A história de Licélia

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Por vezes, menos do que as que seriam desejáveis, povos e países estão siamesados por palavras e nomes.
Licélia atendeu-me correcta e eficazmente, dando-me o espaço para a minha compra.
Enquanto esperávamos pela resposta digital que me permitiria sair da loja sem ser preciso chamar a polícia, entretive-me a mirar a placa identificativa.
Verifiquei que o arranjo das letras não fazia parte da minha base de dados.
Licélia.
A demora impeliu-me à pergunta óbvia:
“De onde vem o nome?”
Sorriu.
Pensei que o fizesse pelo prosaico da resposta.
Mas não.
Um batalhão português, nos idos anos 60, deslocava-se próximo de Nova Lisboa, durante a guerra colonial em Angola.
Embrenhados num mar de capim, quando a clorofila lhes permitiu verificaram estar rodeados de combatentes. Cercados, de fauna e flora, desesperavam.
Despediam-se entre si, simulando fazerem-no com amados distantes.
Nesses momentos de acosso, surgiu uma jovem, em aparição mais telúrica que divina.
Conduziu-os para fora daquele pré-inferno, longe de capim e armas.
Não se chamava Maria, a aparecida, mas sim Licélia.
O altar de homenagem à menina salvadora foi feito de coisa etérea: apenas um nome, Licélia, dado pelo pai de quem me atendia.
O pai da Licélia lusa queria fazer mais pela angolana. Levou-a, posteriormente, para longe da neo Ulissipo, para o Lobango.
Quarenta anos depois, a Licélia angolana enviou uma foto à homónima portuguesa, por familiares.
A lusa conheceu, por fim, a feição de quem lhe determinou a existência: física e nominal.
Imagem – Nick Brandt