Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos (2)
(Continuação)
Para além do cada vez maior número de espécies que todos os anos são descritas e publicadas, existem áreas da Paleontologia de dinossauros que não lidam directamente com a classificação e descrição de novas espécies. Esse grupo de conhecimentos resulta, por vezes, de campos do conhecimento directamente relacionados com o ser humano, como a Medicina, e envolvem cientistas que nunca antes imaginaram poder investigar restos fossilizados.
O enorme fascínio que a maioria das pessoas tem pelos dinossauros, bem como o facto de sermos animais essencialmente visuais, originaram que uma das áreas científicas que tivesse nos últimos anos uma grande aplicação na Paleontologia fosse a Imagiologia.
Recriar, reconstituir e simular quase todos os aspectos do corpo destes animais parece ser a grande “moda” entre os dinossaurólogos. A cada vez maior difusão e o cada vez menor custo dos equipamentos que permitem virtualizar e analisar com maior detalhe os restos fossilizados têm contribuído para esta tendência científica.
Um conjunto de técnicas de análise de resistência de materiais, inicialmente utilizadas na engenharia e genericamente denominadas Análise de Elementos Finitos, tem sido aplicada em fósseis de dinossauro.
Os trabalhos de Emily Rayfield [3], têm permitido, por exemplo, conhecer que áreas da mandíbula do Allosaurus estariam sujeitas a maiores tensões quando este carnívoro atacasse uma presa. Esse conhecimento sobre as forças associadas a uma mordidela permitem que os paleontólogos infiram padrões de comportamento de ataque, contribuindo, por exemplo, para que o modo de vida destes animais seja melhor compreendido.
Uma outra área em que a imagem tridimensional dos fósseis tem sido utilizada é a da reconstituição de áreas de tecido que não ficaram preservadas. Zonas do cérebro ou do ouvido interno dos dinossauros têm sido profusamente analisadas pela equipa de Larry Witmer [5].
Este investigador tem utilizado a ressonância magnética como metodologia de visualização e posterior análise funcional, procurando, por comparação e analogia com grupos de animais actuais e filogeneticamente próximos, reconstituir áreas do sistema nervoso destes animais. Incógnitas como o tamanho e funções cerebrais de vários dinossauros, ou mesmo a sua capacidade olfactiva, a postura do crâneo ou mesmo a capacidade de equilíbrio, têm sido estudadas pela equipa deste investigador da Universidade do Ohio. Todas as informações neurológicas, até há poucos anos absolutamente inacessíveis sem as técnicas imagiológicas descritas, contribuem para a diversificação do conhecimento sobre os dinossauros, bem como para a inferência de padrões de comportamento nestes animais até aqui desconhecidos.
Sendo a capacidade de se movimentar um dos factores de sucesso evolutivo da maioria dos animais, compreender a locomoção é fundamental para se perceber como é que os dinossauros ocuparam a maioria dos ecossistemas terrestres durante centenas de milhões de anos.
A verdadeira capacidade física de músculos e tendões é uma das questões biológicas que tem sido explorada pelo Laboratório de Locomoção Animal da Faculdade de Medicina Veterinária de Londres. Para além da compreensão do modo como os animais actuais se movimentam, John Hutchison e a sua equipa têm liderado estudos de locomoção em vários grupos de dinossauros [6]. A reconstituição e simulação da anatomia locomotora destes animais têm sofrido um estudo aprofundado por parte desta equipa, contribuindo para, por exemplo, se especular se o T. rex teria ou não a capacidade de corrida que os filmes de Steven Spielberg vulgarizaram.
Segundo estes autores, parece que a corrida do grande dinossauro terá sido bastante ampliada por Hollywood [7].
Para além das novas tecnologias ao serviço de uma ciência que lida com seres com milhões de anos, têm sido igualmente importantes as novas descobertas de fósseis de uma das linhas evolutivas dos dinossauros: as aves.
Falaremos disso no próximo post.
Referências:
[3] Rayfield, E. (2004). Cranial mechanics and feeding in Tyrannosaurus rex Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 271 (1547), 1451-1459 DOI: 10.1098/rspb.2004.2755
Rayfield, E. (2007). Finite Element Analysis and Understanding the Biomechanics and Evolution of Living and Fossil Organisms Annual Review of Earth and Planetary Sciences, 35 (1), 541-576 DOI: 10.1146/annurev.earth.35.031306.140104
[5] Witmer, L.M, Ridgely R.C, Dufeau, D.L & Semones, M.C. 2008. Using CT to peer into the past: 3D visualization of the brain and ear regions of birds, crocodiles, and nonavian dinosaurs. pp. 67-88. In Anatomical imaging: towards a new morphology Endo, H. & Frey. R. (eds.). Tokyo, Japan:Springer.
[6] Hutchinson JR, & Gatesy SM (2006). Dinosaur locomotion: beyond the bones. Nature, 440 (7082), 292-4 PMID: 16541062
[7] Hutchinson, J.R. & Garcia M. 2002. Tyrannosaurus was not a fast runner. Nature 415: 1018-1021.
Imagens (numeração continuada do post anterior):
Figura 3) Representações do esqueleto craneal e estruturas cerebrais de vários exemplares de Amniota – dados obtidos a partir tomografia axial computadorizada (TAC). Imagem do Laboratório de Larry Witmer, Universidade do Ohio.
Figura 4) Modelo tridimensional de Análise de Elementos Finitos de Allosaurus. Adaptado [3].
Figura 5) Elefante asiático utilizado em trabalho laboratorial de locomoção. Imagem adaptada de Structure and Motion Laboratory, Royal Veterinary College.
Dinossauros no Ceará
Informação recebida de Hebert Bruno Campos.
Nota: ainda não tive o prazer de ler o livro.
“SINOPSE
A Bacia Sedimentar do Araripe (Cretáceo Inferior) do Nordeste do Brasil possui uma importante fauna de arcossauros, que inclui aves, crocodiliformes, dinossauros e pterossauros. Atualmente são mais de 30 espécies conhecidas, distribuídas nas formações Crato e Santana (Aptiano-Albiano).
O livro inicia-se com o prefácio do Dr. Eberhard Frey, do Museu Nacional de História Natural de Karlsruhe, Alemanha – um dos mais reconhecidos pesquisadores da fauna de arcossauros da Bacia do Araripe. Segue com a apresentação do autor sobre alguns episódios de sua trajetória na Paleontologia do Araripe. DINOSSAUROS NO CEARÁ é ricamente ilustrado e com informações científicas a respeito dos fósseis de dinossauros, crocodiliformes, aves e pterossauros presentes nas rochas cretáceas das Bacias Crato e Santana do Nordeste brasileiro. Um livro essencial, organizado em 15 capítulos, com citações e lista de referências.
Nesse volume são apresentadas informações produzidas e coletadas ao longo de minhas pesquisas. É um livro acessível a todos os públicos, portanto, não o defino unicamente como “acadêmico” ou “para leigos”. É uma coletânea de conhecimento sobre o que a Paleontologia de Vertebrados produziu sobre esse grupo de animais do interior do Nordeste do Brasil, com comparação aos parentes relacionados encontrados em rochas sedimentares de outras regiões do planeta Terra.”
Ciência e os Media (com um dinossauro pelo meio)
O caso é simples (parecia).
Um titanossauro, que é um dinossauro saurópode e como eu (não) me canso de explicar em palestras e visitas “aqueles de cauda e pescoço compridos, herbívoros e quadrúpedes, os maiores entre os maiores…”, foi descoberto no Brasil.
Até aqui nada de extraordinariamente interessante.
O cozinhado mediático começa a apurar quando os paleontólogos afirmam, e ilustram, que este titanossauro apresenta um crânio muito bem conservado, facto que é muito raro neste grupo de saurópodes.
Mesmo raro.
Já babaria se a história não tivesse algo de emblemático dos tempos que correm nas relações entre media e cientistas.
Explico.
Até ser publicado numa revista científica, uma nova espécie de dinossauro está sujeita a um embargo noticioso, aparecendo ao mundo depois de ter visto a luz dos juízes científicos que avaliam a sua importância.
No caso deste novo dinossauro, o Tapuisaurus macedoi, o processo foi invertido – o jornal O Estado de São Paulo publicou a notícia (e uma foto, que também ilustra este post) mesmo antes de se saber em que revista iria ser publicada a sua história paleontológica.
Este “sacrilégio” resultou de conversas informais entre os paleontólogos Hussam Zaher e Alberto Carvalho e o jornalista Herton Escobar, tendo este último assegurado seguir os habituais procedimentos: publicar no jornal apenas depois de a publicação científica ter visto a luza do dia e o nome científico ter sido validado.
Mas, ainda falta perceber porquê, a notícia apareceu num canal televisivo brasileiro. E despoletou a publicação pelo jornal, que não queria perder o “furo” noticioso.
Depois vieram inúmeros mails públicos para o grupo de discussão de paleontologia de vertebrados, onde recolhi e acompanhei este “drama”, tentando explicar todo o imbróglio.
Resumindo a situação em que nos encontramos:
– os paleontólogos, em geral, e os que trabalham com saurópodes, em particular como é o meu caso, estão a salivar literalmente pelo publicação da descrição científica;
– os investigadores brasileiros devem estar a rezar para que a revista científica, sabe-se agora que será a PLoS One, não cancele a sua publicação, e algo danados com o jornalista;
– o jornalista deverá estar a rezar para que a história acabe bem caso contrário as suas fontes não o contactarão no futuro.
Enfim, uma história paleontológica, com muitos milhões de anos mas que revela também os dramas actuais das relações ciência e media…
Referências:
DINOSAUR Mailing List
Notícia de O Estado de São Paulo
Imagens:
O Estado de São Paulo
e daqui
Update 16/09/2010:
Entrevista de Alberto Carvalho.
Entrevista ao Diário de Aveiro e visitas às pegadas de dinossauro da Salema
A entrevista que dei ao jornal da minha cidade…Aveiro.
E algumas fotos de mais uma visita que orientei às pegadas de dinossauro da praia da Salema, organizada pelo Centro Ciência Viva de Lagos.
Imagens de Beatriz Tomás Oliveira.
Paleontólogos – José Luís Sanz
Um excelente cientista.
Um excelente paleontólogo.
Reproduzo aqui as palavras de agradecimento que lhe escrevi na minha tese:
“José Luis Sanz – por ter sido o primeiro que me aceitou no curso de Doctorado em Madrid, mesmo quando não me conhecia e tudo o levava a não o fazer. Por ter sido meu professor. Por ser um prazer ouvi-lo falar de tudo. Por ser um cinéfilo.”
Fonte original do vídeo:
daqui
II O canário do mineiro
Referências
existe vasta bibliografia referente a extinções em massa; recomendo sobretudo os trabalhos de Douglas Erwin, que há mais 15 anos teve a simpatia e modéstia de responder directamente a uma questão trivial de um estudante de licenciatura sobre …o estudante era eu; a questão tenho pudor em a revelar.
Imagens (dos dois posts e por ordem):
daqui, daqui, daqui, daqui, daqui e, finalmente daqui.
O canário do mineiro I
Blogs, dinos e derivados…
…e para quem não ouviu a conversa que Pedro Rolo Duarte foi capaz de manter comigo, fica aqui o arquivo.
Acima de tudo diverti-me (embora não pareça) e descobri que gostamos ambos do Fernando Alves, para além de que o Pedro foi das poucas pessoas que admite que deixar de fumar custa muito.
Ir
O trabalho científico, para o público em geral, é feito no recato de laboratórios e gabinetes. Um trabalho rotineiro, de pequenas ou grandes práticas, em ambientes idênticos, dia após dia.
No caso da Paleontologia de Vertebrados esses procedimentos podem ser iguais ao de qualquer investigador ou mesmo de qualquer profissional.
Mas também podem ser totalmente distintos.
Uma das componentes de um paleontólogo de vertebrados (mas não só) envolve a recolha de amostras dos animais que estudamos (ossos, na maioria das vezes, mas também dentes, pele, são analisadas pegadas, entre outros vestígios fossilizados).
A prospecção e recolha dos fósseis implica que o paleontólogo se tenha que deslocar às jazidas rochosas onde previamente já foram descobertos vestígios ou novas jazidas que, pelas características rochosas (litologia, idade, etc.), apresentem boas possibilidades de se mostrarem produtivas.
Em termos práticos os paleontólogos têm que ir para o campo!
Esse é uma dos elementos que a maioria dos paleontólogos mais aprecia e anima.
Para além do potencial profissional que pode implicar (novas espécies ou melhor e maior quantidade de material fossilizado) existe um lado inerente à sua actividade, e partilhado por outros cientistas das Ciências Naturais, que os enriquecem como pessoas.
Falo do contacto implícito com a Natureza.
Apesar de todas a contrariedades inerentes – por vezes estamos sem contactar a família várias semanas, sem nada de parecido sequer com um chuveiro, frios nocturnos e canícula insuportável diurna, comidas nem sempre com os standards gastronómicos… – existem experiências inolvidáveis.
Apenas alguns exemplos.
No segundo ano que estive na província de Neuquén, na Patagónia argentina, cheguei ao acampamento, a cerca de 150 km da povoação mais próxima, durante a noite (o diário da expedição foi já publicado n’O Primeiro de Janeiro).
Cerca das três da manhã e por motivos fisiológicos tive que deixar a tenda. Mal saí fui “assaltado” pela enormidade do céu estrelado que ao mesmo tempo me atraía e assustava. O céu parecia abarcar tudo, provocando quase uma sensação física de tão intenso e grande. Senti-me de uma pequenez extrema… Só pela vista deste céu a terrível viagem já havia valido a pena.
Durante o tempo que permaneci na Patagónia fui diversas vezes “atacado” pela beleza da paisagem, ao mesmo tempo inóspita e terrivelmente atraente; o nunca acabar da planície, o percebermos que somos tão pequenos…
Aliado a este lado atraente, que a maioria das pessoas facilmente entende e deseja, existe um outro – a camaradagem. Como referi, as condições de trabalho e de vida em expedições paleontológicas são as mais básicas que se pode imaginar. Apesar disso, surgem relações humanas de camaradagem e amizade que, noutros enquadramentos mais sofisticados, dificilmente poderiam nascer.
Em especial à noite, à volta de uma fogueira readquirem-se hábitos ancestrais esquecidos -contam-se histórias em grupo, fazem-se silêncios enquanto crepita o fogo, esquecem-se hierarquias académicas, ouvem-se pequenos desabafos pessoais.
Quis apenas relembrar e celebrar um dos aspectos envolvidos no processo científico da Paleontologia – o trabalho de campo.
Não vem nos relatórios nem nas publicações científicas. Não existem tratados nem compêndios que o analisem e sistematizem. Apesar de tudo isso tenho constatado que é das coisas que colocam um sorriso sincero na cara de cada paleontólogo – “Vais para o campo?”
Esquecem-se labutas diárias de obtenção de fundos, de preenchimento de formalidades burocráticas, da falta de perspectivas profissionais de futuro.
E vai-se…
P.S.:Este texto é um agradecimento pelo outro lado do trabalho científico a que me dedico.
E que, tendo a sorte de o ter, o gostaria de partilhar.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 5/3/2007)
Imagens – Luís Azevedo Rodrigues
Candidatura Ibérica a Património Mundial da UNESCO – jazidas de dinossáurio
Em relação a esta notícia – aqui – só poderei, para não ser acusado de opinar excessivamente sobre assuntos que me são tão próximos, acrescentar o seguinte:
faltou falar do papel absolutamente fundamental da investigação feita nos últimos 15 anos por Vanda Faria dos Santos e que culminou na sua tese de doutoramento Cum Laude.
Este trabalho é um dos exemplos de investigação que sai da esfera do conhecimento puro e entra na aplicação quotidiana, por intermédio da divulgação do património Natural (como eu gostaria de ver comentada esta frase por Desidério Murcho ou Ludwig Krippahl!).
Sem esse trabalho, não teria sido possível levar à preservação e musealização in situ da Pedreira do Galinha ou o conhecimento das jazidas de Vale de Meios, Carenque ou Pedra de Mua (no cabo Espichel).
É um trabalho que não é visível a olho nu mas que está lá.
É um trabalho feito quer no contacto com os políticos, quer no contacto com o grande público.
Mas, acima de tudo, é um trabalho de divulgação e protecção do património natural feito contra os bem pensantes ou apenas contra a ignorância, sejam da casa ou de fora dela.
Parabéns Vanda!
Imagens – National Geographic Portugal; gráfico de Carlos Marques da Silva e Vanda Faria dos Santos