II O canário do mineiro

(continuação)

O registo paleontológico conta-nos que, após cada evento deste tipo, se dá um rápido desenvolvimento de novas linhagens biológicas. É comummente aceite que o desaparecimento dos dinossáurios terá facilitado o desenvolvimento e diversificação dos mamíferos. Este pequeno exemplo permite constatar que os acontecimentos de extinção de enormes quantidades de seres vivos facilitaram o desenvolvimento de outros grupos biológicos, entre os quais os próprios seres humanos.

Num inquérito recentemente efectuado entre biólogos, paleontólogos e evolucionistas, sete em cada dez afirmam que está a ocorrer mais uma das grandes extinções – a Sexta Extinção em Massa. Esta extinção tem como principal causa um único ser vivo – Homo sapiens – e será provavelmente a mais devastadora das que a precederam.
São referidos números distintos mas é unânime que os números avançados, em 1993, por E.O. Wilson – que cerca de 30 000 espécies desaparecem por ano – se encontram desactualizados, mas por defeito…

Ao contrário das outras cinco, a Sexta Extinção caracteriza-se por enormes transformações da paisagem, sobreexploração das espécies (animais e vegetais), poluição e introdução de espécies estranhas a determinados ecossistemas (por ex. acácias introduzidas em Portugal).

A redução da diversidade biológica regista-se a uma taxa nunca antes testemunhada no nosso planeta – em quantidade e rapidez com que está a ocorrer. A título de exemplo, entre as cerca de 10 000 espécies de aves que actualmente se conhecem cerca de 1200 estão seriamente em risco de extinção.

Porque devemos então preocupar-mo-nos que uma espécie de anfíbio da América do Sul se extinga?

Para além de nos inquietar a redução do património genético e consequente “ataque” à biodiversidade, esse desaparecimento é uma mensagem especial.

Deve fazer-nos lembrar que esse anfíbio pode ser o nosso Canário do Mineiro, que lhe devemos prestar atenção correndo o risco de, se o não fizermos, colocarmos a vida na Terra num futuro mais do que minado…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em Outubro de 2004)

Referências
existe vasta bibliografia referente a extinções em massa; recomendo sobretudo os trabalhos de Douglas Erwin, que há mais 15 anos teve a simpatia e modéstia de responder directamente a uma questão trivial de um estudante de licenciatura sobre …o estudante era eu; a questão tenho pudor em a revelar.

Imagens (dos dois posts e por ordem):
daqui, daqui, daqui, daqui, daqui e, finalmente daqui.

O canário do mineiro I

(recupero um texto publicado em 2004 como consequência da vinda de Niles Eldredge à Gulbenkian, no próximo dia 13 de Fevereiro, para uma palestra integrada na comemoração dos 150 anos da publicação da Origem das espécies de Charles Darwin)

Há cerca de 10 anos, deambulava eu numa livraria de Edimburgo quando encontrei um livro de um dos mais importantes paleontólogos e evolucionistas ainda vivos.

O livro, “The Miner’s Canary. Unravelling the Mysteries of Extinction”, custou-me apenas uma libra e foi escrito por Niles Eldredge.

Este paleontólogo, que em conjunto com Stephen Jay Gould, propôs, na década de 70 do século passado, uma das mais importantes teorias revisionistas da Evolução – o Equilíbrio Pontuado.

O Professor Eldredge trabalha há mais de trinta anos no American Museum of Natural History (AMNH), em Nova Iorque, como Curator de Invertebrados.
Desde o primeiro dia em que cheguei ao AMNH, para desenvolver a minha investigação em dinossáurios, tive o título desse livro a martelar-me na cabeça.

Passava todos os dias pelo corredor onde se localizava o gabinete do Doutor Eldredge e sempre o quis questionar da razão desse esse título…

O título surgiu de uma costume dos mineiros do século XIX e início do século XX. As aves eram transportadas, em gaiolas, para as profundezas da Terra para auxiliarem na detecção de concentrações anormais de gases perigosos (metano, monóxido de carbono, etc.). Quando, devido à actividade mineira, os gases eram libertados, os canários eram os primeiros dar o sinal de alerta, comportando-se de uma forma assustada – deixavam de cantar e ficavam nervosos, chegando mesmo alguns a morrer.

Assim, os mineiros já sabiam que algo de errado se passava com o ambiente de mina, podendo fugir em segurança.

Niles Eldredge utiliza, metaforicamente, essa tradição para nos lembrar que as alterações provocadas na biodiversidade dos actuais ecossistemas pelo Homem têm necessariamente consequências sobre tudo e todos.

Apesar de estarmos familiarizados com a palavra extinção e sermos capazes de identificar as suas causas, extinções e desaparecimentos biológicos em grande escala não são uma novidade na História da Terra.

As Extinções em Massa são acontecimentos em que, num curto espaço de tempo geológico, grande quantidade de formas de vida desaparece a nível planetário.

Fenómenos assim designados foram vários, mas os mais importantes (em quantidade de espécies e número de ecossistema afectados) são cinco:

Ordovícico (440 milhões de anos; desaparecimento de 57% de espécies marinhas, uma vez que a vida em ambientes terrestre ainda não se havia desenvolvido) – a segunda extinção mais devastadora para os ambientes marinhos; um terço de todas as famílias de braquiópodes e briozoários, bem como inúmeras famílias de conodontes, trilobites, graptólitos e corais;

Devónico (370 milhões de anos) Desaparecimento de 75% das espécies marinha entre corais rugosos e várias espécies de trilobites e amonites;

Pérmico/Triásico (250 milhões de anos – 60% de desaparecimento de todas as espécies e 75 a 90% das espécies marinhas). Nesta extinção, por exemplo, desapareceram todas as espécies de trilobites bem como diversos grupos de vertebrados terrestres. Actualmente pensa-se que na sua origem terá estado uma enorme actividade vulcânica. Esta actividade, para além do efeito directo das lavas (cerca de 2000000 km3 (!) em menos de um milhão de anos) terá libertado igualmente uma imensa quantidade de gases para a atmosfera que contribuíram directamente para importantes alterações climáticas. Efeitos indirectos dos gases libertados foram as alterações na composição química, circulação e oxigenação dos oceanos. As mais recentes investigações apontam igualmente para uma possível queda de um meteorito~;

Triásico/Jurássico (200 Milhões de anos – 45% de todas as espécies). Esta extinção é uma das menos conhecidas e terá feito desaparecer, entre outras, grande quantidade de espécies de dinossáurios “primitivos”;
Cretácico/Terciário (65 milhões de anos – 75% de fauna e flora, entre os quais todos os dinossáurios não-avianos e amonites). Esta é uma das extinções melhor estudadas e conhecidas, estando na sua génese o bem conhecido impacto de um meteorito que poderá ter tido como aliados fenómenos de vulcanismo intenso.

(continua 5ª feira dia 22 de Janeiro de 2009)

Porto-Lisboa em 4600 milhões de anos

Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.

Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos.

Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.

Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).
A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).

A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).

Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (700 MA).

Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros depois. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).

A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a apenas 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a 1 metro surge a agricultura.

Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!

Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)

Imagens – daqui

TEMPOS

You can’t have a better tomorrow if you are thinking about yesterday all the time.

Charles F. Kettering, 1876-1958

A man who dares to waste one hour of time has not discovered the value of life.
Charles Robert Darwin, 1809-1882

I live a day at a time. Each day I look for a kernel of excitement. In the morning I say: What is my exciting thing for today? Then, I do the day. Don’t ask me about tomorrow.
Barbara Charline Jordan

Imagem – John Vink/Magnum Photos