resulta em um derrière mais empinado, fator aparentemente utilizado por nós homens para averiguar a idade de uma pretendente, e quanto mais nova, mais fértil. Está favorecido aí o uso do salto alto a despeito de seus custos em dores e calos. Alex, não se preocupe, continuaremos sendo enganados, no último encontro de etologia assisti uma palestra sobre a avaliação da idade de mulheres no qual a pesquisadora sugeriu que (estudos ainda em fase preliminar) determinadas cores de batom podem disfarçar a idade das bocas que o portam.
E quanto ao time de futebol que só perde, mas continuamos fiéis? Bem, primeiro devemos nos perguntar o que é um jogo de futebol. Há um ensaio incrível num dos últimos livros de Carl Sagan no qual ele compara esportes de equipe com guerras ritualizadas. A copa do mundo é uma guerra ritualística em que várias nações se enfrentam e apenas uma sai vencedora, mas é uma guerra segura, sem mortos ou feridos (graves). Uma outra pesquisa feita pelo Instituto de Psicologia Aplicada de Portugal comparou a quantidade de testosterona, o hormônio da agressividade, entre jogadores prestes a entrar em campo e soldados prestes a irem para o front, convenientemente semelhantes. Agora imagine que sua tribo vai a uma guerra, perde uma, duas, dez batalhas, de repente você troca sua tribo derrotada por outra invicta. Não se faz isso, isso não deixa ninguém feliz! Não deixa feliz pelo fato de sermos uma espécie altamente social, dependemos do grupo para a nossa sobrevivência, e virar a casaca assim pode nos trazer grandes problemas com o grupo. Assim, mesmo que nosso time do coração só nos dê desgostos, o fato de não sofrermos sozinhos, de partilharmos nossa dor e podermos contar com outros malfadados como nós nos deixa felizes. Precisamos pertencer a grupos para sermos felizes, nem que seja um grupo de pessoas que apóia um determinado exército numa guerra ritualizada em que a vitória significa colocar um objeto esférico o maior número de vezes dentro de uma área retangular guardada pelo inimigo.
Há coisas muito mais estranhas que nos deixam felizes e lógicas ainda mais retorcidas para identificar qual a vantagem de termos prazer naquilo. Correr 41,2 km dá prazer porque, a princípio, se esforçar fisicamente significava abater mais caças e ter mais alimento. Andar de montanha-russa dá prazer depois que saímos dela porque passamos próximo da morte, mas sobrevivemos. Esses dias um amigo voltou de viagem todo alegre porque tinha acabado de tirar seu pós-doutorado. A titulação não lhe conferiria um salário maior, outro emprego, não favoreceria significativamente a conquista de recursos, era apenas uma patente. Mas a patente é um símbolo carregado de significados, aquele diploma em pele de cabra emoldurado em seu laboratório reconhece a sua tenacidade, sua experiência e sua inteligência, isso sim é felicidade.
Alex, independente de ser adaptativo ou não, o bom é ser feliz. A esperança e a fé são desejos da amígdala de voltar a ter aquele tesão que uma vez nos ocorreu por um coquetel de neurotransmissores que nos invadiram o sistema nervoso, aquele barato licérgico auto-produzido. Repetimos as alavancas que nos deixam felizes, evitamos as que nos deixam tristes. Somos todos ratinhos em uma caixa de Skinner sentimental, sim, mas isto não tira o mérito de nossas alegrias.