Grandes Opções

Antechinus stuartii

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 10/5/2007)
Situações há que impõem que se façam escolhas e renúncias.

Já abordei algumas dessas opções, num contexto biológico, no texto “Tempos de crise – apertar o coração e o fígado”.

Eram referidas modificações fisiológicas que uma gazela do Deserto da Arábia sofre para poder suportar as duras condições daquele meio.
Contudo, não são só as condições adversas do meio-ambiente que impõem mudanças na fisiologia do organismo.
Uma das funções essenciais para todos os organismos é a reprodução – transmitir os seus genes à descendência – numa perspectiva que Richard Dawkins apelidou de O Gene Egoísta, no livro homónimo.

O Antechinus stuartii é um pequeno marsupial carnívoro que apresenta, no seu comportamento reprodutivo, alterações fisiológicas que, na maioria dos casos, conduzem a um desfecho trágico.
Tal como outros marsupiais, o Antechinus é um animal solitário e nocturno, caçando sobretudo insectos, mas também pequenas aves e répteis.

normal_Z-badoo_tealeaf-antechinusA época de reprodução deste mamífero inicia-se no final do Inverno australiano, numa época de escassez alimentar, surgindo então as primeiras modificações corporais. Um mês antes da época de acasalamento, o corpo do Antechinus macho suspende a produção de esperma. O aparente paradoxo desta mudança fisiológica pode ser explicado pela redução nos gastos energéticos. Aquele fenómeno exige do animal um dispêndio considerável de energia na produção do material biológico envolvido na reprodução.
Mas as mudanças não ficam por aqui.
Para além de suspender a produção de esperma, este animal inibe igualmente a síntese de algumas proteínas fundamentais, reduzindo ainda a actividade do próprio sistema imunitário. Estes fenómenos visam igualmente minimizar o gasto energético, com vista ao acto reprodutivo.

No entanto, a alteração verdadeiramente surpreendente é o enorme aumento de concentração sanguínea de testosterona. Esta hormona, produzida nos testículos e glândulas supra-renais, é conhecida popularmente como a hormona masculina e está associada ao aumento da libido e da agressividade.
Resumindo: o Antechinus macho cessa parte das actividades metabólicas, com o objectivo de preservar a sua energia, ao mesmo tempo que aumenta a produção de hormonas ligadas à necessidade obsessiva de se reproduzir.
Apesar de solitário durante a maior parte do tempo, a época reprodutiva é bastante activa, chegando mesmo a ser violenta. Durante esse período, os machos socializam, formando “arenas de cortejamento” onde disputam as fêmeas.

Os machos procuram freneticamente as fêmeas, utilizando a denominada cópula prolongada – entre 5 e 14 horas – com o fim de evitar que outros machos copulem.
Contudo, todas aquelas alterações fisiológicas têm custos biológicos. Após a época de acasalamento, os machos apresentam-se doentes e com parasitas, devido à depressão a que havia sido sujeito o seu sistema imunitário, observando-se que a maioria não sobrevive ao primeiro ano. Pelo contrário, em cativeiro, os Antechinus podem atingir cinco anos de longevidade.
Há, assim, um investimento biológico quase total na reprodução, tão grande que os machos não sobrevivem ao primeiro ano e aqueles que sobrevivem apresentam-se estéreis e sem viabilidade.
Os “super-machos”, carregados de testosterona, ficam desta forma condenados pelas suas opções.

Tal como os Antechinus “cortam” parte das suas funções vitais para poderem ter prole, apesar das consequências trágicas, também uma sociedade que tem de fazer cortes enormes em sectores fundamentais como a Educação e a Saúde pode correr o risco de não sobreviver.
Desejo que essas opções conduzam não à morte, mas à sobrevivência da “espécie” Portugal.

Referências
Kerr, J.B., and Hedger, M.P. (1983). Spontaneous spermatogenic failure in the marsupial mouse Antechinus stuartii Macleay (Dasyuridae, Marsupialia). Austral. J. Zool. 31, 445-466.

Bradley, A. J., I. R. McDonald, et al. (1980). Stress and mortality in a small marsupial (Antechinus stuartii, Macleay). Gen Comp Endocrinol 40(2): 188-200.

Ilustrações
Rui Ricardo e ESD