Memórias do cárcere

A restrição da liberdade é uma das formas de punição mais distribuídas nas sociedades humanas, mas também a aplicamos constantemente a animais nos jardins zoológicos. Entre os humanos a reclusão é um estímulo aversivo que pretende inibir determinados comportamentos inaceitáveis, mesmo assim os presos têm seus direitos e até sabem se organizar para fazer exigências, como mostra o filme “Salve Geral” que assisti este final de semana. Já os animais de zoológico, que nada fizeram contra a sociedade, são mantidos em cativeiro com pelo menos três funções:

  1. Preservação ex situ de animais silvestres, ou seja, a manutenção de alguns exemplares protegidos, mesmo que fora de seu ambiente natural.
  2. Possibilidade de pesquisar animais raros ou pouco afeitos ao contato humano.
  3. Ferramenta de educação ambiental para a sociedade aprender a cuidar dos que permanecem em liberdade.

 

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Onças do zoo da UFMT tomando um delicioso picolé de sangue e vísceras nos fundos do seu recinto

 

Assim, é fundamental que os animais ali mantidos tenham a oportunidade de viver da forma mais salutar que a perda da liberdade pode oferecer-lhes. Estas condições de vida ideais são básicas para assegurar os três objetivos mencionados acima, muito embora apenas bem recentemente tenha-se começado a pesquisar formas de proporcionar bem-estar em cativeiro. A principal linha de esforços neste sentido é o enriquecimento ambiental, um tipo de terapia ocupacional para animais cativos. Estas técnicas procuram atiçar os sentidos, entreter cognitiva ou socialmente, desafiar espacialmente ou variar a alimentação dos animais e tem sido utilizada amplamente por zoológicos, mas também em aquários públicos (siiiim, enriquecimento ambiental para polvos e raias!) e a cobaias de laboratório.

 

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Chimpanzé em Curitiba “lê” para afastar o estresse

Fonte: www.uol.com.br/sciam

 

Duas instituições estão em momentos diferentes deste processo por aqui. A Scientific American Brasil publicou recentemente um artigo sobre os trabalhos já bem estabelecidos no Zoológico de Curitiba para enriquecer o cativeiro de répteis, onças e lobos-guará. Segundo o artigo esta iniciativa já atinge 1400 animais ali expostos e reduziu sobremaneira as ocorrências veterinárias entre os animais. A outra face da moeda está no zoológico da UFMT, em Cuiabá, onde meus alunos e eu acabamos de publicar um artigo pela Shape of Enrichment, a maior organização de enriquecimento ambiental de que tenho notícia, sugerindo técnicas de enriquecimento para onças pintadas em um clima muito quente. Por aqui ainda temos muito o que caminhar, mas a interação com os bichos tão íntima como é nos trabalhos de enriquecimento ambiental e o interesse do pessoal da UFMT tornam o caminho muito prazeroso.

 

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Esta pauta foi gentilmente sugerida pela Scientific American Brasil.