Força, Força, companheiro Vasco
“Psicólogo?”, perguntou sem levantar os olhos do papel que preenchia.
“Não. Paleontólogo”, retorquiu de forma lenta.
“Sociólogo?”, perguntou, desta vez já com os olhos na criança.
“Não”, de forma seca e decidida. “P-a-l-e-o-n-t-ó-l-o-g-o”, disse pausadamente e como se soubesse soletrar.
A ignorância percorreu a enfermeira. “Que raio era aquele tólogo que o catraio lhe insistia em atirar à cara?”, deve ter pensado.
“Então é isso que queres ser quando fores grande?”
“Sim. Ir descobrir dinossauros.”
Assim respondeu Vasco, há dois anos, à enfermeira que o tratava num hospital.
São histórias destas que por vezes se escutam quando fazemos acções de divulgação do património paleontológico português. Esta foi-me contada pela mãe, logo depois de o Vasco se me ter apresentado da seguinte forma:
“Olá. Eu sou o Vasco, tenho seis anos e quero ser paleontólogo.”
A apresentação foi feita enquanto caminhávamos com o resto do grupo numa ação gratuita do Ciência Viva no Verão pela praia da Salema. Eu e ele falámos uns minutos, sobre dinossauros e as pegadas que estávamos a ver.
Após a breve conversa, dirigi-me à mãe de Vasco e disse-lhe:
“O Vasco é um miúdo esperto e despachado mas quer ser paleontólogo. Não lhe põe juízo na cabeça?”, gracejei eu, convencido que tinha piada.
Foi então que a mãe me contou a história da enfermeira que não sabia o que era um paleontólogo, e do antigo desejo de Vasco, que ainda com 4 anos de idade já queria ser paleontólogo.
Corei de vergonha.
Já há pelo menos dois anos que o Vasco quer descobrir e estudar dinossauros.
Um terço da sua vida.
Quem sou eu para brincar com os desejos de alguém que, proporcionalmente, deseja há mais tempo que eu ser paleontólogo?
Imagem:
Caderno de campo do Vasco, 6 anos. Desenho feito logo após a visita que guiei às pegadas de dinossauro da Salema. 7 de Novembro de 2009.
Spinophorosaurus nigerensis
Um dos dinossauros, recentemente descoberto e publicado, de que irei falar no próximo sábado – Spinophorosaurus nigerensis.
Pena é nenhum português ter participado no trabalho científico…
Referência (PDF gratuito):
Remes, Kristian, Francisco Ortega, Ignacio Fierro, Ulrich Joger, Ralf Kosma, Jose Manuel Marin Ferrer, for the Project PALDES, for the Niger Project SNHM, Oumarou Amadou Ide, and Abdoulaye Maga. 2009. A new basal sauropod dinosaur from the Middle Jurassic of Niger and the early evolution of Sauropoda. PLoS ONE 4(9):e6924. doi:10.1371/journal.pone.0006924
Imagem:
do paper
Raptorex kriegsteini
Um novo dinossáurio, Raptorex kriegsteini, descoberto em rochas do Cretácico inferior da China.
Com as plano corporal de um Tyrannosaurus rex – patas anteriores muito reduzidas, crânio proporcionalmente grande e membros posteriores adaptados para a corrida, tinha um tamanho muito inferior ao seu parente mais abonado.
Para além das imagens, a entrevista ao paleontólogo Paul Sereno, da Universidade de Chicago, permitem conhecer um pouco mais desta nova estrela da paleontologia, de como foi descoberto, comprado e veio parar à mãos do paleontólogo.
Referência:
Sereno, P.C., Tan, L., Brusatte, S., Kriegstein, H.J., Zhao, X., and K. Cloward. 2009. Tyrannosaurid body design first evolved at small body size. Science 325. doi: 10.1126/science.1177428
Imagens:
daqui e daqui
Open Dinosaur Project
Uma breve referência ao Open Dinosaur Project (ODP).
Do FAQ
“The ODP (Open Dinosaur Project) is a collaborative research effort, focused on developing a comprehensive database of limb bone measurements for dinosaurs. By collaborative, we truly mean it – anyone is allowed to contribute to the database. We will focus on measurements in the literature as well as “original” measurements taken directly from specimens. For Phase I of the project, we will use the data to look at patterns of limb bone evolution in ornithischian dinosaurs, and how it relates to the evolution of locomotion in this group. Preliminary results and analyses will be blogged at this website, and all participants will be included as junior authors on the resulting scientific paper, unless they request otherwise.”
Imagem:
do ODP
FOTOS DE TRABALHO
Neuquensaurus australis e humanos
Museo de Historia Natural de La Plata, Argentina, 2005.
(auto)Imagem – Luís Azevedo Rodrigues
Ornitorrinco via os dinos passar
Quando escrevi “Chernes e ornitorrincos”, este estudo ainda não tinha vindo a público.
Paleontólogos do Museu de Vitória, Austrália, descobriram fósseis de ornitorrinco muito mais velhos do que até agora se sabia. Estes materiais paleontológicos datam do Cretácico inferior, Aptiano, entre os 112 e os 125 milhões de anos, e “puxam” a história evolutiva deste mamífero ainda mais para o passado da Terra.
Embora não sejam idênticos ao modernos ornitorrincos, Ornithorhynchus anatinus, as características anatómicas observadas (através de tomografia computadorizada) nas mandíbulas fossilizadas permitiram identificá-las como pertencentes à mesma família – Ornithorhynchidae.
Ao contrário dos actuais ornitorrincos que têm uma estrutura semelhante a bico, os seus antepassados possuíam dentes.
Os ornitorrincos viram os dinossauros a passar…
O artigo é hoje publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.
Imagem: daqui
Saudades
Não tenho tempo para comentar esta notícia.
Apenas para a recordação emotiva do primeiro dinossáurio que estudei – o Tenontosaurus – no American Museum of Natural History, em Nova Iorque.
Mais do que um Museu, uma casa de Ciência.
Às vezes dá-me para isto…
Referência: Lee, A.H. and Werning, S. 2008. Sexual maturity in growing dinosaurs does not fit reptilian growth models. PNAS. January 15, vol. 105 | no. 2, 582-587.
Na China – I
A “história” chinesa foi bastante complicada – ver post com outra das histórias.
O contacto inicial foi feito com Xu Xing do IVPP. Ele é responsável por mais 20 espécies novas de dinossáurios e publicou mais de 10 artigos na Nature.
Para além de me receber, propôs-me também iniciar trabalho de análise morfológica 3D de crâneos de Psittacosaurus, em conjunto com um aluno seu de doutoramento (foto).
Durante a primeira semana de estadia em Pequim, Dong Zhi-ming, um dos “pais” da Paleontologia de dinossáurios na China, encontrava-se em Pequim de visita. Falei com ele, contei-lhe o meu projecto e ele convidou-me para, passados 4 dias, nos encontrarmos no sul da China, em Lufeng. Comecei logo a tratar das coisas (arranjar avião pois Lufeng, na província de Yunnan, fica próximo da fronteira com o Vietname e do Laos) e a improvisar os meus planos iniciais.
Passados esses dias aterrava em Kunming onde tinha colaboradores de Dong Zhi-ming à minha espera, para uma viagem de carro de cerca de duas horas até Lufeng.
Estive cerca de uma semana trabalhando sobretudo em prossaurópodes, o mais famoso dos quais é o Lufengosaurus (do nome da cidade), mas também em diversos saurópodes, alguns dos quais ainda não descritos.
Fiz também prospecção no campo em conjunto com Dong Zhi-ming nas famosas jazidas do Triásico desta região.
Este investigador ficou tão impressionado com o meu trabalho que me propôs que regressasse para descrever novos materiais (provavelmente novas espécies, das centenas de ossos que eles têm em preparação), mas essa história fica para mais tarde…
Em Lufeng fui brindado com os manjares entomológicos que os meus colegas me tinham reservado – sou extremamente alérgico à picada de abelhas e vespas e quando me puseram à frente um prato de larvas e vespas adultas ia caindo para o lado!
Neste jantar, para além de Dong Zhi-ming e colaboradores, estavam também quatro colegas da Mongólia Interior, conhecidos, entre outras atributos, por serem resistentes aos efeitos do álcool. Para os chineses, quem aguenta bem a bebida é porque é bom líder, disseram-me.
Para além de convidado, era estrangeiro, e nisso os chineses são muito formais, de maneira que de 5 em 5 minutos levantava-se um chinês, fazia-me um brinde e bebíamos ambos um trago de aguardente de arroz. Como eles eram dez e eu o único convidado, tive que efectuar vários brindes com aguardente…
Dong Zhi-ming contou-me, no dia seguinte, que os colegas mongóis tinham ficado impressionados comigo porque nunca abandonei as boas maneiras nem alterei o tom de voz, e isso para eles é sinal de força interior. Não sei se é ou não, o certo é que nesse dia tinha uma certa dor de cabeça!
Lufeng é uma cidade muito pequena, mesmo para os standards chineses, semi-rural e onde quase nunca vão estrangeiros – é impressionante como estavam sempre a olhar para mim quando andava na rua…!
Recordo-me de sair um dia à noite e num restaurante (o mais próximo que se pode dizer daquele espaço…) onde entrei para me aventurar nas surpresas gastronómicas, estar vazio. Passada meia-hora, já quase não haviam mesas para chineses que apenas tinham dois objectivos: beber chá e mirar o ocidental que pensava em dinossáurios saurópodes, enquanto tentava adivinhar o que lhe tinham colocado no prato!
Foi também em Lufeng que ao sair de um riquexó motorizado (basicamente uma moto com uma cobertura atrás – foto) me deixaram à porta de uma pensão que não era a minha. Era de noite, não tinha o nome do sítio onde estava nem tão pouco sabia minimamente onde me encontrava. Para além de não esperar que alguém soubesse falar inglês, e o meu ultra-básico mandarim não dar para me safar daquela situação, foram uns minutos de completa impotência. Senti-me ao mesmo tempo como uma criança perdida no supermercado e como um adulto imbecil. Depois de ter recuperado a calma abordei o condutor do riquexó com as palavras “Kong long, kong long!” que significam “dinossáurio, dinossáurio”, uma das poucas que sei em mandarim.
Após o ter repetido várias vezes e o chinês ter recuperado das gargalhadas iniciais, lá deduziu que eu queria que ele me conduzisse ao Museu dos Dinossáurios.
É que a partir do Museu sabia eu o caminho!
Terminei a noite, com a cabeça de fora da caixa motorizada a gesticular “esquerdas e direitas” até ao meu hotel no sul da China.
Já andei por grande parte do mundo e nunca me tinha sentido tão “perdido” como naqueles cinco minutos…