Grand Canyon e a Arte


É lugar comum em conversas de café discutir-se pintura, música, literatura ou história. Normalmente emitem-se opiniões e confrontam-se gostos. Digladiam-se conhecimentos mais ou menos fundamentados sobre vários campos do conhecimento.
Normalmente não se confundem tendências artísticas nem épocas históricas; arrumam-se os vários artistas nos movimentos e séculos respectivos.
Beethoven foi influenciado na sua produção artística pelo papel histórico e social de Napoleão Bonaparte e não por Átila, o Huno.
Picasso apesar de o poder ter feito (como seria?) não pintou o tecto da Capela Sistina.
Os Medici não patrocinaram a obra literária de Samuel Beckett.
Estes exemplos, que roçam o absurdo, servem apenas para ilustrar que, e bem, a literacia artística e histórica têm um papel nos acto sociais que não tem a literacia científica.
É socialmente reprovado se alguém comete um dos deslizes atrás mencionados; mas um deslize equivalente é desculpável se esse mesmo alguém afirmar que no Marão existem pegadas de dinossáurio, que o Jurássico é um título de um filme ou que nós somos o píncaro da Evolução.
As obras de arte exercem em nós o despertar de emoções mas queremos sempre complementá-las com um background de conhecimento (quem fez, quando fez, etc.). As duas componentes completam-se, permitindo desfrutar de uma forma mais completa aquilo que foi produzido. Ou não, dirão alguns puristas…
Duas realidades – obra de Arte vs Paisagem Natural – como ponto de partida para sublinhar que a Cultura Científica, em geral, e a História Natural, em particular, não têm na população uma tão forte influência como outra áreas do conhecimento.
Nunca fui ao Grand Canyon.
Devido à minha formação científica e à minha vivência pessoal, reconheço que essa maravilha da morfologia geológica tem um efeito tremendo em quem a observa pela primeira vez. No filme homónimo de Lawrence Kasdan, o Grand Canyon é utilizado como a manifestação telúrica da insignificância do Homem, quer temporal quer física.
Qualquer pessoa, diante daquele enorme desfiladeiro, sente que tudo é relativo. Insignificante. E gosta do que vê. Memoriza.
Apesar do inquestionável prazer provavelmente é apenas o fruir dos sentidos, não sendo mais completa a experiência devido à iliteracia científica do que se vê.
Se o turista souber que as centenas de metros de altura de rochas que observa foram o resultado de milhões de anos de sedimentação geológica talvez o efeito seja diferente. Se souber que os sulcos quilométricos que ornamentam o grande desfiladeiro são o resultado da lenta erosão levada a cabo pelo rio Colorado ao longo de milhões de anos, talvez ficasse mais deslumbrado.
Para apreciar algo de belo não é fundamental conhecer como se chegou até ele mas que ajuda a melhor o apreciar, ajuda!
O prazer que algumas obras de arte nos oferecem poderão não necessitar da Teoria; mas sem ela não a gozaremos por completo, ficando quase empurrados aos “Gostei ou não gostei”.
De maneira análoga uma paisagem natural pode ser apreciada meramente ao nível imediatista. Mas a emoção que essa paisagem desencadeia em nós pode ser trabalhada pela educação científica.
Melhor sentida?
De certo melhor protegida.
A literacia científica é fundamental como mais-valia para vermos e apreciarmos a Natureza que nos rodeia.
E, já agora, donde vem o nome Jurássico?
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 20/04/2006)

Viagem no tempo


Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.
Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos. Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.
Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).
A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).
A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).
Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (_3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (_700 MA).
Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros após. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).
A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a apenas 1 metro a agricultura.
Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!
Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)

9 Mitos/Confusões sobre Dinossáurios/Paleontologia


Tal como temos ideias pré-concebidas em relação à política, ao futebol e à vida em geral, também no campo da Paleontologia é habitual termos concepções que não correspondem ao que a Ciência conhece.
Porque a literacia científica é importante.
1-Os dinossáurios eram animais “estúpidos” – este conceito é, erroneamente, apoiado pelo facto de que se extinguiram. A paleontologia sabe que o grupo de animais designados de dinossáurios foi, em maior ou menor grau, dominante em diversos ecossistemas durante mais de 170 milhões de anos; em termos comparativos o Homem, como espécie, habita o nosso planeta há uns míseros milhões de anos…estúpidos?
Não.
Cumulativamente conhecem-se hoje restos fossilizados de dinossáurio – Troodon – em que a relação tamanho corporal/tamanho craneal é bastante elevada levando os paleontólogos a especular se aquele grupo de animais não possuiria padrões de comportamento bastante desenvolvidos.
2-Steven Spielberg no “Parque Jurássico” foi o primeiro a “utilizar” os dinossáurios no cinema – ao contrário do que geralmente se pensa, a utilização dos enormes animais do Mesozóico não foi uma ideia original de Hollywood. O primeiro filme de animação tinha como personagem principal um dinossáurio saurópode, ou melhor uma “menina” saurópode de nome Gertie. Foi realizado em 1914 por Winsor McCay (também autor da famosa obra “O pequeno Nemo); McCay foi influenciado por uma visita que efectuou ao Museu de História Natural de Nova Iorque, tendo ficado tão impressionado com o Brontosaurus (hoje designado Apatosaurus) em exposição que o decidiu “utilizar” no primeiro filme de animação.
Ao longo da história do cinema contam-se imensos exemplos que integram como personagens os dinossáurios; apenas dois exemplos: “O Mundo Perdido” de 1925 e “Quando Os Dinossauros Dominavam a Terra” de 1970.
3- Os arqueólogos estudam os dinossáurios e os fósseis – tal como não são os paleontólogos que estudam os vestígios da Humanidade em Foz Côa ou no Egipto, também não são os arqueólogos que estudam as formas de vida preservadas sob a forma de fósseis – esse é o trabalho do paleontólogo.
4- Na linguagem do dia-a-dia a utilização das palavras “dinossauro” e “fóssil” estão associados a conceitos ultrapassados – televisão, rádio, jornais e mesmo nas conversas quotidianas veiculam as palavras dinossáurio e fóssil associadas a conceitos de objectos, ideias ou pessoas que estão ultrapassadas, velhas e antiquadas. Apesar de nalguns contextos aquela associação fazer sentido, na maioria dos casos é errada, pois os dinossáurios foram animais excelentemente adaptados aos seus ambientes e constituíram um grupo de sucesso durante muitos milhões de anos (ver ponto 1).
5- Homem e dinossáurios foram contemporâneos – nos exemplos cinematográficos atrás referidos, em obras literárias (“O Mundo Perdido”, “Lost World” no original, de Sir Arthur Conan Doyle) e séries televisivas (“Os Flinstones”, por exemplo), o Homem e os dinossáurios coexistem em ambientes mais ou menos remotos.
Sob um ponto de evolutivo e da História da Vida, esta perspectiva, obviamente, não está correcta. Entre os dois grupos de seres vivos existem um “fosso” temporal de mais de 60 milhões de anos! Os antepassados do Homem moderno, num sentido amplo, terão surgido há cerca de 4 ou 5 milhões de anos, tendo os grandes sáurios desaparecido há 65 milhões de anos.
Mas para efeitos ficcionais o devaneio artístico é bem tolerado…
6- Todos os grandes répteis do Mesozóico eram dinossáurios – embora os dinossáurios dominassem um grande número de ecossistemas não eram o único tipo de fauna.
Dimetrodon, Pteranodon (pterossáurio), e Megalneusaurus (réptil marinho) não eram dinossáurios e são alguns exemplos de outros répteis contemporâneos dos grandes sáurios. Tal como hoje não existem unicamente mamíferos em diversos ecossistemas, também no Mesozóico não existiam só dinossáurios…
7- Os dinossáurios eram voadores e habitavam também os mares – os dinossáurios eram animais exclusivamente terrestres. Répteis como os pterossáurios (voadores) são normalmente confundidos com os dinossáurios; embora parentes próximos, não pertencem ao mesmo grupo. Tendo em atenção que os dinossáurios são os antepassados das aves, então podemos dizer que existiram dinossáurios voadores; mas tendo em atenção essa ressalva…
De maneira semelhante, existiram e desapareceram no mesmo momento grupos de répteis parentes dos dinossáurios que habitavam o meio aquáticos – os ictiossáurios, os plesiossáurios e os mosassaúrios.
8- Todos os dinossáurios eram enormes – embora uma das estratégias evolutivas desenvolvida pelos dinossáurios fosse o aumento de tamanho, conhecem-se actualmente algumas espécies de pequeno porte. Exemplos como Procompsognathus e Echinodon apresentavam tamanho que variavam entre o 1,20 e 1,50.
9- Os mamíferos só apareceram depois de os dinossáurios se extinguirem – os últimos anos têm permitido reformular esta ideia; foram descobertos mamíferos fossilizados na China que transformaram a ideia que os nossos antepassados longínquos eram de tamanho muito reduzido e viviam em poucos ambientes.
O Repenomamus foi descoberto recentemente e permitiu saber os mamíferos apresentavam tamanhos maiores do que se pensava e, mais surpreendente, se alimentavam, sempre que podiam, de dinossáurios! Este facto foi provado quando se descobriu este animal com restos fossilizados de um dinossáurio no seu interior. Podemos, desta forma, perceber que os mamíferos ancestrais não eram inofensivos como se suponha, aproveitavam as oportunidades que a Natureza lhes oferecia…
P.S.- para quem estiver interessado aprofundar os conhecimentos sobre a influência dos dinossáurios na cultura popular pode tentar obter o excelente livro Starring T-Rex: Dinosaur Mythology and Popular Culture publicado pela Indiana University Press e, infelizmente, sem edição em português. Escrito pelo catedrático de Paleontologia e cinéfilo José Luís Sanz, da Universidad Autónoma de Madrid.

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 02/03/2006)

O mamífero que comia dinossáurios

O mamífero que comia dinossáurios

Em 2003 agricultores chineses descobriram dois esqueletos de um tipo do animal nunca antes visto: um mamífero do tamanho de um cão que viveu há 135 milhões de anos.
A descoberta revoluciona o conhecimento actual de que os mamíferos mais desenvolvidos da época dos dinossáurios não eram do tamanho de pequenos roedores.
No interior de um dos esqueletos – onde foi outrora o seu estômago – os paleontólogos encontraram um conjunto de minúsculo dos ossos, os restos que pertenceram a um pequeno dinossáurio de aproximadamente 13 cm de comprimento – o Psittacosaurus.
Os cientistas dizem que o achado irá provocar a reavaliação dos actuais conhecimentos sobre as relações entre mamíferos e dinossáurios durante o Mesozóico – os mamíferos afinal não eram os seres indefesos e minúsculos que até hoje se pensava.
Os fósseis, classificados como Repenomamus, foram encontrados na província de Liaoning na China, uma região que tem fornecido numerosos fósseis originais nos últimos anos. Esta descoberta aparece publicada no jornal científico Nature.
Os mamíferos, tradicionalmente encarados como pequenos e periféricos na evolução dos vertebrados do Mesozóico são, em face desta nova descoberta, olhados com outros olhos – já imagino a satisfação e os sorrisos dos meus colegas paleontólogos que estudam mamíferos, que agora já têm também as suas estrelas nos “combates” jurássicos!!
Os mamíferos procuravam e consumiam aquilo que podiam (à semelhança do que acontece actualmente), até dinossáurios. Alguns dos nossos antepassados de maior dimensão competiam com os dinossáurios por territórios e alimentos. Nem sempre os leões são os reis da savana tal como os dinossáurios não eram os senhores absolutos do Mesozóico!
Outras mudanças importantes no conhecimento científico da História da Vida no obrigaram a rever conceitos anteriormente estabelecidos. É o caso da descoberta do Celacanto na década de 40 do século passado. Até esse momento pensava-se que este peixe estava extinto, limitando-se os investigadores a analisarem o seu registo fóssil. O Celacanto é considerado actualmente um fóssil vivo pois, ao longo dos últimos milhões de anos, não apresenta diferenças anatómicas significativas com os seus parentes actuais.
Um outro caso de como os conceitos científicos são alterados diz respeito aos dinossáurios saurópodes. Estes animais de enorme tamanho e peso, com caudas grandes, foram, nos primórdios da Paleontologia, descritos como animais que necessitariam viver semi-imersos em ambientes aquáticos (um pouco à semelhança dos hipopótamos). Este facto era devido à sua enorme massa corporal que, segundo os cientistas do início do século passado, os impediria de viver em terra firme. Hoje em dia, graças aos estudos de biomecânica e de análise das suas pegadas, sabemos que eram animais dinâmicos e activos, deslocando-se um pouco como os actuais elefantes e não estando confinados a viverem mergulhados na água
A Paleontologia, tal como outros campos da Ciência, é feita de revisões, de avanços e mudanças de rumo, de olharmos a mesma coisa com olhos diferentes ou com os mesmos olhos olharmos novas coisas.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 24/01/2005)

O CANÁRIO DO MINEIRO OU A SEXTA EXTINÇÃO


Há cerca de 10 anos, deambulava eu numa livraria de Edimburgo quando encontrei um livro de um dos mais importantes paleontólogos e evolucionistas ainda vivos.
O livro “The Miner’s Canary. Unravelling the Mysteries of Extinction”, custou-me apenas uma libra e foi escrito por Niles Eldredge. Este paleontólogo, que em conjunto com Stephen Jay Gould, propôs, na década de 70 do século passado, uma das mais importantes teorias revisionistas da Evolução – O Equilíbrio Pontuado. O Professor Eldredge trabalha há mais de trinta anos no American Museum of Natural History (AMNH), em Nova Iorque, como Curator de Invertebrados. Desde o primeiro dia em que cheguei ao AMNH, para desenvolver a minha investigação em dinossáurios, tive o título desse livro a martelar-me na cabeça. Passava todos os dias pelo corredor onde se localizava o gabinete do Doutor Eldredge e sempre o quis questionar da razão de se ter lembrado de esse título…
O título surgiu de uma costume dos mineiros do século XIX e início do século XX. Essas aves eram transportadas, em gaiolas, para as profundezas da Terra para auxiliarem na detecção de concentrações anormais de gases perigosos (metano, monóxido de carbono, etc.). Quando, devido à actividade mineira, esses gases eram libertados, os canários eram os primeiros a os detectar, comportando-se de uma forma anómala (deixavam de cantar e ficavam nervosos, chegando alguns a morrer). Assim, os mineiros já sabiam que algo de errado se passava com o ambiente de mina, podendo fugir em segurança.
Niles Eldredge utiliza, metaforicamente, essa tradição para nos lembrar que as alterações provocadas na biodiversidade dos actuais ecossistemas pelo Homem têm necessariamente consequências sobre tudo e todos.
Apesar de estarmos familiarizados com a palavra extinção e sermos capazes de identificar as suas causas, extinções e desaparecimentos biológicos em grande escala não são uma novidade na História da Terra.
As Extinções em Massa são acontecimentos em que, num curto espaço de tempo geológico, grande quantidade de formas de vida desaparece a nível planetário.
Fenómenos assim designados foram diversos, mas os mais importantes (em quantidade de espécies e número de ecossistema afectados) são cinco:
Ordovícico (440 milhões de anos; desaparecimento de 57% de espécies marinhas, uma vez que a vida em ambientes terrestre ainda não se havia desenvolvido) – a segunda extinção mais devastadora para os ambientes marinhos; um terço de todas as famílias de braquiópodes e briozoários, bem como inúmeras famílias de conodontes, trilobites, graptólitos e corais.
Devónico (370 milhões de anos) Desaparecimento de 75% das espécies marinha entre corais rugosos e várias espécies de trilobites e amonites.
Pérmico/Triásico (250 milhões de anos – 60% de desaparecimento de todas as espécies e 75 a 90% das espécies marinhas). Nesta extinção, por exemplo, desapareceram todas as espécies de trilobites bem como diversos grupos de vertebrados terrestres. Actualmente pensa-se que na sua origem terá estado uma enorme actividade vulcânica. Esta actividade, para além do efeito directo das lavas (cerca de 2000000 km3 (!) em menos de um milhão de anos) terá libertado igualmente uma imensa quantidade de gases para a atmosfera que contribuíram directamente para importantes alterações climáticas. Efeitos indirectos dos gases libertados foram as alterações na composição química, circulação e oxigenação dos oceanos. As mais recentes investigações apontam igualmente para uma possível queda de um meteorito.
Triásico/Jurássico (200 Milhões de anos – 45% de todas as espécies). Esta extinção é uma das menos conhecidas e terá feito desaparecer, entre outras, grande quantidade de espécies de dinossáurios “primitivos”.
Cretácico/Terciário (65 milhões de anos – 75% de fauna e flora, entre os quais todos os dinossáurios não-avianos e amonites). Esta é uma das extinções mais bem estudadas e conhecidas, estando na sua génese o impacto de um meteorito e fenómenos de vulcanismos intenso.
O registo paleontológico “diz-nos” que após cada evento deste tipo se dá um rápido desenvolvimento de novas linhagens biológicas. É comummente aceite que o desaparecimento dos dinossáurios terá facilitado o desenvolvimento e diversificação dos mamíferos. Este pequeno exemplo permite constatar que os acontecimentos de extinção de enormes quantidades de seres vivos facilitaram o desenvolvimento de outros grupos biológicos, entre os quais os próprios seres humanos.
Num inquérito recentemente efectuado entre biólogos, paleontólogos e evolucionistas, sete em cada dez afirmam que está a ocorrer mais uma das grandes extinções – a Sexta Extinção em Massa. Esta extinção tem como principal causa um único ser vivo – Homo sapiens – e será provavelmente a mais devastadora das que a precederam.
São referidos números distintos mas é unânime que os números avançados em 1993 por E.O. Wilson – que cerca de 30000 espécies desaparecem por ano – se encontram desactualizados, mas em por defeito…
Ao contrário das outras cinco, a Sexta Extinção caracteriza-se por enormes transformações da paisagem, sobreexploração das espécies (animais e vegetais), poluição e introdução de espécies estranhas a determinados ecossistemas (por ex. acácias introduzidas em Portugal). A redução da diversidade biológica regista-se a uma taxa nunca antes testemunhada no nosso planeta – em quantidade e rapidez com que está a ocorrer. A título de exemplo, entre as cerca de 10 000 espécies de aves que actualmente se conhecem cerca de 1200 estão seriamente em risco de extinção.
Porque devemos preocupar-nos que uma espécie de anfíbio da América do Sul se extinga?
Para além de nos inquietar a redução do património genético e consequente “ataque” à biodiversidade, esse desaparecimento é uma mensagem especial.
Deve fazer-nos lembrar que esse anfíbio pode ser o nosso Canário do Mineiro, que lhe devemos prestar atenção correndo o risco de, se o não fizermos, colocarmos a vida na Terra num futuro mais do que minado…
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em Outubro de 2004)